a experiência das mulheres com câncer de colo de útero do

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Governo do Estado do Pará
Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Mestrado
Tatiana Menezes Noronha Panzetti
A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES COM CÂNCER
DE COLO DE ÚTERO DO DIAGNÓSTICO AO
TRATAMENTO
Belém-Pa
2013
1
TATIANA MENEZES NORONHA PANZETTI
A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES COM CÂNCER
DE COLO DE ÚTERO DO DIAGNÓSTICO AO
TRATAMENTO
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Enfermagem da Universidade do
Estado do Pará (UEPA), como requisito para
obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
Área de Concentração: Enfermagem.
Linha de Pesquisa: Educação e tecnologias de
enfermagem para o cuidado em saúde a indivíduos
e grupos sociais.
Orientadora: Profª. Dra. Mary Elizabeth de Santana.
Belém-Pa
2013
2
Dados Internacionais de Catalogação na publicação
Biblioteca do Curso de Enfermagem da UEPA – Belém - Pá
P199e Panzetti, Tatiana Menezes Noronha
A experiência das mulheres com câncer de colo de útero do diagnóstico ao tratamento /
Tatiana Menezes Noronha Panzetti; Orientadora: Mary Elizabeth de Santana - Belém, 2013.
133 f.; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2013.
1. Câncer 2. Câncer de colo de útero. 3. Enfermagem I. Santana, Mary Elizabeth
(Orient.) II. Título.
CDD: 21 ed. 616.994
3
TATIANA MENEZES NORONHA PANZETTI
A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES COM CÂNCER
DE COLO DE ÚTERO DO DIAGNÓSTICO AO
TRATAMENTO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- Graduação em Enfermagem da
Universidade do Estado do Pará (UEPA),
como requisito para obtenção do título de
Mestre em Enfermagem.
Área de Concentração: Enfermagem.
Data da aprovação ____/____/____
Banca avaliadora
________________________________________- Orientadora
Profa. Dra. Mary Elizabeth de Santana
Dra. em Enfermagem (EERP/USP)
Universidade do Estado do Pará – UEPA
___________________________________________ - Examinador Interno
Profa. Dra. Maria Tita Portal Sacramento
Dra. em Enfermagem
Universidade do Estado do Pará – UEPA
___________________________________________ - Examinador Externo
Profa. Dra. Jacira Nunes Carvalho
Dra. em Enfermagem (UFSC)
Universidade Federal do Pará – UFPA
___________________________________________ - Examinador Externo
Prof. Dr. Raymundo Heraldo Maués
Dr. em Antropologia Social (UFRJ)
Universidade Federal do Pará – UFPA
Belém-Pa
2013
4
Dedico este trabalho aos meus pais,
pelo amor incondicional e dedicação,
sendo meus maiores exemplos de vida.
Ao meu esposo, Mauro Panzetti, a
quem amo tanto, meu grande amor,
companheiro e incentivador desta
jornada, sempre ao meu lado apoiando
e compartilhando todos os momentos.
Ao nosso filho Lucas, obra de Deus,
que nos concedeu a criação, dando
sentidos
as
nossas
vidas
e
proporcionando-me a realização de ser
mãe.
5
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Todo meu agradecimento ao meu mestre e amigo JESUS, por me fornecer a
energia diária para o fim desta caminhada, ao qual mentalizo todos os dias, “Eu
quero. Eu posso. Eu consigo”. Consegui, e venci!
Aos meus queridos, meus velhos e amigos, Noronha e Darci, muito
obrigada por serem meus pais. Essa vitória é também de vocês. Por toda minha vida
e eternidade eu vou amá-los!
Ao meu grande amor, Mauro Panzetti, meu esposo, amigo e companheiro
de todos os momentos. Saiba que sem você não teria conseguido, foste essencial
por essa vitória. Muito obrigado por existires e fazeres parte de minha vida!
Ao meu filho, Lucas, amado e único em minha vida. A você meu respeito e
dedicação, pois conseguiu compreender a minha ausência para a realização e
término deste estudo.
Aos meus irmãos, Carolina e Júnior, pelo amor e carinho.
Aos meus sogros, Gilberto e Maria, pela ajuda constante com meu filho e
pela torcida pelo meu crescimento profissional.
Aos tios queridos, Amadeu e Vera, pelo carinho e torcida constante.
À minha orientadora, Dra. Mary Elizabeth, que me guiou nesta construção.
Obrigada pelo carinho e amizade em todos os momentos e por acreditar no meu
potencial.
A querida amiga, Marta Solange, por todos os momentos de estudo,
compartilhamento de conhecimentos, companheirismo nesta construção. Amiga,
conseguimos!
A professora e amiga, Mirna Moraes, pelo carinho, palavras de incentivo e
correção ortográfica.
Aos professores, Dra. Maria Tita Portal Sacramento, Dra. Jacira Nunes e
Dr. Raymundo Heraldo Maués que aceitaram participar da banca examinadora e
contribuir com este trabalho.
6
A professora Dra. Márcia Fontão Zago, pelas contribuições científicas a
essa pesquisa.
A todos os professores da Pós-Graduação em Enfermagem que tornaram
possíveis a minha formação, a minha gratidão por compartilharem a sua experiência.
As
queridas
colegas
do
mestrado,
que
compartilharam
seus
conhecimentos, suas vivências, alegrias e dificuldades.
A Coordenadora do Curso de Enfermagem da Universidade da AmazôniaUNAMA, Professora Dra. Maria Tita Portal Sacramento, meus agradecimentos pela
compreensão nos momentos de ausência e incentivo na carreira profissional.
Aos colegas de trabalho da Universidade da Amazônia- UNAMA, pelo
estímulo e torcida para o término do estudo.
As mulheres do estudo, obrigada pela disponibilidade e oportunidade de
compartilhar suas experiências de vida em momento tão difícil.
Ao Hospital Ophir Loyola, por autorizar a realização da pesquisa e por
todos os momentos de aprendizado nesta Instituição.
7
Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta
Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que rí
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida....
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria...
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida....
(Maria, Maria - Milton
Nascimento)
8
RESUMO
PANZETTI, Tatiana Menezes Noronha. A experiência das mulheres com câncer
de colo de útero do diagnóstico ao tratamento. 2013. 131f. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2013.
Este estudo tem como objetivo: Identificar como as mulheres com câncer de colo de
útero constroem a experiência do diagnóstico ao tratamento, integrando-os em
sentidos socialmente construídos. Pesquisa de abordagem qualitativa do tipo
descritivo, com um olhar nas bases conceituais da antropologia da saúde. Os
sujeitos foram 30 mulheres maiores de 18 anos, que tinham o diagnóstico de câncer
de colo de útero. A coleta de dados foi realizada por meio da técnica de entrevista
semi estruturada. Foi aplicado um instrumento organizado em duas partes: a
primeira com questões fechadas que abordam o perfil sócio cultural das
entrevistadas, e a segunda parte com quatro questões abertas fundamentadas no
Modelo Explicativo (ME) proposto por Kleinman (1988), que procura explicar a
enfermidade a partir de questões como: o tempo e modo do início dos sintomas, o
curso da doença, o tratamento e problemas sociais. Desenvolvido no Hospital Ophir
Loyola, referência em câncer no Estado do Pará. Para análise foi utilizada a técnica
de análise de conteúdo. Foram identificadas duas categorias: O diagnóstico, e o
tratamento. A primeira categoria o diagnóstico, aborda a identificação das alterações
corporais pelas mulheres, a trajetória e a dificuldade de acesso ao serviço de saúde,
os sentidos dados pelas mulheres à experiência, aceitação e reconstrução de
valores após o diagnóstico. Estas etapas foram vividas com dúvidas, incertezas,
medos e experienciada como momento de sofrimento, mediado pelos sentidos
atribuídos à doença. A segunda categoria o tratamento, aborda as dificuldades em
buscar assistência, as crenças no tratamento informal e popular, o apoio recebido e
as mudanças no decorrer do tratamento do câncer. Pode-se identificar que as
mulheres construíram um sentido para sua experiência de viver o diagnóstico e
tratamento do câncer de colo de útero, que foi interpretado como momento de
sofrimento de vida. Experiência assinalada por sentimentos ambivalentes de
sofrimentos e lutas para prolongamento da vida. Assim, os estudos que trazem a
abordagem da antropologia da saúde favorecem conhecer a realidade que é
apresentada pelos sujeitos sociais, por tal motivo são relevantes para o universo
acadêmico, visto propiciar ao pesquisador contemplar a realidade sócio- cultural. É
importante que o enfermeiro conheça essas experiências, para subsidiar a
assistência às diversas dimensões que constituem a experiência de ter câncer,
inserindo este conhecimento na prática do cuidado e, consequentemente, um melhor
acolhimento assistencial à mulher com câncer de colo de útero.
Palavras-chave: “Câncer de colo de útero”, “Neoplasia Uterina”, “Enfermagem”.
9
ABSTRACT
PANZETTI, Tatiana Menezes Noronha. The experience of women with cervical
cancer of the uterus of diagnosis treatment. In 2013. 131f. Dissertation (Master's
in Nursing) - University of Pará, Belém, 2013.
This study aims to: Identify how women with cancer of the cervix build the experience
from diagnosis to treatment, integrating them into socially constructed meanings.
Qualitative research, descriptive, with a look at the conceptual foundations of health
anthropology. The subjects were 30 women aged 18 years who had been diagnosed
with cancer of the cervix. Data collection was conducted through semi -structured
interview technique. An instrument was organized in two parts: the first with closed
questions that address the socio-cultural profile of the respondents, and the second
part with four open questions based on the Explanatory Model (LM) proposed by
Kleinman (1988 ), which seeks to explain the disease to from issues such as: the
time and mode of onset of symptoms, course of illness, treatment and social
problems. Developed in Ophir Loyola Hospital, referral in cancer in the state of Pará
For analysis we used the technique of content analysis. We identified two categories:
diagnosis and treatment. The first category diagnosis, discusses the identification of
bodily changes for women, the trajectory and difficult access to health services, the
directions given by women to experience, acceptance and reconstruction of values
after diagnosis. These steps were experienced with questions, doubts, fears and
experienced as a moment of distress, mediated by the meanings attributed to the
disease. The second class treatment, discusses the difficulties in seeking care,
treatment beliefs in informal and popular, the support received and the changes in
the course of cancer treatment. You can identify which women built a meaning to
your experience of living the diagnosis and treatment of cancer of the cervix, which
was interpreted as a moment of suffering life. Experience marked by ambivalent
feelings of suffering and struggles for life extension. Thus, studies that bring the
approach to health anthropology know favor the reality that is presented by the social
subjects, therefore are relevant to the academic world, as providing the researcher to
consider the socio-cultural reality. It is important that nurses know these experiences,
to subsidize the care of various dimensions that constitute the experience of having
cancer by entering this knowledge in the practice of care and, consequently, a better
host assistance to women with cancer of the cervix.
Keywords: “Cancer of the cervix ", “Uterine Neoplasia ", “Nursing ".
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Representação dos MEs e da rede semântica da enfermidade....... 51
Quadro 2
Esquema das categorias e subcategorias da experiência da
mulher com câncer de colo de útero.................................................
72
11
LISTA DE TABELAS
TABELA 1- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com a idade, HOL – Belém - Pará – 2013..........................................................
64
TABELA 2- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com o tempo de diagnóstico, HOL – Belém - Pará – 2013.................................
65
TABELA 3- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com cor/raça, HOL – Belém - Pará – 2013..........................................................
65
TABELA 4- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com o estado civil, HOL – Belém - Pará – 2013..................................................... 66
TABELA 5- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com o grau de escolaridade, HOL – Belém - Pará – 2013................................... 67
TABELA 6- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
ocupação, HOL – Belém - Pará – 2013..............................................................
68
TABELA 7- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
vícios de tabagismo, etilismo e drogas ilícitas, HOL – Belém - Pará – 2013.......
69
TABELA 8- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
renda mensal, HOL – Belém - Pará – 2013.........................................................
69
TABELA 9- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
religião, HOL – Belém - Pará – 2013...................................................................
69
TABELA 10- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto o
inicio da atividade sexual, HOL – Belém - Pará – 2013.......................................
70
12
LISTA DE ABREVIATURAS
ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária
AGUS- Atipias de Células Glandulares de Significado Indeterminado
ASGUS- Atipias de células glandulares de significado indeterminado
BVS- Biblioteca Virtual de Saúde
BDENF- Bases de Dados de Enfermagem
CACON- Centro de Assistência em alta Complexidade em oncologia
CEP- Comitê de ética em pesquisa
DATASUS- Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
DC- Departamento de Câncer
DST- Doenças Sexualmente Transmissíveis
EPOL- Empresa Pública Ophir Loyola
FOSP- Fundação Oncocentro de São Paulo
HIV- Vírus da Imunodeficiência Adquirida
HOL- Hospital Ofir Loiola
HPV- Papiloma vírus Humano
IARC- Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer
IBCC- Instituto Brasileiro de Controle do Câncer
INCA- Instituto Nacional do Câncer
LILACS- Literatura Latino-Americana em Ciência e Saúde
LOS- Lei Orgânica da Saúde 8.080
ME- Modelo Explanatório
13
MS- Ministério da Saúde
MG- Minas Gerais
NAEE- Núcleo de Acolhimento do Enfermo Egresso
NIC- Neoplasia Intra-epitelial cervical
NOAS- Normas Operacionais de Assistência a Saúde
OMS- Organização Mundial de Saúde
PAISM- Programa de assistência Integral a saúde da Mulher
PCCU- Exame Preventivo Cérvico Uterino
PNAO- Política Nacional de Atenção Oncológica
PRÓ – ONCO- Programa de Oncologia
PSF- Programa Saúde da Família
SAE - Sistematização da Assistência de Enfermagem
SCIELO- Scientific Eletronic Library Online
SIM- Sistema de Informação de Mortalidade
SIH- Sistema de Informação de Internação Hospitalar
SISCOLO- Sistema de Informação do câncer de colo de útero
SUS- Sistema Único de Saúde
TCLE- Termo de consentimento livre esclarecido
UEPA- Universidade do Estado do Pará
USP- Universidade de São Paulo
14
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................
17
CAPÍTULO 2- APROXIMAÇÃO COM A TEMÁTICA DO ESTUDO................
25
2.1 A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO A SAÚDE
DA MULHER E DAS AÇÕES DE CONTROLE DO CÂNCER DE COLO DE
ÚTERO................................................................................ ......................... 25
2.2 O CÂNCER DE COLO DE ÚTERO..........................................................
29
2.3 A CULTURA E O CÂNCER...................................................................... 39
CAPITULO 3- O REFERENCIAL TEÓRICO......................................................
45
3.1O REFERENCIAL TEÓRICO DA ANTROPOLOGIA INTERPRETATIVA...
45
3.2 O REFERENCIAL TEÓRICO DA ANTROPOLOGIA MÉDICA..................
46
CAPITULO 4- TRAJETÓRIAS METODOLÓGICAS......................................
54
4.1TIPOS DE ESTUDO E ABORDAGEM METODOLÓGICA.........................
54
4.2 CAMPO DE ESTUDO....................................................................................
55
4.3 APROXIMAÇÃO DO CAMPO E DOS SUJEITOS DA PESQUISA............. 56
4.4 DESCRIÇÃO DA TÉCNICA DE COLETA DE DADOS..................................
57
4.5 O PROCESSO DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS............
58
4.6 ASPÉCTOS ÉTICOS..............................................................................
60
CAPITULO 5- CONHECENDO O PERFIL SÓCIO CULTURAL DOS
SUJEITOS DA PESQUISA.................................................................................. 63
CAPITULO 6 - RESULTADOS E DISCUSSÃO..................................................
72
6.1 O DIAGNÓSTICO..........................................................................................
73
6.1.1 Identificando as alterações corporais..................................................... 73
6.1.2 A Trajetória para diagnóstico do câncer do colo do útero...................
77
6.1.3 Os sentidos dados pelas mulheres que experienciaram o câncer do
colo do útero....................................................................................................... 81
6.1.4 Aceitação do diagnóstico........................................................................
86
6.1.5 Reconstruindo valores após o diagnóstico...........................................
88
6.2 O TRATAMENTO........................................................................................... 90
15
6.2.1 Dificuldades em busca de assistência.................................................... 90
6.2.2 Crenças no tratamento informal e popular............................................. 94
6.2.3 O apoio recebido.......................................................................................
96
6.2.4 Mudanças no decorrer do tratamento do câncer................................... 99
CAPITULO 7- CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................... 107
REFERÊNCIAS............................................................................................
113
APÊNDICES................................................................................................
121
ANEXO........................................................................................................
128
16
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
17
CAPÍTULO 1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou em 2012 que, para o ano
de 2030, podem-se esperar 27 milhões de casos incidentes de câncer, com 17
milhões de mortes causadas pelo câncer e 75 milhões de pessoas vivas,
anualmente, com câncer. O maior efeito desse aumento vai incidir principalmente
em países em desenvolvimento. Já o Instituto Nacional do Câncer - INCA (2012)
alerta que nas últimas décadas, o câncer ganhou uma maior dimensão, significado e
tornou-se um evidente problema de saúde pública mundial.
No Brasil, as estimativas do INCA para o ano de 2012, válidas para o ano de
2013, apontam para a ocorrência de 518.510 novos casos de câncer. São
esperados para as mulheres 260.640 mil novos casos, destes 53 mil serão de
mama, seguidos por câncer de colo de útero com 18 mil. Nas capitais da Região
Norte 34,10 em cada grupo de 100 mil mulheres desenvolverá câncer de colo de
útero, representando o dobro da média nacional.
O câncer de colo de útero é o terceiro tipo de câncer mais frequente entre as
mulheres, porém é a quarta causa de morte de mulheres no Brasil e, no mundo, com
aproximadamente 529 mil casos novos por ano, sendo responsável por 275 mil
óbitos de mulheres por ano. Em países menos desenvolvidos, sua incidência é cerca
de duas vezes maior quando comparado com países desenvolvidos. Cabe
mencionar, ainda, a incidência na faixa etária de 20 a 29 anos, com risco
aumentado, até atingir o pico na faixa etária de 50 a 60 anos (INCA, 2012).
Na região norte, o câncer de colo de útero é o mais incidente entre as
mulheres, ou seja, de acordo com a estimativa do INCA para o ano de 2012/2013
será de 810 novos casos/por ano, destes 250 casos no município de Belém.
Silva et al. (2008) ressaltam que esta realidade ascendente de casos novos,
permanece principalmente devido ao baixo índice de mulheres que se submetem ao
exame preventivo, em muitas localidades, pela falta de estrutura para a sua
realização, e por valores culturais, desconhecimento sobre o exame, vergonha, e
proibição dos maridos, que não permitem a realização dos exames.Uma provável
explicação para as altas taxas de incidência em países em desenvolvimento seria a
inexistência ou a pouca eficiência dos programas de rastreamento.
O estudo aqui proposto originou-se do interesse pela área de oncologia que
emergiu desde a academia, ao fazer a prática de disciplinas curriculares do Curso
18
de Enfermagem no Hospital de referência em oncologia no Estado do Pará, quando
nasceu o sonho de trabalhar na referida área. No ano de 2000 fui aprovada no
processo seletivo para o Curso de Especialização em Enfermagem Cirúrgica
Modalidade Residência no referido hospital, em que cursei por dois anos,
percorrendo os setores do hospital prestando cuidados assistenciais aos pacientes
portadores de neoplasias. Neste momento pude enraizar os conhecimentos e formar
novos que me inquietou a ponto de buscar a especialização em oncologia oferecida
pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). No término da residência em
enfermagem cirúrgica, e a especialização em Enfermagem no Controle do Câncer
fui admitida no Hospital especificamente para trabalhar no Núcleo de Acolhimento do
Enfermo Egresso, o qual representou um grande desafio profissional, pois este
núcleo foi a primeira casa de acolhimento no Estado do Pará, que possui uma
estrutura de hotelaria e assistência de enfermagem especializada, serviço social,
nutrição e psicologia, com o objetivo de acolher pacientes com diferentes
diagnósticos e em tratamento oncológico no hospital de referência, oriundos dos
municípios do Estado do Pará e, algumas vezes até, de outros Estados como o
Ceará e Amapá.
Com o envolvimento profissional na gerência e assistência no Núcleo de
Acolhimento do Enfermo Egresso (NAEE), tive a oportunidade de acompanhar
pacientes com diferentes diagnósticos oncológicos, os quais permaneciam em
média de uma semana até seis meses, alguns até anos. A partir desse convívio
diário presenciei a luta dos pacientes contra o câncer, a trajetória, os desafios, as
frustrações, as perdas, os subsequentes afastamentos do meio familiar e social, a
construção social e cultural do processo por uma doença estigmatizante, que pode
causar grandes repercussões na vida da pessoa e de sua família.
Observei que o cotidiano das mulheres diagnosticadas com câncer de colo
de útero era permeado por um mundo de angústia, medo, incerteza e dúvidas,
desconhecimento sobre a doença, exames, tratamento e do cuidado consigo
mesma. E, ao apresentarem alterações buscam tratamentos convencionais e
alternativos, e com questionamentos que estavam sempre presentes no cotidiano da
mulher com câncer de colo de útero, como: Como iriam fazer para superar tudo?
Como vencer as limitações impostas pelas mutilações decorrentes do tratamento? E
ao submeter-se ao tratamento quais seriam os efeitos? Como ficar longe dos
19
familiares? Como conviver numa instituição de saúde durante meses para o
tratamento longe de casa?
Contudo, por estar num espaço de trabalho completamente diferenciado da
dinâmica hospitalar que proporciona uma interação terapêutica, e ter construído um
processo de sistematização da assistência de enfermagem na casa de apoio
oncológico; possibilitou-me entrar em contato com o cotidiano de mulheres com
câncer, oriundas do interior do estado e algumas tendo o primeiro contato com a
capital, apresentando dificuldades em entender todo o processo de tratamento e a
complexidade de seu diagnóstico.
Neste momento percebi que a forma como é conduzido o tratamento
oncológico hospitalar e ambulatorial não permite uma abordagem que atenda às
necessidades e as dúvidas que as mulheres traziam consigo, ou seja, o profissional
de saúde tem dificuldades em escutar essas mulheres, em compreender seus
sentimentos, dificuldades e expectativas. A atenção se faz sobre as necessidades
físicas, partilhando de um modelo de assistência que focaliza o corpo doente e não a
mulher doente e seu processo de construção da doença.
A consulta de enfermagem no núcleo de acolhimento tem por objetivo
responder às dúvidas trazidas pelas pacientes do interior, oferecendo oportunidade
para que elas expressassem seus sentimentos e ansiedades frente ao desconhecido
e ao tratamento, fornecendo informações sobre o tratamento, as etapas e os tipos
de tratamentos, além do processo de reabilitação física, emocional e social. Este
momento representa a oportunidade para que elas anunciassem suas dificuldades
em conviver com o câncer, medo da morte, com o futuro e afastamento da família.
Como docente do Curso de Graduação em Enfermagem e ao desenvolver a
prática com os acadêmicos de enfermagem na área hospitalar notei a importância
do trabalho desenvolvido no núcleo, mas a angústia era grande quando, observava
que apesar do hospital ter implementado a Sistematização da Assistência de
Enfermagem (SAE), o cuidado é prestado conforme as ocorrências, que não conta
com um serviço de atendimento específico para suprir as necessidades individuais
das mulheres, e uma equipe com padrões para a prática baseada em modelos
burocrático e biomédico, que valoriza o corpo com a doença, a administração dos
serviços, as rotinas específicas dos serviços e o cumprimento da carga horária
semanal, em detrimento da pessoa doente.
20
Além das carências dos serviços de saúde que contribuem para o
agravamento da situação, como acessibilidade difícil aos serviços, que estão sempre
presentes no cotidiano dos usuários dos serviços de saúde. O cotidiano da mulher
em tratamento oncológico do câncer de colo de útero (cirurgia, quimioterapia e/ou
radioterapia), há a necessidade da realização diária dos procedimentos do
tratamento, exigindo das mulheres que organize seu cotidiano, pois o tratamento
ocorre em alguns casos por quatro a doze semanas, e caso a mulher seja de outro
município, há a necessidade de programação de viagens diárias ou permanência em
casa de acolhimento ou parentes durante sua estada na cidade, nesse período.
Configurando, no meu entender, um grande transtorno na vida da mulher, que além
de vivenciar o câncer, necessita afastar-se de suas atividades, profissionais e
familiares, para submeter-se ao tratamento.
A partir desses fatos, comecei a questionar como a enfermagem poderia
intervir nesse período crucial da experiência da mulher com câncer de colo de útero,
do diagnóstico ao tratamento, pois por meio da sistematização da assistência de
enfermagem (SAE) desenvolvida no núcleo de acolhimento, proporcionava às
pacientes admitidas esclarecimentos às dúvidas e o planejamento de cuidados
específicos e individualizados. Mas, esse atendimento representa o mínimo de
abrangência frente ao quantitativo ambulatorial e hospitalar diário que a instituição
recebe, pois atendia exclusivamente alguns pacientes acolhidos no núcleo, sempre
questionando como ficava o acolhimento à mulher que iria se submeter ao
tratamento oncológico ambulatorial e hospitalar, já que não há como assegurar a
consulta de enfermagem ambulatorial.
Anjos (2005) afiança que os pacientes oncológicos são tidos como ser
passivo, que precisam submeter-se às intervenções de um profissional de saúde
para buscar a cura do câncer. Esta conduta deve ser revista, pois os efeitos de viver
com o câncer são complexos, quando se considera o indivíduo no seu contexto
familiar e social, porém precisamos oportunizar a pessoa com câncer que se
confronte com a sua doença, no seu ritmo e estilo próprio.
Em vista disso, necessitei buscar respostas que evidenciassem as
características da experiência da mulher frente ao câncer de colo de útero, e pela
importância de apreender a influência da cultura nessa situação específica vivida
pela mulher, por meio da aproximação teórica da antropologia da saúde.
21
Frente ao exposto, Oliveira (2002) adverte que estar doente, de acordo com
o senso comum, é uma experiência que não se limita à alteração exclusivamente
biológica. Tal experiência é uma construção cultural. Nesse sentido a doença, possui
uma relação com a forma com que as pessoas de um grupo social percebem os
sinais e sintomas, categorizam e atribuem sentidos, articulando avaliações e ações
que levam a pessoa à busca específica para a cura.
Para aprofundar o conhecimento referente ao tema em estudo, realizei a
busca de estudos sobre o câncer de colo de útero na Biblioteca Virtual de Saúde
(BVS) especificamente nas Bases de dados da Scientific Eletronic Library Online
(SCIELO); Literatura Latino-Americana em Ciência e Saúde (LILACS); Bases de
Dados de Enfermagem (BDENF); Banco de Dissertação e Tese da Universidade de
São Paulo (USP), do período de 2005 a 2012, com a utilização dos seguintes
descritores: “enfermagem”, “câncer de útero” e “câncer cérvico uterino”.
No referido período foram encontrados 51(100%) artigos, porém a amostra
final foi de 28 (54,9%) artigos que atenderam aos critérios de inclusão, ou seja,
textos completos e disponíveis, sendo que 25% foram desenvolvidos na região
sudeste com destaque para o Estado de Minas Gerais (18%), um (3,5%) no Estado
de São Paulo e um (3,5%) no Rio de Janeiro, já na Região Sul foram desenvolvidas
seis (21,%) pesquisas, no Nordeste (18%) com destaque para o Estado do Ceará, e
a minoria das pesquisas foram realizada na região Norte um (3,5%), Centro- este um
(3,5%) e oito (29%) pesquisas não foram identificadas a região em que ocorreu o
desenvolvimento do estudo.
