PREDAÇÃO DE SEMENTES DE CANAFÍSTULA (PELTOPHORUM DUBIUM (SPRENG) TAUB. LEGUMINOSAE), EM ÁREAS DE PASTAGEM Evandro Alves Vieira1, Clarissa Flores Cândido1 (1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 79070-900 Campo Grande, MS. email: [email protected]) Termos para indexação: sementes, densidade, braquiária, formigas Introdução Em ambientes tropicais, grande parte das sementes é consumida por insetos (principalmente da ordem Coleoptera) e outros predadores, o que é motivo de preocupação para produtores de mudas, pois afeta o desempenho germinativo das espécies arbóreas nativas. Contudo, a predação de sementes não é sempre prejudicial já que pode afetar a competitividade de espécies incrementando o sucesso reprodutivo de plantas com menor poder de competição ou de plantas menos abundantes, contribuindo assim para o aumento e manutenção da diversidade (Beckage e Clarck, 2005). Da mesma maneira, alguns insetos que predam frutos e/ou sementes também podem ter efeitos positivos atuando como dispersores e facilitando a germinação das sementes ao limpá-las de restos de frutos (Leal e Oliveira, 1998). No Cerrado, a predação de sementes é bem evidenciada principalmente na família das Leguminosas, o que acarreta grande perda na produção das mesmas, influenciando a germinação e a sobrevivência das plântulas. Para algumas espécies vegetais a predação por insetos pode eliminar grande parte das sementes produzidas em uma estação, tendo, portanto conseqüências importantes para a dinâmica populacional das plantas (Franscisco et al., 2003). Além disso, as interações entre predadores e sementes influenciam a ecologia dos predadores e, possivelmente, a estrutura das comunidades vegetais. Diversos fatores foram sugeridos como moderadores das chances de sobrevivência de uma semente no solo, entre os quais, se podem mencionar mecanismos de defesa contra predadores, fungos e patógenos, heterogeneidade espacial na distribuição das sementes, escape das sementes mediado por mecanismos de dispersão, distância da planta-mãe e a densidade de sementes (Harms et al., 2000). Por ser difícil a determinação exata das causas da mortalidade individual das sementes e conseqüentemente de uma plântula no campo, poucos estudos demográficos quantificam as perdas por predação em pastagens. Mais escassos ainda são aqueles que promovem a identificação e quantificação das perdas por cada predador. Cada espécie apresenta evidentemente diferentes suscetibilidades a predação relacionadas com suas características fenotípicas como o tamanho da semente e das plântulas, área foliar, presença de metabólitos secundários entre outras. Do mesmo modo, cada espécie difere nos seus predadores principais ou específicos (Molofsky e Fisher, 1993). Canafístula é uma espécie arbórea nativa, heliófita, com crescimento rápido e considerada promissora por apresentar valor econômico comprovado em função da qualidade da madeira. A madeira é utilizada na construção civil, indústria de móveis, construção naval, marcenaria e carpintaria e produção de papel. Também é usada como planta medicinal e ornamental e recomendada para a regeneração de áreas degradadas (Mattei e Rosenhal, 2002). O objetivo deste estudo foi determinar o efeito da densidade de sementes e da cobertura vegetal sobre a taxa de predação de sementes de P. dubium por formigas em áreas de pastagem. Material e Métodos O experimento foi conduzido em uma área de pastagem abandonada num sítio localizado a 22 km de Campo Grande-MS. A área de pastagem é composta por B. decumbens, circundada por manchas de vegetação nativa de cerrado. O clima é caracterizado como quente e úmido, com duas estações bem definidas, verão chuvoso e inverno seco (Campelo-Junior et al., 1997). Para mensurar a influência da cobertura vegetal na predação de sementes de Canafístula por formigas foi realizado um experimento usando dois tratamentos. No primeiro tratamento (Cg) foram montadas 20 estações de cada grupo experimental de forma intercalada pela área de estudo diretamente na braquiária. Cada estação distava 10m da vizinha mais próxima e era formada por discos de plástico apoiados sobre três clipes (sustentando o disco a cerca de 2 cm do solo) contendo 20 sementes na sua parte interna. O segundo tratamento (com a mesma composição) foi montado em parcelas de 2 m x 2 m sem a presença da braquiária (Lg). A diferença entre os dois grupos experimentais foi testada com as sementes que restavam no período de 24h através do teste t (P < 0,5). Para verificar a importância da densidade de sementes na predação por formigas foram colocadas 80 estações pela área de estudo. Em cada estação foi colocada uma das oito densidades de sementes previamente definidas (1, 5, 10, 20, 30, 50, 70, 100 sementes em 900 cm²). As estações estavam com a proteção contra vertebrados e foram dispostas a pelo menos 10 m de distância uma das outras. Após 24 h, foi contado o número de sementes não removidas. Para todo o experimento as estações onde o disco de plástico se encontrasse virado ou longe do ponto original foram descartados devido à provável intervenção de vertebrados. Para testar se ocorre efeito dependente de densidade, os dados foram ajustados à função y=axb. O ajuste foi realizado usando uma regressão linear simples através da transformação dos dados em log 10 (seguindo Harms et al., 2000). Para identificar