As fronteiras do Rio Grande do Sul no Portal Unbral Fronteiras:

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FRONTEIRAS DO RIO GRANDE DO SUL NO PORTAL UNBRAL FRONTEIRAS:
A ATIVIDADE AGROPECUÁRIA E SUAS INTERAÇÕES COMO ELEMENTO DA
PAISAGEM CULTURAL1
Thaís LEOBETH2
Adriana DORFMAN3
Karla M. MÜLLER4
Resumo: O artigo tem como objetivo identificar teses e dissertações disponíveis no Portal Unbral
Fronteiras cuja abordagem volta-se para as fronteiras do Brasil com Argentina e Uruguai. Buscouse por trabalhos acadêmicos que refletissem sobre essas regiões a partir de elementos políticos,
econômicos, históricos e culturais que fossem esclarecedores das interações entre os grupos
envolvidos e que exemplificassem a importância da agropecuária para esses territórios. A proposta
parte de um projeto do Campo da Comunicação5 que pesquisa a fronteira e a atividade agropecuária
na mídia local, e considera pertinente refletir o assunto sob a ótica de um conjunto de características
das regiões de fronteira em questão. A escolha do referido portal se deu em função de ser um
repositório que reúne apenas produções que discorrem sobre as fronteiras e limites do Brasil. Um
dos objetivos do Portal Unbral Fronteiras é suprir a necessidade de organização e disponibilização
de trabalhos científicos e da produção técnica sobre as fronteiras brasileiras6.
Palavras-chave: Fronteiras Nacionais; Cultura e Identidade; Mídia Local; Portal Unbral Fronteiras;
Atividade Agropecuária.
1
Artigo produzido para o VI Seminário Internacional América Platina, Eixo Temático V – Fronteira e relações de vizinhança,
realizado de 16 a 18 de novembro de 2016, em Campo Grande – MS.
2
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (PPGCOM) da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS); Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq; Jornalista. Participante da
equipe de pesquisa “Mídia e Fronteiras: cartografia dos estudos no Brasil”; Integrante da Pesquisa Unbral Fronteiras - Portal de
Acesso Aberto das Universidades Brasileiras sobre Fronteiras e Limites; membro da equipe do projeto de extensão Em dia com a
pesquisa – PPGCOM/UFRGS. E-mail: [email protected].
3
Dra. em Geografia. Professora do Depto. de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do projeto Unbral Fronteiras - Portal de Acesso Aberto das Universidades Brasileiras
sobre Limites e Fronteiras. Líder do GREFIT – Grupo de Pesquisas Espaço Fronteira Informação Tecnologia. E-mail:
[email protected].
4
Dra. em Ciências da Comunicação; Mestre em Comunicação; Relações Públicas, Jornalista e Publicitária. Profa.
pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS); Coordenadora da pesquisa “Mídia e Fronteiras: cartografia dos estudos no Brasil”; Membro dos Grupos de Pesquisa no
CNPq “Comunicação e práticas culturais”, “Mídia, tecnologia e cultura” e “História da Comunicação”; Coordenadora do Projeto de
Extensão Em dia com a pesquisa – PPGCOM/UFRGS; Assessora Ad Hoc do CNPq e da CAPES. E-mail: [email protected].
5
O projeto de pesquisa está sendo desenvolvido junto ao Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da
UFRGS e resultará em dissertação de mestrado.
6
A proposta do Unbral Fronteiras é maior do que ser um repositório. Os trabalhos selecionados estão classificados com
diversas referencias o que enriquece as possibilidades de interpretação dos dados e articulação das informações coletadas.
