8º Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática: AT08 - Política e Economia ECONOMIA SOLIDÁRIA NO MERCOSUL: UM BALANÇO DA COOPERAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA DO SUL Érika Laurinda Amusquivar Faculdades de Campinas – FACAMP RESUMO O trabalho analisa o processo de cooperação intitulado Economia Solidária – um modelo de inserção da população em condições de trabalho em atividades produtivas que visem o desenvolvimento social – em torno dos paísesmembros do MERCOSUL. A partir do projeto de se repensar o modo pelo qual a sociedade se organiza economicamente em sua produção tradicional, o objetivo é reduzir a pobreza e garantir trabalho e, assim o desenvolvimento socioeconômico desses países a fim de proporcionar uma maior cooperação e o aprofundamento das relações de integração. Uma das barreiras encontradas para a consolidação desse projeto dentro do MERCOSUL é a Nova Divisão Internacional do Trabalho. Entretanto, tais barreiras são concomitantemente a força motriz para se repensar uma nova forma de inserção dessas sociedades excluídas em torno de uma proposta de disseminação de trabalho cooperativo e inclusivo. PALAVRAS-CHAVE: MERCOSUL, Economia Solidária; Cooperação; Nova Divisão Internacional do Trabalho. 2 ECONOMIA SOLIDÁRIA NO MERCOSUL: UM BALANÇO DA COOPERAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA DO SUL1 ÉRIKA LAURINDA AMUSQUIVAR 2 INTRODUÇÃO O discurso de desenvolvimento da América do Sul tem feito parte de inúmeras políticas econômicas de governantes da região, sobretudo a partir do final do século XX e início do século XXI. Mas a promessa de uma transformação, capaz de articular crescimento econômico e inserção social, é uma das tarefas mais “audaciosas”, ao se conceber a conjuntura tanto interna quanto internacional do subcontinente. Endogenamente, vários países da América do Sul ainda registram um dos índices mais baixos de crescimento econômico via PIB (Produto Interno Bruto), estão longe dos bons indicadores de IDH (índice de Desenvolvimento Humano) e Gini, além de educação, saúde entre outros. Exogenamente, a região é vista como um conjunto de países subdesenvolvidos ou no máximo em desenvolvimento; tanto que a América do Sul é constituinte do que se denomina de “periferia do capitalismo”, países cujos níveis de desenvolvimento em relação aos países desenvolvidos estão em patamares inferiores, mas que concomitantemente participam e estão integrados no sistema capitalista de produção e acumulação de uma forma marginal. Dessa maneira, o desenvolvimento socioeconômico tem sido almejado por todos os países, sem exceção, com a promessa de um novo tipo de inserção internacional desses atores estatais que conjuguem um novo papel de destaque para a região sul-americana. À luz da tentativa de reorganização dos países da América do Sul para conquistarem novas oportunidades que o fenômeno da “globalização” ou, mais precisamente, da “mundialização do capital” (CHESNAIS, 2005; BELLUZZO, 2009), um grupo de países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – se uniram 1 Este trabalho deriva-se das pesquisas desenvolvidas em 2011 pelo grupo de pesquisa Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas do Centro de Estudos de Relações Internacionais (CERI/OFTA) na FACAMP. Gostaria de agradecer aos também coordenadores e professores Alcides Eduardo dos Reis Peron, Patrícia Nogueira Rinaldi e Thiago Mendes Borges, instrutora Talita Pinotti e, em especial às contribuições dos pesquisadores Caukeb Rasxid, Daniela Cury Bachega, Delaíde Silva Passos, Gabriela Solidário de Souza Benatti e Luis Eduardo Martins Franco. 2 Érika Laurinda Amusquivar é Mestre em Ciência Política pela UNICAMP, Professora do Curso de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas e Coordenadora do CERI-OFTA/FACAMP. 3 para ratificar no início dos anos 1990 o Tratado de Assunção (1991) o que formalmente se intitulou Mercado Comum do Sul – MERCOSUL. A princípio, o MERCOSUL teve como objetivo se tornar uma união aduaneira, capaz de contemplar uma integração regional, tal como outras regiões do globo se aventuravam na metade do século XX em diante. A ideia era cristalizar uma cooperação econômica por meio de zonas de livre comércio que se fomentaria na articulação dos países no que se refere à facilitação dos trâmites das tarifas alfandegárias. No entanto, após mais de duas décadas de construção do MERCOSUL muito tem se questionado a viabilidade da expansão do projeto. Comumente remetido apenas à dimensão comercial, o MERCOSUL se propõe atualmente a ampliar suas bases de integração regional ao propor em 2006 um projeto urgente e ambicioso: atuar também nas questões sociais. Na busca da articulação entre o escopo econômico e social, surge tal proposta entre os países membros que se auto-intitula “o novo desafio para o MERCOSUL” para que se diminuam as assimetrias de desenvolvimento entre os países. O projeto, denominado MERCOSUL Social e Participativo ou somente MERCOSUL Social, no entanto, se ancora em bases eminentemente alternativas ao processo de desenvolvimento tradicional. A proposta é trazer um viés mais social ao que se intitulou apenas como zona de livre comércio e, dessa forma utilizar o método “Economia solidária”, ou seja, um sistema de produção cujo objetivo é diminuir as assimetrias econômicas e sociais entre a população ao desprezar a acumulação