A HISTÓRIA DA IGREJA PRIMITIVA E ANTIGA Karl Josef Romer – 2014 Tema 14 VI. O CISMA QUE SEPARA O ORIENTE DO OCIDENTE (I) 1) A pré-história Politicamente, crescia, desde muito tempo, a distância entre Roma e Constantinopla, onde o Imperador romano, desde Constantino, morava. Os imperadores governavam o Ocidente mais ou menos por representantes. – Já no início do quinto século, povos “bárbaros”, vindos das regiões dos Bálcãs, invadiam a parte ocidental do Império, especialmente saqueando a Itália. Certas cidades organizavam relativa resistência. O povo via-se cada vez mais ameaçado e perdido. Somente certos “exarcatos” como Ravena (Ravenna) tinham, sob o comando de representantes de Constantinopla, sua defesa. Os Papas tornaram-se cada vez mais símbolos da união e da orientação da Itália. Leão Magno (440-461) condenou o sínodo (convocado como Concílio), dirigido e presidido por Dióskoros, Patriarca violento de Alexandria (444-451), em Éfeso, no ano 449, como “sínodo dos ladrões” (latrocinium ephesinum). No ano 451, sua intervenção por carta e legados, foi decisiva no Concílio de Calcedônia (onde ele rejeitou o Artigo 28, no qual Constantinopla quereria ser considerada de igual ou superior autoridade do que Roma). De conseqüências incalculáveis foi seu encontro, no ano 452 em Mántua, com Átila, rei dos Hunos, conseguindo que ele desistisse do saque de Roma. A população de Roma e outras partes da Itália reconheciam terem sido salvas graças ao Papa, única autoridade moral significativa na Itália dilacerada. 2) O fim do Império Romano Ocidental A população autóctone diminuía sensivelmente, o que exigia uma reformulação do exército dos romanos. Prisioneiros foram convocados e organizados em tropas secundárias. Com certos grupos, mesmo de origem não romana, faziam-se alianças. E estes, como “foederati”, já no quarto século, começavam a predominar no campo do exército. Aos poucos, os melhores chefes de exército eram Germanos. A migração dos povos, iniciada pelo ano 375, fazia crescer a pressão contra as fronteiras do Império. Os Hunos e outros povos, na maioria germânicos (os vândalos, suevos, burgúndios e francos etc.), começavam a ocupar diversas partes do Império Ocidental. Os godos, por exemplo, instalaram-se na Gália e na Espanha. Após a vitória dos Vândalos sobre Roma (455), o chefe do exército, o suevo Ricimer, colocou-se em Roma no trono do Império romano ocidental. Após sua morte em 472, seu sobrinho burgúndio Gundobad continuou o regime despótico. Depois, Orest, comandante do exército, assumiu o poder, sem, no entanto, declarar-se rei ou imperador, porque como comandante supremo ele tinha de fato mais poder. Colocou no trono o seu filho Romulus, ainda menino, sobre o qual os orientais zombavam, chamando-o “augustulus”. Finalmente, o chefe dos soldados germânicos (a serviço de Roma), Odoacro (Odovakar) tomou o poder, assassinando Orest. Os soldados proclamaram a Odoacro rei. Então, os proprietários romanos tinham que ceder, à população germânica, terras significativas na Gália, na Espanha e na África. Odoacro não se opôs à opinião de ser ele o representante do Imperador de Constantinopla; mas, de fato, governava com absoluta autoridade própria. Também nos outros países vizinhos, onde os germanos se instalavam, estes eram os senhores das terras, mesmo deixando viva, algum tempo, a opinião de serem eles representantes da “gloriosa” autoridade do Imperador do Oriente. De fato, o Imperador já tinha perdido toda influência sobre o Ocidente. O imperador Zeno insinuou ao jovem Teodorico, rei dos ostrogodos, invadir a Itália e destronar Odoacro. Após cinco anos de gravíssimas lutas, Teodorico venceu. Odoacro foi massacrado e Teodorico, o Grande (493-526), tornou-se o novo senhor da Itália. Embora ariano, Teodorico mostrou-se tolerante e generoso com os católicos. 