VI Seminário Internacional AMÉRICA PLATINA (VI SIAP) e I Colóquio Unbral de Estudos
Fronteiriços
TEMA: “América Platina: alargando passagens e desvendando os labirintos da integração”
Campo Grande, 16,17 e 18 de novembro de 2016
UEMS (Unidade Universitária de Campo Grande)
ISBN: 978-85-99540-21-3
Abstract: The paper aims to identify thesis and dissertations available at the Unbral Fronteiras
Portal, whose approach is focused on the borders of Brazil with Argentina and Uruguay. It was
sought for academic works that reflect upon those regions from political, economic, historical and
cultural elements that were enlightening of the interaction between the groups involved and
exemplifying of the importance of agriculture to these territories. The proposal is part of a
Communications Field project that researches the frontier and agricultural activity in local media,
and considers it pertinent to reflect the matter in the view of a set of features from the border areas
concerned. The selection of this portal was due to it being an archive that gathers only productions
that discuss about borders and bounds of Brazil. One objective of the Unbral Fronteiras Portal is to
fulfill the need for organization and delivery of scientific papers and technical production about the
Brazilian frontiers.
Key words: National Boundaries; Culture and Identity; Local media; Portal Unbral Fronteiras;
Agricultural Activity.
Introdução
Possuidoras de uma realidade social complexa e específica, as zonas de fronteiras nacionais
constituem um instigante ambiente de pesquisa. As zonas limítrofes entre o Brasil e os países da
América do Sul, por exemplo, são permeadas por diferentes conjecturas de relações. Trata-se de
uma vasta extensão territorial que comporta diversificadas formas de contato entre os habitantes
locais nos casos onde as cidades se encontram ou são bastante próximas. Uma peculiaridade desses
territórios são as escalas as quais contempla: o internacional, o nacional e o local. Pode-se
considerar também o regional, pois em alguns casos o pertencimento nesse nível é determinante nas
relações sociais.
As fronteiras nacionais do sul brasileiro, onde os municípios de Santana do Livramento e
Uruguaiana limitam-se com Rivera (Uruguai) e Passo de Los Libres (Argentina), respectivamente,
são territórios permeados por uma relação direta entre os habitantes locais. Além disso, são pontos
que concentram fluxos de pessoas das diversas partes de ambos os países. A principal razão disso é
a referência comercial bastante característica do mercado globalizado, representadas nos freeshops,
mas também por esses municípios que servem como zona de escoamento. A produção agropecuária
dos três países acima mencionados por vezes necessita da circulação internacional para transporte e
comercialização dos seus produtos, bem como para aquisição de insumos. Trata-se de um aspecto
da base econômica e um elemento cultural determinante nessas nações.
Dada à importância do assunto para as relações cotidianas dessas regiões de fronteira,
acredita-se que publicações jornalísticas da mídia local podem revelar traços do comportamento
social. A atividade agropecuária, por vezes, é uma questão polêmica tanto por aspectos ambientais
quanto por políticas econômicas e culturais. Por envolver interesses internacionais, interações
relacionadas com essa temática incidem diretamente nos municípios Santana do Livramento e
Uruguaiana.
A mídia, através do seu potencial simbólico, que ultrapassa o limite do território estatal,
reflete e ao mesmo tempo influencia a realidade social. Considerando a prática jornalística por essa
perspectiva, considera-se que através da mídia produzida nessas fronteiras é possível identificar
traços da identidade cultural na abordagem de assuntos relacionados com a agropecuária. Nesse
sentido, é interessante estudar fenômenos específicos que dizem respeito a particularidades que
ocorrem no âmbito das práticas da região de fronteira por meio de conteúdos jornalísticos.
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A contextualização acima compreende uma proposta de pesquisa que está em andamento.
Como uma das primeiras incursões aos objetivos da pesquisa, considerou-se pertinente mapear
dissertações e teses mencionadas no Portal Unbral Fronteiras, cuja abordagem volta-se para
questões econômicas, políticas, históricas e culturais de Brasil, Argentina e Uruguai. Além disso,
constitui-se também como atividade de reflexão do conteúdo disponibilizado previsto nos objetivos
do projeto Unbral Fronteiras.
