O conhecimento de pacientes com tuberculose acerca de sua doença

Propaganda
O CONHECIMENTO DE PACIENTES COM TUBERCULOSE ACERCA DE SUA DOENÇA: UM
ESTUDO DE CASO-CONTROLE
The knowledge of tuberculosis patients about their disease:
a case-control study
Ethel Leonor Noia Maciel1, Carolina Seixas2, Edina Pimentel de Moraes3,
Geisa Fregona4, Reynaldo Dietze5
RESUMO
O objetivo deste estudo foi verificar se conhecimento insuficiente sobre a tuberculose é
um fator determinante do abandono do tratamento. Um estudo caso-controle foi realizado
com pacientes em tratamento para tuberculose, sendo casos definidos como pacientes
em re-tratamento para tuberculose devido a abandono de terapêutica instalada
anteriormente, e controles os pacientes em curso do primeiro tratamento. A amostra foi
composta por 68 pacientes, sendo 17 casos e 51 controles. Sexo masculino esteve
significantemente asssociado com o re-tratamento (77% dos casos e 50% dos controles
eram do sexo masculino). Não houve diferença significativa entre casos e controles com
relação a escolaridade, tendo sido identificada um nível baixo de escolaridade na maioria
dos entrevistados. Com relação ao conhecimento sobre transmissão e tratamento da
doença não houve diferença significativa entre casos e controles. Já em relação ao
conhecimento sobre os fatores de proteção, apenas 41% dos casos acreditam que a
tuberculose possa ser transmitida em ambientes fechados, enquanto 70% dos controles
julgavam possível essa forma de transmissão (p<0,05). Nossa hipótese inicial era de que
os pacientes que conheciam pouco sobre a tuberculose seriam aqueles em re-tratamento,
mas os resultados sugerem não haver grandes diferenças entre os dois grupos estudados.
No entanto, a abstinência alcoólica foi significantemente mais relatada como a principal
dificuldade durante o tratamento pelos casos (p=0,015), sugerindo que o abandono e
a conseqüente necessidade de re-tratamento pode ser relacionado a esta questão.
PALAVRAS-CHAVE
Estudo caso-controle, conhecimento, tuberculose
ABSTRACT
The objective of the study was to verify whether the misinformation on tuberculosis
is an important factor in adherence to the treatment. A case-control study was
1
Doutora em Saúde Pública. Coordenadora de Pesquisa Clínica do Núcleo de Doenças Infecciosas/
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro Biomédico - Av. Marechal Campos, 1468 - Maruípe Vitória - ES - e-mail: [email protected]
2
Aluna do curso de especialização em Saúde Pública/FAESA.
3
Aluna do curso de especialização em Saúde Pública/FAESA.
4
Enfermeira do Programa de Tuberculose do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes/
Universidade Federal do Espírito Santo - Centro Biomédico.
5
Núcleo de Doenças Infecciosas/Universidade Federal do Espírito Santo - Centro Biomédico.
CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005 –
593
ETHEL LEONOR NOIA MACIEL, CAROLINA SEIXAS, EDINA PIMENTEL
GEISA FREGONA, REYNALDO DIETZE
DE
MORAES,
carried out among patients in treatment for tuberculosis from a University Hospital
Program of Tuberculosis. Cases (n=17) were defined as those undergoing retreatment,
and controls (n=51) those under first treatment. Male gender was significantly
associated with retreatment (77% of cases and 50% of the controls were male).
Regarding education there was no significant difference between cases and controls,
but it was identified a low level of education among the participants. Regarding
knowledge about transmission and treatment of the disease there were no significant
difference between cases and controls. Regarding knowledge about protection factors,
41% of the cases believed that the tuberculosis can be transmitted in closed
environments, while 70% of the controls believed in that transmission mechanism (p<0,05).
Our hypothesis was that patients with little knowledge on tuberculosis ended up
being more likely to be in the retreatment group, but the results did not give
strong support for that. However, cases were more likely to report alcoholic
abstinence as the main difficulty during the treatment, than cases (p=0,015),
suggesting that no adherence and the consequent need for retreatment can be
related to that problem.