Com relação às dissertações foram identificadas cinco, sendo uma no ano
de 2005 que descreveu a quimioterapia na visão do paciente oncológico, uma no
ano de 2008 sobre a prevenção de câncer de colo de útero no programa saúde da
família e três no ano de 2010 sobre a temática do câncer de colo útero em estudo de
base de dados do (SISCOLO), (SIH), (SIM) e (DATASUS) e estudo fenomenológico.
No ano de 2008 foi identificada uma tese com a temática sobre a experiência da
radioterapia para o paciente oncológico.
Nos últimos oito anos, constatou-se que existem estudos sobre a saúde da
mulher, com um número razoável de investigações tendo por tema a gravidez, parto
e prevenção de câncer de colo de útero, não sendo identificado nenhum que
abordasse sobre a experiência da mulher com câncer de colo de útero; permeado
pela construção sociocultural da mulher que vive a doença, o que suscita uma
22
preocupação em priorizar a escuta e o olhar do profissional para as mulheres, e a
necessidade de se intensificar a investigação sobre a temática para embasar a
assistência de enfermagem oncológica à mulher com câncer.
Ao conhecermos melhor sobre o câncer de colo de útero refletimos sobre o
fenômeno mórbido; e o seu impacto sobre a vida social e cultural da mulher, ou seja,
o significado do impacto do fenômeno passou a ser motivador para desenvolvimento
da referida pesquisa, já que até então os estudos acerca do câncer haviam sido em
compreender as alterações biológicas e psicossociais envolvidas na experiência da
pessoa diante do seu diagnóstico e tratamento.
Esta investigação foi direcionada para a construção da experiência da
mulher do diagnóstico ao tratamento do câncer de colo de útero; para tanto elaborei
a seguinte questão norteadora: Qual a experiência de mulheres com câncer de colo
de útero sobre a doença?
Diante deste contexto definido apresentamos os seguintes objetivos Gerais e
específicos: Identificar como as mulheres com câncer de colo de útero constroem a
experiência do diagnóstico ao tratamento, integrando-os em sentidos socialmente
construídos e como específicos; Descrever a experiência da mulher do diagnóstico
ao tratamento do câncer de colo de útero; Apreender os sentidos dados pelas
mulheres sobre a experiência de ter câncer de colo de útero e se submeterem ao
tratamento com base no conceito da cultura; Analisar como esses sentidos se
integra na experiência com a doença e tratamento.
Contudo, para responder as inquietações do estudo sobre as mulheres com
câncer de colo de útero referentes ao diagnóstico e os tratamentos, nos
sustentamos no pensamento teórico da antropologia da saúde. A escolha dessa
abordagem nos permitiu a análise da experiência, na perspectiva daquelas que
vivenciaram o câncer, uma vez que estas podem ter diferentes sentidos construídos
socialmente, integrados por crenças e valores, que me desafiaram a apreender
como as mulheres lidaram com as situações.
A pesquisa contribui para o conhecimento da comunidade científica e
principalmente ao enfermeiro, embasando a assistência à mulher com câncer de
colo de útero, e também subsidia o profissional a reconhecer na assistência às
diversas dimensões que constituem a experiência de ter câncer de colo de útero e
fazer o tratamento, do ponto de vista da mulher, inserindo este conhecimento na
23
prática do cuidado e, consequentemente, um melhor acolhimento assistencial à
mulher com câncer de colo de útero.
E também proporciona a reflexão e discussão sobre as questões sociais e
culturais a respeito do diagnóstico e do tratamento da mulher com câncer, que
repercutirá esses resultados na formação do profissional de saúde.
24
CAPÍTULO 2
APROXIMAÇÃO COM A TEMÁTICA DO ESTUDO
25
CAPÍTULO 2- APROXIMAÇÃO COM A TEMÁTICA DO ESTUDO
Desde os primórdios da humanidade, a doença, de modo tácito ou explícito,
está presente na vida de todo ser humano. Enredada na cultura de cada civilização,
ela é vivenciada de formatos diferentes, visto que ao vivenciar a trajetória da doença
desperta no ser humano, reações de temor, sofrimento e medo da morte. Este,
através dos tempos, vem buscando continuamente a procura das causas das
doenças, principalmente das enfermidades consideradas “impuras”, como o câncer
(SALES, 2003).
Atualmente, os avanços científicos e técnicos na saúde vêm ampliando o
número de casos de cura de diversas doenças, inclusive do câncer, contribuindo
para a melhora na expectativa de vida do ser humano e das populações envolvidas.
Entretanto surgem, situações tais como: dificuldades e limites na aplicabilidade das
ciências médicas, os riscos dos tratamentos e seus efeitos terapêuticos, a escassa
atenção para o alivio da dor e os diversos sintomas das doenças potencialmente
incuráveis, as dificuldades na operacionalização terapêutica, vem revelar o
panorama atual das enfermidades crônicas degenerativas.
Assim o enfoque médico cartesiano, que fragmenta a mente do corpo em
relação ao cuidado, vem sendo questionado, possibilitando dessa forma, que novos
paradigmas forneçam novas dimensões para a compreensão da doença e,
principalmente, da pessoa com enfermidade.
Por conseguinte, surge a contextualização da situação atual do câncer de
colo de útero, a evolução das políticas de atenção à saúde da mulher; o histórico
das ações de controle do câncer de colo de útero no Brasil, o câncer e seu contexto
cultural, apresentadas a seguir, são pertinentes para assinalar a magnitude desse
estudo do câncer de colo de útero e a diversidade do comportamento sociocultural
na construção da etiologia da doença pelas mulheres que vivenciam o diagnóstico e
tratamento da doença.
2.1 A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA
MULHER E DAS AÇÕES DE CONTROLE DO CÂNCER DE COLO DE ÚTERO.
Segundo o Ministério da Saúde (2011), as primeiras políticas nacionais de
saúde da mulher no Brasil, foram incorporadas somente nas primeiras décadas do
26
século XX, limitadas nesse período, às demandas relativas à gravidez e ao parto.
Portanto, os olhares dos primeiros programas elaborados nas décadas de 30, 50 e
70 tinham uma visão extremamente restrita sobre a saúde da mulher, baseada
especificamente na questão biológica, centrada no papel social de mãe e doméstica,
ao qual esta mulher era responsável pela criação, educação, cuidado do lar, dos
filhos, esposo e familiares.
Os referidos programas preconizavam as ações materno-infantis, como
estratégia de proteção aos grupos de risco e em situações de maior vulnerabilidade,
como era o caso na época das crianças e gestantes. Outra característica desses
programas era a verticalidade e a falta de integração com outros programas
propostos pelo governo federal, sendo as metas definidas pelo nível central, sem
qualquer avaliação das necessidades de saúde das populações locais das regiões
brasileiras, resultando na fragmentação da assistência e o baixo impacto nos
indicadores de saúde da mulher na época.
Ainda segundo o Ministério da Saúde (2011), os referidos programas
sofreram críticas vigorosas pelos movimentos feministas brasileiros, pela perspectiva
extremamente reducionista com que tratavam as mulheres, que tinham acesso
somente a assistência à saúde no período gravídico puerperal ficando sem
assistência na maior parte de sua vida. O movimento de mulheres com forte atuação
no campo da saúde contribuiu para introduzir na agenda da política nacional de
saúde, questões relegadas ao segundo plano. Revelando, contudo as desigualdades
nas condições de vida e nas relações entre homens e mulheres, problemas
associados à sexualidade e a reprodução, as dificuldades relacionadas à
anticoncepção, a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a sobrecarga
de trabalho das mulheres, responsáveis pelo trabalho doméstico e criação dos filhos.
Os grupos organizados pelas mulheres na época argumentavam que as
dificuldades nas relações sociais entre homens e mulheres se traduziam em
problemas de saúde que afetavam particularmente a população feminina, não muito
distante desta realidade da mulher nos dias atuais.
Foi proposto na época que a mudança das relações sociais entre homens e
mulheres subsidiasse a elaboração, execução e avaliação das políticas de saúde da
mulher, e reivindicaram condições de sujeitos de direito, com necessidades que
extrapolassem o momento da gestação e parto. A demanda das ações que lhes
proporcionassem a melhoria das condições de saúde em todos os ciclos de vida,
27
ações que contemplassem as particularidades dos diferentes grupos populacionais,
e as condições sociais, econômicas, culturais, afetivas, em que estivessem
inseridas.
Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral
à Saúde da Mulher (PAISM), marcando uma ruptura conceitual com os princípios
norteadores da política de saúde das mulheres e os critérios para eleição de
prioridades nesse campo. O PAISM incorporou como princípios e diretrizes as
propostas de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços, bem
como a integralidade e a equidade da atenção, num período paralelo ao âmbito do
movimento sanitário. O novo programa para a saúde da mulher incluía ações
educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a
assistência à mulher em clínica ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no
climatério, planejamento familiar, doenças sexualmente transmissíveis (DST), câncer
de colo de útero e de mama.
O processo de implantação do PAISM apresentou especificidades no
período de 84 a 89 e na década de 90, devido influências do Sistema Único de
Saúde (SUS) e novas características da política de saúde, pelo processo de
municipalização e, principalmente, pela reorganização da atenção básica pela
estratégia do programa saúde da família. No entanto, visando o enfrentamento de
implantação dos programas, o Ministério da Saúde em 2001 editou a Norma
Operacional de Assistência à Saúde (NOAS) ampliando as responsabilidades dos
municípios na atenção básica.
Na atenção à saúde da mulher a NOAS estabeleceu a responsabilidade dos
municípios nas ações básicas mínimas de pré-natal e puerpério, planejamento
familiar e prevenção do câncer de colo de útero, e a garantia de acesso às ações de
maior complexidade; previu a organização de sistemas funcionais e resolutivos de
assistência à saúde, por meio da organização de territórios estaduais.
Em 1986, foi constituído o Programa de Oncologia (PRO-ONCO), que
elaborou o projeto “Expansão da Prevenção e Controle do Câncer Cervicouterino”,
identificando as ações necessárias para a expansão do controle dessa neoplasia,
como: integração entre os programas existentes e entre eles e a comunidade para
efetivar o atendimento às mulheres; ampliação da rede de coleta de material e da
capacidade instalada de laboratórios de citopatologia; articulação da rede primária
com os serviços de níveis secundários e terciários para o tratamento. Tendo como
28
grande contribuição do PRO-ONCO a realização da reunião nacional, em 1988,
conhecida por “Consenso sobre a Periodicidade e Faixa Etária no Exame de
Prevenção do Câncer Cérvico-uterino”.
Após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Constituição de 1988
e sua regulamentação pela Lei Orgânica da Saúde 8.080 de 1990 (LOS), o
Ministério da Saúde assumiu a coordenação da política de saúde no país. O INCA
passou a ser o órgão responsável pela formulação da política nacional do câncer,
incorporando o PRO-ONCO.
A manutenção das altas taxas de mortalidade por câncer de colo uterino no
país levou a direção do INCA, a elaborar em 1996, o projeto-piloto chamado “Viva
Mulher”, dirigido a mulheres com idade entre 35 e 49 anos. Este projeto propôs a
aplicação de protocolos para a padronização da coleta de material do exame de
papanicolau, para o seguimento e conduta frente a cada tipo de alteração citológica.
Introduziu a cirurgia para o tratamento das lesões pré-invasoras do câncer. Porém, a
ação do projeto ficou restrita às cidades de Curitiba, Recife, Distrito Federal, Rio de
Janeiro, Belém e Sergipe.
Com base nesta experiência, as ações foram expandidas para todo o país,
como Programa Nacional de Controle do Colo do Útero chamado Viva Mulher. A
primeira ação desenvolvida foi de intensificação, no período de agosto a setembro
de 1998, com a adoção de estratégias para estruturação da rede assistencial e
estabelecimento de um sistema de informações para o monitoramento das ações e
dos mecanismos para mobilização e captação de mulheres, assim como definição
das competências nos três níveis de governo.
Em 1998, foi instituído pelo Ministério da Saúde, o Programa Nacional de
Combate ao Câncer de Colo de Útero, e instituído nesse ano o Sistema de
Informação do Câncer de Colo de Útero (SISCOLO) como componente estratégico
do monitoramento e gerenciamento das ações.
Em 2002, o fortalecimento e a qualificação da rede de atenção primária, bem
como a ampliação de centros de referência possibilitaram a realização de uma
segunda fase de intensificação, que priorizou as mulheres que jamais haviam se
submetido ao exame preventivo ou que estavam sem fazê-lo há mais de três anos.
Em 2005, foi lançada a Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO),
que estabeleceu o controle dos cânceres de colo de útero e de mama como
componente fundamental a ser previsto nos planos estaduais e municipais de
29
saúde.A importância da detecção precoce dessas neoplasias foi reafirmada no
Pacto pela Saúde em 2006, por meio da inclusão de indicadores na pactuação de
metas com estados e municípios, para a melhoria do desempenho das ações
prioritárias da agenda sanitária nacional.
Depois de todas essas iniciativas, ainda que o SISCOLO tenha registrado
cerca de 11 milhões de exames citopatológicos no Brasil no ano de 2009 e, apesar
dos avanços em nível da atenção primária e de todo SUS, a redução da mortalidade
por câncer de colo de útero no Brasil ainda é um desafio a ser vencido.
2.2 O CÂNCER DE COLO DE ÚTERO.
Historicamente, o útero foi representado pela humanidade como símbolo
feminino, pela sua função de reprodução e gestação que, por sua vez, levava a
mulher ao seu papel socialmente tão esperado: o da maternidade. Nesta época o
cuidado com os problemas femininos pouco era de interesse da medicina, no
entanto, a fisiologia do corpo das mulheres despertava interesse no que tangia a
reprodução. Desprovidas de recursos da medicina para combater as doenças
femininas, as mulheres recorriam a curas informais, dotadas de fórmulas ancestrais,
dos saberes de utilização de plantas e das ervas medicinais (MARTINS, 2004).
Contudo, a medicina foi tomando lugar e se posicionando, ampliando o seu
conhecimento sobre as doenças ditas “das mulheres” e em meados do século XIX
surgiu a ginecologia como uma especialidade médica. Alguns ensaios terapêuticos
para solução das doenças femininas, como a investigação das células cervicais
uterina mediante microscópio, cirurgias para retirada do útero, pólipos, amputação
do colo uterino, aplicações medicamentosas, exames visuais acompanhados de
instrumentos invasivos, como espéculo que foram surgindo como cuidados ao corpo
da mulher. Diante dessas práticas, ocorreram descobertas e experimentos sobre o
câncer de colo de útero e sua origem, que nos últimos 60 anos, o conhecimento
sobre a etiologia e a patogenia do câncer de útero aumentou principalmente com o
advento do progresso da medicina molecular (MARTINS, 2004).
Como resposta aos novos conhecimentos a medicina também mudou,
originando a cada descoberta um novo sistema de classificação que refletia o
pensamento científico da época e, consequentemente, uma conduta terapêutica
30
própria que pode ter contribuído para a construção do estigma cultural do processo
saúde e doença do câncer de colo de útero (CARVALHO, 2010).
Em relação ao conceito de células cervicais invasivas, Williams, em 1888 foi
o primeiro cientista a identificar que próximo às células cancerígenas haviam células
não invadidas pelo câncer, mas somente Cullen em 1900, definiu melhor as lesões
não invasivas, representando uma descoberta importante, porém os tratamentos da
época eram incipientes, baseado em histerectomias radical devido pouco
conhecimento do processo de mudanças das células.
O termo carcinoma in situ, foi dado somente após 32 anos por outro
estudioso, Brothers, que indicou que as lesões precursoras ocupavam todo o tecido
do epitélio, porém sem romper a camada basal. No entanto, o tratamento
empregado não mudou, visto que no curso clínico das alterações não eram bem
compreendidas, ou seja, o entendimento era de que as alterações cervicais levavam
ao
desenvolvimento
do
câncer
e,
consequentemente,
ao
aumento
da
morbimortalidade. Naquela época a perda de muitas mulheres jovens e em fase
reprodutiva com a doença, era representada como uma mulher “inútil e estragada
socialmente”, fato que levou muitas mulheres a não terem adesão ao tratamento.
O exame preventivo foi descoberto por meio de estudos iniciados pelo
médico grego Geórgios Papanicolau em 1917, após analisar alterações celulares
das regiões da cérvice e vagina, além de alterações apresentadas nas diferentes
fases do ciclo menstrual. Após vários estudos, o exame preventivo passou a ser
utilizado na década de 40, recebendo a denominação de exame de Papanicolau.
Contudo, apesar de se tratar de um método de diagnóstico fácil, a ideia de
Geórgios Papanicolau, foi pouco aceita, por preconceitos e temor da exposição
feminina. Mesmo assim, o cientista continuou suas investigações e sua técnica
passou a ser considerada uma excelente ferramenta para a detecção precoce do
câncer cervical, surgindo o termo de detecção precoce como conhecemos hoje em
dia, representando um marco na história da ginecologia, proporcionando um
procedimento menos invasivo e traumatizante para as mulheres.
Todos esses estudos ocorreram diante de fortes resistências sociais, por
parte das mulheres, que se recusavam a fazer o exame, ou seja, pela proibição de
seus pais ou maridos, que não aceitavam a ideia de exposição de “suas mulheres” a
médicos e homens. Dessa forma enfatizando infelizmente, algo que está presente
31
até os dias atuais, ao qual a submissão feminina, histórica e cultural, ainda é nítida,
quando algumas mulheres deixam de realizar o exame.
No Brasil, a realização do exame Papanicolau constitui-se, uma estratégia
de rastreamento, recomendado como prioritariamente para mulheres de 25 a 64
anos. A rotina recomendada para o rastreamento é a repetição do exame
Papanicolaou a cada três anos, após dois exames normais consecutivos realizados
com um intervalo de um ano. A repetição em um ano após o primeiro teste tem como
objetivo reduzir a possibilidade de um resultado falso-negativo. Segundo a
Organização Mundial da Saúde, com uma cobertura da população-alvo de, no
mínimo 80%, e a garantia de diagnóstico e tratamento adequados dos casos
alterados, é possível reduzir, em média, de 60 a 90% a incidência do câncer cervical
invasivo (INCA, 2012).
Iwamoto (2011) realizou estudo epidemiológico, com o objetivo de conhecer
as características sociais demográficas e clínicas das mulheres que realizaram o
exame Papanicolau em Minas Gerais (MG), por meio de dados obtidos no site
eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)
e pelo Sistema de Informação do Câncer de Colo de Útero (SISCOLO).
No período de 2006 a 2009, o número de exames Papanicolau realizados
em Minas Gerais foi maior que o esperado. A média de idade de mulheres
submetidas ao exame foi de 30 anos com predomínio na faixa etária de 25 a 44
anos. Quanto à escolaridade, predominou mulheres com ensino fundamental
incompleto e de analfabeta, (73,92%) já havia realizado o exame uma vez na vida,
enfatizando a importância de promover mudanças de comportamento da população
assistida, a fim de que haja maior adesão aos exames por outras faixas etárias, para
investigação e controle cada vez mais efetivo do câncer cérvico uterino.
O estudo de Silva et al. (2008) destacam os aspectos culturais, em estudos
na região amazônica; enfatizam que a mulher paraense é detentora de um conjunto
de crenças que devem ser trabalhadas, vistos que estas podem influenciar a não
adesão a uma prática de controle à sua saúde, como o exame preventivo de câncer
de colo de útero. É importante enfatizar que os valores culturais sem correlação com
a realidade podem representar um grande obstáculo para os profissionais de saúde
que atuam na promoção da saúde e na prevenção de doença.
O estudo realizado por Silva (2010) teve o objetivo de identificar as
representações sociais de mulheres sobre o câncer de colo de útero e descrever a
32
relação dessas representações para o cuidado preventivo ao qual foram
entrevistadas vinte mulheres no município de Belém. Nas representações sociais
identificadas no estudo, as mulheres caracterizam o câncer de colo de útero como
uma doença que admite a forma de uma ferida, que se não tratada evolui para uma
forma mais grave e de difícil cura podendo levar a morte. Encontrando grande
relevância a importância dada pelas mulheres ao exame preventivo relacionado ao
medo de contrair o câncer, fato que faz com que muitas mulheres busquem a
unidade de saúde para fazerem o exame. Constatou-se também que o
conhecimento que a maioria das depoentes tem sobre casos de doenças na família,
no trabalho ou na vizinhança reforça a conscientização da importância do exame
preventivo. Conclue-se que as entrevistadas consideram que o exame preventivo é
um ato de cuidado, pois buscam fazer o exame por temer o adoecimento por câncer,
por saberem de suas conseqüências e de como a doença pode transformar suas
vidas.
Já Valente (2009) realizou um estudo epidemiológico com mulheres
estudantes do ensino médio, em escolas públicas, a fim de identificar o
conhecimento sobre o exame Papanicolau; foi realizado em quatrocentos e setenta
e seis mulheres maiores de 18 anos. O estudo concluiu que todas as estudantes do
ensino médio de escolas públicas de Minas Gerais, têm conhecimento, contudo não
completo e homogêneo sobre o exame de Papanicolau, constatando que as alunas
mais jovens, com idade entre 18 e 25 anos, detêm maior conhecimento.
Surpreendendo-se o autor com a conclusão que duzentos e setenta e oito mulheres
(58,40%), que têm acesso a informação e uma população predominantemente
jovem, possuem conhecimento distorcido a respeito do exame Papanicolau.
Zaponi e Melo (2010) realizaram estudo epidemiológico descritivo de base
populacional, considerando como unidade de análise as federações de saúde das
regiões brasileiras, foram coletados dados em bases do sistema de informação
sobre mortalidade (SIM) e internações hospitalares (SIH) referentes ao período de
2003 e 2007.
No período de realização do estudo, os pesquisadores observaram que a
ocorrência do câncer de colo de útero concentrou-se principalmente em mulheres
acima dos 35 anos, a mortalidade prevaleceu na faixa etária de 45 a 64 anos de
idade, enfatizando que a região Norte possui a maior taxa de mortalidade por câncer
de colo de útero em relação às demais regiões; seguido da região Nordeste e Centro
33
Oeste. Observaram também que, a detecção tardia do tumor maligno, a qualidade
da assistência e a qualidade do preenchimento da causa básica do óbito, são estes
fatos que parecem explicar o padrão de alternância da mortalidade do câncer de
colo de útero com altas taxas de mortalidade em diferentes regiões do país, com
níveis de desenvolvimento distintos. Notaram também que as estratégias de
execução das diversas políticas de controle do câncer dependem dos estágios de
desenvolvimento do país e de suas particularidades territoriais, socioculturais e
econômicas. No Brasil, a dimensão territorial, a estrutura da saúde pública e os
fatores sócioeconômicos deveriam condicionar a configuração de estratégias
adequadas a atenderem as particularidades de cada região e município.
No estudo sobre práticas e significados da prevenção do câncer de colo de
útero, realizado por Oliveira et al. (2007), na abordagem qualitativa, foram
entrevistadas quatorze mulheres na faixa etária entre 25 a 55 anos, no interior do
estado de São Paulo, evidenciando como resultado que as mulheres valorizam a
prevenção como um recurso importante para a manutenção da saúde; algumas
depoentes realizam o exame preventivo por orientação dos profissionais de saúde, e
algumas foram procurar o serviço para realização do exame, no sentido do cuidado
com a auto-preservação, motivada pelo medo da instalação do câncer.
Eduardo et al. (2007) realizaram um estudo intitulado “Preparação da mulher
para a realização do exame de papanicolau na perspectiva da qualidade”, no qual foi
realizada a coleta de dados por observação direta, seguindo um instrumento de
melhoria de desempenho. No estudo participaram sete enfermeiros que realizaram
vinte e uma observações com o objetivo de avaliar a preparação da mulher para a
realização do exame. Ao final constaram que o procedimento, “explicar o que vai ser
feito”, foi contemplado em somente oito atendimentos; destes, a maioria foi realizado
por meio de orientações na sala de espera, abordando a importância do exame, a
técnica, a periodicidade e a necessidade do compromisso de retornar para buscar o
resultado. Estas orientações foram fornecidas somente às clientes que estavam
realizando o procedimento pela primeira vez, não cumprindo o papel educativo do
profissional de saúde e não contribuindo para a melhora da satisfação da cliente. O
estudo também apontou alguns obstáculos durante o atendimento à mulher, como a
dificuldade para a manutenção da individualidade e privacidade durante o exame,
devido a: ausência de banheiros no consultório, portas sem fechaduras, consultórios
adaptados com divisórias baixas que não permitiam a escuta. Concluíram que
34
transformar esta realidade exige mudanças de atitude humana, configurando a área
de competência técnica a de maior desafio no contexto do serviço público.
Atualmente, “câncer” é o nome geral dado a um conjunto de mais de 100
doenças, que têm em comum o crescimento desordenado de células que tendem a
invadir tecidos e órgãos vizinhos. O crescimento das células cancerosas é diferente
do crescimento das células normais. As células cancerosas, em vez de morrerem,
continuam crescendo incontrolavelmente, formando outras novas células anormais.
Diversos organismos vivos podem apresentar, em algum momento da vida,
anormalidade no crescimento celular as quais se dividem de forma rápida, agressiva
e incontrolável, espalhando-se para outras regiões do corpo gerando e acarretando
transtornos funcionais (INCA, 2012).
Vidal (2009) afirma que o desenvolvimento do câncer de colo de útero, se dá
de maneira progressiva, iniciando com lesões leves displásicas que evoluem para
severas, e depois para carcinoma, e se não tratadas, para o câncer invasivo cervical
escamoso. O câncer pode ser silencioso e o tempo de progressão para o
desenvolvimento do tumor pode levar em média de 10 a 12 anos.
O câncer de colo de útero, em sua evolução, passa por uma fase préinvasiva, na qual intervenções podem evitar seu progresso, e outra fase invasiva,
caracterizada pela invasão de tecidos sendo de difícil controle. As lesões préinvasivas são chamadas de Neoplasias Intraepiteliais Cervicais (NIC), que são
classificadas em graus I, II e III, os quais refletem o seu comportamento biológico
(INCA, 2011).
Essa nomenclatura de classificação do grau sofreu uma revisão em 1988,
classificando as NIC I como lesões de baixo grau e colocando as NIC II e III no
mesmo patamar biológico, classificando-as como lesões de alto grau. As alterações
celulares que não podem ser classificadas como neoplasia intraepitelial cervical,
todavia merecem uma investigação melhor, são classificadas como atipias de
células escamosas de significado indeterminado (ASCUS) ou atipias de células
glandulares de significado indeterminado (AGUS). As lesões pré-neoplásicas, se não
tratadas, apresentam um potencial diferenciado de regressão, persistência e
progressão, segundo a sua classificação histológica.
De acordo com a literatura, lesões do tipo NIC I teriam um potencial de
regressão maior (62% a 70%) quando comparadas as NIC II e III (45% a 55%) num
período de 11 a 43 meses. Por outro lado, a literatura mostra que as NIC I
35
apresentam um menor potencial de progressão de 4,9% a 16% do que dos NIC II e
III, que é de 30% a 42%. Porém, o potencial de persistência dessas lesões ainda
permanece controverso.