O Portal Unbral Fronteiras como suporte de pesquisa
A metodologia de pesquisa do presente artigo consiste na busca por teses e dissertações que
abordem relações entre Brasil, Argentina e Uruguai, independente da área do conhecimento a que
esteja vinculada. A motivação para o desenvolvimento deste trabalho baseia-se na contribuição que
dará ao projeto de investigação que está em curso, pois os trabalhos encontrados poderão servir
como fundamentação da abordagem proposta. Além disso, também é uma contribuição da
proponente enquanto integrante do projeto Portal Unbral Fronteiras, que constitui o suporte para
realização da pesquisa em função de que tem como enfoque a temática fronteira.
O trabalho do Portal Unbral Fronteiras constitui-se num repositório que reúne teses,
dissertações e monografias cuja abordagem dedica-se ao estudo de fronteiras e limites do Brasil. O
objetivo do projeto é dar visibilidade às produções, servindo como referência na localização de
trabalhos acadêmicos publicados no período de 2000 a 2014 em nível nacional. O portal é um
repositório de acesso aberto, destinado a suprir a carência de sistematização da produção acadêmica
brasileira em torno dos Estudos Fronteiriços, que vêm ganhando espaço nos programas de pósgraduação do país. A catalogação está em fase de realização e se estenderá até que sejam atingidas
todas as universidades brasileiras, na medida em que estas disponibilizam os arquivos. Até o
momento da presente pesquisa, estavam disponíveis 286 produções referentes às seguintes
instituições: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Universidade Federal de Roraima
(UFRR).
A partir da apresentação do assunto e das justificativas mencionadas, considera-se que
quanto aos objetivos, trata-se de pesquisa exploratória. Segundo Gil (2002, p. 41), “pode-se dizer
que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de
intuições”. Segundo este e outros autores como Stumpf (2009), em relação aos procedimentos
técnicos, o presente estudo classifica-se como pesquisa bibliográfica, em função do uso de
referenciais teóricos sobre os assuntos abordados, bem como pelo conteúdo mapeado no Portal
Unbral Fronteiras. Após a abordagem teórica que segue, são apresentados os resultados da pesquisa
realizada no portal e considerações acerca do que foi encontrado.
Fronteiras nacionais: encontro de identidades culturais
As zonas de fronteira, enquanto limite nacional, constituem-se como ambiente de
características próprias. Müller e Oliveira (2004), pesquisando regiões das fronteiras brasileiras,
perceberam que esse espaço é tido pelos seus habitantes como local de identidade de um grupo
específico, que, através de suas peculiaridades, se mantém distinto e especial. Para os autores, “o
ponto que chama mais a atenção é que esta diferenciação se dá no sentido de reconhecer que
existem, no mínimo, duas identidades nacionais em questão, sempre bem claras e previsíveis”
(MÜLLER e OLIVEIRA, 2004, p. 05).
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Geograficamente distantes dos grandes centros urbanos, como é o caso do extremo sul do
Brasil, os fronteiriços constroem sua identidade marcando o pertencimento a esse lugar comum
compartilhado com os cidadãos dos países vizinhos. Há consciência de unidade, mas também há o
senso de diferença. Esses territórios se consolidam através de um cotidiano que tem suas facilidades
e dificuldades. Conforme afirma Dorfman (2013),
na fronteira gaúcha, os agentes experimentam uma condição fronteiriça em que as
diferenças se ampliam pela justaposição de experiências nacionais, ao mesmo tempo em
que se apagam através de dispositivos de transição; em outros casos, práticas e objetos
geográficos são unificados (redes de infraestrutura), criados (extraterritorialidades e
ilegalidades), espelhados (redes compartilhadas) e distinguidos (administração dos limites e
das barreiras nacionais) (DORFMAN, 2013, p. 1).
A partir da identificação desses aspectos, a autora considera que os sujeitos dessas regiões
vivem o que denominou “condição fronteiriça”. Vive-se a dualidade nacional como especificidade
desse tipo de fronteira que oferece condições de possibilidades e também de necessidade para certas
práticas.
A condição fronteiriça é entendida aqui como um savoirpasser [saber passar] adquirido
pelos habitantes da fronteira, acostumados a acionar diferenças e semelhanças nacionais,
linguísticas, jurídicas, étnicas, econômicas, religiosas que ora representam vantagens, ora o
cerceamento de trânsito ou direitos (DORFMAN, 2013, p. 10).