KEY WORDS
Case-control study, tuberculosis, adherence
1. INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa crônica causada pelo Mycobacterium
tuberculosis. Do ponto de vista da saúde pública a tuberculose apresenta grande
relevância por ser uma das principais causas de mortalidade dentre as doenças
infecciosas e também porque acomete principalmente indivíduos em idade
produtiva (Veronesi & Focaccia, 2002). Os coeficientes desta doença podem ser
usados como indicativos de subdesenvolvimento uma vez que ocorrem em maior
proporção em áreas onde há fome, miséria e precárias condições de moradia. O
aumento do número de casos de AIDS a partir da década de 90 teve impacto
direto na incidência da tuberculose, através da co-infecção HIV/TB, em todo o
mundo (Duarte & Leal, 1998).
Na virada do século XX, o Brasil acumulava uma prevalência estimada em
50 milhões de indivíduos infectados com uma incidência de 130.000 casos/ano e
o registro de 6.000 óbitos/ano (Brasil, 2002a; 2004).
O Brasil foi, no mundo, o precursor da implantação universal do esquema de
tratamento de curta duração para TB, antecipando-se em mais de uma década
à recomendação pela OMS. Modificou-se não apenas o paradigma do tratamento
confinado em sanatórios como também a centralização das ações de controle,
que passaram a ser desenvolvidas de forma descentralizada e integrada às ações
básicas de saúde. Como conseqüência direta houve redução do tempo e simplificação
do tratamento, aumentando o acesso ao diagnóstico e a cobertura populacional
do programa (Natal, 2004).
594
– CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005
O
CONHECIMENTO DE PACIENTES COM TUBERCULOSE ACERCA DE SUA DOENÇA:
UM ESTUDO DE CASO-CONTROLE
O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) do Ministério da
Saúde lançou em 1999 o Plano Emergencial para o Controle da Tuberculose
que define a tuberculose como prioridade entre as políticas governamentais de
saúde, estabelece diretrizes para as ações e fixa metas para o alcance de seus
objetivos. Dentre as estratégias propostas, o DOT (Tratamento Diretamente
Supervisionado) é visto como aquela capaz de aumentar os índices de cura e
diminuir o abandono do tratamento (Galesi & Santos, 2004, Brasil, 2004). Esta
estratégia reforçaria ainda mais os dois pilares do controle da tuberculose: o
diagnóstico precoce e o tratamento adequado da doença. (Galesi & Santos, 2004).
Dentre as metas fixadas pelo PNCT a garantia de cura do paciente tem-se
mostrado a mais complexa. O tratamento é dividido em duas fases: a fase inicial
também chamada fase de ataque com duração de dois meses em que o paciente
deve ingerir aproximadamente 6 comprimidos/dia; e a segunda fase (fase de
manutenção) com quatro meses de duração quando o paciente ingere em média 2
comprimidos/dia. Além da ingestão de número elevado de medicamentos por
vários meses, existem ainda os efeitos adversos ao tratamento, mais comuns na
primeira fase da terapia (Brasil, 2004), e que variam em freqüência conforme
a idade do paciente, o uso concomitante de bebidas alcoólicas e a presença de
doenças associadas.
Os motivos pelos quais os doentes abandonam o tratamento e o perfil
desses indivíduos têm sido foco de muitos estudos. Especula-se que suas causas
estejam ligadas a problemas relacionados aos doentes e aos serviços de saúde
(Reigota & Carandina, 2002; Sociedade Brasileira de Pneumologia, 2004). Em
1999 o índice de abandono do tratamento no Brasil e no Espírito Santo foi de
14% (Brasil, 2002b).
O nosso estudo teve por objetivo verificar se a desinformação dos pacientes
acerca da doença poderia também ser um fator para o abandono do tratamento.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Este foi um estudo caso-controle realizado no município de Vitória através da
aplicação de um questionário estruturado para avaliar o conhecimento dos pacientes
em relação ao conhecimento acerca da doença. A definição de abandono adotada
neste estudo é a do PNCT qual seja: o não comparecimento à unidade de saúde
por período superior a 30 dias consecutivos à data prevista de retorno.
COLETA DE DADOS
O local da coleta de dados foi o programa de tuberculose do Hospital
Universitário Cassiano Antonio Moraes (HUCAM) que é a referência do Estado
do Espírito Santo para tratamento de TB e que notifica 70% dos casos da
CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005 –
595
ETHEL LEONOR NOIA MACIEL, CAROLINA SEIXAS, EDINA PIMENTEL
GEISA FREGONA, REYNALDO DIETZE
DE
MORAES,
capital, Vitória. Um instrumento contendo perguntas fechadas foi aplicado aos
pacientes do estudo após a assinatura do termo de consentimento pós-informação.
