4 O Período de Escravidão, 1706–1491 a.C. Da Migração para o Egito até o Êxodo Êxodo 1—14 B. S. Dean I. O EGITO NO PERÍODO DA ESCRAVIDÃO DOS HEBREUS. A história do Egito antigo às vezes é dividida em três períodos: 1. O Império Antigo, da antiguidade desconhecida a 2100 a.C. 2. O Império Médio ou dos Hicsos, de 2100 a 1650 a.C. 3. O Império Novo, de 1650 a 525 a.C., da expulsão dos hicsos à absorção do Egito pelo Império Persa. No primeiro período, Menes consolidou as tribos do baixo Egito e fundou a capital mais antiga, Mênfis, e a primeira das trinta e uma dinastias que governaram o Egito. Séculos depois, a quarta dinastia construiu as enormes pirâmides. Ainda no final desse período a décima segunda dinastia transferiu a sede do poder para Tebas, no alto Egito, onde inauguraram a mais esplêndida era do primeiro período. Os hicsos ou reis pastores do Império Médio eram invasores semitas da Ásia. Inicialmente bárbaros rudimentares, embora fossem organizadores competentes, debaixo de seu governo a civilização egípcia sofreu um eclipse. O Império Novo foi estabelecido por Amosis, o qual expulsou os hicsos e fundou a famosa décima oitava dinastia, que incluía Tutmose III, o Alexandre dos egípcios. Esta, juntamente com a décima nona dinastia, constituiu a mais esplêndida época da história egípcia. É provável que a migração dos hebreus da Caldéia tenha ocorrido na primeira parte do período médio. Isto explicaria a consideração demonstrada pelos faraós para com Abraão, Isaque e Jacó. Sendo eles próprios semitas, não pactuariam com os egípcios em seu ódio pelos estrangeiros. II. A OPRESSÃO. Gênesis encerra com os hebreus obtendo o favor dos egípcios. Êxodo começa com uma raça de escravos. A terra do Egito tornara-se “a casa da escravidão”. Segundo os relatos da história sagrada, estão interpostos aqui séculos de silêncio1 . Dinastias podem ascender e cair, guerras longínquas podem ser travadas, templos esplêndidos, cujas ruínas ainda assombram o mundo, podem ser construídos, mas a glória meramente mundana não tem lugar nos registros divinos. Somente quando se dá um momento de novo avanço na evolução da redenção prometida é que o registro bíblico retoma o curso da história. Por fim “se levantou novo rei sobre o Egito, que não conhecera a José” (Êxodo 1:8). Os maiores benefícios são logo esquecidos. Em menos de catorze anos após a vitória de Salamina, Temístocles foi expulso da Grécia; em menos de dezessete anos após a batalha de Waterloo, o Duque de Wellington foi agredido por uma multidão londrina. É difícil imaginarmos que alguns séculos (ou décadas) tenham apagado o sentimento de gratidão rendido a José, o hebreu. O “novo rei” provavelmente seja uma alusão à revolução que expulsou os hicsos semíticos do Egito e restaurou os governantes nativos. Presume-se que os faraós da escravidão e do êxodo 11 O tempo de permanência no Egito é um dos problemas não solucionados. A Bíblia hebraica pressupõe quatrocentos (mais precisamente, quatrocentos e trinta) anos, cf. Gênesis 15:13; Êxodo 12:40, 44; Atos 7:6. A Septuaginta de Êxodo 12:40, 41, que Paulo segue em Gálatas 3:17, inclui as peregrinações dos patriarcas em Canaã nos quatrocentos e trinta anos. Nota da Tradutora: Certo irmão norte-americano chamado Ted Stewart, ex-missionário no Brasil, tem realizado uma profunda e farta pesquisa que, uma vez oficialmente reconhecida pelos acadêmicos modernos, viria solucionar tal problema e revolucionar o sistema de datação pelas dinastias egípcias, confirmando a linha do tempo apresentada nas Escrituras. 