No estado do Rio Grande do Sul, onde o Brasil faz fronteira com Uruguai (ao sul) e
Argentina (a oeste), embora muitas características socioeconômicas e culturais sejam comuns a
ambos os povos fronteiriços dessas três nacionalidades, e talvez justamente por estes fatores, os
conflitos também estão presentes. É preciso encarar desafios diante das diferenças, principalmente
relacionadas à desigualdade social e às normas e condutas estabelecidas que regem as sociedades
que ali se encontram lado a lado. Assim, agem conforme a realidade se apresenta, explicam Müller
e Oliveira (2004).
Esse delineamento das realidades fronteiriças atuais está intimamente relacionado ao
fenômeno da globalização. Os aspectos econômicos tornaram-se preponderantes nas mais diversas
situações do cotidiano. Além disso, a promoção do contato com outras culturas pode ser
considerada elemento determinante do cenário cultural e identitário atual, em que se tem cada vez
mais diversidade. Encontra-se em parte, por um lado abertura para a pluralidade cultural; por outro,
tentativas de manter comportamentos tidos como tradicionais ao território de fronteira. Esse duelo
de perspectivas se desenvolve numa era de transição social. Em contrapartida com o homem
moderno, conforme explica Hall (2011), o sujeito pós-moderno caracteriza-se pela suscetibilidade
de flexão quanto a sua identificação cultural. Porém, a multiplicidade de possibilidades a tornou
problemática e variável. Na vivência pós-moderna, identificar-se culturalmente
torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos
rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. Dentro de nós há identidades
contraditórias, empurradas em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações
estão sendo continuamente deslocadas (HALL, 1987 apud HALL, 2011, 13).
Fazendo um paralelo com as relações do sujeito fronteiriço, a partir de fatores contextuais
cotidianos, podem ser manifestados comportamentos de aproximação ou distanciamento, por
exemplo, quando do compartilhamento de assuntos que interessam ao Brasil, ao Uruguai e à
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Argentina. Por vezes, as familiaridades culturais podem ser relegadas ao segundo plano, de modo
que a condição de vizinhança não seja determinante para o estabelecimento de acordos ou atuação
coletiva.
A fragmentação caracteriza o sujeito da pós-modernidade. Esse aspecto gera conflitos e
incompreensões. A relação com o Estado é um ponto que evidencia essa nova conjuntura social.
Hall (2011) preocupa-se especialmente com a identidade nacional e seus desdobramentos a partir da
globalização. Para o autor, “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos,
mas são formadas e transformadas no interior da representação” (HALL, 2011, p. 49, grifo do
autor). Assim, a nação não se constitui apenas como organização política, mas também como um
sistema de representação cultural. Ocorre que a sociedade moderna foi delineando-se e efetivou-se
sob a essência do nacionalismo, que se tornou determinante no que tange a identidade cultural dos
sujeitos, como afirma Hall:
A cultura nacional, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos
nos identificar, constrói identidades. Estes sentidos estão contidos nas histórias que são
contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens
que dela são construídas (HALL, 2011, p. 51, destaque do autor).
Dessa forma, a imaginação é acionada e forma a visão que se tem da nação e do significado
que seu cotidiano, suas façanhas ou derrotas adquirem para os sujeitos que a integram. Trata-se de
uma narrativa que é determinante no comportamento dos indivíduos. Hall (2011) aponta que, dentre
outras influências, isso se dá através da reafirmação de questões históricas, da ênfase nas origens e
na continuidade, da invenção de tradições, do mito em torno do princípio da nação e muitas vezes
do ideal de um povo puro. A partir dessa concepção, os projetos nacionalistas apegaram-se à crença
da possibilidade de unificação, no entanto, como afirma Hall: “As nações modernas são, todas,
híbridos culturais” (2011, p. 63, grifo do autor). A globalização veio desestruturar esses princípios
de identidade cultural unificada. A esfera política e econômica que fomentou a circulação cultural
não se preparou para a superação de problemáticas decorrentes do cenário de pluralidade identitária.