Nos estágios iniciais de anormalidades na diferenciação, as células de
displasias, localizadas na superfície do epitélio, podem ser detectadas através da
técnica do exame de Papanicolaou. Caso não haja intervenção, a displasia poderá
estagnar ou mesmo regredir espontaneamente; entretanto, pode progredir dando
origem à neoplasia localizada sem invasão dos tecidos adjacentes, o chamado
carcinoma in situ. Neste estagio, ainda é fácil alcançar a cura completa pela
destruição ou remoção cirúrgica do tecido anormal, pois as células alteradas ainda
estão confinadas ao lado epiteliais da lâmina basal.
Porém, sem o tratamento adequado, as células displásicas ainda poderão
estagnar ou regredir; mas cerca de 20% a 30% dos casos evoluirão num período de
alguns anos, originando um carcinoma cervical invasor, cujas células desprendemse do epitélio, atravessam a lâmina basal e começam a invadir o tecido conectivo, e
à medida que o crescimento invasivo se espalha, a cura passa a ser
progressivamente mais difícil.
Quanto à etiologia, sabe-se atualmente que para o desenvolvimento da
lesão intraepitelial de alto grau e do câncer invasivo de colo de útero, o
Papilomavírus Humano (HPV) é condição necessária à presença da infecção, no
entanto a infecção pelo HPV por si só não representa uma causa suficiente para o
surgimento dessa neoplasia.
Além de aspectos relacionados à própria infecção pelo HPV (tipo e carga
viral, infecção única ou múltipla), para o desenvolvimento, manutenção e progressão
das lesões intraepiteliais há associação com outros fatores de risco, como: A idade,
pois a maioria das infecções por HPV em mulheres com menos de 30 anos regride
espontaneamente, e acima dessa idade, a persistência é mais freqüente, a baixa
imunidade, tabagismo, multiplicidade de parceiros, baixa ingestão de vitaminas,
iniciação sexual precoce, genética, coinfecção por agentes infecciosos como o vírus
da imunodeficiência humana (HIV) e Chlamydia tracomatis (INCA, 2012).
Existem hoje identificados, 13 tipos de HPV reconhecidos como oncogênicos
pela Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IARC). Desses, os mais
comuns são o HPV16 e o HPV18. A vacina contra o HPV tem representado uma
promissora ferramenta para o combate a esse câncer, porém ainda é uma prática
36
distante da realidade dos países subdesenvolvidos, em razão de seu alto custo.
Sendo assim, o rastreamento organizado é a melhor estratégia para redução da
incidência e da mortalidade por essa neoplasia. Além disso, as vacinas disponíveis
hoje no mundo não conferem imunidade contra todos os tipos de HPV (INCA, 2012).
Ainda quanto aos fatores de risco para o câncer de colo de útero, estudo
realizado por Matsumoto e Morita (2011), no município de Cuiabá na área de
abrangência do Programa Saúde da Família (PSF), no período de 2007 a 2009, com
26 mulheres que possuíam resultados alterados de papanicolau. Resultando que
(31,8%) das participantes do estudo tinham idade entre 40 anos, estimando que a
maioria das participantes iniciaram atividade sexual na adolescência com
predominância do não uso do preservativo.
Medeiros (2005) afirma que a precocidade das relações sexuais está
diretamente relacionada com o aumento do risco de câncer cervical, pois a zona de
transformação do epitélio cervical é mais proliferativa durante a puberdade e a
adolescência, devido a maior vulnerabilidade nesse período, sendo suscetível a
alterações induzidas por agentes sexualmente transmissíveis, como o HPV.
As condutas de atenção à saúde da mulher preconizada para o
acompanhamento, tratamento e seguimento das mulheres brasileiras, segundo a
Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e condutas preconizadas em 2006,
orienta que estas devem ser realizadas de acordo com o grau de complexidade de
cada unidade de saúde em conformidade ao Sistema Único de Saúde (SUS). Em se
tratando do primeiro nível de atenção básica, deve ter a responsabilidade de iniciar o
processo de assistência, ao qual deve incentivar e orientar a mulher a fazer o exame
de rastreamento e controle citológico (exame Papanicolau). A unidade secundária
deve ser referência para o serviço de patologia cervical, com a função de
confirmação diagnóstica, tratamento e acompanhamento das alterações prémalignas ou malignas (INCA, 2008).
Já o tratamento é indicado com base no estadiamento tumoral, tipo
histológico, idade da paciente, condições clínicas, desejo de procriar e recursos
disponíveis. Os procedimentos variam desde os mais conservadores, como a
retirada de lesões, até tratamentos radicais e complexos como cirurgias,
quimioterapia, radioterapia e associações desses tratamentos. As ações de
enfermagem no tratamento do câncer do colo de útero visam oferecer assistência de
enfermagem integral individualizada, informando sobre cada passo do tratamento,
37
seja por cirurgia, radioterapia ou tratamento combinado com a quimioterapia, para
minimizar as possíveis complicações advindas (INCA, 2008).
As ações de enfermagem iniciam-se no primeiro atendimento pós-matricula
e prossegue até o período pós-tratamento. Os fluxos das ações de enfermagem
compreendem-se nas consultas de enfermagem para acolhimento no dia da
matrícula no serviço de saúde; pré-cirurgia eletiva; pós-operatório; pré-teleterapia,
nas aplicações de braquiterapia e pos-braquiterapia, além das orientações em grupo
com recursos visuais e assistência de enfermagem sistematizada durante a
internação por intermédio da admissão, visita pré-operatória, diagnóstico de
enfermagem, planejamento e avaliação diária, bem como planejamento de alta
hospitalar e acompanhamento ambulatorial (INCA, 2008).
Em relação ao cuidar em enfermagem, por muito tempo foi visto sempre
associado à execução de procedimentos, enfatizando apenas a técnica bem
realizada, atrelada à prescrição médica ligada a alguma doença. Porém, com o
passar do tempo, somente a prática da técnica deixou de ser primordial e passou a
ser dada importância às intervenções aos problemas psicossociais, dando-se ênfase
ao conceito de cuidado de si e da humanização no processo do cuidar. Waldow
(2008) ressalta que o cuidado e a prevenção têm um importante significado,
tornando-se essencial no âmbito da saúde pública.
A partir desta contextualização, o cuidado e a prevenção têm um importante
significado no contexto atual e, com o tempo, vem se tornando essencial para se
trabalhar na área da saúde, principalmente no âmbito da saúde pública, já que os
profissionais desta área estão assumindo, cada vez mais, essa responsabilidade de
educar, orientar e cuidar, para prevenir.
Portanto, destaco estudos que tiveram aproximação com a temática do
câncer.
O estudo de Anjos (2005) realizou um estudo de caso que focalizou o
significado da quimioterapia oncológica na visão da paciente mastectomizada,
compreendendo que ela construiu um sentido para a experiência de viver a terapia,
interpretando-a como perda do controle da vida. Esta experiência foi marcada por
sentimentos ambivalentes de sofrimento e luta para a sobrevivência. Também
ressaltou que o significado construído ratifica que a experiência da quimioterapia
envolve uma dimensão que vai além das reações físicas, o qual nem sempre é
valorizada pelos profissionais de saúde.
38
O estudo de Oliveira e Gomes (2008) objetivou conhecer as representações
sociais do câncer para os portadores; foram entrevistados no Rio de Janeiro, cem
indivíduos adultos com o diagnóstico de câncer. A coleta de dados ocorreu através
da evocação livre de palavras, demonstrando que vários são os sentimentos
vivenciados pelo paciente frente ao câncer, sendo eles a dor, o sofrimento e a
objetivação de um fenômeno amplamente rejeitado, que é a própria morte.
Simultaneamente os sentimentos de susto, de negação, de não aceitação, de
desespero,
de
tristeza
e
de
preocupação
também
estiveram
presentes,
transformando o momento do diagnóstico em um turbilhão de emoções difíceis de
controlar, trazendo o câncer à imagem da doença sem cura, que causa dor e pode
levar a morte em qualquer momento. Observou-se também que, a principal temática
presente na dimensão das expectativas e desejos, foi a possibilidade de cura, ao
qual Deus assume a concretização da única esperança e da devolução da
normalidade cotidiana e da saúde.
Almeida (2008) realizou uma pesquisa com abordagem qualitativa com o
objetivo de conhecer a percepção das mulheres com câncer de colo de útero sobre
a radioterapia. Foram entrevistadas vinte mulheres em Teresina-Piauí, que
destacaram que a percepção relacionada ao tratamento do câncer de colo de útero
tem representações diferenciadas para cada mulher, as quais perceberam que o
tratamento da radioterapia como gerador de sentimentos conflitantes. Visto que
embora represente um temor, desconforto físico, psicológicos e restrições, elas
relataram satisfação com o tratamento, principalmente devido a diminuição dos
sintomas ocasionados pela doença o que contribuiu para a construção de uma nova
relação com seu corpo e consigo mesma. As participantes enfatizaram também que
o tratamento radioterápico, em seu decorrer, é percebido como limitador de ações
cotidianas, relacionamento sexual e realização de atividades sócio econômicas, e
que independente das formas de enfrentamento, elas buscam acreditar em algo ou
alguém para apoiar-se, como forma de sobrevivência aos possíveis contratempos
advindos do tratamento, ao qual afirmaram enfrentar as dificuldades com fé em
Deus e com o apoio dos familiares.
Jorge e Silva (2010) desenvolveram uma pesquisa, para avaliar a qualidade
de vida de mulheres portadoras de câncer ginecológico submetidas à quimioterapia;
foram entrevistadas cinquenta pacientes entre 2007 e 2009, pela aplicação de um
instrumento de avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde.
39
Os resultados apontaram que o domínio físico foi o mais comprometido. Tal fato
pode ser explicado pelas toxicidades das drogas quimioterápicas administradas, que
geram efeitos, como: dor, cansaço, náuseas, vômitos, além de anorexia, dificuldades
em realizar atividades de vida diária.
O segundo domínio mais comprometido foi o ambiental, apontando as
dificuldades relacionadas às condições do local onde mora, a segurança, o
transporte, as condições econômicas, falta de oportunidades de recreação/lazer e
em decorrências das diversas mudanças que ocorrem na rotina familiar. Quanto o
domínio psicológico também foi afetado, afirmando as autoras, que a experiência do
tratamento em toda sua trajetória é vivenciada de forma particular por cada mulher,
além de que a idade da mulher acometida pelo câncer também influencia em sua
adaptação e nas sequelas biopsicossociais provocadas pelo câncer. Dependendo do
ciclo de vida da mulher, suas atividades, planejamentos, relação familiar e do
trabalho, são totalmente afetados, vivenciando sentimentos de angústias, temores,
preocupações e ansiedades sempre presentes desde o diagnóstico até o fim do
tratamento.
A literatura pesquisada revelou a magnitude da doença e repercussões
causadas pelo câncer na vida da pessoa, verificando que estes estudos trazem
parcialmente a experiência da mulher com câncer, não descrevendo como essa
experiência é construída e como elaboram ações para lidar com o fenômeno de ter
câncer.
2.3 A CULTURA E O CÂNCER
Para a antropologia, a cultura possui duplo sentido, é o conjunto das
representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem como ser social. Em
outras palavras, é o conjunto histórico e geograficamente definido das instituições e
as características de determinada sociedade, designando não somente as tradições
artísticas, científicas, religiosas e filosóficas de uma sociedade, mas também suas
próprias técnicas, seus costumes políticos. Abarca também, o processo dinâmico de
socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se impõem em
determinada sociedade, ou seja, pelos processos educacionais, seja pela difusão
das informações a todas as estruturas sociais e/ou mediante meios de comunicação
40
em massa. Nesse sentido, a cultura praticamente se identifica com o modo de vida
da população (MARCONDES, 2008).
O autor acima mencionado ressalta ainda que no sentido filosófico, a cultura
pode ser considerada como feixe de representações, de símbolos, de imaginário, de
atitudes e referências suscetíveis de irrigar, de modo bastante desigual, mas
globalmente, o corpo social. Experiência, em seu sentido geral, é um conhecimento
espontâneo e vivido, adquirido pelo indivíduo ao logo de sua vida. Para o empirismo
todo o conhecimento deriva da experiência e para o racionalismo, ao contrário, a
experiência nada nos ensina, pois é aquilo que precisa ser explicado, não havendo
experiência que não esteja impregnada de teorias.
Para Helman (2009), cultura é um conjunto de orientações tanto explícitas
como implícitas que os indivíduos herdam como membros de uma sociedade
particular, as quais lhes dizem como ver o mundo, como experimentá-los
emocionalmente, e como se comportar em relação às outras pessoas, às forças
sobrenaturais e ao ambiente natural. Ressalta que para uma visão moderna da
cultura é necessário destacar a importância de considerá-la sempre dentro de seu
contexto particular, sendo este composto por elementos históricos, econômicos,
sociais, políticos e geográfico, portanto ser impossível isolar as crenças e os
comportamentos culturais do contexto social e econômico que eles ocorrem.
Assim, para conhecermos a magnitude do envolvimento cultural que carrega
historicamente o câncer, faz-se necessário conhecermos a contextualização da
estrutura interna do corpo. Para algumas pessoas, é um tema de mistérios e
especulações, as crenças sobre como o corpo é construído geralmente baseiam-se
no folclore herdado, em livros e revistas, experiências pessoais e teorias. A
importância desta imagem do “lado de dentro do corpo”, influencia a forma como as
pessoas percebem e apresentam suas queixas corporais influenciando as respostas
ao tratamento médico. Essas concepções também não são estáticas, podem variar
de acordo com certos estados físicos, psicológicos e parecem alterar-se com a idade
(HELMAN, 2009).
Continuando, o autor afirma que a doença pode envolver a retificação de um
órgão ou parte corporal doente, e pensar como se fosse “uma coisa”, ou algo
estranho ao corpo. Desse modo, as experiências corporais desagradáveis podem
ser negadas ou separadas do tipo de imagem corporal idealizada no mundo
moderno, um corpo saudável e feliz. No caso das doenças graves como o câncer,
41
tanto a doença como a parte do corpo afetada são encaradas como separadas ou
estranhas ao corpo do paciente. Desse modo, considera-se que há fatores culturais
implicados que precisam ser considerados na compreensão da dimensão simbólica
da construção histórica da doença (HELMAN, 2009).
Na perspectiva cultural, o câncer é considerado uma das doenças que ao
longo da história foi associado à punição e ao castigo, fazendo com que as pessoas
que vivenciam o processo de adoecimento pela doença, carreguem a carga moral
associada à doença, além dos sinais e sintomas inscritos no corpo. As formas das
doenças são produtos dos modos como a sociedade marca a concepção dominante
e encara o fenômeno no processo saúde e doença (MARUYAMA, 2006).
Para Helman (2009), historicamente, certas doenças graves, sobretudo
aquelas cuja origem não era conhecida e o tratamento não eram bem sucedidos,
tornaram-se metáforas para tudo o que haviam de “não natural”, socialmente ou
moralmente errado na sociedade. Na idade média, as epidemias como a peste
foram consideradas metáforas para os distúrbios sociais e a ruptura da ordem
religiosa e moral. Nos dois últimos séculos, a sífilis, a tuberculose e o câncer foram
usados como metáforas contemporâneas para denominar o mal.
No século XX, o câncer foi descrito na mídia, e nos discursos populares
como um tipo de força maligna incontida e caótica, exclusiva do mundo moderno,
composta de células primitivas que se comportam destruindo a ordem natural do
corpo e da sociedade, vista para muitas vítimas como punição demoníaca. No caso
de doenças graves como o câncer, essas metáforas carregam várias associações
simbólicas que podem ter efeitos sérios na forma como os pacientes percebem sua
condição e no modo como as outras pessoas se comportam em relação a eles.
Exemplificando, o medo das pessoas de contrair o câncer de outros por acreditarem
ser contagioso, ou a doença ser descrita como epidemia.
A autora enfatiza que as metáforas para o câncer não são estáticas e podem
mudar com o tempo, além de que diferentes tipos de câncer parecem atrair
diferentes tipos de metáforas, dependendo da parte do corpo afetada, da duração,
da condição e velocidade do início da doença. E todas as metáforas não são apenas
fenômenos de linguagem, são também incorporadas por quem as utiliza, tornandose parte do modo como os indivíduos vivenciam os eventos e os sentidos que dão a
essas experiências (HELMAN, 2009).
42
Embora a ciência médica tenha evoluído nas formas de prevenção,
diagnóstico e tratamento do câncer, tais construções sócio-culturais, permanecem
até os dias atuais. Mesmo com a evolução, não se pode desconsiderar que o câncer
sempre foi uma doença cuja morbidade e mortalidade teve incidência marcante na
história da humanidade, por isso lhe foi associada uma rede de significados
vinculados às questões sociais e culturais, que devem ser compreendidas pelos
profissionais de saúde no processo de cuidar da pessoa com câncer (HELMAN,
2009).
Muitas significações adotadas pela pessoa doente, pelo medo e pavor que
carregam, fazem com que as pessoas procurem afastar a ideia de serem portadoras
da doença, algumas “naturalizam” as anormalidades do corpo, e emolduram as
anormalidades naquilo que é aceitável para o seu grupo social (MARUYAMA, 2006).
Maruyama (2006) ainda relata também, que historicamente o cuidado
profissional não era a primeira opção de escolha para as alterações corporais. Nos
primeiros séculos da história brasileira, as práticas terapêuticas hegemônicas eram
populares, por falta de profissionais da medicina. Com a evolução da ciência, as
práticas médicas e as instituições de saúde foram sendo aceitas pela população.
Entretanto, o sistema de cuidado profissional levou a fragmentação do corpo em
partes; se antes o corpo era cuidado pelo sistema familiar e popular, hoje o corpo é
fator de individuação e dissociação do sujeito, que se constituem em um bem, mais
do que um ser que tem além de um corpo, valores, crenças e sentimentos, de
maneira que há quase uma dissociação do ser humano do seu próprio corpo.
Para Corner (1997) a cultura do câncer, que todos inclusive os enfermeiros
ajudaram a construir, tem raízes na biomedicina, aos quais todos os problemas são
reduzidos ao projeto da ciência. Atualmente, a ciência do câncer está inquietada
com o mundo sub-celular e não com o mundo do corpo, no sentido sociológico.
Helman (2009) ao citar Kleinman (1988), afirma que as pessoas com câncer
quando buscam alívio para os seus sinais e sintomas, dirigem-se ao sistema de
cuidado profissional quando percebem as dificuldades de manter suas rotinas. Ao
entrar neste sistema a sua desordem passa a se constituir em uma entidade
orgânica, passando a ser classificada de maneira ampla, com o nome de câncer que
assume a forma no tempo através do prognóstico dado, com as formas de levar à
cura e ao tratamento.
43
No cuidado profissional, as maneiras como os profissionais de saúde lidam
com o câncer trazem subentendidos os significados culturais da doença para eles. O
peso da palavra pode ser percebido muitas vezes nos sinais, nas falas e nos
comportamentos dos profissionais ao se referirem à doença. Mesmo quando
compartilham alguns dos significados culturais do câncer entre si, os profissionais e
a pessoa portadora de câncer mantêm uma relação de desequilíbrio na qual a
autoridade é sempre do profissional. A partir desse momento os profissionais
passam a apropriar-se do corpo da pessoa doente, e a doença e o doente passam a
ser objetivados, com o diagnóstico fechado através dos resultados de exames, e
com a biópsia reforçada pelas condições físicas e queixas, a pessoa tem seu
“status” alterado passando a ser “doente de câncer” (SONTAG, 1984).
Portanto, podemos perceber que o comportamento das pessoas que
vivenciam o câncer, sejam os portadores, os familiares ou os profissionais de saúde,
traduzem a imagem construída sobre a doença ao longo da evolução da
humanidade.
Para Kleinman (1988), o desenvolvimento da ciência médica negligenciou o
sujeito e sua história, o meio social, a relação com o desejo, a angústia, a morte, o
sentido da doença, limitando-se a considerá-lo apenas como um mecanismo
corporal, isolando o corpo na anatomia e fisiologia, colocando o doente em uma
atitude de passividade frente ao tratamento recebido.
Deste modo, no cuidado do doente com câncer é imperativo reconhecer a
dimensão sócio antropológica do câncer, ampliando o olhar do profissional para
além da doença e reconhecer a importância dos significados do câncer para as
pessoas. Por isso, este estudo focaliza a mulher com câncer de colo de útero, pois
viver a experiência da doença é viver o estigma da mesma. O profissional de saúde,
em especial o da enfermagem, precisa compreender a experiência do adoecer do
câncer como uma vivência que ultrapassa o corpo (MARUYAMA, 2006).
Frente à literatura consultada, considero que o enfermeiro tem um papel
fundamental na assistência à mulher com câncer de colo de útero, assim como ao
paciente oncológico em tratamento. Essa assistência que extrapola a habilidade
instrumental nos leva a refletir sobre nossas ações em relação aos aspectos
culturais do paciente, família e profissional na trajetória do câncer.
44
CAPITULO 3
O REFERENCIAL TEÓRICO
45
CAPITULO 3- O REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 O REFERENCIAL TEÓRICO DA ANTROPOLOGIA INTERPRETATIVA
O Pensamento interpretativo procura compreender o complexo mundo da
experiência, a partir do ponto de vista daqueles que a vivem. Para tanto, há
necessidade de explicar o mundo dos sujeitos, elucidando o processo de construção
de significados e esclarecendo o que e como estão reunidos nas linguagens e ações
dos sujeitos, de forma que possa explicar as diferentes ações do ato humano de
significar e das suas inter-relações (SILVA, 2000). Assim, considera-se que os
indivíduos são seres propositados, ativos, guiados por intenção, que constroem e
interpretam seus próprios comportamentos e dos outros. (SILVA, 2005)
Ricouer desenvolveu a teoria da interpretação do ser e buscou esclarecer a
existência por meios da explicação do sentido, por meio da hermenêutica,
transcendendo todos os pontos de vistas, ao qual a realidade não se reduz somente
ao que pode ser visto, mas também ao que pode ser ditado. (MARUYAMA, 2004)
Segundo Ricouer, a interpretação aborda o desenvolvimento do pensamento
em decifrar o sentido implícito no sentido aparente, e em abrir os níveis de
significação implicados na significação literal, ou seja, o interesse é em interpretar o
sentido implícito na linguagem verbal e não verbal (SILVA, 2000).
A linguagem é responsável por transportar o senso comum e dar sentidos da
experiência vivenciada. Para muitas pessoas a experiência pode ser comum, mas o
conhecimento como ela é formada é individual, precisando para sua formação de
uma elaboração subjetiva e intersubjetiva, mediada pelo senso comum, pela
experiência de quem a vive, ao qual se torna uma referência para cada pessoa
(MINAYO, 2007).
Segundo Silva (2005), a experiência é construída nas práticas das pessoas
e organizadas pela linguagem, e os sentidos dados a experiência determinam ações
e comportamentos. Logo, a experiência da vida constitui–se em expressão cultural,
sendo formas simbólicas construídas socialmente, pelas quais as pessoas procuram
se orientar e se comportar na relação com o mundo.
A abordagem antropológica interpretativa busca o significado simbólico,
baseados na hermenêutica, para o desenvolvimento de estudos que focalizam a
46
cultura dos sujeitos. Cliffort Geertz é um dos principais antropólogos cujas ideias
causaram maior impacto na antropologia, na segunda metade do século XX,
considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia contemporânea, a
chamada antropologia hermenêutica ou interpretativa que se propõe a compreender
com base na interpretação dos significados que emergem da interação social a partir
da realidade concreta dos indivíduos (COSTA; GUALDA, 2010).
Para Geertz (1989), a cultura deve ser compreendida como uma rede de
significados que incluem conflitos e relações de poder da sociedade. Sendo uma
construção simbólica do mundo sempre em transformação, no qual os atores sociais
escrevem e reescrevem o texto cultural inserido em determinados contextos, dentro
do qual interpretam, organizam e dão sentido a sua existência.
Geertz (1997) salienta para que o pesquisador possa conhecer a cultura e a
experiência de vida, há necessidade de compreender as estruturas sociais
conceituais que se interligam, e que inicialmente se apresentam estranhas, mas
passam a ser apreendidas à medida que o pesquisador conhece as características
culturais do grupo em estudo. Ainda pela sua análise, o pesquisador consegue
organizar os sentidos dados aos fenômenos da vida, e integrar as conexões entre
formulações teóricas e as interpretações que são descritas, construindo assim os
conhecimentos culturais da experiência e seus significados.
Neste sentido para o pesquisador, a cultura é o contexto no qual os
fenômenos se tornam acessíveis. Estabelecendo uma ligação entre as formas de
pensar e agir dos indivíduos de um grupo, que ressalta a importância da cultura na
construção de todo o evento humano, considerando nesta perspectiva que
percepções, interpretações e ações, no campo da saúde, são culturalmente
construídas.
Logo
a
abordagem
antropológica
interpretativa
da
cultura
busca
compreender e interpretar o significado das ações dos indivíduos de uma
determinada sociedade, num determinado período de tempo, que se conectam
transformando-os em conceitos científicos.
3.2 O REFERENCIAL TEÓRICO DA ANTROPOLOGIA MÉDICA
A partir da antropologia geral que sofreu influências da antropologia
interpretativa de Geertz, desenvolveu-se a antropologia médica com aplicação na
47
epidemiologia e na clínica. Os pesquisadores da antropologia médica têm como
objeto de estudo, como as pessoas pensam as causas das doenças e seus
tratamentos, e como as enfrentam, considerando as diferenças entre os diversos
grupos sociais. Estudando como tais crenças e práticas estão relacionadas a
mudanças biológicas e psicológicas no organismo humano, na saúde e na doença
(HELMAN, 2009).
Na abordagem de temas relacionados ao processo saúde e doença,
considerando os contextos sociais e culturais, apoiar-se na antropologia pode
representar uma perspectiva muito enriquecedora e complementar, pois essa
abordagem permite uma nova construção de modelos de saúde – doença que
recuperam a dimensão experiencial e a psicossocial, com foco na cultura (COSTA;
GUALDA, 2010).
Portanto, considerando que o objeto desta pesquisa são os sentidos
interpretados pelo pesquisador, a partir dos dados, das idéias e ações das mulheres
com câncer de colo de útero ao lidarem com a experiência do diagnóstico ao
tratamento, busquei a abordagem teórica da antropologia médica. Ela faz o
cruzamento entre o corpo, a mente e a vida social, envolvendo os aspectos
biológicos, ecológicos, culturais, simbólicos, pessoais e sociais relacionados á
experiência da doença e tratamento (MUNIZ, 2008).
Na antropologia, a saúde não é vista somente como consequência de
fatores sociais e econômicos, mas também como um produto culturalmente
determinado. Sendo entendida como um conjunto de ideias, conceitos, regras e
comportamentos compartilhados em um determinado grupo e que organiza a
experiência da saúde e da doença nas distintas sociedades (CAPRARA, 2003;
COSTA; GUALDA, 2010).
Os estudiosos têm se preocupado em problematizar e compreender o
processo de saúde- doença através das experiências das pessoas. A compreensão
desse fenômeno sociocultural, a experiência da saúde e doença é atravessada pelas
construções dos significados sociais, não podendo ser desvinculado das estruturas
sociais que permeiam a sociedade.