1 tenham sido Seti I, Ramessés II e Merneptá, todos eles reis da décima nona dinastia. Alarmado com o rápido crescimento dos hebreus, e recordando a invasão e duradoura usurpação dos hicsos, Seti teria decidido subjugar os hebreus, reduzindoos ao trabalho forçado na confecção de tijolos; mas, mesmo assim, os hebreus continuaram se multiplicando. Por fim ele teria ordenado que cada recém-nascido do sexo masculino fosse lançado no rio Nilo. Depois disso veio o libertador. II. O NASCIMENTO E A MISSÃO DE MOISÉS. Em todos os sentidos, seja como patriota, poeta, libertador, portador da lei, historiador, homem, Moisés é o maior personagem humano da história bíblica. Os faraós da décima oitava e décima nona dinastias deixaram seus feitos poderosos gravados em granito. Mas hoje seus nomes são tão obscuros como as fotografias de suas múmias recentemente descobertas. Moisés, no entanto, imprimiu seu registro numa raça e numa religião. Após um intervalo estimado em trinta e três séculos, o nome de Moisés é maior do que no dia em que arrancou do faraó o consentimento para deixar o povo de Deus ir embora. Sua vida divide-se naturalmente em três partes iguais: os quarenta anos no Egito; os quarenta anos no exílio em Midiã e os quarenta anos como libertador, líder e organizador de Israel. A história dos seus últimos quarenta anos é a história de seu povo e encerra o período patriarcal. 1. Os Quarenta Anos no Egito. — a. Nascimento e educação. — Moisés nasceu de pais piedosos, Anrão e Joquebede, da tribo de Levi. Seus filhos mais velhos, Miriã e Arão, parecem ter nascido antes do edito atribuído supostamente a Seti. Mas não foi assim com o terceiro filho. Por três meses esconderam das autoridades o nascimento de Moisés. Quando já não era possível conter o segredo, a bela criança foi colocada nas águas do Nilo num cesto de junco. A filha do faraó achou o menino e o adotou, dando-lhe o nome de Moisés. Miriã, que seguira de longe a embarcação de junco com a preciosa carga, ofereceu-se para arranjar uma babá e trouxe a própria mãe. Assim, por providência de Deus, o futuro amigo, emancipador e organizador da nação foi criado na cultura mais intelectual do mundo (Atos 7:22) e, pela mãe hebréia, na mais 2 sublime fé espiritual do mundo. b. A escolha de Moisés. — Moisés ficou adulto. Ele sabia do segredo a respeito de sua origem hebréia. Vendo um capataz egípcio espancar um hebreu, matou o egípcio e escondeu o corpo debaixo da areia. Sem dúvida, Moisés tinha um sangue quente nas veias que pulsava forte diante da injustiça. Todavia, tal ato não foi um impulso precipitado de momento. Com base em Hebreus 11:24–26 e Atos 7:23–25 duas coisas são claras: 1) deliberada e voluntariamente ele renunciara a tudo o que a realeza egípcia podia lhe oferecer, aderindo à causa dos irmãos escravizados; 2) ele esperava despertar o povo de Israel estimulandoo audaciosamente a lutar pela liberdade. Mas ainda não era o momento, e nem ele nem o povo hebreu estavam prontos. Era preciso que as correntes ficassem mais pesadas e que o próprio Moisés fosse disciplinado para realizar tamanha missão. O Egito fora uma boa escola de artes e ciências para Moisés e, aos pés da mãe, ele recebera as lições primárias de religião; mas era preciso que ele ficasse a sós com Deus, antes que estivesse equipado para a nobre missão. No deserto de Midiã e na solidão do Sinai, tendo Deus por mestre, ele cursou a “faculdade” e recebeu o diploma. 