Nesse contexto, por um lado, novos territórios passaram a servir de base para a reafirmação
cultural: “as identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como
direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado
mais importantes” (HALL, 2011, p. 73). Por outro, quando consideradas acima da cultura nacional,
as identificações globais passam a se deslocar e até a apagar manifestações tidas como elementos da
identidade nacional. Trata-se de uma constante de conflitos conectados. E, pensando a realidade das
fronteiras nacionais aqui abordadas, essa profusão de situações está na vivência do sujeito
fronteiriço, pois esses lugares são permeados por sentimentos e possibilidades diversos. Como
afirma Dorfman:
As fronteiras são lugares da contradição, ao mesmo tempo periféricos aos estados-nação e
plenos de alternativas políticas e econômicas oferecidas pelo trânsito fronteiriço. São
também lugares da diversidade, em que o contato estrutural entre dois grupos nacionais - ou
grupos nacionalizados, na medida em que a distinção entre eles pode originar-se na ação
político-cultural do estado-nação que, em seus processos de territorialização, coloniza as
margens, marcas e monumentos - é experimentado cotidianamente. Além disso, o chamado
da fronteira atinge os ouvidos de muitos outros grupos interessados na indecidibilidade
característica desse lugar (DORFMAN, 2013, p. 9).
Pode-se perceber que variadas qualificações direcionam a conjuntura social das fronteiras e
são determinantes comportamentais. Müller e Oliveira (2004, p. 6) ressaltam que
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“os movimentos estimulados pelo processo de globalização demonstram que não há limites para o
trânsito de pessoas, mercadorias, bens materiais e simbólicos, confirmando que as fronteiras, mais
do que geopolíticas, caracterizam-se por serem imaginárias, simbólicas”.
Para o recorte da proposta de pesquisa aqui trazida como motivação para o presente artigo,
considera-se pertinente analisar a agropecuária como prática econômica e cultural das três
nacionalidades em questão. Isso se deve em função de que por trás da agricultura e da pecuária
existe uma história que abrange o sul brasileiro, principalmente entre as populações que formam as
regiões interioranas e fronteiriças do Rio Grande do Sul, com uruguaios e argentinos estabelecidos
também na fronteira. Mais do que uma atividade econômica, a tradição desse tipo de produção
também compõe a identidade dos sujeitos. O Bloco Mercosul (Mercado Comum do Sul), efetivado
em 1994, é um dos determinantes políticos atuais nas relações entre Brasil, Argentina e Uruguai. O
estudo proposto parte de perspectivas da Comunicação e busca na mídia local, por esta ser um
elemento fundamental na dinâmica social, marcas de aproximação e/ou distanciamento entre os
sujeitos fronteiriços.
A mídia em território fronteiriço
Um elemento fundamental na consolidação e manutenção da cultura e da identidade
fronteiriças é a mídia. Ela é um fomentador direto da interação permanente que ocorre em zonas de
fronteira, pois ultrapassa os limites geográficos. Os meios de comunicação, principalmente o jornal,
o rádio e a televisão, e, atualmente, a internet, atuam na construção da realidade assim como
também fazem parte dela. A mídia não apenas reproduz os fatos; ela também é um elemento
participante. Conforme afirmam Müller e Oliveira (2004, p. 09): “Mais do que um reprodutor do
que se passa no mundo, os meios de comunicação assumem, cada vez mais, o papel de sujeitos,
inserindo-se como agente, participando ativamente dos rumos que tomam a sociedade”.