Duas pesquisadoras treinadas fizeram as entrevistas com os pacientes. O questionário
utilizado incluiu: situação do paciente (se novo ou em re-tratamento) dados sócioeconômicos, conhecimento sobre a forma de transmissão, prevenção e tratamento.
Perguntava-se também sobre a utilização da medicação anti-tuberculosa e as
dificuldades relacionadas ao tratamento.
CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
Entre junho de 2002 e julho de 2003, período da realização deste estudo,
113 pacientes encontravam-se em tratamento no programa de tuberculose do
Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (HUCAM). Para a seleção
dos casos foram observados os seguintes critérios: estar em re-tratamento
para TB devido a abandono e ter sido tratado previamente no programa
do HUCAM.
Para a seleção dos controles foram observados os seguintes critérios:
estar no 6º mês do primeiro tratamento e ser paciente do HUCAM ou seja,
estar na fase final do esquema terapêutico ocasião em que o paciente recebe
alta por cura.
Dos 113 pacientes notificados pelo HUCAM naquele período, 9 estavam
em esquema supervisionado para tratamento de TB multidroga-resistente; 39
encontravam-se nos primeiros 4 meses do tratamento; 4 estavam no 5º mês; e
3 não quiseram participar do estudo (1 em retratamento, e 2 no 6º mês do
primeiro tratamento).
Sessenta e oito pacientes fizeram parte da nossa amostra sendo 17 casos em
retratamento por abandono e 51 controles no 6o mês do primeiro tratamento
(proporção 1:3).
ANÁLISE ESTATÍSTICA DOS DADOS
Utilizou-se o programa Stata (Statistics/Data Analysis, versão. 6.0) para a
análise estatística dos dados. As variáveis foram categorizadas em: dados sóciodemográficos, conhecimento sobre formas de transmissão, conhecimento sobre
formas de tratamento, conhecimento sobre formas de prevenção, principais
dificuldades encontradas durante o tratamento e respostas inadequadas às
características anteriores. Na avaliação comparativa das variáveis estudadas
empregou-se o teste qui-quadrado (χ2) e o teste exato de Fisher, ambos de forma
bicaudal e com nível de significância de 0,05. A associação entre conhecimento
de tuberculose e condição do tratamento foi determinada pelo cálculo da razão
de chances para um intervalo de confiança de 95%.
596
– CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005
O
CONHECIMENTO DE PACIENTES COM TUBERCULOSE ACERCA DE SUA DOENÇA:
UM ESTUDO DE CASO-CONTROLE
3. RESULTADOS
DADOS SÓCIO-ECONÔMICOS
Com relação ao sexo dos entrevistados, no grupo caso, 23% eram do sexo
feminino e 67% do sexo masculino. No grupo controle, 50% eram do sexo
feminino e 50% do sexo masculino (OR=0,3; IC= 0,08-0,91; p=0,048).
O nível de escolaridade dos pacientes foi idêntico nos dois grupos do estudo:
88% eram alfabetizados e 12% se declararam analfabetos. Entretanto, dentre os
alfabetizados somente 20% tinham mais de quatro anos de estudo. Dentre os
pacientes que abandonaram o tratamento, 13 (76%) o fizeram nos primeiros dois
meses, e quatro (23%) nos outros quatro meses do esquema terapêutico.
FORMAS DE TRANSMISSÃO
Em relação à transmissão da doença não houve diferença significativa entre
os pacientes dos grupos caso e controle. Todos tinham conhecimento adequado
em relação à forma de transmissão da doença: 82% dos casos e 76% dos controles
responderam que a transmissão se dava pelo ar enquanto 47% dos casos e 49%
dos controles responderam ser pela saliva (Tabela 1).
Tabela 1
Distribuição dos sujeitos da pesquisa segundo variáveis referentes às formas de transmissão
da tuberculose.
p> 0,05 em todas as alternativas.
FORMAS DE TRATAMENTO
Em relação ao tratamento da doença não houve diferença estatisticamente
significativa entre casos e controles. No entanto pudemos notar que tanto os
pacientes casos como os controles conheciam em sua maioria a forma adequada
de tratamento: 94% dos casos e 96% dos controles sabiam da importância da
medicação para a cura da doença.