2. Os Quarenta Anos em Midiã. — Moisés fugiu para Midiã, leste do Mar Vermelho. Numa tarde, ao sentar-se junto a um poço, sete filhas de Jetro, sacerdote de Mídia, foram dar água aos seus rebanhos. Certos pastores beduínos descorteses afugentaram os rebanhos das moças. O espírito de Moisés, compassivo como fora para com os irmãos oprimidos, não foi diferente com as donzelas oprimidas. A ajuda oportuna desse fugitivo “egípcio” acabou lhe servindo de cartão de visita. Casou-se com Zípora, filha de Jetro. Durante quarenta anos seguiu a tranqüila vocação de pastor em Midiã. Ali ele se familiarizou com o terreno acidentado pelo qual guiaria seu povo até a terra prometida. Finalmente, Deus lhe apareceu numa sarça em chamas, revelando-Se como o “Deus de Abraão, Isaque e Jacó” 2 , renovando a aliança que desempenhou um papel tão vital por todo o período patriarcal e comissionando Moisés a libertar o povo de Israel. Moisés, que era tímido e tardio para falar, recuou diante de uma missão que o levaria para dentro das 12 Êxodo 3:6. cortes e perante reis. Todavia, munido de sinais sobrenaturais como credenciais de Deus, e contando com a ajuda de Arão como seu porta-voz, Moisés voltou ao Egito. IV. A ÁRDUA DISPUTA. A seguir aconteceu a disputa mais memorável de toda a história. Moisés encontra-se com Arão ao sair da terra de Midiã. Juntos compareceram perante os anciãos do povo israelita, esclareceram sua missão e a confirmaram por meio dos sinais concedidos. O povo oprimido aceitou a missão e prostrou-se perante a aliança de Deus firmada com seus pais. Moisés e Arão, porém, não tiveram tanto êxito com o faraó. Em nome do Senhor pediram que ele deixasse Israel fazer uma viagem de três dias até o deserto para ali oferecer sacrifícios a Deus. Teria sido melhor para o faraó e para o povo que o tão razoável pedido fosse atendido. A primeira conseqüência, porém, foi que o faraó apertou ainda mais as algemas e aumentou a carga dos hebreus. Surpreendido pela recusa inflexível do faraó e pelas amargas reclamações de seus irmãos oprimidos com mais trabalho, Moisés esteve prestes a desistir. As dez pragas, ou “golpes”, sucederam uma após a outra: águas transformadas em sangue, rãs, piolhos, moscas, peste nos animais, feridas purulentas, granizo, gafanhotos, trevas e a morte dos primogênitos. 1. A Natureza da Disputa. — Aquela não era apenas uma batalha entre uma raça escravizada e seus opressores; era uma disputa entre Moisés e o faraó. Era uma controvérsia entre o Senhor Deus e os deuses do Egito. Quase todas as pragas eram pestes naturais no Egito; todavia, o caráter miraculoso delas é visto sob vários ângulos: sua intensidade, sua multiplicação numa rápida sucessão; apareciam e desapareciam a mando de Moisés; o povo de Israel ficou ileso, exceto no caso das três primeiras e, finalmente, quase todas eram um golpe contra alguma forma da adoração aos ídolos egípcios. 2. A Necessidade da Disputa. — Convém observar que, em toda a terra, somente uma raça detinha a unidade e a espiritualidade de Deus; e essa raça estava escravizada correndo o risco de perder tanto a fé como a identidade nacional. Os números, as riquezas, a cultura, o poder dos egípcios, na proporção de cem para um, estavam todos contra a nação de Israel. Era necessária uma lição que jamais fosse esquecida — e de fato ela jamais foi esquecida. A idolatria dos egípcios reduziu-se a pó ou virou artigo de decoração em antiquários, enquanto que o Deus de Israel é hoje adorado pelo mundo civilizado. Os sinais e maravilhas realizados no Egito vieram a ocupar um importante lugar na literatura hebraica, e estão arraigados na consciência nacional de tal maneira que constituíram uma das forças mais eficazes para manter a fé dos seus antepassados em meio às seduções de um politeísmo envolvente. 