Construções infinitivas com verbos causativos e percetivos na diacronia do português Alexandra Fiéis & Ana Madeira CLUNL / FCSH-UNL [email protected], [email protected] Em trabalho anterior mostrámos que a possibilidade de reestruturação com predicados de controlo obrigatório ocorre apenas com alguns verbos. Assim, diacronicamente, verifica-se uma tendência para a diminuição da reestruturação, que se traduz no aumento da opcionalidade da subida de clítico com verbos de controlo. Em Português Europeu Contemporâneo (PEC), por outro lado, verifica-se alguma variação no elenco de verbos que permitem reestruturação, observando-se que nenhum verbo de controlo parece excluir em absoluto a subida de clítico. Ao mesmo tempo, mostrámos que a reestruturação depende em exclusivo de fatores de ordem sintática / lexical – são as propriedades de seleção categorial do predicado de controlo que determinam o grau de defetividade estrutural do complemento infinitivo. Neste trabalho propomos alargar o objeto de estudo a construções com predicados causativos e percetivos, no sentido de aferir se os fatores que determinam a possibilidade de reestruturação com estes verbos decorrem do mesmo tipo de propriedades. Em última análise, procuraremos mostrar que, também neste caso, a possibilidade de reestruturação está diretamente relacionada com questões de ordem sintática. Por outro lado, procuraremos investigar que mudanças poderão estar na origem das diferenças que se observam entre o Português Antigo (PA) e o PEC. Em PEC os predicados causativos e percetivos selecionam complementos de Marcação Excecional de Caso (ECM) e de infinitivo flexionado (Gonçalves, 1999, e.o.), permitindo igualmente a construção de união de orações (Raposo, 1981). Enquanto nesta a subida de clítico é obrigatória e a negação do infinitivo está excluída, nos contextos de ECM e de infinitivo flexionado verifica-se o oposto, ou seja, a subida de clítico é proibida e a negação do infinitivo é permitida. Porém, como descrito em vários trabalhos para o PA (Martins, 2006) e para o Português Clássico (Andrade, 2010), observam-se diferenças entre os diferentes estádios da língua relativamente a estes dois últimos contextos: por um lado, em PA, são muito raras as ocorrências de infinitivo flexionado com estes predicados; por outro lado, não se observam ocorrências de negação nem de clíticos no domínio infinitivo em contextos ECM. Os efeitos mais evidentes da mudança começam a verificar-se a partir do séc. XVI. De acordo com Martins (2006), estas mudanças poderão resultar da ambiguidade existente entre o infinitivo flexionado e o não flexionado, principalmente em construções coordenadas com elipse do verbo causativo e orações não dependentes de infinitivo flexionado (com valor imperativo ou optativo), que leva ao surgimento do infinitivo flexionado, da negação e de clíticos no domínio infinitivo. O aparecimento de negação e de clíticos no infinitivo verificou-se, também, em estruturas com verbos de controlo e de elevação. As estruturas de ECM atestadas com verbos causativos e percetivos no PA apresentam propriedades que não são coincidentes com as do PEC (como é notado também em Martins, 2006), evidenciando um maior grau de defetividade estrutural. Este facto constitui evidência em favor da proposta de Martins (2006), segundo a qual estes verbos, à semelhança dos verbos de controlo e de elevação, terão sofrido um processo de desgramaticalização. Porém, se estes verbos sofreram, de facto, um processo de desgramaticalização, esperaríamos encontrar uma mudança no seu comportamento, no sentido de permitirem a subida opcional do clítico, tal como se verificou com os verbos de controlo e de elevação. No entanto, o que se observou foi um alargamento das suas possibilidades de seleção, ou seja, tornou-se possível a ocorrência de infinitivos flexionados, mantendo-se a opção da construção de união de orações. Uma vez que o infinitivo flexionado se tornou possível apenas com estes predicados, a relação entre esta propriedade e o grau de riqueza estrutural (de que depende a possibilidade / obrigatoriedade de subida do clítico) não é evidente. De facto, as estruturas com verbos causativos e percetivos, na construção de união de orações, têm sido analisadas como as mais defetivas de entre as orações infinitivas em contextos selecionados (Gonçalves, 1999) – daí, por exemplo, a obrigatoriedade de subida do clítico nestas construções, que contrasta com a opcionalidade que exibe em construções de controlo e de elevação. Com base em dados do PA (séculos 13-15, extraídos do CIPM, CLUNL) e do Português Clássico (Corpus Tycho Brahe), procuraremos (i) caracterizar as construções de ECM em PA; (ii) compreender a relação entre o surgimento do infinitivo flexionado nestas construções e a emergência de uma estrutura funcional mais rica; (iii) comparar a mudança observada nas propriedades de seleção dos predicados causativos e percetivos com a que ocorreu com os predicados de controlo e de elevação. Andrade, A. (2010) A subida de clíticos em português: um estudo sobre a variedade europeia dos séculos XVI a XX. Dissertação de Doutoramento, Universidade de Campinas. // Gonçalves, A. (1999) Predicados Complexos Verbais em Contextos de Infinitivo não Preposicionado do Português Europeu. Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa. // Martins, A.M. (2006) Aspects of infinitival constructions in the history of Portuguese. In Gess, R. S. & D. Arteaga (eds.) Historical Romance Linguistics: Retrospective and Perspectives. Amsterdam & Philadelphia: John Benjamins, pp. 327-355. // Raposo, E. (1981) A Construção União de Orações na Gramática do Português. Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa. Lisboa.