Crenças em outras formas de tratamento estão listadas na Tabela 2. O fato
que mais nos chama atenção é o grande número de pacientes que acreditam na
CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005 –
597
ETHEL LEONOR NOIA MACIEL, CAROLINA SEIXAS, EDINA PIMENTEL
GEISA FREGONA, REYNALDO DIETZE
DE
MORAES,
cura espiritual (OR:7,51; IC:2,29-24,61). Essa pergunta havia sido adicionada
ao instrumento, pois na nossa prática clínica, já há algum tempo, temos observado
o grande número de pacientes que estimulados por religiões/seitas abandonam o
tratamento depois de participar de cerimônias de cura e “revelação”.
Tabela 2
Distribuição dos sujeitos da pesquisa segundo a variável conhecimento sobre formas de
tratamento da tuberculose.
* NI=não identificado **p-valor=0,0016
FATORES DE PREVENÇÃO
Entre os casos, 41% acreditavam que a tuberculose poderia ser evitada se
ambientes fechados sem circulação de ar não fossem compartilhados com doentes.
Entre os controles este percentual foi ainda maior e da ordem de 70% (p=0,0294).
As outras respostas referentes aos fatores de prevenção não apresentaram
diferenças estatisticamente significativas (Tabela 3).
Tabela 3
Distribuição dos sujeitos da pesquisa segundo a variável relacionada aos fatores de prevenção
da tuberculose.
*p=0,04
DIFICULDADES ENCONTRADAS DURANTE O TRATAMENTO
As principais dificuldades relatadas pelos pacientes durante o tratamento
relacionaram-se ao mal-estar secundário à ingestão dos medicamentos (41% dos
casos e 45% dos controles) e à proibição de ingestão alcoólica durante o tratamento
(65% dos casos e 31% dos controles) (Tabela 4). (OR: 4,01; IC: 1,29- 12,38; p=0,022).
598
– CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005
O
CONHECIMENTO DE PACIENTES COM TUBERCULOSE ACERCA DE SUA DOENÇA:
UM ESTUDO DE CASO-CONTROLE
Tabela 4
Distribuição dos sujeitos da pesquisa segundo a variável dificuldade encontrada no tratamento.
* p-valor= 0.022
RESPOSTAS INADEQUADAS
Um número expressivo de respostas inadequadas foi encontrado em relação
às formas de transmissão, tratamento e prevenção da tuberculose, pelos sujeitos
do estudo (Tabela 5). Os controles responderam mais inadequadamente às
perguntas relacionadas à forma de transmissão (OR: 0,30; IC: 0,09-0,91),
enquanto os casos responderam de forma mais inadequada às perguntas em relação
ao tratamento da TB (OR:5,25; IC:1,41-19,04).
Tabela 5
Distribuição dos sujeitos da pesquisa segundo as respostas ao questionário classificadas
como inadequadas.
* p-valor= 0.048 ** p-valor= 0.012
4. DISCUSSÃO
Quando idealizamos este estudo acreditávamos que os pacientes em retratamento
possuíam pouco conhecimento sobre a doença mas, para surpresa nossa, isto não se
confirmou. A proporção de doentes que não cumprem corretamente ou abandonam
o tratamento, é muito grande e isso se observa em todos os países, sem distinção por
grupos sociais ou faixas etárias. Segundo Fox et al. (1987), o sucesso do tratamento
depende de três fatores: da disponibilidade de esquemas terapêuticos efetivos; de
medidas para aumentar a aderência ao tratamento; e da determinação do sucesso
ou fracasso terapêutico por confirmação bacteriológica.
No nosso estudo houve predominância de pessoas do sexo masculino no
grupo de retratamento, fato também observado por Gonçalves et al. (1999) em
CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005 –
599
ETHEL LEONOR NOIA MACIEL, CAROLINA SEIXAS, EDINA PIMENTEL
GEISA FREGONA, REYNALDO DIETZE
DE
MORAES,
seu estudo em que homens, principalmente aqueles separados e os solteiros
tiveram maiores dificuldades em aderir ao tratamento, em parte porque acreditavam
na resolução da tuberculose sem necessidade de tantos medicamentos receitados.
A questão social se torna evidente quando analisamos os índices de
escolaridade da nossa amostra: somente 20% dos nossos pacientes tinham
mais de quatro anos de estudo. Estes dados indicam que a tuberculose continua
incidindo principalmente sobre a população carente, fato esse também verificado
por Reigota e Carandina, (2002).