Através da mídia local, os meios de comunicação servem para o estabelecimento das
realidades convenientes e como ferramenta para as transformações ou influências que interessam
aos grupos dominantes. As vozes que constituem as fontes presentes nos veículos de comunicação
não são selecionadas aleatoriamente, bem como os discursos não são ingênuos e imparcialmente
narrados. Isso configura também o diálogo com o país vizinho. Müller et al (2010, p. 124) afirma
que “a mídia de fronteira funciona como a representação concreta das relações que se estabelecem
na sociedade, a partir dos interesses e desejos desta, decorrentes das crises, conflitos e necessidades
que se criam no dia a dia de vizinhança”. Sendo assim, a mídia tem poder para influenciar a
identidade cultural, conduzindo os sujeitos a novas concepções do seu sentimento de fronteiriço.
Na atualidade, não é possível pensar qualquer realidade sem considerar a comunicação e as
possibilidades proporcionadas pelo acesso às novas tecnologias de informação. Sem dúvida, o
avanço tecnológico das últimas duas décadas, com mais intensidade nos últimos anos, contribuiu
para a transformação do cenário de fronteira, mudando hábitos, costumes e a forma de ver o outro.
A possibilidade de conexões que vinha se estabelecendo como primeiros sintomas da globalização
foi efetivada a partir da internet. O novo cenário chegou às pautas e às rotinas de produção dos
meios de comunicação e deu nova visibilidade e importância para a informação local. Conforme
García, “estamos na era do global e do local, uma fase na qual o processo de concentração
econômica mudou a relação entre os atores trans-fronteiriços e abriu novos horizontes de futuro”
(2002, p. 02). Para o autor, além da preocupação com a propagação das informações, é necessário
atentar “à origem da produção [...], aos objetivos perseguidos, aos meios utilizados, aos traços de
identidade que caracterizam as mensagens, as características comuns dos destinatários e a
capacidade de captação de cidadãos de coletivos diversos” (GARCÍA, 2002, p. 200).
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No território fronteiriço, assim como tem sido para a imprensa local de regiões interioranas,
como também é o caso da mídia mencionada, o critério de noticiabilidade de proximidade é o
elemento fundamental para a existência dos veículos de comunicação. Porém, não significa
restringir a informação ao âmbito local. Diferentemente disso, é preciso buscar em outras esferas as
informações que interessam ao local. Segundo Grimberg,
cada escala do processo comunicacional (local, regional, nacional, global) cumpre um papel
específico no processo de inteligibilidade do mundo, objetivo norteador da comunicação
jornalística, encontrando sua expressão mais objetiva na produção noticiosa (2014, p. 22).
A partir dessa concepção, entende-se que a produção noticiosa precisa dar conta dessas
quatro escalas, considerando esse critério que também é determinante para se manter os veículos de
comunicação em atividade. A proximidade pode estar relacionada com um objeto real do cotidiano
da fronteira como pode ser a consequência de uma decisão simbólica que afeta diretamente a
sociedade fronteiriça. Compreende-se, assim, que o critério de noticiabilidade proximidade passa
pelas instâncias acima mencionadas.
E para ampliar a discussão sobre a temática mídia e fronteiras torna-se fundamental verificar
o que tem sido estudado e analisado a este respeito. Neste sentido, é condição sine qua non fazer um
levantamento das pesquisas já realizadas para alcançar avanços na compreensão do fenômeno.
As fronteiras gaúchas em produções acadêmicas: Portal Unbral Fronteiras
Conforme a proposta do presente artigo, buscou-se por produções com viés econômico,
político, histórico ou cultural voltadas para as relações de Brasil, Argentina e Uruguai, relacionadas
com a produção agropecuária. No momento de realização da pesquisa 7, o Portal Unbral Fronteiras
possuía 286 trabalhos, entre teses e dissertações, de seis universidades, com enfoque direto para
questões das fronteiras nacionais ou assuntos relacionados. Através dos títulos e dos resumos, foram
identificadas 38 produções com abordagem direta às características e problemáticas das zonas
fronteiriças do Brasil com os países vizinhos pelo Rio Grande do Sul, originadas em três
instituições.