3) O perigo dos Langobardos Começava a florescer a cultura ocidental pela crescente união em torno do Papa, pela união predominante da fé, propagada decididamente pelos missionários anglo-saxônicos (Columbano, Gallo etc.) e pela admirável obra missionária de Bonifácio (+ 754), que promovia uma imensa promoção de cultura popular (escolas) no reino dos Francos. O Papa e com ele a Itália entravam em uma situação quase desesperadora por causa do avanço dos Langobardos, que, desde 568, ocupavam partes significativas da Itália (Milão, Aquileia, Pavia, Spoleto, Benevento, criando poderosos condados). Eram, quase por opção nacional, arianos, ameaçando a fé do povo. Embora muitos tivessem se convertido ao catolicismo, o Rei langobardo Liutprand (712-744) e seus sucessores pretenderam dominar toda a Itália. Bizâncio (Constantinopla) ficava sempre mais longe, porque lá eclodiu o problema do iconoclasmo. Roma sentiu-se desprotegida. 4) O iconoclasmo (destruição das imagens sacras) No ano 726, o Imperador Leão III (717-740), de Constantinopla, lançou um edito contra a veneração de imagens sagradas. Não faltavam clérigos de alta posição que apoiavam tal iniciativa. O Imperador, porém, seguia também interesses políticos, querendo agradar aos judeus e muçulmanos, numerosos em seu reino. A representação artística de coisas sagradas era chamada de idolatria. Leão considerava-se “imperador e sacerdote” (bassileu>j kai. Iereu,j eimi). João Damasceno, monge que vivia fora do Império, perto de Jerusalém, lutava em favor das imagens. O Papa Gregório II (715-731) exortou o Imperador com duas cartas enérgicas, exigindo que não se intrometesse em questões de dogmática, que competiam exclusivamente aos Bispos. O Papa Gregório III (731-741) ameaçou de excomunhão quem destruísse imagens. Desencadeou-se na Itália viva indignação contra o Imperador. Porque tesouros de riquezas artísticas e religiosas continuavam a ser brutalmente destruídos. O Imperador reagiu, desapropriando grandes bens que a Igreja possuía na Itália e na Sicília. O Imperador aumentou irracionalmente os impostos sobre outros bens que a Igreja possuía. Com isto agravou-se, entre o Papa e o Imperador, o conflito provocado pelo iconoclasmo. O exarca do Imperador, em Ravena, tentou exigir, com força, impostos volumosos. Mas o povo e os nobres de Roma e da Itália se levantaram para proteger o Papa contra o Imperador. Mesmo a milícia imperial, que ainda existia na Itália (Pentápolis e Veneza), mostrou-se favorável ao Papa. A fé do povo reagia, porque, desde o tempo das catacumbas romanas, as imagens ajudavam para a contemplação do mistério. Evidentemente, não faltavam certos abusos de uma fé mal formada. Mas a Igreja distinguia claramente entre “adoração” (latria) e veneração (dulia). – Quando, no ano 726, o Imperador Leão retirou do impressionante portal de bronze do seu palácio a grande imagem de Jesus Cristo, o povo organizou uma revolta, chegando a matar certos iconoclastas. Mas o imperador, com métodos cruentos e sangrentos, agiu contra o povo, matando e enviando muitos ao exílio. 5) O auxílio dos francos Na Itália, o rei langobardo Liutprand dirigiu-se com suas tropas contra Roma. O Papa Gregório II (715-731) dirigiu duas cartas ao Imperador em Constantinopla, insistindo que terminasse suas erradas posições contra as imagens. (O patriarca em Constantinopla não concordava com o Imperador). Logo após a morte de Gregório II, no ano 731, foi eleito Gregório III (731-741), homem de sublime cultura e profunda fé. Vendo-se abandonado, o Papa pediu, contra os Langobardos, a ajuda de Carlos Martel, o qual ainda não podia agir, porque os Langobardos lhe tinham ajudado contra os muçulmanos. Tentou então convencer a Liutprand a tomar atitude mais conciliadora. Seu sucessor, o Papa Zacarias (nascido na Grécia) conseguiu, através de sua prudência e sabedoria, que Liutprand devolvesse certos bens e certas regiões conquistados pelos Langobardos. Quando, no entanto, Liutprand avançou contra Ravena, o exarca pediu a mediação do Papa. Este conseguiu a mudança dos planos langobardos. Mas o segundo sucessor de Liutprand, Aistulph, retomou