Dentre os pacientes que abandonaram o tratamento, 76% o fizeram nos
primeiros dois meses. É neste período (fase de ataque) que se observam os
maiores índices de abandono, principalmente devido aos efeitos colaterais dos
medicamentos e, paradoxalmente, à sensação de melhora do paciente. Deruaz
e Zellweger (2004) mostraram que os fatores relacionados à baixa adesão ao
tratamento são os esquemas terapêuticos longos e complexos, a dificuldade de
acesso aos serviços de saúde, os problemas de comunicação entre pacientes e
funcionários dos serviços de saúde, e co-morbidades psíquicas ou físicas.
Lima et al. (1997) em uma pesquisa realizada em Fortaleza relacionada ao
abandono de tratamento também ressaltaram que baixas condições sócioeconômicas, distância dos serviços de saúde, baixo nível de escolaridade, precárias
condições de saneamento básico e destino inadequado dos dejetos e lixo, e hábitos
de vida como fumo e álcool, estão presentes na vida da maioria dos entrevistados
evidenciando o estado de exclusão social em que vivem estes pacientes.
O tratamento da tuberculose requer ingestão regular e diária de medicamentos
durante no mínimo seis meses. Os doentes em tratamento auto-administrado
tendem a não seguir essa orientação quando se sentem melhor, pois têm a falsa
impressão de estar curados. O Tratamento Diretamente Observado (DOTS) foi
idealizado como um método capaz de assegurar que o tratamento seja seguido até
o final, aumentando a chance de cura do paciente (Deruaz & Zellwerger, 2004;
Brasil, 2004). No Espírito Santo, devido a fatores operacionais e financeiros, o
Programa Estadual de Tuberculose prioriza o DOTS para pacientes infectados
com cepas resistentes às drogas.
Um dos aspectos que chama a atenção no estudo é o elevado percentual de
pacientes que acreditam em formas alternativas não convencionais de tratamento.
Os pacientes que acreditavam em tratamentos alternativos tinham aproximadamente
5 vezes mais chance de abandonar o tratamento. Este dado é preocupante em
virtude de estarmos vivendo uma fase de crescimento das religiões neopentecostais que prometem curas somente baseadas na fé. Este fato aponta
para a necessidade de um envolvimento maior das equipes de saúde, para fins
de educação para a saúde, nos diferentes segmentos das comunidades: família,
600
– CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005
O
CONHECIMENTO DE PACIENTES COM TUBERCULOSE ACERCA DE SUA DOENÇA:
UM ESTUDO DE CASO-CONTROLE
igrejas, templos, escolas dentre outros. Liefooghe et al. (1995) relatam que um
paciente, ao receber o diagnóstico de tuberculose, leva um choque e tem
dificuldade de aceitá-lo inicialmente. Além disso, o paciente não é o único
afetado. Nesta fase a família desempenha um papel positivo importante, mas em
algumas situações pode até influenciar negativamente no tratamento. Portanto,
na medida do possível, devemos estimular a participação de movimentos sociais
em suas diferentes modalidades (ONGs, Associações de Bairros, Conselhos de
Saúde, etc), a exemplo do que ocorre atualmente na AIDS onde grande parte dos
resultados alcançados no controle e prevenção da doença devem ser creditados
a estas organizações (Becker et al., 2004).
O conhecimento sobre fatores de proteção se mostrou estatíticamente
significativo para a variável “evitar ficar no mesmo ambiente com pessoas doentes”,
evidenciando que o grupo controle se preocupa mais e conhece mais este aspecto
da doença. Caldas e Queiroz (2000) identificaram, dentre os fatores relacionados
ao abandono do tratamento que a falta de informação sobre o tratamento e a
distância dos serviços apropriados para realizá-lo, foram os fatores que mais
contribuíram para o abandono do tratamento. Em uma outra pesquisa (Gordillo
et al., 2000) concluiu-se que o desconhecimento da enfermidade pelos pacientes, e
a inadequada relação médico-paciente influi na não-aderência ao tratamento e
sugere-se um programa de difusão dos aspectos básicos da doença e seu tratamento.
Apesar de nossa amostra responder aos aspectos de conhecimento relacionados
à transmissão, tratamento e prevenção, sem grandes diferenças entre os grupos,
os índices de respostas inadequadas chamam atenção para as representações desses
pacientes a respeito da tuberculose e evidenciam a confusão nos conceitos
fundamentais. Os casos tiveram cinco vezes mais respostas inadequadas em relação
ao conhecimento sobre formas de tratamento do que os controles, o que aponta
para os motivos que levaram aqueles ao abandono do tratamento.