individual e priorizar o compartilhamento de benefícios. Ao adotar a “economia solidária” como uma nova forma de inserção, os países do MERCOSUL buscam aplicar o escopo de atuação transfronteiriça às populações que constituem o bloco regional por meio de novas iniciativas para conduzir um novo modelo de inserção econômica, que contemple principalmente a esfera social. Contraditoriamente, ao passo que o projeto se desenvolve, é possível visualizar uma fragilidade de atuação, mostrando desde o início sua incapacidade de prover uma integração social utilizando-se da economia solidária em meio aos contornos iniciais do MERCOSUL. Em outras palavras, a ideia do novo formato do MERCOSUL é emergir um bloco regional mais social e não estritamente econômico, mas alguns fatores aparecem como entraves à ampliação do projeto, tais como a conjuntura econômica internacional de crise; os limites da atuação da 4 economia solidária em pequena escala; o papel das periferias no sistema internacional e a competitividade econômica perversa e as assimetrias sociais intra-bloco. À luz do engessamento da estrutura institucional do MERCOSUL na aplicabilidade de políticas sociais, tem-se o conhecimento que tal causa derivase de problemas endógenos – como a ausência de políticas governamentais sociais – e exógenos, tal como fatores transnacionais, como por exemplo, a falta de crédito para as economias de fronteira. Esses problemas em sua totalidade fazem com que o projeto social do MERCOSUL também sofra uma competitividade de outros modelos de integração, como a UNASUL e, por conseguinte, seja obrigado a se fortalecer junto a seus principais paísesmembros. O objetivo, portanto, é identificar tais desafios em meio ao dilema que o MERCOSUL enfrenta na atual conjuntura: estagnar-se ou rumar a novos projetos, tais como se preocupar com o lado social da sociedade latinoamericana. Sob a ótica de tal problemática, o artigo propõe-se a analisar o MERCOSUL por meio da economia social solidária, ao fazer um balanço sobre a cooperação dos países no que se refere ao desenvolvimento socioeconômico, refletindo nos avanços que o bloco regional proporcionou nesses 20 anos e traçando oportunidades e entraves para a retomada do discurso do desenvolvimento nos países da América do Sul. O artigo inicia-se com um breve panorama das condições socioeconômicas dos países da América do Sul, situando-os na condição periférica do capitalismo global, sobretudo no que se refere à nova divisão internacional do trabalho. Em seguida, será explicitado como a trajetória do MERCOSUL – de oportunidades e entraves ao seu desenvolvimento – desembocou na criação e planejamento de uma vertente social do bloco regional. Por fim, serão analisados alguns tipos de economia solidária que o MERCOSUL conjuga como forma de cooperação transnacional, visando ao desenvolvimento da população sul-americana. PANORAMA SOCIOECONOMICA DA PERIFERIA SUL-AMERICANA: UM RETRATO DA ASSIMETRIA DO (SUB)DESENVOLVIMENTO. 5 Durante o desenvolvimento histórico da América Latina, o subcontinente registrou uma dinâmica capitalista baseada na harmonia de interesses, pautadas nas vantagens comparativas. O capitalismo galgou posições mais liberais, com maior expropriação dos direitos do trabalho formal e com maior concentração de renda. A subordinação e mercantilização da produção sobre a especulação financeira foi a pata mais frágil da América Latina, uma vez que seu papel marginal sobre os ganhos econômicos em meados do século XX em diante foi determinante para acentuar as assimetrias socioeconômicas na região. Desde a crise econômica dos anos 1980 que levou a uma recessão e políticas de austeridade via aumento das políticas de ajuste fiscal de inúmeros países latino-americanos sucessivamente cristalizou e, a a ofensiva imagem de das políticas países neoliberais subdesenvolvidos e dependentes. A América Latina se tornou um laboratório de experiências neoliberais e, sucessivamente, a pata mais debilitada da c adeia neoliberal em escala mundial. (Cf. KLEIN, 2008). E, dessa forma, o sobcontinente padece de uma doença crônica na assimetria no padrão de consumo: o subdesenvolvimento provoca desigualdades nos países periféricos ao copiar o estilo de vida (consumo) dos países do centro. É dessa maneira que a América Latina sofre uma espécie de contra-revolução liberal-conservadora: uma regressão produtiva, associada à exclusão social e dependência externa. (MELLO, 1998). Tal contra-revolução-liberal-conservadora tem representado o reflexo do desenvolvimento tardio dos países periféricos. Isso porque algumas características são marcadamente divergentes nos países centrais em relação aos periféricos. Aos países centrais, o controle da inovação tecnológica, da moeda e finança internacionalizada e das armas se traduz respectivamente no monopólio do poder financeiro, industrial e político-militar (MELLO, 1998: 20). Já aos países periféricos, resta a eles a dependência do sistema produtivo dos países centrais, derivando na fragilidade monetário- financeira e na subordinação político-militar, resultado da expansão da dinâmica capitalista. Assim, o capitalismo periférico tem se mostrado incapaz de suprir as necessidades de sua população, resultando em um aprofundamento das desigualdades em um contexto de “subdesenvolvimento industrializado”. 