A antropologia tem estudado a relação entre saúde e cultura desde 1924 e
autores reconhecem que a doença e seu tratamento somente são processos
biológicos no sentido abstrato, pois, os fatores sociais determinam a percepção do
estado do doente, do diagnóstico da doença e do seu tratamento.
48
Costa e Gualda (2010) consideram que, em termos teóricos, a antropologia
médica difere da antropologia da saúde, por focar seus estudos nas racionalidades
médicas, nas patologias e nos sistemas terapêuticos, descrevendo que a
antropologia da doença estuda a percepção das doenças e as resposta a elas de um
determinado grupo social, ao qual elabora e analisa modelos etiológicos e
terapêuticos. A antropologia da saúde considera que o ser humano precisa ser
compreendido como um ser psicobiológico, sobrepondo-se a divisão cartesiana
entre o corpo e a mente. Propôe novas maneiras de pensar e agir em relação ao
corpo, cultura e individualidade de cada ser humano, formando uma unidade
complexa na qual não é possível separar fatores biológicos, psicológicos e culturais
para se descobrir a sua essência.
Segundo Langdon (2003), na visão de cultura como um sistema simbólico, a
doença é vista como um processo. A situação de doença como uma sequência de
eventos para o sujeito que é motivado pelos objetivos de entender o sofrimento, na
finalidade de constituir a experiência vivida e abrandar o seu sofrimento. Portanto, a
interpretação da doença surge desse processo. Assim, para entender os seus
sentidos, é necessário acompanhar o episódio da doença, o itinerário terapêutico e
os discursos dos participantes envolvidos, em cada etapa do evento.
Considerando a doença como processo, também é vista como experiência,
entendida como processo subjetivo construído pelos conhecimentos, crenças,
valores e práticas adquiridas nas relações sociais. Ela não é um conjugado de
sintomas físicos, mas um processo subjetivo no qual a experiência corporal é
mediada pela cultura. Os processos de saúde e doença não se baseiam em
desenvolvimento biológico. Há processos simbólicos – culturais, sociais e individuais
– que compõem os sentidos da experiência da doença e fatores a serem
considerados na evolução de uma doença, sendo, portanto experimentada e
expressada em diferentes grupos. (ANJOS, 2005; MUNIZ, 2008)
Contudo, a cultura não é a única influência para o indivíduo, significa apenas
uma dentre
várias,
as quais incluem fatores
individuais (idade,
gênero,
personalidade e experiência), fatores educacionais (formais e informais) e os fatores
socioeconômicos (classe social, status econômico, redes de apoio) (HELLMAN,
2003).
Arthur
Kleinman
é
um
dos
principais
representantes
da
corrente
interpretativa na antropologia médica e foi um dos pioneiros a abordar a doença
49
como experiência. Na antropologia médica de Kleinman (1980) que foi inspirada em
Geertz, diz que a cultura fornece modelos “de” e “para” os comportamentos
humanos referentes à saúde e a doença. Para Kleinman, o ser humano como um
ser psico/biológico é colocado no núcleo do seu modelo de doença, ao qual o
impacto do mundo externo na experiência interna é mediado pela competência
simbólica de o ser humano interpretar sua experiência (SILVA, 2005)
O conhecimento da doença como experiência tem consequências para a
prática clínica, portanto é importante ver os pacientes como pessoas que detêm
informações importantes sobre suas aflições, portanto resgatar a cultura para o
centro da relação entre usuários e serviços de saúde resulta em um esforço que
desencadeia uma série de implicações de como este relacionamento será efetivado.
Para tanto o reconhecimento das diferenças culturais existentes em relação ao
usuário deve servir de instrumento acessório na resolução de seus problemas da
melhor maneira, devendo esse tipo de conduta aberto a todos os campos da
atenção da equipe de saúde (SILVA, 2005)
Kleinman (1980) assinala a medicina como seguidora do modelo da
biomedicina e a considera como um sistema sócio-cultural. O paradigma biomédico
se constitui a partir de diferentes ciências baseadas na biologia. Nesta, as doenças
são identificadas e classificadas como processos fisiopatológicos orgânicos, de
natureza individual.
Kleinman (1980) dentro deste contexto estabeleceu a diferença entre illness
e disease. Depois de discordâncias sobre o entendimento dos termos entre
pesquisadores no Brasil; Almeida Filho (2001) traduziu os termos que passaram a
ser aceitos pelos pesquisadores das ciências antropológicas e sociais. Após a
tradução pode-se dizer que disease (doença), illness (enfermidade). A disease é a
forma como a experiência da doença (ilness) é interpretada pelos profissionais de
saúde, é a patologia. Representando uma definição essencialmente biomédica,
focado sobre o ser humano fundamentalmente biológico. Assim, uma das atribuições
principais do médico é traduzir o discurso, os sinais e os sintomas do paciente para
chegar ao diagnóstico da doença.
O illness equivale à enfermidade, entendida como resposta subjetiva do
paciente e de todos os que o cercam. Ou seja, é a maneira como ele interpreta a
origem e a importância do fato, o efeito desses sobre seu comportamento, o seu
relacionamento com outras pessoas e as condutas feitas pelos pacientes para
50
remediar a situação, não se incluindo somente a experiência pessoal do problema
de saúde, mas também o sentido que o indivíduo dá ao mesmo. (ALMEIDA FILHO,
2001).
Assim, a experiência de ser doente não acontece de repente. É antes de
tudo um processo que influencia e é influenciado pelo mundo social e físico, como
pela realidade simbólica; os sentidos e significados atribuídos à doença, ao doente e
ao processo de cura (SILVA, 2005)
Para Kleinman (1980), as atividades de cuidados em saúde são respostas
socialmente organizadas perante a situação de doença e podem ser estudadas
como um sistema cultural, e o sistema de cuidados em saúde seriam constituídos
pela interação entre três setores diferentes, o profissional, o tradicional e o popular,
correspondendo a modelos explicativos dos profissionais e dos pacientes e suas
famílias. E a interação de tais símbolos em uma rede semântica corresponde às
realidades médicas que conjugam normas, valores, expectativas individuais e
coletivas, comportamentos e formas de pensar, agir em relação à saúde e ao
processo de doença (UCHÔA; VIDAL, 1994).
Considerando o processo de doença, Kleinman (1980) desenvolveu o
Modelo Explicativo ou Modelo Explanatório (ME), que sistematiza o estudo dos
modelos adotados por diferentes tipos de pessoas quando enfrentam problemas
com a saúde. Este modelo permite compreender o processo cognitivo e
comunicativo pelo qual a doença é padronizada, interpretada e tratada. Assim, o ME
é definido como o conjunto de ideias de todos os envolvidos sobre o episódio de
doença e seu tratamento.
Para o autor, existe uma diferenciação entre os MEs usados pelos
profissionais da saúde (ME profissional) e o ME usado por pessoas doentes e seus
familiares (ME leigo). Ambos ilustram como a doença e os tratamentos são
entendidos e vivenciados pela sociedade, e como escolhem as terapias e os
profissionais de saúde, possibilitando a elaboração do significado pessoal e social
da experiência da doença. Assim, o intercâmbio entre os dois MEs permitem a
compreensão de como são desenvolvidos os processos de assistência à saúde,
baseado em crenças, normas, condutas e expectativas que envolvem a relação e
sociedade (SILVA, 2005).
Lira et al. (2004) pontuam que a análise da singularidade da doença crônica
revela os limites da medicina relacionada ao tratamento da doença, com a
51
necessidade de constituir um sistema de cuidado humano com consequente
ampliação da perspectiva do fenômeno. Afirmando que a enfermidade, na
perspectiva antropológica, é multifacetada e as experiências e eventos a ela
relacionados revelam ou ocultam muitos significados. Assim o foco principal do
cuidado ao doente é o de identificar os sentidos da enfermidade para os que a
vivenciam.
A figura 1 A representação dos MEs e da rede semântica da enfermidade.
Sintomas e processos psicológicos típicos associados com tipos particulares de problemas
ocasionados pela enfermidade.
Crenças sobre causas e
significados de tipos
particulares de problemas
ocasionados pela
enfermidade
Modelos
Explicativos
Procura por cuidados de
saúde a partir de escolhas
de opções terapêuticas
disponíveis para tipos
particulares de problemas
ocasionados pela
enfermidade
Incluído rótulo da doença e idioma cultural para articulação da experiência da enfermidade.
Problemas sociais típicos associados com tipos particulares de problemas ocasionados pela doença
REDE SEMÂNTICA DA ENFERMIDADE
Figura 1- ME, redes semânticas e procura por cuidados de saúde.
Fonte Kleinman (1988) Apud Lira et al. (2004).
É interessante ressaltar que apesar de esta perspectiva auxiliar no
entendimento desses fenômenos, é prevalente até os dias de hoje o modelo
biomédico com uma visão reducionista da doença, panorama de um processo
exclusivamente biológico (SILVA, 2005)
Uchôa e Vidal (1994) acreditam que a saúde de determinado sujeito (ou
sociedade) é determinada pelo seu modo de vida, pelos costumes, crenças, valores,
normas, regras, correspondendo a estes últimos uma condição importante para
reverter a experiência da doença em saúde. A experiência da doença e os padrões
de saúde variam em diferentes sociedades, tendo como fator determinante a
posição socioeconômica e a subcultura de quem a concebe (COSTA; GUALDA,
2010)
52
Então, do mesmo modo que é preciso conhecer a cultura dos indivíduos
para se notar se reagem de forma semelhante ou diferente à doença, a morte, aos
infortúnios da vida, também é preciso conhecer sua cultura para se entender como
atribuem as causas de uma determinada doença e como concebe o tratamento
(UCHÔA; VIDAL, 1994).
Os pressupostos teóricos descritos possibilitam considerar que o objeto de
estudo a experiência (subjetiva) de ter câncer de colo de útero e submeter-se ao
tratamento leva a uma metodologia e um método de pesquisa que possam analisar
os fenômenos socioculturais através da interação dos indivíduos, mas, a influência
do conhecimento do modelo biomédico, ao qual seja conhecida a dialética entre o
indivíduo e sociedade. Portanto é a partir da análise cultural que poderemos ampliar
os conhecimentos culturais sobre o fenômeno em estudo.
53
CAPITULO 4
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
54
CAPITULO 4- TRAJETÓRIAS METODOLÓGICA
4.1TIPOS DE ESTUDO E ABORDAGEM METODOLÓGICA
Este estudo tem como objetivo Identificar como as mulheres com câncer de
colo de útero constroem a experiência do diagnóstico ao tratamento, por isso
optamos por um estudo de aspecto exploratório, do tipo descritivo com abordagem
qualitativa, com um olhar nas bases conceituais da antropologia da saúde.
Para Leopardi (2002) a pesquisa exploratória “permite ao investigador
aumentar sua experiência em torno de um determinado problema. Consiste em
explorar tipicamente a primeira aproximação de um tema e visa criar maior
familiaridade em relação a um fato ou fenômeno”.
No estudo descritivo, Leopardi (2002) define como estudos que são
caracterizados pela necessidade de se explorar uma situação desconhecida, ao qual
se tem a necessidade de buscar mais informações. Polit (2004) complementa o
pensamento anterior, quando evidencia que os estudos descritivos possuem como
principal objetivo o retrato preciso das características de indivíduos, situações ou
grupos e da frequência com que ocorrem determinados fenômenos, estando bem
adequada à aplicação para este estudo.
Barros e Lehrfeld (2000), ainda dizem que a pesquisa descritiva não é
influenciada pelo pesquisador, uma vez que o mesmo descreve o objeto sem que
suas características pessoais sejam taxadas. Ele procura desvelar a frequência com
que o fenômeno ocorre baseado na sua natureza, características, causas, suas
relações e ligações com outros fenômenos.
A metodologia qualitativa é a mais adequada a responder as questões
particulares, nas ciências sociais com um nível de realidade que não pode ser
quantificada, ou seja, “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2011).
Turato (2005) ainda afirma que na abordagem qualitativa existe o interesse
em conhecer o microssocial, com base nas palavras, histórias, narrativas, cujo o
interesse é a dimensão subjetiva, as experiências e os processos de significação.
55
A escolha da abordagem qualitativa se deu pelo fato de que ela permite
descobrir os sentidos da experiência pela mulher com câncer de colo de útero, por
meio de seus valores, crenças, símbolos e práticas.
4.2 CAMPO DE ESTUDO
O estudo se desenvolveu no Hospital Ophir Loyola, referência em Câncer no
Estado do Pará que corresponde ao Centro de Assistência em Alta Complexidade
em Oncologia (CACON), no 2º Departamento de Câncer (2º DC) e no Núcleo de
Acolhimento do Enfermo Egresso.
Turato (2005) define o campo de pesquisa como o lugar onde são
encontrados os sujeitos que são detentores de autoridade sobre a temática, de
forma que o pesquisador poderá interagir com eles, com o objetivo de obter
informações e observar sua postura diante da ocorrência.
O local do estudo, o Hospital Ophir Loyola, foi criado em 06 de outubro de
1912, por iniciativa dos médicos Ophir Loyola, Nogueira de Farias e o Raimundo
Proença, com o nome de Instituto de Proteção e Assistência á Infância, instituição
privada filantrópica que se destinava ao tratamento de patologias hematológicas e
pesquisas científicas. Somente após algum tempo voltou-se para o tratamento de
câncer, transformando-se hoje em referência da região norte (HOL, 2012).
Atualmente, como Empresa Pública Ophir Loyola - EPOL, oficialmente
iniciou suas atividades em 01 de janeiro de 1997. Tendo como finalidade e
obrigação principal, a manutenção e a recuperação das pessoas frente aos riscos
provenientes de patologias crônicos degenerativas, principalmente as abordadas
pela oncologia e neurologia, além de outras patologias, operando em consonância
com as diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS (HOL, 2012).
O Núcleo de Acolhimento do Enfermo Egresso (NAEE) é um espaço
exclusivo para pacientes com câncer, egressos do interior do Estado; que não
possuem residência em Belém tem capacidade para acolher 49 clientes e 49
acompanhantes (98 leitos no total). E realiza um trabalho biopsicossocial por conta
dos efeitos das condições de saúde comprometidas, da autoestima, afastamento do
convívio familiar, impacto frente à nova realidade, diferenças culturais, dificuldades
56
junto à rede de saúde pública, baixa escolaridade e o ínfimo poder aquisitivo dos
pacientes com câncer atendido no hospital (HOL, 2012).
O Hospital tem como missão prestar assistência à saúde oferecendo
excelência de qualidade em oncologia, doenças crônicas degenerativas e
transplantes na prestação de serviços de média e alta complexidade, ensino,
pesquisa e extensão de forma humanizada e articulada com as Políticas Públicas
em parceria com a Sociedade Civil (HOL, 2012).
Os locais foram determinados como campos da pesquisa por serem
específicos
no
tratamento
clínico
de
câncer
e
possuírem
serviços
de
radioterapia/braquiterapia, quimioterapia e cirúrgico do câncer e favoreceu a coleta
dos dados sobre o objeto investigado.
4.3 APROXIMAÇÃO DO CAMPO E DOS SUJEITOS DA PESQUISA
O campo utilizado nesta pesquisa foi a clínica de ginecologia (2º
Departamento de Câncer - 2º DC) e o Núcleo de Acolhimento do Enfermo Egresso
do Hospital Ophir Loyola. A clínica possui 14 leitos destinados a internação de
pacientes clínica e cirurgia de patologias ginecológicas e mamárias. A equipe é
composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos,
assistentes sociais, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais. Quanto ao Núcleo de
Acolhimento do Enfermo Egresso, tem capacidade de acolher 49 clientes, a equipe é
composta
por
assistentes
sociais,
enfermeiros,
técnicos
de
enfermagem,
nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacionais.
A pesquisa foi realizada no horário da tarde, ao qual foi escolhido para a
realização da pesquisa por ser um turno com menor fluxo de profissionais da saúde,
assim como a realização de procedimentos serem menos intensa por parte da
equipe de saúde.
A entrada no campo da pesquisa ocorreu após a aprovação do projeto pelo
CEP da Escola de Enfermagem “Magalhães Barata”, da Universidade do Estado do
Pará (Número do Parecer: 151.564 em 22/11/2012). Em seguida, entramos em
contato com a enfermeira responsável pela unidade hospitalar, com o objetivo de
identificar as participantes com diagnóstico confirmado de câncer de colo uterino.
Acompanhada pela enfermeira tivemos o primeiro contato com mulheres
57
previamente selecionadas de acordo com os critérios de inclusão, e após este
primeiro contato foi feito o convite para participarem do estudo. Neste momento
explicamos os objetivos do estudo e a leitura do TCLE, informando-as que as
entrevistas iriam ser gravadas em mídia digital, e a garantia do anonimato com
emprego de pseudônimo alfanumérico, e com a concordância em participar do
estudo, solicitamos a assinatura do TCLE.
A partir dessa etapa foi aprazada a entrevista conforme disponibilidade de
dia e horário da participante sem interromper sua rotina de tratamento; as
entrevistas foram concretizadas no consultório de enfermagem do 2º Departamento
de Câncer e do Núcleo de Acolhimento do Enfermo Egresso, garantindo assim a
privacidade e o conforto das mulheres no momento da coleta de dados. Essa
privacidade foi importante, principalmente pela abordagem subjetiva da coleta de
dados, que poderia resultar em longas conversas e originar riscos emocionais,
através dos sentimentos envolvidos nos relatos pessoais das mulheres. No entanto,
se no momento da entrevista houvesse mal estar e incômodo, seria interrompida a
entrevista com retomada ou afastamento definitivo da pesquisa.
Os sujeitos do estudo foram trinta (30) mulheres com o diagnóstico de
câncer de colo de útero. Padilha et al. (2007) ressaltam que o número de sujeitos
tem que ser representativo de um grupo, não podendo ser um número insignificante.
Os critérios de inclusão para a participação da entrevista foram mulheres
com confirmação de no mínimo 6 meses do diagnóstico de câncer de colo de útero;
em tratamento cirúrgico, quimioterápico e/ou radioterapia; conscientes orientadas no
tempo e no espaço e maiores de 18 anos. Não fizeram parte do estudo mulheres
com diagnóstico confirmado de câncer de colo de útero, mas que ainda não
iniciaram nenhum tratamento; menores de 18 anos; casos suspeitos de câncer de
colo de útero que estão sem confirmações por biópsia; inconscientes e
desorientadas no tempo e espaço e mulheres fora de possibilidades terapêuticas de
tratamentos atuais.
4.4. DESCRIÇÃO DA TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
A coleta de dados foi realizada por meio da técnica de entrevista semi
estruturada. Foi aplicado um instrumento organizado em duas partes: a primeira com
58
questões fechadas que abordam o perfil sócio cultural das entrevistadas, e a
segunda parte com quatro questões abertas fundamentados no Modelo Explicativo
(ME) proposto por Kleinman (1988), que procura explicar a enfermidade a partir de
questões como: o tempo e modo do início dos sintomas, o curso da doença, o
tratamento e problemas sociais.
Minayo (2011) enfatiza que a entrevista é a estratégia mais usada no
trabalho de campo, representando uma conversa a dois, ou entre vários
interlocutores, realizada por ação do pesquisador, objetivando a construção de
informações relacionadas para um objeto de pesquisa. A entrevista semi estruturada
combina perguntas fechadas e abertas, oportunizando o entrevistado a possibilidade
de falar sobre o tema em questão.
A entrevista versa numa modalidade em que o pesquisador pode direcionar
parcialmente os relatos dos depoentes para os objetivos do estudo, podendo este
direcionamento ser dado alternadamente pelo pesquisador, no entanto há
necessidade de flexibilidade que permita ao sujeito assumir o comando; permitindo
assim esta troca, uma melhor construção de ideias em exposição, favorecendo que
os objetivos do estudo sejam contemplados. Pois é necessário para que a entrevista
seja satisfatória, que o entrevistador elabore um planejamento mínimo baseado nos
principais pontos a serem abordados, ou seja, uma entrevista não estruturada
(TURATO, 2003; GASKELL, 2002).
Cada entrevista realizada, durou entre 30 minutos a 1 hora e 30 minutos e
nos permitiu captar as gesticulações, reações faciais e as emergências dos
sentimentos que emergiram durante a entrevista, sendo estes fundamentais para
investigarmos ainda, o cotidiano de sua vida, sua maneira de lidar com a doença,
suas dificuldades e expectativas.
4.5. O PROCESSO DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Para proceder à análise e interpretação dos dados foi utilizada a técnica de
análise de conteúdo; pelo fato de abranger um conjunto de estratégias, cujo objetivo
é a busca dos sentidos contidos no material coletado por meio de entrevistas,
métodos de análise verbal ou mensagens de comunicação visual, tendo por objetivo
descrever o fenômeno estudado (ELO; KYNGA, 2008; TURATO, 2003).
59
Contudo, o primeiro passo da análise foi a construção de um conjunto de
categorias descritivas, com unidades de significados, com base no referencial
teórico conceitual da antropologia da saúde, a partir da qual realizamos a primeira
distribuição metódica dos dados, após leituras sucessivas do material que
possibilitou a divisão em unidades de significados. A categorização analítica é a fase
de abstração em que extrapola os dados e tenta-se estabelecer conexões e relações
que possibilitem a novas explicações e interpretações.
Campos e Turato (2009) estabeleceram as seguintes etapas metodológicas
para a fase de análise de dados, tendo como fundamentação teórica para a análise
de estudos compreensivo-interpretativos, que são: 1ª Fase: Preparação e a préanálise que compreende a leitura flutuante para impregnar-se do conteúdo; 2ª Fase:
O processo de categorização dos assuntos por relevância; com a utilização do
raciocínio indutivo para análise e a 3ª Fase: Apresentação dos resultados por meio
das citações ilustrativas das falas para a discussão e interpretação do material.
Etapa 1 Preparação: É a fase em que ocorreu a transcrição das entrevistas,
exatamente como constam nos arquivos de áudio, seguida pela leitura flutuante do
material, entendida como um modo de escuta que não deve privilegiar nenhum dos
elementos discursivos a fim de entrar em contato com a estrutura, descobrir
orientações e registrar impressões sobre o texto.
Etapa 2 Processo de categorização: Compreendido como processo de
apresentação didático-científica dos resultados, referentes a realização da análise
de dados, pois procura dar ordenamento, de modo a tornar sua apresentação
aceitável para os padrões de compreensão do fenômeno. Pode-se entender
categoria como grandes enunciados que abarcam um número variável de temas,
segundo seu grau de intimidade ou proximidade, e que possam, através de sua
análise, exprimir significados importantes que atendam aos objetivos de estudo
criando novos conhecimentos.
Logo nesta etapa o material transcrito foi lido várias vezes, para apreensão
dos elementos contidos nas falas. Iniciou-se agrupando as falas por questões
levantadas. Após estudo aprofundado, relacionou-se as informações, marcando com
cores distintas as falas com características comuns, que se relacionavam entre si,
criando as codificações. Fez-se então um recorte das fala e as reagrupou-se
conforme as codificações criadas.
60
Etapa 3- Análise de conteúdo indutivo: A indução se materializa em
atitude mental por intermédio da qual, partindo-se de dados particulares, se infere
uma verdade geral ou universal, não contida apenas nas partes examinadas, e cujo
objetivo é apresentar conclusões generalizáveis. As abstrações teóricas se formam
e se consolidam a partir da discussão dos resultados, desde quando já são colhidos,
sendo que o pesquisador vai construindo a teoria do particular para o geral.
Os dados foram discutidos e interpretados à luz do referencial teórico do
estudo. Nessa etapa, tentou-se descobrir o conteúdo subjacente ao que estava
sendo manifesto, que foi discutido na apresentação dos resultados. A análise de
conteúdo possibilitou a organização dos dados das entrevistas.
4.6. ASPECTOS ÉTICOS.
O projeto foi enviado a Diretoria de Ensino e Pesquisa do Hospital Ophir
Loyola (HOL) e após aceitação do Hospital (ANEXO A) e na sequencia, ao Comitê
de Ética da Escola de Enfermagem “Magalhães Barata”, da Universidade do Estado
do Pará (UEPA).
De acordo com a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL,
1996), este foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem
“Magalhães Barata” da Universidade do Estado do Pará (UEPA) sob o processo Nº
151.564 em 22/11/2012 (ANEXO B).
As informantes foram 30 mulheres com o diagnóstico de câncer de colo de
útero. Aos participantes desta pesquisa foi garantido seu anonimato e sigilo com
relação a seus dados pessoais e identificação e também assegurado o livre direito,
de participar ou não da pesquisa, abandonando-a sem perdas de qualquer espécie,
sendo aplicado um termo de consentimento livre esclarecido (APÊNDICE-A), que
constavam os objetivos da pesquisa e as estratégias da mesma. As entrevistas
foram gravadas em mídia digital somente após autorização das entrevistadas e
assinatura do TCLE.
O primeiro encontro ocorreu com a Enfermeira responsável pelo 2º
Departamento de Câncer. Em seguida, apresentamos o estudo às mulheres e
novamente explicamos os objetivos do estudo, e do aceite em participar do mesmo,
entregamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e permitimos o tempo
61
necessário para leitura e assinatura e uma via foi entregue às informantes. Os
resultados foram identificados pelo sistema alfa numéricos.
62
CAPITULO 5
CONHECENDO O PERFIL SÓCIO CULTURAL DOS
SUJEITOS DA PESQUISA
63
CAPITULO 5 - CONHECENDO O PERFIL SÓCIO CULTURAL DOS SUJEITOS DA
PESQUISA
A antropologia tem dado importantes contribuições para a compreensão de
como vários fatores complexos se relacionam com a doença, especialmente o papel
do contexto social e cultural, ao qual têm destacado que variáveis como: classe
social, posição econômica, gênero, eventos de vida, crenças e práticas culturais
podem ser correlacionadas com a incidência e distribuição de certas doenças
(HELMAN, 2009).
Ainda para Helman (2009), a cultura em que nascemos ou na qual vivemos,
não é a única influência, ela é apenas uma de várias influências sobre as crenças e
os comportamentos relacionados à saúde, que incluem os fatores individuais (como
idade, gênero, aparência, personalidade, experiência e estado físico). Fatores
educacionais (como educação formal e informal, educação religiosa, étnica ou
profissional), fatores sócios econômicos (como pobreza, classe social, status
econômico, ocupação, redes de apoio social), fatores ambientais (como clima,
infraestrutura, moradia, estradas, pontes e serviços de saúde). Portanto, em
qualquer caso particular, todos esses fatores vão desempenhar algum papel, em
proporções diferentes, seja o comportamento determinado pela personalidade, pelo
status econômico ou pelas características do ambiente em que vivem.
O estudo fundamenta-se nos pressupostos da antropologia, ao qual a visão
moderna de cultura perpassa por considerá-la sempre dentro de seu contexto
particular. Composto de elementos históricos, econômicos, sociais, políticos,
geográficos, o que significa que a cultura de qualquer grupo de pessoas, em
qualquer ponto particular no tempo, é sempre influenciada por outros fatores, sendo
impossível isolar as crenças e comportamentos culturais do contexto social e
econômico em que eles ocorrem.