Dentre os fatores relacionados à dificuldade encontrada pelo paciente no
seguimento do tratamento, ressalta-se o mal-estar causado pelos medicamentos e
a falta de dinheiro para chegar ao programa, fatores também observados por
Gonçalves et al. (1999).
Outros autores destacam como causas para disseminação da doença o
abandono do tratamento pelos pacientes, os efeitos colaterais da medicação,
o desaparecimento dos sintomas da doença e a conseqüente sensação de cura
vivenciada pelo paciente (Deheinzelin et al., 1996; Nair et al., 1997; Natal,
1997). Deheinzelin et al. (1996) ressaltam ainda, que a falta de sucesso no
seguimento do tratamento é maior em locais onde os pacientes são atendidos
por diferentes médicos, a espera pelo atendimento é longa, distante de sua
casa, ou ainda o paciente desconhece a doença e, portanto não entende a
CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005 –
601
ETHEL LEONOR NOIA MACIEL, CAROLINA SEIXAS, EDINA PIMENTEL
GEISA FREGONA, REYNALDO DIETZE
DE
MORAES,
importância do tempo de tratamento e a necessidade do grande número de
medicações que precisa ingerir.
Ainda dentre os fatores relacionados à dificuldade encontrada pelo paciente no
seguimento do tratamento, no nosso estudo, o mais importante foi a proibição de
ingestão alcoólica no grupo dos casos, sendo esta diferença significativa. Este fato
sugere que o alcoolismo pode estar contribuindo para o abandono de tratamento
nesse grupo. O abuso de álcool ou drogas ilícitas foi apontado por Deruaz e Zellwerger
(2004) como importante fator na diminuição da aderência ao tratamento de TB.
Experiências desenvolvidas no Brasil com a estratégia DOTS, como na
Paraíba, no Rio de Janeiro, e em diversos municípios do Estado de São Paulo
vêm mostrando resultados positivos em termos de organização dos serviços,
maior adesão dos pacientes e menores taxas de abandono (Sociedade Brasileira
de Pneumologia, 2004).
Faz-se importante considerar a possibilidade de viés de informação, haja visto
que os entrevistadores possuíam conhecimento prévio de casos e controles. Um
possível viés de memória foi minimizado com a busca de informações a respeito
dos tratamentos anteriores (queixas, tempo do abandono, outros tratamentos) nos
prontuários dos pacientes, visto que todos eram provenientes do mesmo programa.
Somado a isso, os resultados encontrados em relação às respostas inadequadas
nos dois grupos de estudo apontam na direção de que esses vieses não parecem
importantes na estimativa das associações encontradas.
Nosso estudo sugere que uma avaliação de alcoolismo deve ser abordada nos
pacientes com tuberculose, e aqueles identificados com condição compatível com
alcoolismo devem ser monitorados preferencialmente com dose supervisionada
para que se possa evitar o abandono do tratamento.
Outro fator fundamental é a necessidade de continuidade de esclarecimento
do paciente para a sua doença com ênfase especial nos problemas relacionados à
ingestão alcoólica e aos medicamentos. Além da explicação das fases do tratamento
e efeitos esperados durante todas as visitas do paciente à unidade. Os dados
evidenciam uma necessidade importante que as doenças transmissíveis têm nos
ensinado ao longo dos anos, qual seja, a dicotomia entre saúde individual e saúde
coletiva. Portanto, não basta mais apenas tratar o doente é necessário que toda a
comunidade esteja envolvida no controle da TB.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECKER, D.; EDMUNDO, K. NUNES, N. R.; BONATTO, D.; SOUZA, R. Empowerment
e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção
da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n.3, p. 655 – 667. jul./set, 2004.
602
– CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005
O
CONHECIMENTO DE PACIENTES COM TUBERCULOSE ACERCA DE SUA DOENÇA:
UM ESTUDO DE CASO-CONTROLE
BRASIL. Ministério da Saúde. Normas técnicas para o Programa de Controle da Tuberculose.
5. ed. Brasília, 2004.
_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Manual técnico para o controle da tuberculose. Cadernos de atenção básica.
6. ed. Revisada e ampliada. Brasília, 2002a.