6 O início do século XXI tem impactos significativos no que tange à reestruturação capitalista que tem raízes nas políticas delineadas no século passado. Os países periféricos assistem a concentração do progresso técnico, da moeda e do poderio militar. E ainda que as condições econômicas apontem para uma recessão fruto da crise de 2008, os países do centro dispõem de maiores condições de financiamento e ajuste fiscais e monetários, uma vez que a concorrência intercapitalista ainda ecoa na reestruturação da organização do sistema financeiros e produtivo. Destarte, a periferia do sistema, em sua maioria, se mantém refém dos interesses da concorrência externa do centro e do capital produtivo e especulativo, desencadeando uma concorrência perversa entre tais países. E mesmo que a crise financeira tenha aberto possibilidades de reversão de condições estruturais no que se referem ao crescimento econômico, os entraves estruturais de manutenção na condição periférica repercutem com maior intensidade, uma vez que alguns fatores corroboram para tal permanência na condição periférica, tais como a regressão produtiva, o enfraquecimento da moeda nacional, a cosmopolitização dos padrões de consumo e o aumento das desigualdades e o “apartheid social” (MELLO, 1998: 21). Alguns dos indicadores socioeconômicos abaixo demonstram tal assimetria: Gráfico 1 - PIB per capita MERCOSUL 14 12 2005 PPP $ 10 Argentina 8 Brazil Paraguay 6 Uruguay 4 2 0 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados UNDP Database, 2012. 7 Tabela 1 - Dados Socioeconômicos Países MERCOSUL Fonte: Elaboração própria a partir dos dados IBGE, 2012. É perceptível que os países que compõem o bloco regional em sua formação original – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – possuem entre si uma semelhança no que se referem a importantes setores sociais, mas quando se comparado ao crescimento econômico, a disparidade é perceptível, especialmente se as taxas de exportação representar a capacidade de produção, isto é, o investimento produtivo nacional, enquanto que a taxa de importação representar a capacidade de adquirir produtos de maior valor agregado. O Brasil é um dos países que mais se destoa ao apresentar uma economia expressiva e um parque produtivo mais diversificado, fazendo com que os demais países menos desenvolvidos como Uruguai e Paraguai tenham que se integrar e articular seu desenvolvimento à esfera regional prioritariamente, uma vez que a concorrência fora da zona fronteiriça tem aumentado consideravelmente, principalmente por conta do papel da China no cenário internacional. 3 E, ao analisar historicamente a trajetória das respectivas economias foi plausível considerar a estratégia que os países membros originários (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) do bloco de integração regional MERCOSUL almejavam na década de 1990. 3 Para maiores informações sobre o papel da China e seus impactos no MERCOSUL, vide PASSOS, Delaíde. S. Os desafios do modelo de desenvolvimento do MERCOSUL. In: CERI/OFTA. MERCOSUL 20 anos: da integração regional às possibilidades transnacionais de conflito e cooperação. Campinas/SP 2012. 8 os projetos de integração desse momento visavam, por um lado, facilitar essas políticas de liberalização, as quais também são consequências da própria rotatividade da produção regionalizada das empresas de grande porte; por outro, tais projetos vinham sendo respostas dos Estados Nacionais na busca por superar os desafios da globalização. Nesse sentido, o MERCOSUL também veio a ser um instrumento para se fortalecer no conjunto e conseguir uma inserção internacional mais expressiva (PASSOS, 2012: 12). No entanto, para se compreender a evolução do MERCOSUL é necessário situar duas fases marcantes ao qual o bloco regional passou desde o final do século XX até hoje. Da necessidade de aumentar o fluxo comercial entre os países, o bloco regional paulatinamente deslocou sua agenda ao se aproximar de um projeto mais abrangente, incluindo também a esfera social. Desse modo, é necessário fazer um balanço sobre sua trajetória, indicando como o MERCOSUL conseguiu superar os limites de uma simples integração regional. Contraditoriamente, esses foram os passos que também limitaram o avanço da integração regional. TRAJETÓRIA DO MERCOSUL: DO TRATADO DE ASSUNÇÃO AO MERCOSUL SOCIAL A trajetória do MERCOSUL desde o inicio dos anos 1990 permite identificar algumas transformações marcantes. O Tratado de Assunção assinado em 26 de março de 1991 entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai fora um passo ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, que já se iniciara desde o Tratado de Montevidéu de 1980. Os objetivos do MERCOSUL eram pautados na cooperação entre os seus membros, tal como se evidencia no documento oficial ao qual Los cuatro Estados Partes que conforman el MERCOSUR comparten una comunión de valores que encuentra expresión en sus sociedades democráticas, pluralistas, defensoras de las libertades fundamentales, de los derechos humanos, de la protección del medio ambiente y del desarrollo sustentable, así como su compromiso con la consolidación de la democracia, la seguridad jurídica, el combate a la pobreza y el desarrollo económico y social con equidad. (PORTAL DEL MERCOSUR, s.d) 9 Apesar do esforço para traçar uma cooperação entre os países, o MERCOSUL tinha quatro diretrizes políticas: 1) Priorizar a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países por meio da união aduaneira; 2) Estabelecer uma tarifa externa comum e uma política comercial comum; 3) Coordenar políticas macroeconômicas e setoriais entre seus membros entre diferentes setores, como o de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações. 