Dessa forma se fez necessário conhecer o contexto sócio cultural das
mulheres com câncer de colo de útero, para auxiliar-nos a uma melhor compreensão
da experiência da mulher com câncer no conceito da cultura, uma vez que
favorecerá a construção das características desse grupo do estudo.
64
TABELA 1- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com a idade, HOL – Belém - Pará – 2013.
IDADE
F
%
20- 30 ANOS
03
10,00
31- 40 ANOS
02
6,67
41-50 ANOS
09
30,00
51-60 ANOS
11
36,67
61-70 ANOS
04
13,33
71-80 ANOS
00
0
81-90 ANOS
01
3,33
TOTAL
30
100
A faixa etária entre mulheres variou de 20 a 90 anos, predominando 36,67%
(11) na faixa etária de 51 a 60 e 30% (09) na idade de 41 a 50 anos com o
diagnóstico de câncer de colo de útero no período do estudo. Estes dados
corroboram com os dados do INCA (2012) em que o câncer de colo de útero tem a
incidência maior na faixa etária entre 20 a 29 anos com risco aumentado na faixa
etária de 50 a 60 anos.
Os resultados da pesquisa de Zaponi e Melo (2010) destacam que a
ocorrência do câncer de colo de útero concentrou-se principalmente, em mulheres
acima dos 35 anos, a mortalidade prevaleceu na faixa etária de 45 a 64 anos de
idade; e ainda assinalaram que a região Norte possui a maior taxa de mortalidade
por câncer de colo de útero em relação às demais regiões, seguido da região
Nordeste e Centro Oeste.
É importante refletirmos que aproximadamente 40% das mulheres
encontram-se na fase da vida adulta, possuem filhos e são casadas, além disso,
essa faixa etária corresponde à fase da vida adulta do ser humano, ou seja,
geralmente o indivíduo encontra-se economicamente ativo para suas atividades
laborais, dessa forma este período de doença pode gerar grandes repercussões na
vida da mulher.
Jorge e Silva (2010) afirmam que a experiência da doença e tratamento em
toda a sua trajetória é vivenciada de forma particular por cada mulher e que a idade
da mulher acometida também influencia em sua adaptação e nas sequelas
biopsicossociais provocados pelo câncer.
65
TABELA 2- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com o tempo de diagnóstico, HOL – Belém - Pará – 2013.
TEMPO DE
F
%
DIAGNÓSTICO
6 MESES - 1 ANO
09
30
1 ANO 1MÊS - 2 ANOS
08
26,66
2 ANOS 1MÊS - 3 ANOS
02
6,67
3 ANOS 1 MÊS - 4 ANOS
02
6,67
4 ANOS 1 MÊS - 5 ANOS
04
13,33
5 ANOS 1 MÊS - 6 ANOS
01
3,33
6 ANOS 1 MÊS - 7 ANOS
02
6,67
7 ANOS 1 MÊS- 8 ANOS
00
0
8 ANOS 1 MÊS - 9 ANOS
00
0
9 ANOS 1 MÊS- 10 ANOS
02
6,67
TOTAL
30
100
Quanto o tempo de diagnóstico do câncer de colo de útero, variou entre 6
meses a 10 anos, predominando em 30% (09) das entrevistadas, o tempo de 6
meses a 1 ano. Percebemos que as mulheres do estudo possuem já um significativo
tempo de conhecimento sobre o diagnóstico, favorecendo assim o relato da
experiência de ter câncer.
Ressaltamos que não podemos afirmar a temporalidade da doença das
participantes do estudo, mas todas relataram um período longo da busca do
diagnóstico. O estudo de Vidal (2009) demonstra que o desenvolvimento do câncer
de colo de útero, se dá de maneira progressiva, iniciando com lesões leves
displásicas que evoluem para severas, e depois para carcinoma, e se não tratadas,
para o câncer invasivo cervical escamoso. O câncer pode ser silencioso e o tempo
de progressão para o desenvolvimento do tumor pode levar em média de 10 a 12
anos. Portanto, ocorre a necessidade de diagnóstico precoce e tratamento breve
para evitar progressão da doença e agravos à saúde da mulher.
TABELA 3- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com cor/raça, HOL – Belém - Pará – 2013.
COR/RAÇA
F
%
BRANCA
2
6,67
PARDA
15
50
NEGRA
13
43,33
TOTAL
30
100
66
Em relação à cor/raça 50% (15) das mulheres se autodesignaram parda e
43,33% (13) da cor/raça negra, é interessante ressaltarmos que atualmente a
literatura científica faz pouca referência à relação ao câncer de colo de útero e
cor/raça.
Thuler et al. (2012) ao descreverem o perfil das pacientes com câncer de
colo de útero no Brasil com base nos dados do DATASUS observaram que 77.317
casos de câncer de colo de útero, constatando que a média de idade ao diagnóstico
do câncer do colo do útero foi de 49,2 anos, sendo que 55,3% das pacientes
encontravam-se abaixo dos 50 anos de idade no momento do diagnóstico,
observou-se predomínio de mulheres de cor/raça parda (47,9%), com ensino
fundamental incompleto (49,0%) e casadas (51,5%), como constatado neste estudo,
ao qual a maioria das entrevistadas é casada e possui baixa escolaridade.
TABELA 4- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo com
o estado civil, HOL – Belém - Pará – 2013.
ESTADO CÍVIL
F
%
CASADA
10
33,33
SOLTEIRA
06
20
VIÚVA
04
13,33
DESQUITADO
00
0
VIVE MARITALMENTE
08
26,67
SEPARADA DE FATO
02
6,67
TOTAL
30
100
Quanto ao estado civil das mulheres 33,33% (10) eram casadas, e 26,67%
(08) viviam maritalmente. Podemos constatar que a maior parte das mulheres
acometidas por câncer de colo de útero é sexualmente ativa e referem possuir
parceiro sexual. O estudo realizado por Gomes (2003) sobre os fatores de risco para
o câncer de colo de útero entre mulheres com lesões cervicais por HPV mostrou que
60% das mulheres eram casadas ou viviam maritalmente em união consensual e
tinham parceiros fixos. Afirmando que a estabilidade conjugal pode conduzir as
esposas a maiores exposições a doenças sexualmente transmissíveis por confiarem
na fidelidade de seus parceiros, logo não fazendo uso de preservativos.
67
TABELA 5- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero de acordo
com o grau de escolaridade, HOL – Belém - Pará – 2013.
GRAU DE ESCOLARIDADE
F
%
ANALFABETO
ENSINO FUNDAMENTAL
Completo
Incompleto
ENSINO MÉDIO
Completo
Incompleto
ENSINO SUPERIOR
Completo
Incompleto
TOTAL
12
40
05
10
16,67
33,3
02
6,67
01
30
3,33
100
No que tange ao grau de instrução das entrevistadas não possui nenhum
grau de instrução representando 40% (12), enquanto 33,33% (10) possuem o ensino
fundamental incompleto, 6,67% (02) com o ensino médio incompleto e somente uma
mulher possui o ensino superior completo. Neste estudo a baixa escolaridade
representou um dos fatores de risco para câncer do colo do útero. A pesquisa
realizada por Medeiros (2005) na América Latina constatou que o risco de mulheres
serem acometidas por câncer cervical aumenta quando as mulheres possuem
nenhuma ou pouca escolaridade e baixo nível socioeconômico.
Já Peres (2007) identificou que as mulheres com baixo grau de instrução
têm maior risco de desenvolver câncer do colo uterino e, quanto menor o grau de
instrução, maior o risco do diagnóstico avançado.
TABELA 6- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
ocupação, HOL – Belém - Pará – 2013.
OCUPAÇÃO
F
%
PROFESSORA
01
3,33
DO LAR
09
30
OPERÁRIA
01
3,33
AGRICULTORA
16
53,35
LAVADEIRA
01
3,33
PESCADORA
01
3,33
SERVENTE
01
3,33
TOTAL
30
100
No que tange a ocupação 53,35%, (16) eram agricultoras e 30% (09) tem
como ocupação do lar. É importante destacarmos que 53,35% das mulheres
68
entrevistadas possuem uma ocupação formal e como mulheres desempenham papel
de mãe e contribuem na economia familiar. Logo, a ocorrência da doença em
qualquer fase da vida pode implicar numa desestabilização da vida cotidiana a qual
será necessária uma reordenação das atividades tanto no âmbito profissional quanto
familiar.
Jorge e Silva (2010) mencionam que dependendo do ciclo de vida da
mulher, sua atividade e planejamentos, como em relação à família e ao trabalho, são
totalmente afetados, destacando-se principalmente a feminilidade e a autoestima em
mulheres mais jovens.
TABELA 7- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
vícios de tabagismo, etilismo e drogas ilícitas, HOL – Belém - Pará – 2013.
VÍCIOS
F
%
TABAGISMO
Sim
01
3,33
Não
11
36,67
Ex
18
60
TOTAL
30
100
ETILISTA
Sim
02
6,67
Não
22
73,33
Ex
06
20
TOTAL
30
100
DROGADITA
Sim
02
6,67
Não
28
93,33
Ex
TOTAL
30
100
Quanto aos fatores de risco associados ao uso de tabaco, álcool e drogas,
das entrevistadas 60% (18) já tiveram contato com o tabaco, e 20% (06) fizeram uso
do álcool em alguma fase da vida. As investigações realizadas enfatizam que as
mulheres que possuem maiores riscos para desenvolverem câncer de colo de útero
são as mulheres sexualmente ativas, que possuem múltiplos parceiros, nível
socioeconômico baixo e fazem uso de tabaco (diretamente relacionado ao número
de cigarros diário), álcool e imunossupressão.
69
TABELA 8- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
renda mensal, HOL – Belém - Pará – 2013.
RENDA MENSAL
F
%
MENOS DE 1 SALÁRIO
06
20
1 SALÁRIO
21
70
2 SALÁRIOS
03
10
MAIS DE 2 SALÁRIOS
TOTAL
30
100
A renda familiar das entrevistadas 70% (21) mantém a família e seus gastos
com o tratamento com um salário mínimo. É importante analisarmos estes dados,
pois viver com uma renda mínima pode gerar diversas dificuldades em aderir ao
tratamento e segui-lo, fator que poderá contribuir para o agravamento da doença.
Os estudos têm apontado a associação entre o nível de escolaridade e
condição socioeconômica como uma característica de todas as regiões do mundo,
para o desenvolvimento do câncer de colo de útero.
TABELA 9- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto
religião, HOL – Belém - Pará – 2013.
RELIGIÃO
F
%
CATÓLICA
15
50
EVANGÉLICA
15
50
Assembleia de Deus
14
Pentecostal
01
OUTRAS
TOTAL
30
100
No estudo com relação à religião aconteceu um equilíbrio, 50% (15) das
entrevistadas seguem a religião católica e 50% (15) são evangélicas. Apreendemos
que a identificação da pessoa com alguma religião facilitará a aceitação da doença tratamento e contribuirá para o aumento da esperança da cura.
Jarros (2008) em seu estudo apreendeu que a espiritualidade como um
conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material, remetendo a
questões como o significado e sentido da vida, não nos limitando a qualquer tipo
específico de crença ou prática religiosa, pode representar uma importante fonte de
conforto e suporte às pessoas durante o período de sofrimento, gerando-lhe
serenidade para enfrentar as adversidades da doença.
A fé em Deus é um dos sentimentos enraizados em nossa cultura e esta, é
tão necessária quanto os outros modos de enfrentamento da doença. Portanto, a
70
dimensão espiritual ocupa um lugar em destaque na vida do ser humano, dessa
forma, torna-se indispensável ao planejamento do cuidado de enfermagem conhecer
sobre a espiritualidade dos pacientes.
TABELA 10- Distribuição das mulheres com câncer de colo de útero quanto o
inicio da atividade sexual, HOL – Belém - Pará – 2013
INÍCIO DA ATIVIDADE SEXUAL
F
%
12 ANOS
02
6,67
13 ANOS
04
13,33
14 ANOS
04
13,33
15 ANOS
02
6,67
16 ANOS
07
23,33
17 ANOS
01
3,33
18 ANOS
03
10
19 ANOS
02
6,67
20 ANOS
02
6,67
Não soube informar
03
10
TOTAL
30
100
No que tange ao início da relação sexual 23,33% (07) das mulheres
entrevistadas iniciaram a atividade sexual entre 13 a 16 anos, sendo que em média
iniciaram a atividade sexual aos dezesseis anos. A precocidade das relações
sexuais é fator de risco para o câncer de colo de útero, no estudo de Leitão et al.
(2008) o fator de risco precocidade das relações sexuais esteve presente em 75,3%
das mulheres, revelando uma tendência da sociedade atual de iniciar precocemente
a atividade sexual favorecendo o surgimento e aumento do câncer de colo de útero.
É de suma importância a caracterização do perfil sociocultural das mulheres
com câncer de colo de útero, pois possibilitou o conhecimento do ambiente
sociocultural em que estão inseridas. Por intermédio do conhecimento deste cenário
a enfermagem poderá prestar um cuidado compatível com as necessidades da
mulher e acessível a todas as realidades envolvidas no contexto da região Norte.
Em síntese, a faixa etária majoritária das mulheres sujeitos deste estudo foi
de 51 a 60 anos, a maioria com tempo de diagnóstico de 6 meses a 1 ano, 33,33%
são casadas, 40% são analfabetas, 70% possuem renda familiar de 1 salário
mínimo, 53,35% exerciam atividades laborais na agricultura, ou seja, contribuíam
para a renda familiar.
71
CAPITULO 6
RESULTADOS E DISCUSSÃO
72
CAPITULO 6 - RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste capítulo, apresentamos os resultados do estudo e a análise dos
resultados fundamentadas na Antropologia da saúde, a partir da identificação de
como as mulheres com câncer de colo de útero constroem a experiência do
diagnóstico ao tratamento, integrando-os em sentidos socialmente construídos. As
respostas originaram 02 categorias, sendo uma relacionada ao diagnóstico do
câncer e a outra sobre o tratamento do câncer de colo de útero, o que pode ser
visualizado no quadro a baixo.
A experiência da mulher
com câncer de colo de útero
O DIAGNÓSTICO
Identificando as
alterações corporais
Os sentidos dados
pelas mulheres que
experienciaram o
câncer do colo do útero
A Trajetória para
diagnóstico do câncer do
colo do útero
Aceitação do Diagnóstico
Reconstruindo
valores após o
diagnóstico
O TRATAMENTO
Dificuldades em
busca de
assistência
Crenças no
tratamento informal
e popular
O apoio recebido
Mudanças no
decorrer do
tratamento do
câncer
Quadro 2 - Esquema das categorias e subcategorias da experiência da mulher com câncer de colo
de útero
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
73
6.1 O DIAGNÓSTICO.
Estudiosos ressaltam a influência que a semiologia popular e as concepções
culturais exercem sobre os comportamentos adotados frente às doenças
(LANGDON, 2003; HELMAN, 2009).
As concepções do que constitui saúde e doença variam entre indivíduos,
famílias, grupos culturais e classes sociais. Neste enfoque, o comportamento de
uma população frente a problemas de saúde, abrangendo o uso dos serviços de
saúde disponíveis, é construído a partir de universos sócio-culturais específicos, no
qual os significados das experiências são formulados com base na percepção que
cada um tem de si mesmo, nas percepções dos outros ou em ambas as percepções.
Definir-se como doente geralmente segue uma série de experiências individuais
como: alterações percebidas no corpo, alterações nas funções orgânicas e dos
membros, sintomas físicos desagradáveis, estados emocionais alterados, alterações
comportamentais e experiências espirituais (HELMAN, 2009).
Langdon (2003) completa o axioma, dizendo que o adoecer é um processo
permeado por uma sequência de eventos e o entendimento de sua percepção e
significado exige o acompanhamento de todo o evento da doença. E a doença como
processo não é um momento único nem uma categoria fixa, mas uma sequência de
eventos que tem dois objetivos pelos atores um de entender o sofrimento para
organizar a experiência vivida e outro se possível aliviar o sofrimento; visando
compreender melhor este evento, analisamos os sentidos do processo de adoecer.
6.1.1 Identificando as alterações corporais
A doença como processo segundo Langdon (1995) caracteriza-se pelo
reconhecimento dos sintomas da doença, o diagnóstico e a escolha do tratamento e
a avaliação do tratamento. No reconhecimento dos sintomas, os eventos iniciam
com o reconhecimento do estado de doença baseado nos sinais que indicam que o
todo não vai bem. Cada cultura reconhece sinais diferentes que indicam a presença
de doença, o prognóstico, e possíveis causas, e estes sinais, em várias culturas, não
são restringidos ao corpo ou sintomas corporais.
A identificação das alterações corporais e escolha de tratamento ocorrem
uma vez que o estado de sofrimento é reconhecido como doença, começa-se a
74
instituir o processo diagnóstico para que o doente e as pessoas envolvidas possam
decidir o que fazer neste momento inicial, normalmente acontece dentro do contexto
familiar.
A forma de apresentação de uma enfermidade é determinada na maioria das
ocasiões, tanto pelos significados dados aos sintomas da enfermidade, quanto à
resposta emocional dada a eles, são influenciados pela sua própria origem e
personalidade, bem como pelo contexto cultural, social e econômico no qual os
sintomas surgiram. É por meio desses fatores que os indivíduos determinam quais
sinais ou sintomas são percebidos como normais ou anormais (HELMAN, 2009).
Salci e Marcon (2009) consideram que antes de vivenciar a adversidade de
uma doença, a pessoa passa por etapas que precedem o conhecimento de seu
diagnóstico, e dependendo do significado de doença que a pessoa desenvolveu ao
longo da vida, poderá agir de maneira rápida no sentido de esclarecer suas dúvidas
buscando a descoberta da doença ou poderá retardar o processo.
Enquanto para Quartilho (2001) a expectativa do doente possui analogia
direta com a sua experiência individual e interpretações sobre a origem e o
significado dos sintomas no contexto da sua vida social.
Assim, as mudanças percebidas no corpo são explicadas com base na
construção cultural e estas moldam as mudanças físicas e emocionais,
emoldurando-se dentro de um padrão identificável, tanto para a pessoa doente como
para aqueles que o cercam. O reconhecimento dos padrões resultantes dos sinais e
sintomas é denominado de perturbações, que é uma resposta subjetiva de um
individuo e daqueles que o circundam, sendo a forma como a pessoa doente e os
demais interpretam a origem e o significado do evento, representando o primeiro
estágio do adoecimento (HELMAN, 2009).
Ainda de acordo com Helman a definição dos sintomas no processo de
adoecer depende do quanto este é considerado comum e de que forma se encaixa
nos principais valores de uma sociedade ou grupo, ou seja, a mesma doença ou o
mesmo sintoma podem ser interpretados de modos múltiplos por indivíduos de
diferentes culturas ou origens sociais e em diferentes situações.
Neste estudo, a presença da dor, sangramentos, dor ao manter relação
sexual, foi o sinal considerado como uma perturbação, a qual a maior parte das
mulheres detectou que algo se encontrava modificado em seu corpo.
75
“Só fiz o preventivo por que eu estava sentindo dor quando urinava,
e vinha um pouquinho de sangue, aí me preocupei, quando
sangrava, falei para minha filha ela falou para eu ir ao médico [...]
(A1)
“[...] ia ao médico fazia o preventivo e o Doutora sempre falava que
era inflamação, passava pomada, e foi indo, quando eu andava de
bicicleta, vinha àquela dor no pé da barriga, eu pensava isso não tá
certo não [...]” (A4)
“Faz dois anos que estou doente, primeiro comecei a sentir
hemorragia, fui para o posto que me levavam, me diziam que era
problema de menopausa [...]” (A6)
“Começou no dia 28 de agosto de 2010, apresentou um
sangramento, tava com 28 anos que eu não menstruava mais, ai
apareceu esse sangramento, então eu achei que não era certo [...]”
(A18)
“Começou, quando eu fui manter relação com o meu marido e
sangrou muito, já tinha quatro anos que eu tomava preservativo,
então me assustei, por que não estava na época de descer minha
menstruação, eu já me apavorei com aquilo [...] fiz o preventivo com
a enfermeira, demorou muito o resultado, não deu nada, só que eu
continuei a sentir os sintomas, o sangramento se agravou mais
[...]”(A23)
O processo de descoberta da doença teve início quando a mulher detectou
que algo se encontrava modificado em seu corpo. E quando ela percebeu as
alterações, automaticamente fez suposições, sendo esse momento vivenciado de
modo muito particular por cada uma. Representando uma etapa importante, pois,
para diferentes tipos de câncer, a atitude tomada na ocasião do aparecimento dos
sintomas determinará o sucesso do tratamento (SALCI; MARCON, 2009).
Os sinais e sintomas apresentados pelas mulheres corroboram com a
literatura, uma vez que o câncer do colo do útero, no estágio inicial, pode ser
assintomático, tendo como sinal mais comum a perda sanguínea espontânea ou
induzida, com corrimento fétido aquoso comumente de cor rósea e constante. A
progressão da doença leva ao aparecimento de outros sintomas como disúria,
polaciúria, incontinência urinária, enterorragia, tenesmo, dor lombar e edema de
membros inferiores. A progressão da doença em evolução gera complicações como
fístulas, linfoedema de membros inferiores, compressão de vias urinárias e
intestinais além das alterações psicossociais (INCA, 2008).
76
Para diferentes grupos de pessoas os sinais e sintomas das doenças por
natureza não são claros e podem ser interpretados de diferentes formas pelas
pessoas, mesmo que as pessoas compartilhem o mesmo conhecimento, entre os
membros de um grupo, nem todos possuem o mesmo conhecimento, devido a
vários fatores como idade, sexo, papel social e redes sociais (LANGDON, 1995).
Assim, Langdon (2003) nos ajuda a compreender que a doença não é um
mero distúrbio físico, ela é um processo e uma experiência. O primeiro passo para
caracterizá-lo como processo é o reconhecimento dos sintomas, ou seja, os eventos
que indicam que o corpo não vai bem. Consequentemente, a doença passa a ser
determinada como experiência, quando é entendida como um processo individual
construído por conhecimentos, percepções e práticas historicamente aprendidas nos
contextos socioculturais.
Portanto, o sinal indicador de doença depende de cada pessoa e dos seus
conhecimentos
culturais.
Nos
relatos
também
foram
evidenciadas
outras
perturbações que as levaram a buscar a assistência médica.
“[...] comecei a sentir o problema na minha barriga tocava e sentia
um peso, começou com a minha barriga crescendo, eu tinha dor, eu
fazia relação e o sangue vinha, eu não pude mais fazer relação, ai
que eu fui me tratar [...]” (A3)
“Eu senti um ressecamento, aquela privação de vento, aquela
vontade de ir ao banheiro, e nada, e ia para o banheiro e vinha
aquela força que ficava até com medo, ai comecei a desconfiar, me
perguntava, meu Deus o que é isso?, até que um dia veio um pingo
de sangue, só um pingo mesmo, acho que Deus mandou um sinal,
não menstruava mais, ai fiquei me perguntando, isso é coisa séria
[...]” (A5)
“Começou dando febre, com vômito, não queria comer, nada ficava
bem no estômago, fui procurar o médico [...]” (A11)
“Começou uma coceira ai sempre usava uma pomada vaginal, eu
mesmo comprei, quando foi de tarde começou a sangrar, falei esse
negócio não tá certo não [...]” (A25)
“Começou com tontura, dor de cabeça, dor nas pernas e dor no
corpo, ai eu urinava e doía, fiz o exame preventivo ai deu [...]” (A28)
77
Observa-se nos relatos que as mulheres ao apresentarem sinais de
alterações corporais como dor, febre, cansaço, náuseas e vômitos esses sinais
deram sentidos à percepção que havia algo alterado com a saúde, as levando a
procura da assistência médica.
Segundo Helman (2009) em um nível individual, o processo de definir a si
mesmo como “doente”, pode basear-se nas percepções individuais e nas
percepções de outros e definir-se como doente segue uma série de experiências
subjetivas.
Portanto, o processo de “adoecer” envolve tanto experiências subjetivas de
alterações físicas e emocionais quanto à confirmação das alterações por outras
pessoas. Na maioria dos casos, as mulheres não suspeitavam do câncer, mas o
processo de busca do diagnóstico ocorreu a partir da percepção da alteração
corporal com o aparecimento de sintomas físicos.
Assim, para este estudo, a iniciativa de procurar assistência médica
dependeu das percepções do que é normal e anormal em relação aos sinais e
sintomas. Helman (2009) cita intenções que a pessoa considera para buscar auxilio
médico que são: o desencadeante de uma crise emocional, interferências nos
relacionamentos pessoais, interferência percebida no funcionamento físico e laboral
e estabelecimento de critérios de tempo; no entanto, na maioria dos casos das
entrevistadas, somente o aumento da incapacidade física ou a persuasão de outras
pessoas as levaram a buscar ajuda médica.
6.1.2 A Trajetória para diagnóstico do câncer do colo do útero
Os estudos têm mostrado a influência que exercem os universos sócioculturais sobre o uso dos serviços de saúde. A formação de valores culturais pode
ser decorrente de diversas situações vividas, que foram assimiladas de acordo com
a experiência de cada um e influenciam individualmente o modo como cada pessoa
vive a situação da busca pelo sistema de saúde (SILVA, 2005; ANJOS, 2005).
As entrevistadas relataram que a maior dificuldade na busca por assistência
à saúde, ocorreu em função do processo de acessibilidade ao sistema de saúde. Em
alguns relatos notamos a falta de experiência dos profissionais de saúde e as
dificuldades dos mesmos para definir os diagnósticos, assim como as condições
socioeconômicas que impedem as mulheres de buscarem pelo serviço de saúde, e
78
precariedade do sistema de saúde que não oferece recursos para um diagnóstico
precoce dos problemas de saúde.
“[...] o atendimento pelo SUS, é difícil a gente conseguir, eu mesmo,
infelizmente, tive que passar de 4 a 5 meses para conseguir, a
chegar a uma consulta com o médico, tem essa dificuldade também
para a gente.” (A2)
“[...] fiz a biópsia que acusou câncer de útero, antes disso só vivia no
nada, que não andava para lugar nenhum, tomava remédio para
parar o sangramento e não adiantava nada, o médico dizia que era
da menopausa [...]” (A4)
“[...] depois do resultado a gente foi que se virou para vim para cá,
eles não mandaram procurar fulano, nem sicrano, nem mandaram
fazer operação não, só falaram você tem que operar, assim que eles
falaram, por que aqui não tem aparelho, tá faltando tudo [...] para eu
vim para o Ofir Loyola ninguém me encaminhou, ninguém me
mandou, o médico não conversa com agente, ele faz a operação, só
faz anotar tudo e manda no mundo, para vim para cá, a colega da
minha filha que informou que a gente tinha que vim para cá [...]” (A5)
“[...] o médico fez o toque e falou que não era nada, que não tinha
problema não, por que o sangue era muito raso, me aplicaram lá
umas cinco injeções e retornei para casa, fui ao médico no postinho,
e falei, doutora tenho 61 anos e estou menstruando todos os dias,
ela não me disse nada, nunca me respondeu nada, andei para lá,
setembro, outubro, novembro, quando foi em novembro que ela
passou para eu procurar outro médico [...], fui ao outro postinho, não
tinha médico, o médico estava de férias, fui para a cidade nova,
também não tinha médico [...]” (A10)
“[...] o Doutor pediu uma transvaginal, e não deu nada, e falei para
ele, como não é nada se tem esse sangramento todos os dias; não
sinto dor, mas tem esse sangramento constante, ele pediu um
preventivo, eu fiz e também não deu nada, e disse para ele não é
certo esse negócio, chegou até o ponto de eu discutir com ele, [...]
ele pediu outro preventivo, e quando chegou o resultado mostrando
que estava com inicio no útero [...]” (A18)
Este quadro que se apresenta no dia a dia dos serviços de saúde, é
declarado pela incerteza dos pacientes em relação ao atendimento oferecido, e pela
dificuldade operacional dos profissionais de saúde em diagnosticar o câncer de colo
de útero. Estudos têm ressaltado que as organizações de saúde são compostas por
79
departamentos isolados que ditam regras e normas dificultando o acesso dos
pacientes aos serviços de saúde, favorecendo o isolamento e o desentrosamento
entre os profissionais, resultando na fragmentação do cuidado.