_______. Ministério da Saúde. Controle de tuberculose: uma proposta de integração
ensino – serviço. 5. ed. Rio de Janeiro: FUNASA/CRPHF/SBPT, 2002b.
CALDAS, A. J. M. QUEIROZ, L. S. Causas de abandono ao tratamento de tuberculose
em São Luis-MA. Nursing, Revista Técnica de Enfermagem. Ano 3, n. 21, fev. 2000.
DEHEINZELIN, D. TAKAGAKI, T. Y.; SARTORI, A. M. C.; LEITE, O. H. M.; AMATO
NETO, V.; CARVALHO, C. R. R. Fatores preditivos de abandono de tratamento
por pacientes com tuberculose. Revista do Hospital das Clínicas Faculdade de Medicina
de São Paulo. São Paulo, v. 51, n. 4, p. 131 – 135, jul-ago. 1996.
DERUAZ, F.; ZELLWEGER, F. P. Directly observed therapy for tuberculosis in a
low prevalence region: first experience at the tuberculosis dispensary in
Lausanne. Swiss Med WKLY. Lausanne, v. 134, p. 552 - 558, 2004.
DUARTE, L. F.; LEAL, D. F. Doença, sofrimento, pertubação: perspectivas etnográficas. Rio
de Janeiro: FIOCRUZ, p. 104 - 117,1998.
FOX, W.; PRABHAKAR, R.; GANAPATHY, S.; SOMASUNDARAM, P. An inquiry into the
attitudes of South Indian patients to the coloration of the urine by Rifampicin.
Tubercle. v. 68, p. 201 – 207, 1987.
GALESI, V. M. N.; SANTOS, L. A. R. Tuberculose: a cura em estado de alerta.
Prática Hospitalar. Ano VI n. 32, mar - abr, 2004.
GONÇALVES, H. Corpo doente: estudo acerca da percepção corporal da
tuberculose. In: DUARTE, L. F.; LEAL, O. F. (Org). Doença, sofrimento, perturbação:
perspectivas etnográficas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1998. p. 105 – 120.
GORDILLO, G. D. A. Percepciones y practicas relacionadas con la tuberculosis y
la adherencia al tratamiento en Chiapas, México. Salud Pública de México. v. 42,
n. 6, nov-dez., 2000.
LIEFOOGHE, R.; M ICHIELS , N.; H ABIB , S.; MORAN , M. B.; D E M UYNCK, A.
Perception and social consequences of tuberculosis: a focus group study
of tuberculosis patient in Sialkot, Pakistan. Social Science and Medicine. v. 41,
p. 1685 – 1692, 1995.
CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005 –
603
ETHEL LEONOR NOIA MACIEL, CAROLINA SEIXAS, EDINA PIMENTEL
GEISA FREGONA, REYNALDO DIETZE
DE
MORAES,
LIMA , M. B.; M ELLO , D. A.; M ORAIS , A. P. P.; SILVA , W. C. Estudo de casos
sobre abandono do tratamento da tuberculose: avaliação do atendimento,
percepção e conhecimentos sobre a doença na perspectiva dos clientes
(Fortaleza, Ceará, Brasil). Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 17,
n. 4, p. 877 – 885, jul./ago. 2001.
NAIR, D. M.; GEORGE, A.; CHACKO, K. T. Tuberculosis in Bombay: new insights
from poor urban patient. Health Policy and Planning. v. 12, p. 77 – 85, 1997.
NATAL, S. Revisão bibliográfica - Tratamento da tuberculose: causa da nãoaderência. Boletim de Pneumologia Sanitária. v. 5, p. 50 – 71, 1997.
______. Avaliação do programa de controle da tuberculose: estudos de caso
na Amazônia Legal. Boletim Pneumologia Sanitária. v. 12, n. 2, 2004.
REIGOTA, R. M. S.; CARANDINA, L. Implantação do tratamento supervisionado
no município de Bauru/SP - Avaliação da tuberculose pulmonar,1999/2000.
Boletim de Pneumologia Sanitária. São Paulo, v. 10, n. 1, jan - jun., 2002.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA. II Diretrizes Brasileiras para Tuberculose.
Jornal de Pneumologia. São Paulo, v. 30, supl 1, p. 4 - 5; jun., 2004.
VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de infectologia. São Paulo: Atheneu, 2002.
604
– CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO
DE
J A N E I R O , 13 (3): 593 - 604, 2005
Download