3. O Fim da Disputa. — O último golpe foi desferido. O anjo da morte bateu a cada porta do Egito, do palacete ao casebre, e os primogênitos caíram mortos. Mas os humildes lares dos hebreus ficaram a salvo. Em obediência a Deus, instituíram a Páscoa. O cordeiro foi sacrificado; seu sangue, passado nos umbrais das portas como sinal da fé dos hebreus. O misterioso mensageiro, sem causar danos, sobrevoou esses lares, nos quais a festa pascoal estava sendo observada. Um grande choro se levantou por sobre todo o país. Os grilhões caíram e Israel foi libertada. Todavia, mais uma vez o coração do faraó se endureceu. Ele perseguiu os hebreus, que ficaram presos entre um desfiladeiro e o mar Vermelho; o mar se abriu; Israel atravessou e foi salvo; os egípcios os perseguiram e foram tragados pelo mar3 . V. CONSEQÜÊNCIAS DA PERMANÊNCIA NO EGITO. Penosa como foi a escravidão egípcia, ela desencadeou importantes resultados. 1. Fez de Israel uma nação. — Entraram no Egito como um grupo de doze famílias nômades. Jacó e seus descendentes diretos totalizavam setenta pessoas. Incluindo os servos, a tribo inteira deveria somar dois ou três mil pessoas. Se tivessem permanecido em Canaã, é quase certo que teriam se dividido em uma dúzia de tribos errantes e insignificantes. O fato de residirem numa terra mais densamente povoada, sob a mão pesada da opressão, uniu todos a uma só nação. 2. Civilizou o povo hebreu. — Saíram de 13 O livro de McGarvey, Lands of the Bible (“Terras da Bíblia”), pp. 438–443, apresenta um extenso comentário sobre o local da travessia. 3 Canaã nômades. Vimos acima o nível de civilização em que já se enquadravam, mas não poderiam continuar sendo meros pastores no Egito. O Egito é, e parece que sempre foi, um país agrícola. Além disso, ele foi, por milhares de anos, o líder mundial da vida intelectual e da civilização material. Os hebreus eram talentosos demais para não tirar proveito da longa permanência em tal escola. Moisés, em especial, “foi educado em toda a ciência dos egípcios” (Atos 7:22); mas, no relato da construção do tabernáculo, fica evidente que havia muitos outros hebreus talentosos (Êxodo 25—40). 3. Seus acontecimentos finais fortaleceram a fé nacional dos hebreus. — Se tivessem permanecido no Egito, finalmente teriam perdido tanto a fé nacional como a identidade nacional. Mas o Egito tornou-se o quadro-negro em que o Senhor escreveu as lições jamais esquecidas por Israel. Apesar das reincidências na idolatria, ao longo do curso foram fiéis à fé nacional. Agora, deviam regressar a Canaã para conquistar e tomar posse da terra em que, durante duzentos anos, Abraão, Isaque e Jacó permaneceram como peregrinos. Mas não seria de imediato. Poucos dias de viagem os levariam até Canaã. Todavia, foram necessários quarenta anos de organização e disciplina para estarem prontos a tomar posse ✧ da terra prometida. MOISÉS: Os 3 Périodos da Sua Vida 40 anos como príncipe no Egito 40 anos como pastor de ovelhas em Midiã 40 anos como profeta liderando Israel no deserto 4 Os 12 Filhos de Jacó Filhos de Lia 1. Rúben 2. Simeão 3. Levi 4. Judá 5. Issacar 6. Zebulom Filhos de Zilpa (serva de Lia) 7. Gade 8. Aser Filhos de Bila (serva de Raquel) 9. Dã 10. Naftali Filhos de Raquel 11. José 12. Benjamim As 12 Tribos de Israel 1. Rúben 2. Simeão (Os levitas não receberam lotes de terra depois da conquista de Canaã por serem assistentes dos sacerdotes.) 3. Judá 4. Issacar 5. Zebulom 6. Gade 7. Aser 8. Dã 9. Naftali 10. Efraim* 11. Manassés* (*Ambos eram tribos por serem filhos de José e terem sido adotados por Jacó.) 12. Benjamim ©Copyright 2003, 2006 by A Verdade para Hoje TODOS OS DIREITOS RESERVADOS