os antigos costumes do conquistador langobardo. Em Constantinopla, o iconoclasmo tomou formas cada vez mais radicais. O sucessor do Imperador Leão, Constantino V, chegou a executar quem se opusesse às suas iniciativas sacrílegas. O Papa Zacarias morreu em 752. Seu sucessor, Estêvão, sucumbiu, três dias após sua eleição, por um ataque do coração. Logo foi eleito um diácono romano com o nome de Estêvão II (752-757). Imediatamente após sua eleição, Estevão II mandou, com ricos presentes, mensageiros ao rei dos langobardos Aistulph, pedindo que desistisse de seus planos de guerra. Aistulph, porém, não cedia em nada e declarou querer conquistar a Itália inteira. O Papa implorou ao Imperador em Constantinopla que enviasse ajuda militar. Mas tudo era em vão. Então o Papa dirigiu-se de novo aos francos. Enviou um “peregrino” para que o rei Pepino enviasse homens que o conduzissem ao reino dos francos. Pepino aceitou e enviou um Bispo (Chrodegang de Metz) e um conde (Autchar). Entrementes chegou a Roma um enviado do Imperador, pedindo a intervenção do Papa junto a Aistulph, para que este devolvesse os exarcatos bizantinos. Com esta iniciativa não só tratou o Papa como um súdito, mas manifestou sua absoluta incapacidade de avaliar a situação do Ocidente. De fato, o Papa se dirigiu a Aistulph em Pavia, mas Aistulph negou-se totalmente, e quis ainda impedir que o Papa viajasse para o reino dos francos. Mas os enviados de Pepino, que estavam acompanhando o Papa, declararam que o rei deles (Pepino) jamais toleraria qualquer impedimento. O rei langobardo ficou furioso, mas impossibilitado de agir contra o plano do Papa. Assim, Estevão II foi o primeiro Papa a cruzar as montanhas. O rei dos francos, Pepino 1, veio, uma hora de 1 Pepino era filho de Carlos Martel, que, no ano 732, em Poitiers, por uma esmagadora vitória contra os muçulmanos, conseguiu rechaçar o perigosíssimo avanço deles. Pepino assumiu, em 741, junto com seu irmão Carlman, a direção do reino dos francos. Com a renúncia de Carlman, em 747, Pepino ficou caminho, ao encontro do Papa, desceu do cavalo, ajoelhou-se e depois pegou a rédea do cavalo do Papa e conduziu-o, como gesto de profunda estima ao seu visitante. No dia 6 de janeiro de 754, houve o encontro solene entre o Rei e o Papa, e chegou-se a celebrar uma verdadeira aliança. Pepino, juntamente com seus dois filhos, Carlos (Magno) e Carlman, prometeu ser o protetor do Papa para sempre. O Papa deu aos três o título de Patrícios de Roma e ungiu os três como reis. Antigamente, os exarcas bizantinos tinham a função de proteger Roma. Agora, os francos ocupavam esta função. Pepino tentou convencer Aistulph a desistir de seus planos. Diante da negação obstinada, ficou para Pepino somente a escolha da espada. Em agosto de 754, o exército franco partiu e, na primavera de 755, Aistulph foi rechaçado até Pavia. Ele pediu a paz. O Rei franco concedeu. Mas exigiu que Aistulph devolvesse Ravena e certas outras regiões conquistadas e de nunca mais incomodar a sede apostólica. Depois da volta de Pepino para sua terra, Aistulph não observou suas promessas. Começou a saquear regiões romanas e ameaçou invadir Roma. O Papa apelou de novo a Pepino. Este lançou uma segunda expedição para a Itália. Rapidamente, Aistulph foi vencido e obrigado a dar ao Papa terras mais amplas e de fornecer grande soma de indenização, além de pagar anualmente tributos ao Rei dos francos. Bizâncio pediu para receber suas antigas propriedades na Itália. Mas Pepino negou-o drasticamente. sozinho como regente. Em 751, ele destronou Quilderic III, último rei dos merovíngios, e deixou-se declarar rei, ungido talvez por Bonifácio. Abriu a Bonifácio grandes terrenos para sua missão. O Papa Estêvão III, oprimido por Aistulph, dirigiu-se a Pepino e foi recebido solenemente no dia 6 de janeiro de 754. Pepino, com suas grandes doação ao Papa, funda o Estado pontifico. Seu filho Carlos (Magno) assume o governo em 768 e reinará até 814.