4) Traçar uma cooperação a partir da harmonia das legislações de seus membros para cristalizar o processo de integração. (PORTAL DEL MERCOSUR, s.d) Embora as quatro diretrizes induzissem os países signatários a estreitar relações para que fomentasse o desenvolvimento econômic o e social igualitário, é perceptível que os países adotaram uma agenda eminentemente comercial. A tentativa de criar uma autonomia no que se refere à dependência externa, não criara de fato uma emancipação econômica, visto que o MERCOSUL nasce no bojo das políticas econômicas liberais, sobretudo endossadas às periferias pelos países centrais. A ideia era consolidar as ferramentas da disseminação neoliberal: autonomia do capital financeiro; liberalização comercial e minimização do Estado. (HARVEY, 2008; GOWAN, 2003) Nesse período de consolidação do bloco regional sul-americano é necessário considerar o contexto pós-crise da dívida nos anos 1980 em que foi decisivo para que os países periféricos pudessem traçar alternativas para recuperarem-se. As crises financeiras nos anos 1980 foram marcadas pelo aumento considerável da dívida externa e, concomitantemente às estratégias de atrair mais capital à região. As estratégias políticas e econômicas internas contribuíram para a extensão das crises. Houve também o aumento da contração da dívida na década anterior. Os fluxos de capital externo influenciaram políticas macroeconômicas de diferentes maneiras nos países (vinculados com sua situação de abertura econômica e desregulamentação financeira e comercial). Estes fluxos proporcionaram também um novo padrão 10 de consumo interno, baseado nas importações; também a fuga de capitais. Consequente,mente, houve uma fragilidade no processo de desenvolvimento anterior proporcionado pelo modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações. Contudo, esse modelo possui diferenças em cada país, o que resulta na especificidade do impacto da crise da dívida em diferentes regiões, como é o caso da América Latina. Assim, a formação do bloco regional tem um artifício muito contundente para que na década de 1990 fosse consolidado o MERCOSUL: se tratava de uma necessidade e não, necessariamente de uma vontade entre seus membros. Portanto, para haver crescimento e recuperação na América Latina foi necessário haver certa regulação dos fluxos de capital, aportes externos como estratégia de políticas domésticas de desenvolvimento e um Estado como orientador de mercado para setores produtivos específicos. Todas essas características seriam, em tese, conquistadas pelo MERCOSUL via cooperação entre seus membros. No entanto, a característica estrutural da periferia é a “concorrência perversa”, em que apesar da institucionalização da cooperação, o fato de seus países-membros produzirem quase que a mesma pauta de produtos, faz com que eles sejam concorrentes. Em outras palavras, a periferia seguirá em sua “regressão produtiva” (MELLO, 1998: 21) ao competir por mercados de produção de produtos agrícolas, de baixo valor agregado e com baixa tecnologia. O MERCOSUL em sua pauta de importação e exportação possui um índice que é puxado majoritariamente pelo Brasil. Pelo gráfico é possível notar o crescimento (embora irregular) tanto das exportações quanto das importações brasileiras para o bloco regional: 11 Gráfico 2 – Exportações Brasileiras para o MERCOSUL (1997-2009) Fonte: IPEADATA, 2012 Gráfico 3 – Importações Brasileiras para o MERCOSUL (1997-2009) Fonte: IPEADATA, 2012 Ao se analisar isoladamente por países, a demanda por produtos brasileiros, sobretudo nesse último ano tem registrado um equilíbrio tanto nas importações quanto exportações. E o principal parceiro tem sido a Argentina: 12 Gráfico 4 - Exportações brasileiras para os países do MERCOSUL (2012/2011) - US$ milhões FOB – Exportação Importação 1.500 2.000 1.900 1.800 1.700 1.600 1.500 1.400 1.300 1.200 1.100 1.000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 1.400 1.300 1.200 1.100 1.000 900 800 700 600 500 400 300 200 MERCOSUL ARGENTINA PARAGUAI URUGUAI 100 0 MERCOSUL ARGENTINA PARAGUAI 2012 URUGUAI 2011 Fonte: MDIC, 2012 Essa relação mais próxima entre Brasil e Argentina reflete também a escala de liderança de ambos no MERCOSUL, ainda que de forma assimétrica. Isso porque o resultado dessa configuração é um bloco marcado por fortes assimetrias políticas e socioeconômicas entre seus membros, na medida em que os quatro países principais se situavam em posições diferentes no processo de desenvolvimento, demonstrados, sobretudo, pela divisão internacional do trabalho (DIT), seja em escala global ou intra-bloco. (PASSOS, 2012: 12) Tem-se, portanto, uma assimetria que marca até a conjuntura atual a configuração do bloco regional. A competitividade perversa provocada por uma tradição agroexportadora de commodities fez com que a pauta de importação e exportação da união aduaneira provocasse uma trajetória de “stop and go” do bloco regional. Por diversas vezes a cooperação fora interrompida pela desconfiança dos demais países sul-americanos da liderança brasileira. Tanto que 