O câncer do colo do útero é considerado um problema de saúde pública,
embora, aparentemente, não sejam tomadas por parte das autoridades, atitudes que
realmente permitam a reversão do quadro. No estudo de Silva et al. (2010)
desenvolvido no Estado do Pará, ressaltam que o número elevado de mulheres
acometidas pelo câncer do colo do útero ocorre principalmente nos municípios do
interior do Estado por motivos de faltas de profissionais qualificados, falta de
materiais para coleta de PCCU e a retardação e pouca eficiência da atenção
primária à saúde.
Nesta situação, mudanças operacionais constantes nos serviços de saúde,
dificuldades de acesso ao diagnóstico e atendimento estão presentes nos
depoimentos das entrevistadas, gerando conflitos internos, tensões, choros e
angústias. As pacientes também relataram a insatisfação com o tipo de assistência
oferecida, evidenciando a precariedade do sistema de saúde.
“[...] paguei os exames e tudo por que não queria esperar, por que
demora muito, marca a consulta, ai você vai fazer o exame, para
receber o resultado, ai demora muito, só sei que eles mentem muito,
por que acontecem os casos, comigo já aconteceu, não posso
afirmar de eles não acertarem diagnosticar o paciente, [...] ai paguei
uma consulta, daí ela fez o preventivo, e me falou, - os anos de
experiência que eu tenho, eu acredito que tu esta com câncer, [...]
quando eu sai da clínica eu já fui arrumar minha viagem para
Teresina, fui operada logo após uns dois dias, fiz a cirurgia, foi tudo
particular, lá eles não atendem o SUS, gastei cerca de 10 mil reais
[...]” (A8)
“[...] quando fui fazer o exame, o médico ainda fez uma brincadeira, e
falou: você vai ver quantos meses você ta “buchuda”, quando ele
colocou o aparelho, veio muito sangue, que até ele ficou admirado,e
falou, ele perguntou,- isso é de hoje?,vá ao seu médico e entregue
ontem esse resultado, retornei lá e não fui atendida, no outro dia
também não fui atendida, no terceiro dia a enfermeira falou vem
amanhã que lhe encaixo, fui no outro dia e conseguir, quando
cheguei lá o médico pegou o papel, de cabeça baixa, falou mesmo
assim, -por isso vocês mulheres morrem de câncer, vocês não se
cuidam, ele não olhou nem para a minha cara [...] primeiro nos fomos
para Teresina, em janeiro,[...] tudo certo, para eu começar o
80
tratamento, só faltava o SUS aceitar, quando chegou lá na hora do
SUS não aceitou, por que eu era de outro Estado [...]"
“[...] fiz exames e não acusou nada, o Doutor falou que eu não tinha
nada, que nem inflamação eu tinha, que eu era muito mole, ele me
examinou e fez o toque e falou que eu não tinha nada, que era só
manha, com esse toque eu passei 3 dias de cama e me deu
hemorragia [...]” (A 14)
Infelizmente, constata-se que muitas mulheres ainda, só procuram
assistência à saúde quando já se encontram doentes, pois em nosso país não se
costuma trabalhar a prevenção de doenças, tem-se o enfoque mais voltado para o
tratamento e não a prevenção por influência do modelo biomédico (SILVA et al.,
2010).
Este fato observado nos relatos das mulheres que alguns profissionais, além
de estarem despreparados para fazer um diagnóstico de câncer, acabam por
negligenciar o fato diante de uma alteração no corpo da mulher. De acordo com
Kleinmam (1988) a visão médica ocidental moderna da realidade clínica, presume
que as preocupações biológicas são mais básicas, reais, clinicamente significativas
e mais interessantes do que os aspectos psicológicos e socioculturais.
Maruyama (2004) explana que o desenvolvimento da ciência médica
negligenciou o sujeito e a sua história, o considerando apenas como um mecanismo
corporal, isolando o corpo em sua anatomia e fisiologia, colocando o doente passivo
frente ao tratamento recebido. Questões estas explicadas pelas entrevistadas em
relação à demora para o atendimento e o modo de atendimento.
Os estudos têm referido que a demora no atendimento, as dificuldades para
chegar aos serviços de saúde são situações que levam a insatisfação, gerando uma
imagem negativa da opinião pública. Zapponi e Melo (2010) em sua pesquisa sobre
a mortalidade por câncer do colo do útero nas regiões brasileiras mostrou-nos que a
mortalidade apresentou variações entre as regiões, com reflexo indireto na
incidência e diretamente relacionado com acesso aos serviços de saúde. E, que
disponibilidade e a qualidade dos serviços de saúde influenciam diretamente na
sobrevida dos pacientes diminuindo-a ou aumentando-a de acordo com o acesso
aos serviços de saúde. Nesta perspectiva, os serviços de saúde podem ser
considerados como um fator adicional de estresse sobre a paciente, devido à
organização ineficiente dos serviços.
81
Helman (2009) enfatiza que a busca pelo sistema de saúde pode ser
influenciada pelo contexto em que ocorrem, dependendo das circunstâncias sociais
e econômicas particulares da vida de cada um, do auxilio que está disponível, da
necessidade ou não de pagar pelos serviços de saúde. Considerando que a renda
familiar das mulheres do estudo foi de um (1) salário mínimo, além das dificuldades
de acesso aos serviços de saúde, a questão de ordem financeira é preocupante,
pois se apresenta como uma barreira para ter acesso ao serviço de saúde, em
virtude da mesma procurar o serviço de saúde privado, ou seja, paga-se pelos
serviços para solucionar mais rapidamente os problemas de saúde.
Na visão de Kleinmam (1980) a busca pelos serviços de saúde, não ocorre
de forma aleatória e sem lógica, é pensado, analisado e decidido após um ir e vir de
considerações, para que se possa então ser definido o caminho terapêutico a ser
seguido. As escolhas se dão mediante os sinais de perturbações, as crenças
etiológicas, e a forma como o doente a interpreta e a disponibilidade de recursos.
A partir da Constituição Brasileira de 1988, que trouxe uma seção específica
para a saúde, vinculando-a como um direito do cidadão e dever do Estado, o
cidadão passou a ter acesso pleno aos serviços de saúde, independente de sua
renda, apesar de várias críticas ao sistema, ele prossegue com a busca da
construção de um serviço de assistência universal à saúde na periferia do
capitalismo, num país populoso, marcado pela desigualdade social. Porém, percebese que sua operacionalização precisa valorizar o conhecimento dos diferentes
grupos sociais que o atende, implementando programas a partir do conhecimento da
população que se pretende cuidar (SILVA et al., 2010).
Dessa forma, a busca pelos serviços de saúde, explanadas pelas mulheres
do estudo, refletem as dificuldades constantes em vários serviços de atendimento da
saúde, reforçando a dificuldade de acesso aos serviços, pouca resolubilidade dos
problemas, assim como a fragmentação e falta de humanismo na assistência
prestada.
6.1.3 Os sentidos dados pelas mulheres que experienciaram o câncer do colo
do útero
O câncer de colo uterino é considerado umas das doenças mais graves que
acomete as mulheres. A palavra câncer vem do latim que significa caranguejo. Esse
nome está relacionado à semelhança entre as pernas do crustáceo e os tentáculos
82
do tumor, que se infiltram nos tecidos sadios do corpo. Os tumores ocorrem quando
algumas células de um organismo multiplicam-se de forma descontrolada devido a
uma anormalidade (BIAGGI; CHIATTONE, 1998).
O dia a dia da pessoa com câncer e sua realidade levam a diferentes
interpretações, formadas individualmente, à medida que se constrói um mundo
lógico. Assim, falar do significado do câncer remete a cultura ao qual está inserida a
pessoa, que admite compreender que a realidade de suas vidas se organiza ao
redor de crenças, valores, conceitos vividos e construídos no senso comum. Ao
pensarem e explanarem sobre o assunto procura interpretar eventos anteriores para
explicarem o processo de doença, em acordo com elementos do conhecimento
popular e da medicina (KLEINMAM, 1988).
Em todas as sociedades, o corpo humano tem uma realidade social além da
física, e cada ser humano tem, em um sentido simbólico, dois corpos; um eu
corporal individual (tanto físico quanto psicológico) adquirido ao nascer, e um corpo
social, necessário para se viver dentro de uma dada sociedade e grupo social. O
corpo é essencial para a imagem corporal, pois fornece a cada pessoa uma moldura
para perceber e interpretar as experiências físicas e psicológicas, sendo também o
meio pela qual o funcionamento físico dos indivíduos sofre influencia e é controlado
pela sociedade em que vive ao qual esta sociedade exerce um controle sobre os
aspectos do corpo individual como seu comportamento na doença e na saúde
(HELMAN, 2009).
Ter câncer, por ser um acontecimento de múltiplas faces, ao qual nem
sempre são consideradas em seu conjunto, é imaginado de diferentes maneiras,
mas fortemente ligado ao senso comum do imaginário das pessoas, ás crenças
sobre a natureza moral da saúde, da enfermidade e do sofrimento humano. Dessa
forma as pessoas trazem consigo uma cadeia de associações, que muitas vezes
interferem na maneira como entendem a sua condição e como os outros agem em
relação a elas (HELMAN, 2009)
A definição de situações como problemas de saúde ou não depende de
como a pessoa vivencia as situações, por sua vez estes fatos são ligados ao
cotidiano, as suas crenças e valores. Estudos em relação ao câncer têm descrito as
inúmeras fantasias e metáforas que os associam ao sofrimento, dor e morte.
83
No estudo de Silva et al. (2010) desenvolvido no município de Belém sobre a
representação do PCCU, constatou que as depoentes reconheceram que o câncer
do colo uterino é uma doença tratável se cuidada logo no início e algumas mulheres
referiram que o mesmo é uma ferida que vai evoluindo de tal forma que, se não for
tratada, não tem mais possibilidade de cura.
Apesar dos avanços tecnológicos o diagnóstico de câncer está estritamente
relacionado ao medo da morte, existe no senso comum o estigma de que a pessoa
com câncer está condenada a morrer, pois mesmo que haja um bom prognóstico
para a doença o impacto emocional dessa correlação é imperante (GONÇALVES et
al., 2007).
Detectou-se nas falas das entrevistadas, que o acontecimento da doença em
suas vidas acarretou profundo impacto emocional, pois a experiência de ter câncer,
e as repercussões dessa experiência na vida dessas mulheres, além de provocar o
medo da morte como algo que possa ocorrer, foi percebido essa experiência como
um momento de sofrimento, agonia, “de perda do chão”, medo, mediado pelos
sentidos atribuídos à doença e a visão do mundo adquirido no decorrer da vida.
“Quando comecei o tratamento, o médico falou que eu estava com
começo, fiquei com muito medo, fiquei nervosa, por que todo ser
humano, por mais que a gente saiba que tem um Deus, na hora a
gente fracassa um pouco, tinha noite que nem dormia, ficava
preocupada, não vou mentir não eu me desesperei, pensei que ia
morrer [...]” (A1)
“[...] fiquei assustada, fiquei com medo, por que não sabia o que era,
fiquei assim impressionada da cabeça, não dormia, minha pressão
subiu ligeiro, fazia doer meu juízo, quando me perguntavam,
começava a chorar, por que eu não entendia os problemas em mim,
não falei para ninguém, fiquei na minha, pensava que não ia me
prejudicar para frente essas coisas [...]” (A7)
“[...] eu queria saber que doença era aquela, que problema era
aquele, [...] vim embora, no meio da viagem me dava mal estar, uma
agonia tão ruim, uma vontade de ir falar para o motorista para me
largar no mato, morrer no meio do mato, sofri muito, (choro) quando
cheguei a casa, me joguei na cama e chorei muito, cheguei com
aquela agonia tão ruim [...]” (A10)
“Quando soube do diagnóstico, eu fiquei sem chão, fiquei com muito
medo, pensei que ia morrer todo mundo fala que quem tem esse
problema vai morrer e não sara [...]” (A12)
84
“[...] quando eu adoeci, eu era muito nova, só tinha 23 anos, os meus
filhos também, então para mim, quando eu recebi esse diagnóstico,
faltou o chão para mim, por que a gente quando é mãe, a gente é
muito protetora, a gente quer esta muito perto, principalmente
quando os filhos são pequenos, então para mim é muito difícil [...]”
(A23)
“[...] a gente fica aflita quando recebe uma notícia dessa, pensei que
era o fim do mundo [...]” (A27)
Foi observado que muitas mulheres recebem o diagnóstico de câncer de
colo do útero como se recebessem uma sentença de morte, porque o câncer para
muitas está relacionado à morte. Atualmente sabemos que se ele for detectado em
seus estágios iniciais pode ser eliminado, pois hoje a medicina já está bem evoluída
com relação ao tratamento do câncer, adotando para cada caso um tipo de
tratamento, dependendo do estágio da doença e das condições clínicas da paciente.
Assim, em consonância com outros estudos sobre a temática do câncer, mesmo
com os avanços técnico-científicos com o aumento da expectativa de vida desses
pacientes, ainda é frequente encontrar uma concepção negativa sobre o câncer.
No estudo de Oliveira e Gomes (2008) em relação à estrutura
representacional do câncer, constatou-se que vários são os sentimentos vivenciados
pelo paciente frente ao diagnóstico, como a dor emocional, o sofrimento e a
objetivação de um fenômeno amplamente rejeitado como a própria morte, ocorrendo
simultaneamente sentimentos de susto, negação, não aceitação, desespero,
tristeza, transformando o momento do diagnóstico em sofrimento.
Portanto, neste contexto, o câncer traz inicialmente a imagem da doença
sem cura, geradora de dor e que poderá levar à morte, sendo uma doença
carregada de estigmas, que transmite a ideia de que o câncer é algo não pensado,
considerado uma doença do outro (SILVA, 2005).
Para Cascais (2008) o câncer continua a ser uma das doenças que mais
provoca medo na sociedade moderna, em razão de suas representações de morte,
dor e sofrimento, o que pode ser consequência das elevadas taxas de mortalidade e
morbidade tão características dessa patologia, que se propagam através dos órgãos
de comunicação social levando à perpetuação dessas imagens.
Assim, o senso comum considera o câncer como uma das doenças mais
temidas pela humanidade, gerando medo, angústias e desespero, e ainda nos dias
atuais apesar dos avanços tecnológicos ainda é vista como processo irreversível
85
como uma sentença de morte (SILVA, 2008). Desta forma, entender como o câncer
é percebido pelas mulheres deste estudo permitiu olhar para suas experiências de
modo que possa se descobrir os elementos que os caracterizam. Constatando-se
que o conceito culturalmente construído é que o câncer pode matar, causa
sofrimento, logo o câncer, o medo de morrer e sofrimento se integram e são
construções culturais.
Quanto ao eufemismo da doença, ocultar a palavra câncer foi uma das
maneiras usadas pelas entrevistadas para afastar o símbolo da doença, como uma
maneira encontrada de diminuir a carga atribuída à palavra.
Nas falas a palavra câncer foi substituída por eufemismos e explanada por
algumas das entrevistadas por meio de expressões como: “com começo”, “aquele
problema”, “era o problema”, “o caroço”, “esta com isso”, “essa palavra”.
“Quando comecei o tratamento, que fiz a cirurgia o médico falou que
eu estava com começo (câncer) [...] Mais fico muito constrangida
por que é muito difícil saber que esta com aquele problema
(câncer), as pessoas que estão lá fora não imaginam o quanto as
pessoas sofrem, só quem passa pelo problema (câncer) sabe.” (A2)
“Quando eu descobrir, eu jamais pensaria que estava com esta
doença (câncer) [...] acho que o nome da doença é muito forte e as
pessoas como reagem quando sabem da doença (câncer), não só
comigo, mais com todas as pessoas, quando sabem que fulano esta
com a doença (câncer), as pessoas já pensam que aquilo já é uma
morte, fulano vai morrer, a concepção delas já é essa, eu sinto que é
desta forma que reagem [...]” (A8)
“[...] o Dr fez a biópsia e desconfiou logo que era o problema
(câncer), e o problema (câncer) estava bem grande do tamanho de
uma laranja, o caroço (câncer) [...]” (A12)
“[...] eu fui humilhada só pelas minhas amigas, que diziam que era
minha amiga, e ficou só uma, elas pensavam que a doença (câncer)
pegava e me abandonaram. Esse pessoal estuda, mais não sabem
da vida no dia a dia, muitas falavam que eu ia morrer, mais hoje
estou aqui [...]” (A14)
“[...] a palavra (câncer) é difícil é uma barreira, não é fácil quando o
médico pega um papel e diz assim a senhora esta com isso
(câncer), [...] fui para casa com os resultados na mão, falei que era
só um miomazinho, cheguei a casa, falei que tava tudo normal [...]”
(A18)
86
A ocultação da doença por uso de expressões pode ter o sentido de
negação, fato observado quando a mulher tenta ocultar a palavra câncer.
Helman (2009) relata que no caso de doenças graves como o câncer, as
expressões usadas pelas pessoas, trazem consigo várias associações simbólicas
que podem gerar efeitos sérios tanto na forma como os pacientes percebem sua
própria condição de saúde quanto o modo como outras pessoas se comportam em
relação a eles.
De acordo com Maruyama (2004) o estigma que a presença do câncer gera,
faz com que as pessoas exponham-se aos diferentes preconceitos, que determinam
o comportamento que a fazem ocultar a situação. Ficando evidenciado este fato na
fala de algumas mulheres, que o câncer é uma doença a ser ocultada para evitar
sentimentos de vergonha e discriminação.
Já para Pelaez et al. (2008) ressaltam que na população de um modo geral,
normalmente é propagada a representação sobre o câncer, socialmente construída
como sinônimo de morte, como algo que ataca do exterior e não tem controle e cujo
tratamento, juntamente com seus efeitos colaterais, é considerado drástico e
negativo.
Deste modo, nesta subcategoria as palavras utilizadas pelas mulheres
refletem os preconceitos construídos em torno do câncer, verificando-se a relação
entre o comportamento social das mulheres e o estigma que a rodeiam. Sendo
importante o conhecimento destes dados aos profissionais de saúde para
compreensão das falas das mulheres com câncer e o entendimento de como o
estigma interfere no convívio social deste grupo.
6.1.4 Aceitação do diagnóstico
A importância de contextualizar esta subcategoria se deu pelo fato de as
mulheres do estudo, aceitarem o diagnóstico do câncer, assim como o tratamento de
forma positiva, relacionando-a a crença de estarem acometidas pela doença ao
sobrenatural (a Deus), ou seja, de que é Deus quem controla seu destino e o
processo de adoecimento e tratamento.
87
“[...] o médico falou que eu tinha que fazer braquiterapia, primeiro a
quimioterapia e 36 sessões de radioterapia, não vou mentir não, eu
me desesperei, mais me apeguei muito ao senhor, e pela honra
glória dele eu fiz só a braquiterapia, já me falaram que eu tenho que
vim várias vezes, mas é para a melhora da gente, quantas vezes for
preciso eu vou voltar [...]” (A 2)
“[...] sempre penso positivo, diante do tratamento, e acredito que vai
dar tudo certo, só que eu penso tão diferente, eu acredito que fazer
este tratamento, por que eu tenho que fazer, acredito que já estou
curada, Deus cura, basta você ter fé, Deus tem feito tanta maravilha
na minha vida, então isso são obras de Deus, então basta você ter
fé, assim com a fé que tenho em Deus que estou levando este
tratamento.” (A8)
“[...] só não morri pela vontade de Deus, comecei a passar mal lá e
vim me tratar aqui em Belém, ai eu fiquei boa graças a Deus, iniciei a
radioterapia, e até hoje só tive melhora” (A13)
“[...] ele falou que eu tinha células cancerosas no útero, não me
preocupei com outra coisa, por que o nosso Deus é o Deus que cura
[...] eu vim para o médico fazer o tratamento [...] graças a Deus, tudo
isso foi uma experiência de vida, uma grande experiência, por tudo e
com tudo, principalmente pelo amor de Deus na minha vida, por que
se não fosse ele, quando vir para cá eu já estava despachada do
médico de Teresina, quando o Dr Pinho pegou meus papéis, ele só
balançou a cabeça, como que não tinha jeito, mas graças a Deus,
hoje eu estou cantando minha vitória [...]” (A17)
“[...] eu nunca fiquei triste, e nem por um momento eu coloquei na
minha cabeça assim eu vou morrer, nunca assim me importei com a
morte, eu sempre falo assim, tenho fé em Cristo, que vou ficar boa,
um dia temos que morrer, mais não agora [...]” (A19)
A adesão ao tratamento representa para as mulheres, a única chance de
vencer a doença, acreditando na possibilidade de cura por meio deles junto à fé em
Deus. Portanto, a aceitação do tratamento significa a possibilidade de colocar a
morte distante. Podemos visualizar também a contextualização da aceitação da
doença como enviada por Deus, as quais todas as ocorrências desde o diagnóstico
e tratamento faz parte dos desígnios divinos.
Os significados dados às experiências das enfermidades, de acordo com as
teorias leigas da causalidade, podem ser classificadas em causas de origem
exógenas (as de responsabilidades da própria pessoa, como a alimentação, higiene,
estilo de vida, comportamentos e hábitos); nas causas endógenas (como a
88
vulnerabilidade psicológica, física e hereditária); do mundo natural (meio ambiente) e
sobrenatural (por Deus), sendo este último como relatada pelas entrevistadas.
No estudo de Oliveira e Gomes (2008) a cura através do tratamento
centraliza-se no sentido presente na tríade cura-tratamento-Deus, sendo o elemento
capaz de aglutinar os demais, evidenciando que o fenômeno livrar-se da doença
demonstra-se alicerçado tanto na terapêutica implementada quanto na possibilidade
de intervenção divina na história humana. Portanto, a possibilidade de cura apóia-se
no tratamento e em Deus, ao qual no estudo podemos observar que a ação humana
(profissional) e divina (sobrenatural) apresenta relação nos sentidos da doença que
caracterizam o grupo de mulheres, nos apresentando de um lado a dependência
tecnológica do sistema de saúde e por outro lado a fé, uma vez que a ciência
médica ainda não conseguiu oferecer respostas conclusivas para o episódio vivido,
especialmente em suas simbologias.
Aquino e Zago (2007) acreditaram que a fé ou crença religiosa proporciona
às mulheres com câncer sentimento de paz na sua condição, para viver com maior
otimismo. A experiência de enfrentar o câncer resulta num processo de desafios
para o doente e, para tanto, ele busca algo com que possa enfrentar esses desafios.
Assim, a religião é vista como estratégia valorizada na cultura ocidental para lidar
com a doença e suas terapêuticas.
Neste estudo a imagem de Deus foi de fundamental importância, pois é a
quem elas confiam e a quem entregam o sofrimento, o desespero e a esperança da
cura. Deus assume, portanto a concretização da única forma de esperança, e a
devolução da normalidade cotidiana e da saúde.
6.1.5 Reconstruindo valores após o diagnóstico
Na perspectiva de Kleinman (1988) os profissionais de saúde, além de
investigar a doença, deveriam tentar descobrir como os pacientes percebem o
significado do seu prognóstico relacionado à forma como estes afetam outros
aspectos da sua vida. Nesta subcategoria, apresenta-se a análise de como as
pacientes vêem a doença após o diagnóstico.
Após o recebimento do diagnóstico, os sentidos dados ao câncer e as
expectativas de cura pelo tratamento, na vida das mulheres se direcionaram a novos
89
rumos, com mudanças relacionadas ao novo modo de ser, de ver a vida, junto à
valorização do lado espiritual.
Os processos que envolvem a vivência de uma doença como o câncer
implica em várias adaptações, tanto na vida da mulher quanto na de sua família. As
mudanças originadas após os tratamentos antineoplásicos são decorrentes de um
novo significado atribuídos à vida, caracterizado pela inserção de hábitos antes
pouco praticados e/ou valorizados em seu cotidiano e ainda pela re-avaliação de
alguns conceitos pré-existentes (SALCI; MARCON, 2011)
“Como falo, agora vou valorizar, mais a vida, fazendo o tratamento
vou ficar boa [...] agora eu valorizo mais, me cuidar a si mesmo,
antes cuidava dos filhos do marido e me descuidei de mim mesmo,
quando vi, já estava com este problema, então procuro me cuidar
mais [...]” (A1)
“[...] tudo isso foi uma experiência de vida, uma grande experiência,
principalmente pelo amor de Deus na minha vida [...] e a experiência
que tenho que passar para as pessoas é a fé [...]” (A17)
“[...] tudo veio para eu refleti a vida, por que na vida nem tudo são
flores tem os espinhos, e esse espinho e para agente dar mais valor
a vida, nunca deixei de dar valor a vida [...]” (A18)
“Durante esses cinco anos de doença, eu tenho essa experiência,
como uma lição de vida, por que assim, agente age de uma forma, e
pensa de outra forma, e só vai ter a fé em Deus, muitas pessoas, não
todas, só vai ter fé em Deus, quando se encontram numa situação
dessas [...]” (A23)
”[...] levo minha vida normal com meu namorado, e sinto que não
tenho nada mais, bebo e danço, e me sinto que não tenho nada
mais, digo que já estou até curada, que Jesus me curou, tenho muita
fé, vim por que quero tirar tudo [...]” (A27)
No decorrer do tratamento, com a minimização dos sintomas as mulheres
passaram a entender melhor sua situação de doença, e passam a construir uma
nova relação com o seu corpo, com a vida e consigo mesmo, passando a sentir que
sua doença está sob controle, tornando-se mais confiante no tratamento e na cura.
Os sentimentos presentes nos discursos das mulheres retratam os seus
significados culturais, de acordo com as percepções em relação à vida, revelando
90
por um olhar novo de ver, agir e pensar sobre as situações do dia a dia em relação a
conviver com a doença, recebendo nova conotação.
Nesse sentido as mudanças na vida correspondem àquelas relacionadas ao
novo significado atribuído à maneira de pensar sobre a vida, decorrente da
experiência de conviver com o câncer. Após esse novo evento em suas vidas, as
mulheres começam a valorizar as pequenas coisas do cotidiano, passando a
acreditar que essas mudanças façam com que se tornem pessoas melhores (SALCI;
MARCON, 2010).
Portanto, viver a experiência do diagnóstico de câncer gera reformulações e
mudanças nesta nova fase de vida. Essas mudanças para Helman (2009) são
tentativas de enfrentar as novas situações e de tentar adaptar-se a elas. Nestas
mudanças, os pressupostos básicos das pessoas sobre o seu mundo são
despedaçados mediante a interferência do diagnóstico de câncer, e passam a deixar
de contar com um mundo certo e se redirecionam dentro dessa nova perspectiva de
vida.