Da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foram encontradas seis produções, sendo
uma delas voltada para a abordagem de fenômenos da fronteira do sul brasileiro. Da Universidade
de Brasília (UnB) estão 38 trabalhos no portal, sendo que três destes abordam a fronteira a partir de
perspectivas que interessam à proposta de pesquisa norteadora no presente artigo. A Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) é a que possui maior número de teses e dissertações
catalogadas no Portal Unbral Fronteiras: são 152. De forma proporcional, encontraram-se 34
produções acadêmicas trazendo a temática das fronteiras nacionais, algumas tratando diretamente
das fronteiras gaúchas enquanto outras enfocando relações mais abrangentes. Para reflexão acerca
da temática específica dos trabalhos, considerou-se pertinente analisar em agrupamentos conforme
as áreas dos programas de pós-graduação dos quais são originados. Ao todo, foram identificados 17
cursos.
Verificou-se três produções de Antropologia e Antropologia Social tratando de estudos do
cotidiano e aspectos políticos e religiosos comuns a Brasil, Argentina e Uruguai enquanto
pertencentes à matriz cultural cisplatina. De Letras, Linguística e Letras Neolatinas, três
dissertações e duas teses trazem aspectos do bilinguismo presente nas fronteiras gaúchas com os
7
A inserção de trabalhos acadêmicos desenvolvidos junto a programas de pós-graduação brasileiros, resultantes
de teses e dissertações, segue sendo realizada pela equipe do Unbral Fronteiras.
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países vizinhos, o que é uma das características mais fortes da interação entre os povos fronteiriços.
Reflexões da fronteira a partir de uma perspectiva histórica somaram seis itens. Os trabalhos
contemplam assuntos impactantes quando se trata de fronteiras nacionais: propriedade de terras,
comércio relacionado com a presença de imigrantes, contrabando, exército, relações de poder.
Cinco dissertações se apropriam da temática de fronteira pela perspectiva de cursos de Relações
Internacionais. Os estudos encontrados evidenciam a diversidade de possibilidades e também de
problemáticas que envolvem as relações entre as nações, quando se trata de pensar o papel das
fronteiras nos acordos.
Preocupando-se com as interações que se dão a partir da zona urbana, três produções de pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional têm como enfoque as cidades-gêmeas. A estrutura
paralela das cidades é determinante no cotidiano dos sujeitos. Quatro dissertações e uma tese
mostram estudos sobre as fronteiras pela perspectiva da Geografia. Através desses trabalhos podese observar que práticas rurais são recorrentes em pesquisas dessas regiões, mostrando que o
assunto é pertinente para as sociedades de fronteira tanto em nível local quanto internacional.
Aspectos de política democrática foram pautados por uma dissertação do curso de Ciência Política.
Numa perspectiva próxima, uma dissertação vinculada a um programa de pós-graduação voltado ao
estudo das Américas reflete sobre a estrutura do Estado, buscando identificar a influência do
comportamento das elites que atuam em seu centro administrativo e ocupam-se da abordagem da
faixa de fronteira brasileira.
Voltados para uma análise de fenômenos da Administração, três produções discorrem sobre
o Mercosul, a RBSTV, enquanto meio de comunicação da fronteira oeste gaúcha, e questões
empresariais de Brasil e Uruguai. Abordando tratados comerciais, uma dissertação construída pelo
viés da Economia ocupa-se de conhecer as relações e ações mercadológicas estabelecidas em torno
da produção de soja. Numa perspectiva aproximada, duas produções de pós-graduação em
Agronegócio trazem pontos polêmicos da relação do Brasil com Uruguai e Argentina: exportação e
competitividade. Foram selecionadas também duas dissertações de Desenvolvimento Rural que
tratam da agropecuária como uma fonte de renda dos povos das fronteiras gaúchas, que são
caracteristicamente propícias a esse tipo de produção. Com enfoque para práticas culturais,
identificou-se uma dissertação, oriunda de estudos de Música que exemplifica um aspecto forte da
cultura do Rio Grande do Sul, que tem como ponto de partida as regiões de fronteiras do estado
com Argentina e Uruguai. O trabalho traz uma questão atual e pertinente que é a nova configuração
da identidade cultural. Por fim, uma tese do campo da Comunicação aborda o envolvimento das
rádios de cidades de fronteira na interação cultural local. O estudo mostra as transformações e a
propagação de rádios impulsionadas pela web em quatro pontos das fronteiras nacionais do Brasil,
sendo dois deles Santana do Livramento\Rivera e Uruguaiana\Passo de Los Libres.