13 as relações Argentina-Brasil, que têm um papel central para os dois países, continuam importantes nos dias atuais, mas passam a ser vistas como tendo menor peso relativo. A estrutura produtiva não corresponde a economias que buscam complementaridade; o peso que os produtos primários têm nos dois países e o papel que as elites políticas nacionais projetam para a própria inserção internacional são elementos que colocam obstáculos significativos para a articulação bilateral. Entretanto, a necessidade objetiva de integração da infraestrutura, algum impulso pela integração produtiva e a tendência a convergências políticas poderiam recolocar a questão do crescimento compartilhado num cenário de revigoramento das relações regionais. (VIGEVANI; RAMANZINI JÚNIOR, 2009: 42) A posição brasileira no bloco regional por motivos do desenvolvimento econômico em relação aos seus membros não era garantia de liderança brasileira, ao passo que a política externa brasileira sempre oscilou em suas estratégias de parcerias. A ideia era diversificar suas relações, sejam bilaterais, sejam multilaterais. E o MERCOSUL sempre fora visto como um instrumento de política externa regional capaz de ser uma plataforma de inserção internacional de todos os países. O que ocorre é que assimetria de poder entre os membros não permita tal transformação homogênea. O bloco possuía frágil interdependência entre os países. A autonomia dos demais países, como Paraguai e Uruguai foi considerada um entrave para o desenvolvimento pleno do MERCOSUL. Tanto que Brasil e Argentina disputam quase que a mesma pauta de produção de Uruguai e Paraguai. Assim, o MERCOSUL até o início do século XX tinha poucas perspectivas de aprofundar suas relações intrabloco. Assim, de forma geral, um aspecto permanente da política externa brasileira, num mundo que passa por transformações significativas, tem sido buscar garantir uma coesão mínima no MERCOSUL de forma que se utilize a integração como plataforma para sua inserção internacional (Mariano, 2007). Da mesma forma, utilizar o MERCOSUL como a base da estratégia de integração sul-americana também tem sido um componente importante nas posições regionais do país, daí, inclusive, a necessidade de manutenção de um aparato institucional essencialmente intergovernamental, que garanta a possibilidade de entrada de novos membros. (VIGEVANI; RAMANZINI JÚNIOR, 2009: 52-3). 14 A partir dos anos 2000, no entanto, o MERCOSUL passa por uma nova etapa. A criação do bloco em meio ao contexto neoliberal foi superada por uma nova fase regional e internacional. No cenário internacional, o início do século XXI foi marcado pela atuação dos países que desfrutavam de boas condições de crescimento econômico, ao contrário dos anos 1980, os países periféricos passaram a investir mais no parque produtivo e o investimento direto externo passa a engrossar as contas nacionais. Internamente, novos rumos políticos e econômicos também favoreceram a aproximação e o aprofundamento das relações intra-bloco. A ascensão de governos considerados de esquerda na América Latina proporcionou um novo fôlego ao discurso do desenvolvimentismo. Tratava-se, pois, de recriar uma agenda voltada às questões não apenas no crescimento econômico, mas no desenvolvimento socioeconômico. O MERCOSUL a partir do início do século XXI passa a se tornar não apenas uma plataforma de inserção internacional, mas uma saída para consolidar o poder regional latino-americano por meio da expansão, por exemplo, dos Estados-signatários do bloco regional. A inserção, em um primeiro momento como Estados associados da Bolívia e Venezuela, foi decisivo para que se repensasse as bases do MERCOSUL. A tentativa de “humanizar” a até então zona de livre comércio, dando-lhe autonomia para estabelecer novas agendas que priorizassem o desenvolvimento humano foi decisivo para a expansão do bloco. Uma das propostas mais ambiciosas do bloco foi instituída no meio dos anos 2000 com a criação do programa Mercosul Social e Participativo, ou apenas Mercosul Social, uma proposta voltada para cristalização do Instituto Social do Mercosul, atendendo as demandas de não apenas setores tradicionais da economia, mas também de seus cidadãos. A ideia era criar uma cooperação no entorno do MERCOSUL, estendendo o escopo de atuação em diferentes áreas ao visar o desenvolvimento sustentável das sociedades latino-americanas. No entanto, o projeto por ser ainda novo provoca algumas indagações e nos remete a reflexões sobre a plena cooperação em meio à nova fase do MERCOSUL: um bloco comercial e social. 15 ECONOMIA SOLIDÁRIA NO MERCOSUL: UMA ALTERNATIVA AO DESENVOLVIMENTO TRADICIONAL? Os avanços do MERCOSUL para conceber a esfera social como pilar do projeto de integração foram sendo conquistados por meio do fortalecimento do bloco, apesar das assimetrias. O novo formato do MERCOSUL, o denominado MERCOSUL Social busca um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico. Em 6 de outubro de 2008, os países-membros do MERCOSUL buscavam fortalecer seus laços institucionais na tentativa de atenuar os efeitos da desigualdade social entre eles, além de promover um novo rumo às negociações multilaterais, ao passo que novos temas foram priorizados na discussão. O objetivo do MERCOSUL Social é tender as demandas da sociedade civil por meio da cooperação transnacional, envolvendo vários setores sociais