Para Anjos (2006) as pessoas que vivem a situação de uma doença grave
buscam a religião como base de superação das dificuldades, e enfatiza que
culturalmente a religião tem função de ajudar no enfrentamento das ameaças e
possibilita ganhar novas energias para lutar pela sobrevivência, passando os
pacientes, com a fé religiosa a fazer um discurso de uma pessoa melhor, mais forte,
afirmando a restituição do significado da vida.
Assim, diversos sentimentos podem aparecer juntos ou isolados como
resposta para enfrentar a doença. A religiosidade e a espiritualidade representaram
para as entrevistadas, um instrumento de suporte e conforto, que as auxiliaram no
enfrentamento dos problemas gerados pelo câncer e seu tratamento.
6.2 O TRATAMENTO
6.2.1 Dificuldades em busca de assistência
Nas diferentes culturas e nos diferentes grupos dessas culturas, a
expectativa do tratamento de uma doença pode ser contextualizada de forma muito
distinta. Assim, a compreensão exige o entendimento do processo de adoecer e as
alusões que esse fato tem para a vida das pessoas, as quais variam entre diferentes
sociedades e de diferentes culturas. O conhecimento de cada pessoa é, neste
91
enfoque, fundamental para suas decisões a respeito do cuidado com a saúde. Uma
pessoa discute ou avalia as possibilidades do cuidado da doença a luz do seu
conhecimento e experiência, escolhendo não apenas os diferentes tipos de
assistência, como também as recomendações que fazem sentido para eles.
(HELMAN, 2009)
Kleinmam (1988) atenta para o fato de que dentro de uma mesma sociedade
coexistem diferentes sistemas de saúde, o que resulta em uma multiplicidade de
concepções sobre a doença, incluindo desde a etiologia, tratamento e diagnóstico.
Para um número significativo de mulheres do estudo o período transcorrido
após o diagnóstico até o início do tratamento especializado, foi considerado uma
jornada difícil. Os sentidos dessa espera ameaçada pela possível piora das
perturbações físicas significaram principalmente o possível agravamento da doença
e possibilidade de morte.
“O doutor que encaminhou para Belém, fiquei aguardando me
chamar, passou bem uns três meses, fiz todos os exames e fiquei
aguardando chegar o resultado para fazer o tratamento. Todo este
período foi muito demorado, [...] não estou fazendo a quimioterapia, o
medico passou para fazer as duas, mais marcaram a consulta da
quimioterapia depois, já tinha iniciado a radioterapia, fui com o
médico, mais já estava terminando, o médico falou para eu terminar
a e depois marcar consulta e vai me examinar para ver se eu vou
precisar fazer mais ou não. Eu achei tudo demorado, o negócio é
difícil [...]” (A6)
“[...] Minha filha começou a correr atrás dos papeis, quando cheguei
aqui, ficamos na casa de um conhecido, [...] iniciei o tratamento,
terminei a radioterapia, ele passou para eu fazer a braquiterapia,
mais quando eu vim fazer já tinha, mais de ano, demorou muito, por
que quando eu vinha aqui, diziam, só para as mulheres que tava
operada, um dia o médico, falou por que eu não tinha feito, eu disse
falaram que só era para as mulheres que tava operada, no mês de
junho, foi que eu vim fazer [...]” (A10)
“[...] em 2009 descobri, de lá para cá fiquei andando para fazer a
carteirinha branca, passei o resto do ano andando para cá e nada,
sempre tinha uma desculpa que não tinha vaga e o aparelho estava
quebrado, foi a pior coisa, passou o ano todinho de 2009, quando foi
em 2010, em junho passei a consulta [...], mas só comecei a radio
em outubro, quando foi em 2011[...] ele me passou uma biópsia, ele
falou que tinha dado uma lesão, que a doença tinha voltado, mais só
vim tratar em 2012, a dificuldade teve por causa do hospital, a
92
Doutora falou, a senhora não fez o tratamento todo, por isso que o
problema voltou.” (A20)
“Tive muito dificuldade na época do tratamento do útero, quando
tava fazendo a radioterapia, quando faltavam oito sessões para eu
terminar, a máquina quebrou fiquei 30 dias sem fazer [...]” (A23)
“[...] custou eu fazer o tratamento, ele falou que eu não estava grave,
eu falei para ele, Doutor o senhor vai me tratar só quando eu tiver
morta, por que eu não estava sentindo dor, ele falou para eu ficar
aguardando me ligarem para me tratarem, quando comecei a piorar
que vim com muita dor e sangramento foi que cuidaram para eu fazer
o tratamento [...]” (A25)
O câncer de colo de útero, em sua evolução passa por diferentes fases, na
fase pré- invasiva, a intervenção imediata pode evitar o progresso da doença, e na
fase invasiva, é de difícil controle. As condutas de atenção à saúde da mulher
preconizada para o acompanhamento e seguimento do tratamento, devem ser
realizadas de acordo com o grau de complexidade da unidade de saúde do SUS. No
nível primário, deve-se iniciar o processo da assistência com exames de
rastreamento e controle citológico, e em nível secundário referência aos serviços de
patologia, confirmação diagnóstica, tratamento e acompanhamento (INCA, 2008)
O tratamento é indicado à mulher com base no estadiamento tumoral, tipo
histológico, idade e recursos disponíveis. Podendo este ser indicado através de
cirurgias radicais ou conservadoras, quimioterapias, radioterapias e associação
destes.
O estudo não possui a intenção de julgar condutas terapêuticas de
tratamento oncológico e os serviços de saúde oferecidos ao grupo social, mas
constatou que o caminho percorrido pelas mulheres do estudo após a confirmação
do diagnóstico até a chegada ao serviço de saúde para o tratamento foi
temporalmente longo, as quais explanaram as dificuldades de acesso a tratamento e
seguimento, a interrupção do tratamento por quebra do aparelho de radioterapia,
espera prolongada para o procedimento cirúrgico e não cumprimento dos protocolos
prescritos, as quais possuem a percepção que estes fatores contribuíram para o
agravamento da doença.
Todos estes fatores corroboram com o relatório da auditoria operacional da
política Nacional de Atenção Oncológica do Tribunal de Contas da União em 2011
93
evidenciando que a rede de atenção oncológica não está suficientemente
estruturada para possibilitar aos pacientes de câncer acesso tempestivo e equitativo
ao diagnóstico e ao tratamento. Assinalando o déficit de equipamentos de
radioterapia em âmbito nacional com uma produção dos serviços e cobertura de
apenas 65,9% das necessidades estimadas. (TCU, 2011)
Em relação às ofertas dos serviços de quimioterapia, considerando a
cobertura de produção em cada uma das unidades da Federação, foram
encontradas carências importantes nas prestações dos serviços de quimioterapia
nos estados do Pará, Amapá, Roraima, Maranhão, Rondônia e Amazonas.
Chamando atenção ao estado do Pará, que supre apenas 40,4% da demanda
estimada, fatores apontados pelos gestores na dificuldade do atendimento da
demanda por atraso na compra de fármacos e falta de leitos para internação.
Quanto aos procedimentos cirúrgicos, a cada 1000 casos novos de câncer, 600
necessitam de cirurgias, resultando num déficit considerável nos centros habilitados
de atenção à saúde, devido as dificuldades de acesso às cirurgias oncológicas.
(TCU, 2011)
Quanto ao tipo de tratamento prescrito foi citado na maioria das falas,
percebendo-se que a abordagem sobre o tratamento foi inespecífica, ou seja, foi
deixado transparecer que o tratamento seria realizado, mas não houve o
esclarecimento como seria feito, o tempo que levaria e seus efeitos desejados e
indesejados, observando nas falas a aceitação por parte das mulheres por todas as
condutas prescritas.
Em um estudo com mulheres portadoras de câncer de mama aponta que
elas aceitam as regras e as condutas impostas pelos tratamentos por acreditarem
que por meio deles alcançaram a cura da doença (Oliveira et al., 2010 ).
De acordo com Helman (2009) o tratamento médico não deve lidar
unicamente com as anormalidades ou disfunções físicas. As várias dimensões da
doença como o emocional, social, comportamental e religiosa, também devem ser
tratadas pela explicação adequada e tranquilização com termos que façam sentidos
para os pacientes e aqueles que o cercam e compartilhada com outros profissionais
e membros sociais.
Portanto, as questões relativas à saúde e à doença não podem ser
analisadas de forma isolada das demais dimensões da vida social, mediadas e
permeadas pela cultura que dá sentido a essas experiências. Os sistemas de
94
atenção à saúde são sistemas culturais, consonantes com os grupos e realidades
sociais, políticas e econômicas que os produzem e replicam. Ao final, somos todos
sujeitos da cultura, experimentada de várias formas, inclusive quando se adoece e
se procura por tratamento. Porém, na atuação como profissionais da área da saúde,
nos deparamos com sistemas culturais diversos ao nosso a qual nós fomos
treinados, sem relativizar o próprio conhecimento médico (LANGDON, 2010).
Assim, os sentidos construídos ratificam que a experiência de fazer o
tratamento de câncer, envolve uma dimensão que vai além dos problemas de
acesso ao sistema de saúde, do tratamento e reações a propedêuticas, que nem
sempre são valorizadas pelos profissionais de saúde. Finalmente, para atuar com
eficiência, é necessário que o profissional de saúde, compreenda como a doença e
o tratamento afeta a vida da paciente e como elas as interpretam.
6.2.2 Crenças no tratamento informal e popular
Kleinman (1980) sugeriu que ao examinar qualquer sociedade complexa,
podem-se identificar três setores interligados de cuidados de saúde: o setor informal,
o popular e o profissional. O setor informal é de domínio leigo, não profissional, no
qual as atividades de cuidados de saúde são iniciadas, entre as opções estão o
autotratamento; conselhos dados por parentes, amigos e vizinhos; atividades de
cura em uma igreja, culto ou grupo de ajuda e consulta com pessoas leigas.
O setor popular (Folk) que é particularmente grande, alguns indivíduos
especializam-se em formas de cura que são sagradas e seculares. Os curandeiros
como são denominados, não pertencem ao sistema médico oficial e ocupam uma
posição intermediária entre os setores informal e profissional. O setor profissional
compreende as profissões de cura organizadas e legalmente aprovadas, como a
medicina ocidental moderna, conhecida como biomedicina, ao qual incluem os
profissionais de saúde.
As mulheres do estudo após a descoberta do câncer e a espera do
tratamento, fizeram uso de suas crenças no setor informal e setor popular, com o
objetivo de aliviar as perturbações físicas ou estagnação da doença e pela crença
em sua eficácia. Dentre as práticas, mais mencionadas, foi o uso de medicações
fitoterápicas.
95
“[...] meu marido gastava tudo, o pessoal falava que só com remédio
sarava, ele comprava tudo, ele comprava remédio, tudo que falavam
que era bom ele comprava, fiquei tomando os remédios de ervas, só
que os sintomas pareciam que desaparecia e voltava, eu tomei um
remédio de um especialista (curandeiro) de lá de Itaituba, foi muito
caro, umas mulheres de lá tomaram e ficou bom [...]” (A12)
“Cheguei a tomar bastante mastruz e arruda, o chá da folha de Noni,
só sei que no tempo que estava correndo para cá fiquei tomando
remédio caseiro direto, tudo que me ensinava eu tava tomando.”
(A21)
“Tomei muito mel com babosa, tomei outros que uma colega minha
que tinha a doença, me deu uma garrafada, a minha mãe falava que
é bom.” (A23)
“Sempre tomei banho de assento, garrafada, todo tempo eu fiz eu
acho que é por isso que não se desenvolveu tanto, então ficou
localizado com a ajuda do remédio, ficando só no canto quieto.”
(A27)
Percebeu-se que o uso das ervas para o tratamento passou por avaliações,
consistem em verificar a sua propriedade curativa e o efeito após o seu uso. Esse
processo foi vivido pela mulher e por seus familiares. Outro tipo de estratégia
apontada por uma informante foi a busca de rituais religiosos.
“[...] lá na Igreja (evangélica) [...] a irmã falou, coloca a toalha em
cima que estoura tudo e some então eu falei para ela traz que eu
coloco, ela trouxe, coloquei uma hora da madrugada o óleo da igreja
e a toalhinha em cima com 10 minutos estourou tudo [...]” (A14)
O sentido que a mulher deu ao ritual religioso, relacionou-se a crença no
sobrenatural, para a sua cura ou mesmo ajudá-la a enfrentar o processo de doença
e tratamento.
Em um estudo sobre o uso de terapias alternativas e complementares ao
paciente com câncer, resultou que a crença em sua eficácia e a prática de oração,
ao qual foi a mais praticada, melhoraram consideravelmente a qualidade de vida
das pessoas, logo mostra nos a importância do conhecimento profissional a estas
práticas, que devem ser avaliadas e quando
possíveis se não provocarem
transtornos à saúde devem ser estimuladas (SAMANO, 2004).
96
A medicina alternativa é definida como um conjunto de sistemas, práticas e
produtos de uso clínico, não considerado como prática médica convencional e de
reconhecida eficácia pela comunidade científica. A utilização de alguns desses
métodos, sejam isolados ou combinações, é muito grande em pessoas com câncer
em qualquer sociedade, independente da existência ou não de comprovação
científica (BALNEAVES, 2008)
6.2.3 O apoio recebido
O apoio frente a uma situação de doença ocorre de forma dinâmica pelas
vivências, rupturas, fases de equilíbrio e desequilíbrios vivenciados de diversas
maneiras de acordo com cada um e que capacitam às pessoas ou não a
vivenciarem situações difíceis. Essa busca de apoio do paciente de câncer envolve
relações complexas, pois depende dos significados construídos no percurso de suas
vidas, em diferentes contextos sociais, econômicos, culturais e religiosos (SILVA,
2005).
Os modos de apoio referidos pelas mulheres do estudo, a maioria contou
com o apoio da família, amigos, religiosos.
“Tenho buscado ajuda, só de Deus, só ele, ser humano nenhum dá
para ninguém, o que tenho enfrentado e o que tenho buscado e o
que tenho recebido, só ele, nem meus filhos, só Deus.” (A8)
“Ajuda só força de Deus, por que em primeiro lugar tem que ser ele
na nossa vida, da força de meus filhos, das minhas noras, eu quis
desistir, mais todos em cima de mim me dando força. Então tenho
encontrado muita força e apoio da minha família, força de vontade
dos meus filhos, nas minhas noras, nos meus netinhos, aquela
vontade de viver mais para eles.” (A10)
“Eu tenho uma família abençoada, me ajudaram muito, meu esposo
foi em primeiro lugar, nunca me abandonou em nenhum momento,
me deu todo apoio, tive todo apoio da minha família, dos meus filhos,
eles falavam confia em Deus que você vai vencer, tive apoio da
minha religião que fazia grupos de oração para orar por mim, foi uma
grande experiência no amor espiritual também, hoje faço parte do
circulo de oração, e tudo isso foi uma benção.” (A17)
“A ajuda, só Deus, eu procurei buscar a Deus, e eu encontrei, ele me
confortou, ele me consolou, muitas irmãs da igreja me ajudaram,
97
pedia senhor segura na minha mão, me ajuda, pedia para ele não me
abandonar [...]” (A23)
As declarações revelam a ênfase de apoio da família e religioso como modo
de enfrentar o tratamento, assim toda confiança que as mulheres manifestaram
frente ao diagnóstico e tratamento pode ser percebido a partir do apoio da família,
da convivência com amigos e todo o auxílio recebido.
O estudo de Jorge e Silva (2010) observou que mesmo com as alterações
impostas pela doença e tratamento, as mulheres portadoras de câncer ginecológico
referiram estar satisfeitas com suas relações pessoais, com o apoio que recebem de
parentes e amigos, contribuindo assim, significativamente para o bom enfrentamento
do processo.
Neste contexto, a família e amigos podem exercer importantes influências
sobre o estado de saúde e sobre a doença. Os valores de um grupo social, como a
família, podem atuar como um sistema de proteção, fortalecendo a união social e
familiar, o apoio mútuo, habilitando melhor os indivíduos a lidar com os altos e
baixos da vida (HELMAN, 2009).
Outra forma de apoio referida pelas entrevistadas foi a necessidade de
custeio financeiro.
“[...] minha dificuldade, por que tive que parar de trabalhar, vivo só da
bolsa família, sou separada, ai eu parei de trabalhar, por que se não
fosse aqui ao NAEE, como é que a pessoa ia comer, ficar em Belém
e pagar as passagens [...]” (A1)
“[...] a minha maior dificuldade, é as condições financeiras, pois a
atrapalha muito, por que quando agente tem agente chega lá e paga,
mais quando a gente não tem as coisas são mais difíceis [...]” (A2)
“[...] só o que achei ruim é que é muito longe, tenho que voltar e ir às
vezes duas vezes ao mês, gasto também com passagens [...] quem
me ajuda mesmo é a irmandade, uma ajuda e outra ajuda, dinheiro
que recebo é só a passagem do TFD, a assinatura do médico eles
não pagam lá, [...] ” (A4)
“Tenho buscado, só quando chego ao hospital e não tenho para onde
ir, eu procuro essa casa e sou muito bem recebida, só isso, graças a
Deus, eu já tentei outra ajuda, por que o dinheiro que tenho só do
benefício do meu filho é muito pouco, eu já tentei o benefício auxílio
doença pelo INSS, mais não consegui.” (A16)
98
No período de tratamento, a maioria das mulheres, por serem do interior do
Estado do Pará, por necessidades de seguimento do tratamento prolongado,
permanece em casas de apoio, albergues, familiares ou conhecidos, algumas
revelaram a necessidade de ajuda financeira, enfatizando que o deslocamento
constante de seus municípios, as baixas condições econômicas com dependência
direta dos familiares e dificuldades de adquirirem custeios dos municípios são
empecilhos que dificultam o enfrentamento do tratamento.
Em estudo com mulheres acometidas de câncer ginecológico, consideraram
que as dificuldades relacionadas à distância do local de tratamento, o transporte
para chegarem até eles, às baixas condições econômicas comprometem o
tratamento (JORGE; SILVA, 2010).
Assim, os fatores sócios econômicos interferem no processo terapêutico,
visto que algumas podem desistir e/ou faltar a esses procedimentos, por condições
inadequadas de locomoção e transporte bem como agravar a doença por falta de
condições locais adequadas para permanecerem alojadas durante o tratamento
(MENEZES et al., 2007).
A outra forma de enfrentamento das adversidades provenientes do
tratamento foi o apoio profissional recebido e relatado por parte das entrevistadas.
“Apoio eu já tive muito, principalmente daqui, dos amigos, das
enfermeiras daqui, que até fizeram uma “vaquinha” para comprar
frutas, tive ajuda da cidade que eu moro, dos meus amigos que
depositavam 50, 100 para eu comprar os remédios, primeiramente
eu tive ajuda de Deus e depois das pessoas. [...] a minha maior
dificuldade e ficar longe dos meus netos, da minha família e a
saudade que é grande.” (A19)
“Fui buscar ajuda do meu médico, da psicóloga também, dessa
minha amiga que me deu a mão, dos meus amigos da minha irmã e
dos meus filhos pelo qual eu estou lutando, que eles que são a
família da gente e quero ver eles casados.” (A27)
A ajuda profissional consiste na abertura de espaço para verbalização de
fonte de problemas, fornecimento de informações e esclarecimentos de percepções
e dentre outros (COSTA et al., 2003). Portanto, a enfermagem, neste contexto, pode
também se inserir como uma provedora de apoio, facilitadora de relacionamentos,
99
sendo de fundamental importância que o profissional conheça as complexidades e
diferentes necessidades de apoio a este grupo, para que possa fornecer de forma
sensível e satisfatória.
6.2.4 Mudanças no decorrer do tratamento do câncer
As mulheres do estudo, ao se verem frente ao diagnóstico e tratamento de
câncer de colo de útero, se confrontaram com mudanças em suas vidas que
modificaram definitivamente a sua identidade social de mulher saudável,
trabalhadora, para uma identidade de doente, incapacitada para as atividades
laborais e do lar, e em alguns casos dependentes de familiares. Mas, não são os
únicos traços com que o paciente de câncer se confronta, no percurso da vida com
câncer, se deparam com uma nova identidade que se forma durante a trajetória, a
identidade de sobrevivente (SILVA, 2005).
Segundo Reuben (2004) ser sobrevivente significa, no caso, viver com o
câncer e apesar dele, e também viver com os efeitos colaterais e sequelas
decorrentes do tratamento utilizado para o seu controle. Assim, vivenciar uma
doença como o câncer está permeado de alterações significativas no cotidiano de
quem adoece e seus familiares. O câncer pode ser considerado cada vez mais um
fenômeno não só biológico, mas também psicológico e social pelas várias situações
de sofrimento imposta pela doença (SALCI; MARCOM, 2011).
Quando questionadas sobre as mudanças em suas vidas decorrentes da
experiência do câncer de colo de útero e tratamento, foi relatada a distância do lar, o
desconhecimento do novo lugar e pessoas, perda da identidade e dependência.
“[...] Mudou muita coisa, depois da descoberta da doença, não pude
mais ficar em casa, às vezes vou lá final de semana e depois volto
[...]” (A1)
“[...] é ruim a gente se deslocar do lugar da gente, vim para outro
lugar que a gente não conhece ninguém, não sabe por onde começa,
sem condições [...]” (A2)
“[...] a distância da minha filha, é longe de casa, a gente passa
muitos dias longe de casa, a dificuldade, também para vir, no tempo
de inverno é muito ruim para viajar, a gente não chega ao mesmo
dia, tudo é difícil [...]” (A6)
100
“[...] a minha vida, não é aquela que eu tinha antes, a minha vida
mudou totalmente, eu não sou dona, mais de mim, eu dependo de
outras pessoas [...] eu não mando, mais em mim, perdi minha
tranquilidade de me direcionar, agora tenho alguém que determina
[...] eu não tenho, mais aquela privacidade, eu dependo daqui, tenho
uma invasão do médico na minha privacidade e de outras pessoas
[...]” (A8)
O tratamento de câncer para a maioria das mulheres teve sentido de
afastamento físico e geográfico da família por necessidade de realização diária de
tratamento ao qual se afastam em média de 1 mês a 3 meses, exigindo delas a
organização do cotidiano para a realização do tratamento. Sendo a maioria das
mulheres do interior do estado, foi necessária a programação constante de viagens,
albergarem-se na capital, configurando-se um grande transtorno na vida dessas
mulheres que, além de vivenciarem o câncer, necessitam afastar-se de suas
atividades e família para fazer o tratamento.
As pacientes passam por situações difíceis durante o processo terapêutico,
por se separarem de seu meio social para se submeterem a procedimentos que,
geralmente, consistem em tratamentos agressivos, dolorosos e invasivos (ALMEIDA,
2008)
Para Carvalho (2005) o período do tratamento, devido às mulheres
permanecerem longos períodos ausentes de seu ambiente familiar, de seus objetos
pessoais, passam geralmente a habitar em locais que podem lhes parecer hostil,
estranhos e onde vivenciam situações em que o desconforto físico e emocional
tornam-se muito intensos, seja pela doença ou pelos procedimentos a que são
submetidas. Além de toda ansiedade e estresse gerados com o tratamento, as
mulheres passam por grandes conflitos, visto o sentimento de culpa pela ausência
no lar e falta de atendimento às necessidades do companheiro e filhos.
Percebe-se que a saúde possui um grande valor social, pois estar saudável
significa estar apto para o trabalho, enquanto a doença, como na atualidade, passa
a ser compreendida como um fator que compromete a produção capitalista presente
na sociedade, gerando incapacidade para o trabalho. Esta deve ser abrangida de
uma forma mais ampla, não unicamente como uma aptidão ao trabalho, mas sim
como algo fundamental para o viver humano. É um direito que propicia ao cidadão
gozar o seu viver com os seus pares, dando lhe tranqüilidade na vida. (SILVA,
101
2010). Portanto, o câncer como doença foi relatada pelas mulheres como empecilho
para execução de atividades laborais, tarefas do lar, no entanto a doença também
teve o sentido de aproximação familiar.
“Mudou por que o médico falou que eu nunca mais iria poder
trabalhar como trabalhava pesado, passar pano na casa, lavar roupa
pesada, quando faço me sinto mal, não tenho condições de colocar
uma pessoa para fazer para mim [...]” (A4)
“[...] o que mudou que muita coisa que eu fazia, não faço mais,
lavava roupa para as pessoas, e meus filhos ficarão cada vez mais
chegados, me amando mais, agora meus filhos me amam mais [...]”
(A10)
“Mudou muito, a gente pensa de maneira diferente, às vezes você é
uma pessoa, mas rebelde, ai você acaba mudando, acaba se apega
mais com Deus, acabam dando valor as coisas que você não dava,
muda muito, que nem eu que meu corpo foi transformado em muita
coisa [...] Mudou por que não trabalho mais, não frequento mais a
igreja e fico mais em casa [...]” (A15)
“Eu achei que mudou por que a gente se uniu mais, por que aquele
amor que agente já tinha, aquele convívio de união familiar se tornou
muito mais forte, muito melhor, tanto da minha família de casa, como
meus irmãos, meus cunhados, mesmo morando longe, estão ligando
e me dando força, como lhe disse, tudo veio para eu refleti a vida
[...]” (A18)
Percebe-se que as limitações impostas pelo tratamento modificaram a rotina
dessas mulheres, uma vez que as excluiu do papel social que desempenhavam
causando profundo sentimento de impotência.
Ao investigarem os sentimentos de mulheres com neoplasia, um estudo
constatou que elas se preocupavam com as tarefas cotidianas, exprimindo
sofrimento por não conseguirem desenvolvê-las da mesma forma que antes, em
virtude das limitações impostas pela doença e tratamentos. Isso por que,
historicamente o papel da mulher dentro do seio familiar é de cuidadora (SALES,
2004).
A esse respeito, as mulheres por desenvolverem o papel de cuidadora de
seus membros familiares, por circunstâncias do tratamento, ocorrem uma inversão
de papéis e ela necessita adaptar-se a sua nova condição limitadora e normalmente
passa a ser proibida pela família dos afazeres domésticos (SILVA, 2006). Quando
102
existem outras pessoas para auxiliá-las, as mulheres optam pelos serviços que
demandam menos força física, pois sentem insegurança em assumir os serviços
pesados, sendo cuidadosas com as limitações impostas pela doença (SALCI;
MARCON, 2011)
A forma como as mulheres encaram o seu afastamento das atividades
labora-tivas tem base na construção sociocultural do trabalho. A mulher
contemporânea comumente desenvolve dupla jornada, a do trabalho fora do lar e a
das atividades do lar, permanecendo estas últimas como parte de sua identidade de
mãe, cuidadora e responsável pela organização doméstica (SILVA, 2005).
Assim, depender de cuidados de outros membros da família provoca
sofrimento, pois seu papel de cuidadora fica ameaçado. Porém, mesmo debilitadas
fisicamente e tendo que deixar de oferecer o cuidado físico aos membros familiares
devido à trajetória vivida pelos tratamentos, as mulheres, na sua grande maioria
sofrem por deixarem outras pessoas assumirem suas responsabilidades de
cuidadora da família e do lar (SALCI; MARCON, 2008).