quais espécies de formigas interagem com P. dubium foram feitas coletas em dois horários distintos (08:00h e 19:00h) durante 24horas. Em cada período foram montadas 30 estações de coleta, cada uma com 20 sementes maduras de Canafístula. Cada estação distava 10 m uma da outra, sendo vistoriadas três vezes por 1 minuto com intervalos de 30 minutos entre as vistorias. As formigas foram coletadas e identificadas. Resultados e Discussão Foram encontradas correlações significativas entre a presença de gramíneas e um maior número de sementes predadas, onde nas estações localizadas dentro da braquiária a predação foi 36% maior (p=0,384), quando comparada as estações livre de gramíneas (Figura 1). Este resultado pode estar relacionado tanto com a preferência dos predadores por ambiente mais denso e conseqüentemente mais protegido, com a menor exposição às condições estressantes de áreas abertas, como pelo fato do maior número de formigueiros estarem presentes nas áreas com cobertura vegetal. Nenhuma estação protegida apresentou evidência de ataque por vertebrados. Figura 1. Influência da cobertura vegetal de B. decumbens sobre o número de sementes predadas de P. dubium nos dois tratamentos. Lg: livre de gramínea e Cg: com gramínea. Foram observadas apenas quatro espécies de formigas (três espécies Pheidole e uma espécie de Acromyrmex), todas da subfamília Mirmecinae interagindo com as sementes de P. dubium (Tabela 1). Estas formigas eram capazes de remover as sementes solitariamente ou com ajuda de outras (de 1 a 3) operárias. Após a estação ser localizada, as formigas removiam rapidamente quase todas as sementes. Neste estudo Pheidole sp.1, ocorreu com maior freqüência durante o dia e foi um predador mais eficiente quando comparada as outras espécies ao ataque nas sementes. Entretanto Pheidole sp.2, foi observada predando com maior freqüência no período noturno. Tabela 1. Freqüência de formigas coletoras das sementes de P. dubium capturadas nas estações de coleta em diferentes períodos do dia. Trinta estações de amostragem por período. Espécies Período Dia (8:00h) Noite (19:00h) Pheidole sp. 1 28 0 Pheidole sp. 2 7 13 Pheidole sp. 3 8 8 Acromyrmex sp. 5 4 Para os efeitos da densidade, a regressão entre este fator e número de sementes foi significativa (F=32,48; p<0,0001; R2=0,331; Figura 2). Foi detectado efeito dependente de densidade, ou seja, quanto maior o número de sementes nas estações maior foi o número de sementes predadas e maior o número de formigas agindo. Na área de estudo, as formigas, em especial uma espécie do gênero Pheidole, removeram rapidamente (em menos de 24h) grandes quantidades de sementes. Pheidole é um dos principais gêneros de formigas coletoras de sementes em diversos ambientes, enquanto Acromyrmex coleta matéria vegetal (incluindo sementes) para o cultivo de fungos para sua alimentação, ambas interagindo com várias espécies de plantas, porém preferencialmente gramíneas al., 2001). É notar que (Wetterer et importante formigas coletoras eventualmente acabam por dispersar sementes, o que pode gerar um balanço positivo na distribuição da espécie após a dispersão primária (Gross et al., 1991). Figura 2. Dependência de densidade (DD) na predação de sementes de P.dubium, de cada tratamento. A reta pontilhada indica o esperado para DD. A reta contínua é a melhor ajustada aos dados. Dados transformados em log10(x+1). A relação da densidade com o maior forrageamento pode estar ligada às Formigas da família Myrmecinae, recrutar grande número de operárias que exploram continuamente o recurso localizado. Esta estratégia, aliada ao pequeno tamanho da semente de P. dubium, que é facilmente removida por poucas operárias e a dificuldade de localização por parte de predadores, principalmente em baixas densidades, sugere que uma vez localizado um agregado, as formigas são capazes de eliminá-lo quase completamente. A dificuldade de localização de pontos com baixas densidades por predadores pode ter gerado o escape das sementes na escala temporal observada (Leal e Oliveira, 1998). A predação de sementes é um fenômeno que pode ter marcantes implicações para a biologia reprodutiva das plantas. Entretanto, a compreensão da influência das características das sementes e de seus predadores nestas interações ainda é pequena (Hulme et al., 1998). Desta forma, sugere-se que estudos experimentais, que investiguem a escala espacial e a influencia da densidade podem ser extremamente interessantes para a compreensão das interações entre formigas e sementes. Conclusões A predação de sementes de P. dubium é basicamente realizada por formigas da subfamília Myrmicinae na área avaliada, sugerindo que os invertebrados são predadores importantes para a sobrevivência de sementes desta espécie. Na presença de B. decumbens houve maior atividade de forrageamento pelas formigas, sendo ainda influenciada pela densidade de sementes no local. Referências bibliográficas BECKAGE, B. e CLARK, J. S. Does predation contribute do tree diversity? Oecologia, vol. 143, n° 3, p. 458-469, 2005. CAMPELO-JÚNIOR, J. H.; SANDANIELO, A.; CANEPPELE, C. R. e SORIANO, B. M. A. Climatologia. In: Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai - PCBAP Meio Físico, MMA, PNMA, Brasília, v.2. 1997. FRANCISCO, M. R.; DE OLIVEIRA, V.; GALETTI, M. 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