dos países-membros. Esse objetivo, no entanto, está intimamente associado ao questionamento do modelo tradicional de desenvolvimento, uma vez que o a meta primordial é atenuar as assimetrias provocadas pelas desigualdades sociais. Tal projeto só pôde ser pensado não só enquanto discurso, mas também como ações concretas que envolvem diretamente a sociedade civil porque era necessário se repensar (ou ao menos dar espaço) a um modelo alternativo de desenvolvimento, que não contemplasse a lógica predatória da acumulação assimétrica do modelo capitalista. A ideia não é refutar o capitalismo, mas criar novas formas de inserção para esse modelo de modo a colocar o trabalho como ponto central da análise. Priorizar novas formas de trazer um desenvolvimento humano era reestruturar a noção de trabalho, muitas vezes explorado, competitivo e/ou quase que inexistente. Ao provocar um novo modelo pautado na valorização do trabalho, o MERCOSUL Social busca introjetar um tipo de economia denominada Economia Social Solidária (ESS). Segundo o Ministério do Trabalho brasileiro, Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. (…) A economia solidária vem se apresentando, nos últimos anos, como inovadora alternativa de geração de trabalho e renda e uma resposta a favor da inclusão social. Compreende uma 16 diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. Nesse sentido, compreende-se por economia solidária o conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizadas sob a forma de autogestão. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO - BRASIL, 2012) [grifo nosso]. Algumas características da ESS são imprescindíveis, tais como a solidariedade, nova forma de administração baseada na autogestão e a valorização do trabalho. A inovação da ESS é permitir que a organização social seja autogestionária, isto é, a ausência de uma hierarquia no arranjo cooperativo, buscando diminuir assimetrias econômicas e, desse modo, no desenvolvimento social. A ESS, portanto, se autoproclama como uma alternativa ao modelo explorador do capitalismo ao pregar a cooperação entre os países do MERCOSUL. A demanda por cooperação só possível, pois as populações compartilham certos interesses comuns de desenvolvimento socioeconômico. E a peculiaridade do projeto MERCOSUL Social está no fato de que além dos atores estatais também outros setores organizados da sociedade participam. Desse modo, toda a riqueza produzida por meio da cooperação na produção é repassada à sociedade, tornando-se um modelo também em proporções maiores, no caso regional. O MERCOSUL Social busca desde meados dos anos 2000 ratificar seu programa socioeconômico e utiliza de um congresso importante denominado Cúpula Social do MERCOSUL para ampliar os objetivos do MERCOSUL, ampliar a participação das camadas sociais, legitimando as ações sociais também em âmbito regional. (MERCOSUR SOCIAL Y SOLIDÁRIO, 2012). Ao propor uma nova forma de integração regional, os países do MERCOSUL reinauguram uma nova agenda de desenvolvimento, tornando-se um dos temas mais relevantes na agenda da integração do bloco regional. E ao proporem o desenvolvimento socioeconômico, o MERCOSUL que antes era visto como um lócus de competitividade perversa busca aprofundar os laços da 17 integração4. No entanto, esse aprofundamento nas relações paradoxalmente possui, em suas raízes, obstáculos estruturais. Além de traçarem políticas que busquem as assimetrias intra-bloco, os países signatários do MERCOSUL devem também considerar sua posição no cenário internacional. O papel periférico do bloco regional permanece quase que inalterado, mesmo os países agindo multilateralmente para conquistarem novos parceiros econômicos ou até mesmo ao se considerar a aproximação da China, principalmente o Brasil. Isso porque um dos pontos estruturais que deve ser concebido na análise dos avanços e barreiras do MERCOSUL continua sendo a Nova Divisão Internacional do Trabalho, ao qual constrói um legado perverso à periferia, inclusive ao MERCOSUL: as assimetrias de desenvolvimento mundial são em larga escala. Portanto, a Nova Divisão do Trabalho (DIT) deve ser concebida em dois níveis de análise: Em escala global: reúnem grandes potências econômicas para situarem “os escritórios financeiros” em detrimento das periferias mundiais que se tornam os grandes “celeiros” da produção de commodities mundiais, acentuando-se a relação de centro-periferia. Em escala regional: participam basicamente os grandes blocos regionais, como por exemplo, o MERCOSUL, legando a eles um papel específico para cada um dos países exerce no bloco, uma vez que existem as assimetrias de desenvolvimento, podendo acentuar uma competição intra-regional (PASSOS, 2012: 44). O que o MERCOSUL Social busca é amenizar os transbordamentos da posição dos países provocada pela Nova Divisão do Trabalho, tanto em escala global, quanto em escala regional. E a Economia Social Solidária é um instrumento que já existia independente do projeto social do bloco, mas que está sendo inculcado na produção das diferentes partes das sociedades desses países. Alguns dos exemplos já acontecem no entorno regional, como os Clubes de Troca, principalmente entre Brasil e Argentina: 4 Apesar das recentes notícias de transformações políticas no Paraguai, bem como os questionamentos sobre a ordem democrática que estão ocorrendo desde junho de 2012, o artigo não remete a essa trajetória, uma vez que os rumos políticos e diplomáticos nesse momento de consecução da análise são incertos e qualquer análise sobre tal questão pode se precipitada. 