A partir desses conflitos as mulheres também passam a valorizar situações
ao qual até então não visualizavam, mudando aspectos reacionais frente a diversas
situações da vida, estreitando laços familiares se sentem, mais amadas pelos filhos
e familiares. No estudo de Salci e Marcon (2011) as mulheres referiram com relação
às mudanças na vida que elas passaram a valorizar aspectos comuns do cotidiano,
dando um novo sentido à vida, priorizando os relacionamentos familiares e o viver
bem em família, refletindo acerca de algumas características que não contribuíam
para uma vida saudável, como se estressar com coisas pequenas e ser impaciente.
Para outras mulheres, o câncer trouxe mudanças positivas, porque se tornaram mais
reflexivas, e com isso, passaram a ter mais afeto, solidariedade e compaixão com as
pessoas, mais próximas.
Em relação ao apoio familiar as mulheres revelaram que o tratamento e o
afastamento proporcionaram melhora e estreitamento dos laços familiares. Frente ao
processo de adoecimento, a pessoa mobiliza diversos recursos para ajudar a
enfrentar essa nova condição, grande parte busca no seu sistema social ao redor, os
recursos de apoio para atenuar as situações impostas pela doença, pois através do
sistema de apoio familiar possibilita administrar melhor a situação, sendo fontes de
apoio a família, amigos, práticas religiosas e outros grupos sociais (SILVA, 2005)
103
De acordo com Ramos et al. (2012) a família é vista pelas mulheres como
ponto de partida para o sustentáculo emocional, físico e financeiro, sendo a acolhida
e reconhecimento dentro do núcleo familiar um componente essencial à
recuperação. Portanto, toda a família deve estar ciente da necessidade de apoio que
deve proporcionar ao doente com câncer, uma vez que o enfrentamento poderá
torna-se tranquilo, proporcionando conforto ao longo do tratamento (BARROS, 2007)
Assim, a presença da família é imprescindível, visto que a sua disposição
em cuidar, mostra a pessoa com câncer que ela não está só no processo de
adoecimento, pois a família representa um espaço social no qual seus membros
interagem e ao se depararem com os problemas gerados reagem com apoio mútuo
e buscam conjuntamente soluções (ALMEIDA, 2008).
Porém, alguns membros familiares têm dificuldades em lidar com a doença,
mesmo porque nunca esteve doente ou conviveu com a situação, representando
nesse momento, dificuldades de cuidar de seu familiar com uma doença que tem o
significado de morte e sofrimento como o câncer. Podemos observar as dificuldades
da relação familiar com a doença no relato de algumas entrevistadas.
“[...] tem muita gente que apoia a gente, estou aqui sozinha,
nenhuma das minhas irmãs quiseram vim comigo, aqui um ajuda o
outro, ai a gente vai levando[...]” (A1)
“[...] minha filha veio à primeira vez, veio à segunda vez e me deixou
aqui, agora não sei nem como é que faço. (começou a chorar), eu
sozinha aqui, não sei muita coisa.” (A 9)
“[...] agora os netos se afastaram de mim, agora mesmo não teve
ninguém que quisesse vim comigo, a última neta me roubou, me traiu
[...]” (A13)
Pode-se observar em alguns relatos, que a doença para algumas
entrevistadas teve o sentido de abandono familiar, principalmente dos parentes
consangüíneos, contribuindo este fato para ocorrências de alterações emocionais,
levando a mulher a sentir-se sem rumo, fator que pode contribuir para não adesão
ao tratamento pelas dificuldades de adaptarem-se às situações impostas pela
doença. Assim neste contexto, a família pode exercer importante influência sobre o
estado de saúde e sobre a doença. Os valores de um grupo social, como a familiar,
podem atuar como sistema de proteção, fortalecendo a união social e família,
104
habilitando melhor os indivíduos a lidar com as vicissitudes da vida, mas o oposto
pode ocorrer como observamos no grupo de estudo (HELMAN, 2009).
Portanto, torna-se inquestionável a importância do cuidador na assistência à
saúde do doente com câncer, oferecendo cuidados diretos e apoio indireto. O
cuidador familiar adota a responsabilidade pelas necessidades físicas e emocionais
da pessoa que está incapacitada de se cuidar, sendo uma pessoa que vivencia
grande sofrimento, angústia e medo. O sofrimento apresenta-se por conviver com a
doença do seu ente parente, a qual por muitas vezes o consome; a angústia, por
não conseguir reverter o quadro da doença, interagindo em todos os momentos com
o sentimento de perda e culpa (BICALHO, 2008).
Durante as entrevistas algumas mulheres também mencionaram mudanças
ocorridas na relação sexual com seus parceiros, deixando claro que não houve
compreensão por parte de seus companheiros.
“[...] a Doutora disse para não manter, mais relação, ai ele não
aceitou, saiu de casa, eu pensei, vou levar a vida, vou procurar me
cuidar [...] Na minha vida mudei um pouco, agora eu valorizo mais,
me cuidar a si mesmo [...]” (A1)
“Mudou assim, a questão da minha parte intima com meu marido,
por que o médico tirou tudo e muita coisa o útero, ovário e uma parte
da minha vagina e vulva, o que me prejudicou [...]” (A23)
“Mudou muito com meu marido, por que a gente briga muito, às
vezes eu sinto dor e não posso ter relação, ele pensa que eu não
quero mais ele, que não gosto dele [...]” (A30)
A atividade sexual é um importante fator que condiciona a qualidade de vida,
podendo ser sinônimos de alegrias e tristezas. Durante o tratamento de câncer de
colo de útero a prática não é recomendada pelos profissionais de saúde a fim de
evitar traumatismos locais, infecções e por questões de higiene. Então, percebe-se
nestes relatos, que as pacientes mostram-se conscientes de sua condição de saúde
evitando o ato sexual, e que o câncer e tratamento geraram a incompreensão dos
companheiros em relação ao ato sexual, fortalecendo nessas mulheres os sentidos
de sofrimento da doença que as acomete.
Huff e Castro (2011) afirmam que, a relação conjugal de uma mulher com o
diagnóstico de uma doença crônica como o câncer é abalada, pois sabe-se que a
105
doença e o tratamento alteram o cotidiano da paciente, família e, principalmente a
relação conjugal, devido a dificuldade de relacionamento com o parceiro por perda
completa da atividade sexual.
Para Silva (2005) as enfermidades graves podem alterar as relações do
casal, podendo ser algumas vezes unificadora, a partir do momento que ela imprime
uma reflexão do que é importante na vida a dois ou o oposto também pode ocorrer.
As mudanças de comportamento na relação do casal podem fortalecer os laços,
uma vez que, quando se confronta com uma doença com o significado de finitude,
como o câncer, a pessoa passa a refletir sobre a sua vida e a valorizá-la.
Pelos relatos, compreende-se que para o grupo de mulheres do estudo, o
trabalho e a família são valores básicos e compõem sua identidade. No entanto, com
o advento da doença e a necessidade de tratamento que são geradores de várias
situações cotidianas, outros aspectos foram percebidos e congregados a nova
situação de vida. Nesse sentido, a doença e tratamento geraram condições que
acabaram afetando a vida e causando interferências nos papéis sociais como o
trabalho, atividades da vida diária, na relação familiar e nas questões
socioeconômicas.
106
CAPITULO 7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
107
CAPITULO 7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo desenvolveu-se com o intuito de identificar como as mulheres
com câncer de colo de útero constroem a experiência do diagnóstico ao tratamento,
por meio da interpretação dos sentidos socialmente construídos.
Ao estudar a experiência da mulher com câncer de colo de útero, através da
aproximação teórica da antropologia da saúde possibilitou entender que quando as
mulheres falam de sua experiência com o câncer e com os diferentes tipos de
tratamentos, elas se embasam em sua memória biográfica, reconstruindo e
reproduzindo os acontecimentos do passado, congruentes com suas compreensões
atuais. Assim, o presente é explicado com menção ao passado reconstruído e os
dois são usados para gerar perspectivas sobre o futuro.
Os processos cognitivos são memórias mediadas por esquemas culturais
que servem como orientações para perceber, organizar, interpretar a experiência de
um fenômeno, no caso deste do diagnóstico ao tratamento do câncer de colo de
útero. Essas direções caracterizam um modelo explicativo para a experiência,
baseado no senso comum do grupo social, diferenciado do modelo biomédico
(KLEINMAN, 1988).
Para atingir os objetivos propostos optou-se por uma abordagem
metodológica qualitativa a analise dos dados resultou a identificação de duas
categorias: O diagnóstico, descrito em cinco subcategorias; e o tratamento com
quatro subcategorias.
O resultado da primeira subcategoria identificando as alterações corporais
pode-se verificar que as alterações percebidas no corpo da mulher como
sangramentos, dores abdominais, dor na relação sexual, febre, tonturas resultou no
processo de descoberta da doença que teve início quando a mulher detectou que
algo se encontrava modificado em seu corpo, que ao perceber as alterações,
automaticamente fez suposições, sendo esse momento vivenciado de modo muito
particular em cada uma. Para este estudo, a iniciativa de procurar assistência
médica dependeu das percepções do que é normal e anormal em relação aos sinais
e sintomas. No entanto, na maioria dos casos das entrevistadas, somente o
aumento da incapacidade física ou a persuasão de outras pessoas as levaram a
buscar ajuda profissional.
108
A segunda subcategoria, a trajetória para diagnóstico do câncer do colo do
útero, foram a fase subsequente às percepções das alterações corporais; para a
maioria das entrevistadas, a maior dificuldade na busca por assistência à saúde,
deu-se em função do acesso ao sistema de saúde. Nesta busca vivenciaram o
despreparo dos profissionais de saúde, dificuldades de diagnósticos, condições
socioeconômicos que impedem a busca pelo serviço, precariedade do sistema de
saúde, morosidade burocrática dos serviços que não apresentam recursos para um
diagnóstico eficiente, a fragmentação da assistência, fatores que dificultaram uma
assistência a mulher mas efetiva e rápida.
A terceira subcategoria refere-se aos sentidos dados pelas mulheres que
experienciaram o câncer do colo do útero, o significado de estar com câncer está
fortemente arraigada ao senso comum. As mulheres trazem consigo uma série de
associações simbólicas, que muitas vezes interferem na maneira como vêem a
doença.
Para a maioria das entrevistadas o acontecimento da doença em suas vidas
acarretou profundo impacto emocional, pois a experiência de ter câncer, e as
repercussões dessa experiência na vida dessas mulheres, além de provocar o medo
da morte como algo que possa ocorrer, foi percebido essa experiência como um
momento de sofrimento, agonia, “de perda do chão”, medo, mediado pelos sentidos
atribuídos à doença e a visão do mundo adquirido no decorrer da vida. A ocultação
da palavra câncer foi comum nas entrevistadas ao qual foi substituída por
expressões como: “com começo”, “aquele problema”, “era o problema”, “o caroço”,
“esta com isso”, “essa palavra”, que teve sentido de negação da doença. Portanto,
as palavras utilizadas pelas mulheres refletem os preconceitos construídos em torno
do câncer, verificando-se a relação entre o comportamento social das mulheres e o
estigma que a rodeiam.
A quarta subcategoria aceitação do diagnóstico revelou que as mulheres
do estudo, aceitaram o diagnóstico do câncer, assim como o tratamento de forma
positiva, relacionando-a a crença de estarem acometidas pela doença ao
sobrenatural (a Deus), de que Deus controla seu destino e o processo de
adoecimento e tratamento.
A quinta subcategoria reconstruindo valores após o diagnóstico
envolveu as questões de mudanças de vida e a forma de enfrentar a doença. Estes
resultados evidenciaram que estar com câncer para um grupo de adulto
109
jovem/adulto e meia idade (20 a 60 anos), gera reformulações e mudanças
interferindo nos seus planos de vida presente e futura. Após o recebimento do
diagnóstico, os sentidos dados ao câncer e as expectativas de cura pelo tratamento,
a vida das mulheres se direcionaram a novos rumos, com mudanças relacionadas
ao novo modo de ser, de ver a vida, junto à valorização do lado espiritual.
A categoria sobre o tratamento do câncer de colo de útero resultou em
quatro subcategorias. A primeira subcategoria, dificuldades em busca de
assistência, para as mulheres do estudo o período transcorrido após o diagnóstico
até o início do tratamento especializado, foi considerado uma jornada difícil e
temporalmente longa. Os sentidos dessa espera foram revelados como ameaças e
piora das perturbações físicas que significaram o possível agravamento da doença e
possibilidade de morte.
A segunda subcategoria resultou no cuidado à saúde através do uso das
crenças no tratamento informal e popular; as mulheres após a descoberta do
câncer a espera do tratamento, fizeram uso de suas crenças no setor informal e
setor popular, com o objetivo de aliviar as perturbações físicas ou estagnação da
doença e pela crença em sua eficácia. Dentre as práticas, mais mencionadas, foi o
uso de medicações fitoterápicas, como uso de “garrafadas”, “chás”, “banhos de
assento” e de rituais religiosos.
Quanto à terceira subcategoria o apoio recebido revela que os principais
modos de apoio recebidos para enfrentar o câncer de colo de útero, foram o apoio
da família, amigos, religiosos e custeio financeiro.
As declarações apontaram a ênfase de apoio da família e religioso como
modo de enfrentar o tratamento, concluindo-se neste contexto que, a família e
amigos exercem importante influência sobre o estado de saúde e sobre a doença da
mulher acometida pelo câncer. A necessidade de custeio financeiro foi enfatizado
devido à necessidade de deslocamentos constantes de seus municípios, as baixas
condições econômicas com dependência direta dos familiares e dificuldades de
adquirirem custeios dos municípios para o tratamento, como principais empecilhos
que dificultaram o enfrentamento da doença.
A última subcategoria mudanças no decorrer do tratamento do câncer, as
mulheres do estudo, ao se verem frente ao diagnóstico e tratamento de câncer de
colo de útero, se confrontaram com mudanças em suas vidas que modificaram
definitivamente a sua identidade social de mulher saudável, trabalhadora, para uma
110
identidade de doente, incapacitada para as atividades laborais e do lar, afastamento
do lar, o desconhecimento do novo, perda da identidade, dependência familiar e
mudanças na relação sexual com seus parceiros. Portanto, a doença e o tratamento
foram tidos pelas mulheres como geradores de condições que afetam a vida,
causando interferências nos papéis sociais como o trabalho, atividades da vida
diária, na relação familiar e nas questões socioeconômicas.
Pode-se identificar que as mulheres construíram um sentido para sua
experiência de viver o diagnóstico e tratamento do câncer de colo de útero, que foi
interpretado como momento de sofrimento de vida. Experiência assinalada por
sentimentos ambivalentes de sofrimentos e lutas para prolongamento da vida.
Os sentidos construídos com esta experiência ratificam que este momento
envolve a dimensão que vai além das alterações corporais, que nem sempre são
valorizadas pelos profissionais de saúde, incluindo o enfermeiro.
Reconhecendo a situação atual dos serviços de saúde na atenção primária e
especializada de atenção oncológica, considera-se que é fundamental a adoção de
estratégias assistênciais à mulher com câncer de colo de útero, através do
acompanhamento da consulta de enfermagem, direcionando o atendimento a
desmistificação do câncer e atendimentos às necessidades biopsicossociais e
culturais do grupo do estudo. Acredito que o profissional de saúde precisa
compreender como a doença e os tratamentos afetam a vida das mulheres e como
elas a interpretam, respeitando os valores culturais e as crenças de cada mulher,
evitando impor nosso próprio sistema de valores. Para isto, é necessário que toda a
equipe de saúde esteja sensibilizada e treinada para esta abordagem e, finalmente
para atuar com eficiência neste contexto.
Esta pesquisa destaca a experiência da mulher com câncer de colo de útero,
como uma forma de identificar e apreender os sentidos socialmente construídos em
relação ao câncer de colo de útero. Os estudos que trazem a abordagem da
antropologia da saúde favorecem conhecer a realidade que é apresentada pelos
sujeitos sociais, por tal motivo são relevantes para o universo acadêmico, visto
propiciar ao pesquisador contemplar a realidade sóciocultural.
Este estudo não objetivou esgotar o tema. A temática da saúde da mulher no
contexto oncológico sugere espaço para muitas pesquisas voltadas à abordagem
sóciocultural. A inclusão de discussões sobre a doença como processo de adoecer e
o sentido que ele possui para o grupo podem trazer o compartilhar de experiências e
111
novas formas de ressignificá-lo, na realidade cotidiana, podendo até se distanciar do
sentido de aproximação do câncer com o sofrimento e morte.
112
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120
APÊNDICE(S)
121
APÊNDICE – A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.
GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS-CEP/Campus IV
TÍTULO: A EXPERIÊNCIA DA MULHER COM CÂNCER DE COLO DE ÚTERO DO
DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO
Você está sendo convidada a participar do projeto de pesquisa acima citado. Sua
colaboração neste estudo será de muita importância para nós, mas se desistir a qualquer
momento, isso não causará nenhum prejuízo a você. O objetivo da pesquisa é conhecer e
analisar como as mulheres com câncer de colo de útero passam pela experiência da doença
desde o diagnóstico ao tratamento. Será desenvolvido no Hospital Ophir Loyola, com 30
mulheres, maiores de 18 anos, que tenham o diagnóstico de câncer de colo de útero e
estejam em tratamento, às entrevistas serão gravados somente com sua liberação; A sua
participação neste projeto não submeterá você a um tratamento, bem como não causará a
você nenhum gasto com relação ao estudo; Você tem a liberdade de desistir ou de
interromper a colaboração neste estudo no momento em que desejar, sem necessidade de
qualquer explicação, e sem prejuízo a sua saúde ou tratamento; Você não receberá
pagamentos e nenhum tipo de recompensa nesta pesquisa, sendo sua participação
voluntária; A pesquisa possui como benefícios a elaboração do conhecimento a comunidade
científica e principalmente ao enfermeiro, que poderá embasar a assistência a mulher com
câncer de colo de útero, inserindo este conhecimento na assistência e proporcionando um
melhor acolhimento a mulher em tratamento; Os riscos de divulgação dos dados e a quebra
de sigilo das informações serão evitados com uso de palavras fornecidas por você e por
cada entrevistada, e ao final da pesquisa, as entrevistas coletadas pelo estudo serão
arquivadas em CD, e somente após o término do estudo serão descartados, sendo que
ficará sobre guarda da mestranda Tatiana Menezes Noronha Panzetti. Os riscos de
alterações no seu estado emocional durante a entrevista podem surgir das emoções
envolvidas no seu relato pessoal, devidos seus problemas sociais, dificuldades do
diagnóstico e tratamento e das relações familiares, assim como lembranças da experiência
da doença. Porém, para minimização destes riscos será realizado contato antecipado com o
enfermeiro, e psicólogo do setor e familiar responsável por você, com o objetivo de avaliar
antecipadamente o seu bem-estar físico e mental para ser dado o início da entrevista.
Contudo, se no momento da coleta você referir incomodo em relação à entrevista, será dada
a opção de termino da entrevista, com retorno ou afastamento definitivo da pesquisa, ao
qual será garantido o descarte de todo material gravado e/ou anotado. Além disso, será
solicitada a assistência dos profissionais da instituição para restabelecimento do seu bemestar. Os dados obtidos durante a pesquisa serão mantidos em sigilo pelos pesquisadores,
assegurando a você à privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa;
Os resultados poderão ser divulgados em publicações científicas mantendo sigilo dos seus
dados pessoais; Durante a realização da pesquisa, serão obtidas as suas assinaturas e do
pesquisador, que constarão em todas as páginas do TCLE, as rubricas do pesquisador e da
participante da pesquisa; Caso você desejar, poderá pessoalmente, ou por meio de telefone,
122
entrar em contato com o pesquisador responsável para tomar conhecimento dos resultados
parciais e finais desta pesquisa.
Eu, ________________________________________________, residente e domiciliado na
_____________________________________________, portador da Cédula de identidade,
RG ____________ , nascido (a) em _____/_____/_____, abaixo assinado, declaro que
obtive todas as informações necessárias, bem como todos os eventuais esclarecimentos
quanto às dúvidas por mim apresentadas. Desta forma concordo de livre e espontânea
vontade em participar como voluntário (a) do estudo acima descrito.
Belém, ______ de __________________ de _______
Assinatura da participante: ________________________________________
______________________________________
Orientadora: Dra Mary Elizabeth de Santana
CPF15798642-49
Contato 91465969
______________________________________
Orientanda: Tatiana Menezes Noronha Panzetti
CPF 58551646249
Contato 88263683 e 83358741
________________________________________________________________________
Comitê de Éticada Escola de Enfermagem “Magalhães Barata” /CCBS/CAMPUS IV.
Av José Bonifácio, 1289. CEP 66063-010. Tel: 32490236 Ramal: 208.
123
APÊNDICE – B
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1ª PARTE: PERFIL SÓCIO CULTURAL DOS SUJEITOS DA PESQUISA
Data:_____________________
Código da entrevistada_______________
Diagnóstico________________ Tempo de diagnóstico:_________________
Idade:_________ Cor/raça: ( ) Branca; ( )Parda; ( )Amarela; ( )Negra;
( )Indígena.
Naturalidade:__________________________________________________
Estado civil: ( ) Casado; ( ) Solteiro; ( ) Viúvo; ( ) Desquitado; ( )
Vive maritalmente; ( ) Separado de fato.
Início da atividade sexual:____ anos
Paridade:____________
Fumante: ( )Sim; ( )Não
Drogas: ( )Sim; ( )Não
Grau de Escolaridade
Ensino Fundamental: Completo ( ) Incompleto ( ) Ensino Médio:
Completo ( ) Incompleto ( ) Ensino Superior: Completo ( ) Incompleto ( )
Analfabeto ( )
Ocupação
Renda própria (RP) e/ou familiar (RF): ( ) Somente RP; ( )Tem RP e RF.
Renda mensal (em salários mínimos): ( ) menos de 1sm; ( )1 sm; ( )2 sm;
( )3sm; ( )4 sm; ( )5 sm; ( )De 5 a 10 sm; ( )Mais de 10 sm.
Seguridade social para saúde: ( ) SUS; ( ) Plano de saúde;
( )Seguro de saúde.
Religião: (
)Católica; (
Kardecista; ( ) Candomblé; (
)Batista; (
)Assembléia de Deus; (
) Umbanda;
( ) Outros: ___________________________________
)Espirista
124
2ª PARTE: ROTEIRO DE ENTREVISTA
1.
Este estudo é sobre as experiências das mulheres sobre o câncer de
colo de útero do diagnóstico ao tratamento. Você poderia falar sobre sua própria
experiência em termo do diagnóstico e ao percurso do tratamento do câncer de colo
de útero?
2.
O que mudou na sua vida após a descoberta do câncer?
3.
Que ajuda você tem buscado para lhe apoiar no tratamento?
4.
Você quer me dizer mais alguma coisa?
125
APÊNDICE – C
Quadro I – Caracterização sociodemográfica das mulheres com câncer de colo de
útero, atendidas no 2º Departamento de Câncer e do Núcleo de Acolhimento do
Enfermo Egresso do Hospital Ophir Loyola. Belém-PA, 2013
Informan
te
A1
Idade
Cor
Estado civil
Naturalidade
Escolaridade
Vícios
Religião
32 anos
Tempo de
diagnóstico
6 meses
Negra
Casada
Pará
Ex
tabagista
Católica
A2
49 anos
3 anos
Parda
Casada
Maranhão
Ex
tabagista
A3
61 anos
12 anos
Parda
Ceará
Evangélica
Assembleia
de Deus
Católica
A4
57 anos
6 anos
Parda
Vive
maritalmente
Casada
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino
fundamental
incompleto
Analfabeta
Tocantins
Analfabeta
A5
65 anos
10 meses
Negra
Casada
Piauí
Analfabeta
A6
41 anos
2 anos
Negra
Vive
maritalmente
Garrafão do
Norte-Pa
Analfabeta
A7
54 anos
2 anos
Negra
Maranhão
Analfabeta
A8
52 anos
11 meses
Parda
Separada de
fato
Vive
maritalmente
Minas Gerais
A9
55 anos
6 meses
Negra
Separada de
fato
Pará
A10
63 anos
2 anos e 2
meses
Negra
Viúva
Ceará
A11
68 anos
6 anos
Parda
Viúva
Altamira-Pa
A12
44 anos
5 anos
Parda
Vive
maritalmente
Bahia
A13
86 anos
1 ano
Branca
Casada
Pará
Ensino
superior
completo
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino
fundamental
completo
Ensino
fundamental
incompleto
Analfabeta
A14
46 anos
10 anos
Parda
Casada
Maranhão
Analfabeta
A15
49 anos
3 anos
Branca
Casada
Minas Gerais
A16
44 anos
4 anos
Negra
Vive
maritalmente
Piauí
A17
56 anos
7 anos
Negra
Casada
Rio Grande do
Norte
A18
56 anos
1 ano
Negra
Casada
Bahia
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino
fundamental
completo
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino
fundamental
completo
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Tabagista
Ex
tabagista
Evangélica
Assembleia
de Deus
Católica
Evangélica
Assembleia
de Deus
Católica
Evangélica
Pentecostal
Evangélica
Assembleia
de Deus
Católica
Não
Católica
Não
Católica
Não
Evangélica
Assembleia
de Deus
Evangélica
Ex
tabagista
Não
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Não
Católica
Evangélica
Assembleia
de Deus
Evangélica
Assembleia
de Deus
Católica
126
A19
59 anos
2 anos
Negra
Viúva
Maranhão
Analfabeta
A20
54 anos
10 anos
Negra
Viúva
Pará
A21
46 anos
1 ano e 2
meses
Negra
Solteira
Pará
Ensino
fundamental
incompleto
Analfabeta
A22
36 anos
4 anos
Parda
Vive
maritalmente
Pará
Analfabeta
A23
28 anos
5 anos
Parda
Vive
maritalmente
Pará
Ensino
fundamental
incompleto
A24
58 anos
2 anos
Parda
Casada
Maranhão
Ensino
fundamental
incompleto
A25
59 anos
2 anos
Negra
Vive
maritalmente
Pará
Analfabeta
A26
50 anos
2 anos
Parda
Casada
Pará
A27
29 anos
1 ano
Parda
Solteira
Pará
Ensino
fundamental
completo
Ensino médio
incompleto
A28
A29
47 anos
42 anos
7 anos
1 ano
Parda
Parda
Casada
Solteira
Piauí
Pará
Analfabeta
Ensino médio
incompleto
A30
28 anos
2 anos
Parda
Solteira
Pará
Ensino
fundamental
incompleto
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Ex
tabagista
Ex
tabagista
e ex
etilista
Não
tabagista
Etilista
social
Ex
tabagista
e ex
etilista
Ex
tabagista
Não
Ex
tabagista,
drogadita
e etilista
Não
Não
Ex
tabagista
e ex
etilista
Católica
Evangélica
Assembleia
de Deus
Evangélica
Assembleia
de Deus
Evangélica
Assembleia
de Deus
Evangélica
Assembleia
de Deus
Católica
Evangélica
Assembleia
de Deus
Católica
Católica
Católica
Evangélica
Assembleia
de Deus
católica
127
ANEXO
128
ANEXO A- AUTORIZAÇÃO DO HOSPITAL DO ESTUDO
129
ANEXO B – PARECER FINAL DO COMITÊ DE ÉTICA
130
131
132
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