Como se pode observar, os trabalhos acima mencionados trazem um conjunto variado de
abordagens sobre as fronteiras do Brasil com os países vizinhos, Argentina e Uruguai,
principalmente através do estado do Rio Grande do Sul. Dos 38 trabalhos, dez estão diretamente
relacionados com questões de agricultura e pecuária. O conjunto de produções analisadas evidencia
processos e elementos da composição política, econômica, histórica e cultural que se configuraram
e que permanecem como determinantes do cenário atual. As teses e dissertações analisadas que não
são voltadas para atividades agropecuárias servem para reafirmar a dinâmica relação que ocorre
nessas zonas de fronteira. Os trabalhos mostram que é o somatório de questões peculiares a esses
territórios que vêm delineando as relações no âmbito fronteiriço. Um dos resultados dessa
composição social é a prática de agricultura e pecuária como elementos fundamentais da economia
e da identidade cultural, o que as configura como pautas indispensáveis aos meios de comunicação
dessas regiões.
VI Seminário Internacional AMÉRICA PLATINA (VI SIAP) e I Colóquio Unbral de Estudos
Fronteiriços
TEMA: “América Platina: alargando passagens e desvendando os labirintos da integração”
Campo Grande, 16,17 e 18 de novembro de 2016
UEMS (Unidade Universitária de Campo Grande)
ISBN: 978-85-99540-21-3
Voltando à origem do presente artigo, que se propõe pesquisar as relações estabelecidas na
fronteira a partir da mídia, percebe-se a raridade de estudos que reflitam os fenômenos culturais sob
essa ótica. Embora possa haver outras teses e dissertações que pensem as fronteiras a partir dos
meios de comunicação, como é o caso de outras quatro produções mencionadas por Müller et al
(2015), é evidente a carência de pesquisas que compreendam as fronteiras através da mídia, visto o
nível de interação que esta mantém nas sociedades desses locais.
Considerações
Pode-se perceber que as relações entre os povos do Brasil, principalmente da região Sul, e
argentinos e uruguaios não são superficiais, tampouco recentes. São sociedades que vêm se
relacionando através de séculos de história e que na atualidade têm se deparado com mudanças
rápidas nas identidades culturais e impactantes desafios econômicos. A dinâmica social pósmoderna contempla, de forma dinâmica, rupturas e entrelaçamentos, no entanto, a partir dos
trabalhos analisados, nota-se que características essenciais da construção histórica dos territórios
fronteiriços continuam determinantes e, por vezes, podem se confrontar com possíveis novas
configurações culturais.
A diversidade de assuntos trazidos pela pesquisa no Portal Unbral Fronteiras evidencia que
são muitos os aspectos que podem e devem ser pensados quando se trata de fronteira e confirmam a
importância de se pesquisar as interações que se formam em torno da atividade agropecuária. Esses
territórios peculiares são formados por um conjunto de circunstâncias que se tornam mais
compreensíveis quando lidas a partir de diferentes perspectivas. Através das produções pesquisadas
pode-se inferir que aspectos econômicos, políticos, históricos e culturais, principalmente da
formação fronteiriça do Rio Grande do Sul, fazem da agricultura e da pecuária elementos de vital
importância para a manutenção da dinâmica social desses territórios. Cabe ainda destacar que
certamente os acontecimentos ocorridos nos diversos campos sociais estão presentes no que é
divulgado pelos meios de comunicação, entretanto poucos são os estudos que avaliam o fenômeno
fronteiras nacionais (ou internacionais, dependendo do enfoque dado) presentes na mídia, motivo
que justifica nossa preocupação em aprofundar a pesquisa sobre o tema.
Referências
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