18 Os clubes de trocas são alternativas para a geração de renda por meio das trocas de bens e serviços dos membros participantes dentro de uma estrutura institucionalizada e formam-se por meio da iniciativa da sociedade e são associações de pessoas que normalmente, em momentos de crises, estão desempregadas e não possuem renda para sobreviver aos problemas que vão surgindo em virtude da instabilidade econômica. (…) Com isso, as pessoas que pertencem a esses grupos se reúnem com o intuito de valorizar seus trabalhos e não visam pelo acúmulo de riquezas, mas, sim, à solidariedade e à intensificação das relações sociais. (RASXID, 2012: 55) Um dos pontos fortes que os clubes de troca trouxeram a ambos os países foi a possibilidade de se transformarem em fontes de renda aos desempregados, esses originários das crises econômicas – em 1999 no Brasil e em 2001 na Argentina. A diversificação da produção em pequena escala quase que por meio do escambo permitiu atenuar os efeitos sociais da crise. No âmbito do MERCOSUL, - que ainda se discutia os trâmites comerciais em alta escala de produtos agrícolas, manufaturados e semi-manufaturados – abriu uma nova janela de oportunidade para se repensar as relações transnacionais que não passassem apenas pelas relações formais estatais. Um dos exemplos são as grandes feiras de Clubes de Troca, organizadas espaçada e autonomamente pelos seus organizadores 5. Outro exemplo importante que também envolve a organização do trabalho tem sido a agricultura familiar. Com a disseminação do agrobusiness principalmente para abastecer o mercado consumidor de países emergentes, os países priorizaram em sua pauta de exportação commodities agrícolas, o que fez com que os pequenos produtores fossem deixados à margem nos direitos e benefícios de créditos e subsídios à produção. Para sanar as grandes debilidades, pequenos produtores reuniram-se em cooperativas de agricultura familiar, de modo a tornar institucionalizada a cooperação entre os setores rurais de pequena escala. Um dos países que se destacam no MERCOSUL por essa prática tem sido o Brasil e Uruguai, uma vez que ambos são países cujos territórios têm vasta extensão de produção de commodities e participam 5 Para maiores informações, vide artigo RASXID, Caukeb. Clubes de Trocas: uma análise no Brasil e na Argentina e seus reflexos no MERCOSUL. . In: CERI/OFTA. MERCOSUL 20 anos: da integração regional às possibilidades transnacionais de conflito e cooperação. Campinas/SP 2012. 19 ativamente do PRONAF (Programa Nacional de Agricultura Familiar). Para ratificar os direitos da pequena produção mesmo no MERCOSUL, (…) a união de agricultores familiares em cooperativas, foi necessária para que fosse possível diminuir esses impactos do agronegócio na agricultura familiar. Assim elas têm por objetivo a melhoria da qualidade de vida por meio da propriedade coletiva do capital e da liberdade individual e coletiva, atuando no sentido de proteger esse agricultor familiar dos constrangimentos gerados pela agroindústria, principalmente em um momento em que a nova divisão internacional do trabalho dá outra dimensão aos processos produtivos por meio da maior especialização e, inclusive, reprimarização das economias periféricas. Por reprimarização da economia entende-se a volta da dependência econômica da exportação de commodities como elo principal do desenvolvimento do país. (BACHEGA, 2012: 91) 6 Já a tecnologia social desponta como um instrumento, também de caráter cooperativo, que está sendo utilizado pelo MERCOSUL Social. A tecnologia convencional é utilizada muitas vezes por grandes empresas cujas patentes não possibilitam a disseminação do conhecimento e que tem consequências desastrosas para o mundo do trabalho. O objetivo do desenvolvimento da tecnologia convencional é aliar um produto com alta inovação tecnológica a custos baixos, o que muitas vezes deriva em desemprego nas áreas de trabalho de baixa qualificação. Para buscar uma inovação tecnológica que busque a diminuição das assimetrias socioeconômicas, a tecnologia social tem sido utilizada para atender às demandas sociais. Por tecnologia social entende-se por uma tecnologia que busca inclusão social e não tem necessariamente a finalidade do lucro de seus idealizadores. Dessa forma, a Tecnologia Social deve ser adaptada ao reduzido tamanho físico e financeiro do produtor, além de não apresentar uma discriminação, liberada da dicotomia patrãoempregado, ela é orientada para um mercado interno de massa viabilizando economicamente os empreendimentos autogestionários. Sua aliança com a Economia solidária tem a intenção de buscar uma mudança de valores acerca do crescimento econômico e do desenvolvimento econômico, trazendo uma mudança qualitativa na vida daqueles que são 6 Para maiores informações, vide artigo BACHEGA, Daniela C. Economia Social Solidária: O caso das cooperativas de agricultura familiar no Brasil e no Uruguai. . In: CERI/OFTA. MERCOSUL 20 anos: da integração regional às possibilidades transnacionais de conflito e cooperação. Campinas/SP 2012. 20 excluídos socialmente, a partir da inclusão de tais pessoas no ciclo de acumulação, afastando-os da pobreza e da miséria e proporcionando-os condições de subsistência. A tecnologia social é, senão, a ferramenta primordial da Economia Solidária, capaz de implementar os princípios teóricos adotados por esta. (FRANCO, 2012: 120) No âmbito do MERCOSUL Social, a transferência de tecnologia tem sido utilizada para aproximar os laços de cooperação, sobretudo entre Brasil e Paraguai no que se refere à transferência de tecnologia de biocombustíveis. Pioneiros e um dos maiores produtores de biocombustíveis da América do Sul, ambos os países buscam por saídas de menor impacto tanto na questão ambiental, quanto na questão social. 7 Por fim, um dos exemplos também notórios de Economia Social Solidária no MERCOSUL é a iniciativa das cadeias de reciclagem. Atendendo a uma demanda mundial, o desenvolvimento sustentável se tornou um dos grandes retornos econômicos para as periferias. O “mercado do lixo” permitiu que camadas sociais que viviam informalmente da reciclagem pudessem formalizar seus trabalhos. No âmbito do MERCOSUL Social, um dos trabalhos notórios tem sido a cooperação de cadeias de reciclagem entre Brasil e Uruguai. 8 De modo a promover um fortalecimento do cooperativismo internacional, há uma busca por parcerias e formação de redes econômicas que compartilhem de interesses cooperativistas semelhantes como tentativa de combate à exploração exacerbada do capital. Seguindo esses padrões supracitados, se deu a cooperação entre Brasil e Uruguai nas cadeias de reciclagem, (…) viabilizando uma constante movimentação econômica entre os dois países. (BENATTI, 2012: 136) A cooperação entre as cooperativas de reciclagem busca, portanto, aprofundar os laços do desenvolvimento no MERCOSUL, ao retirar tal atividade da informalidade e, assim fortalecer as economias do bloco. 7 Para maiores informações, vide artigo FRANCO, Luis Eduardo M. Transferência de tecnologia de biocombustíveis entre Brasil e Paraguai: uma cooperação através da tecnologia social. . In: CERI/OFTA. MERCOSUL 20 anos: da integração regional às possibilidades transnacionais de conflito e cooperação. Campinas/SP 2012. 8 Para maiores informações, vide artigo BENATTI, Gabriela. S. S. Desenvolvimento de cadeias de reciclagem e os limites da cooperação entre Brasil e Uruguai. . In: CERI/OFTA. MERCOSUL 20 anos: da integração regional às possibilidades transnacionais de conflito e cooperação. Campinas/SP 2012. 21 Apesar das inúmeras iniciativas das sociedades dos países do MERCOSUL e suas respectivas tentativas de se buscar um novo conceito de desenvolvimento, o projeto MERCOSUL Social ainda é embrionário e tais projetos de cooperação derivam-se dos esforços dos atores não-estatais em fortalecer os laços transnacionais do bloco regional. Dessa forma, a trajetória do MERCOSUL nessa nova etapa ainda requer muito empenho e investimento também dos países signatários. Em outras palavras, a cooperação e o novo projeto do MERCOSUL Social depende da crescente interação entre Estado e Sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A América Latina em pleno século XXI vivencia um período de grandes transformações. Sua tentativa de inserção diferenciada dentro do cenário internacional “centro-periferia” mostra paulatinamente que a agenda dos países tem se voltado para repensar o desenvolvimento na região. A busca por novas oportunidades, apesar da condição estrutural a que esses países se deparam, é a nova política que marca a cooperação entre os países, principalmente na região latino-americana. Ao pensar a trajetória histórica de dependência da periferia, especialmente no que se refere ao atrelamento de suas políticas nacionais às políticas econômicas internacionais, a América Latina almeja novas alternativas de se tornar autônoma nas definições da agenda nacional. Novos temas emergiram no final do século XX como uma tentativa de solucionar recessões que levaram ao agravamento das más condições socioeconômicas na região. Ao adotar o neoliberalismo como a única cartilha disponível para sanar a crise, a América Latina aprofundou ainda mais os laços de dependência e subdesenvolvimento. Foi nesse período que o MERCOSUL fora projetado. A perspectiva de novas oportunidades a partir da institucionalização do bloco regional mostrou-se insuficiente durante a década de 1990, ao passo que a configuração inicial do bloco olhava apenas para as questões comerciais como forma de se desvencilharem do passado de dependência. No entanto, para se pensar o desenvolvimento era necessário também conceber além das transações comerciais. É necessário também se pensar e promover a 22 igualdade social. Por isso que o bloco essencialmente comercial como o MERCOSUL era em sua fase inicial não refletia as reais necessidades da América Latina. Era imperativo que os países periféricos passassem a dedicar a maior parte de sua agenda de desenvolvimento para suas sociedades. É nesse sentido que o MERCOSUL Social foi uma estratégia para ampliar o escopo de atuação política. Não se tratava apenas da dimensão econômica, mas da socioeconômica, capaz de desenvolver também a esfera social. E, ao priorizar uma agenda mais social, um dos instrumentos que se adequou aos princípios das necessidades do bloco regional em sua nova fase fora a Economia Social Solidária (ESS). Baseada em princípios de solidariedade, autogestão e cooperação, a ESS tem sido utilizada para expandir o MERCOSUL Social, indicando novos rumos para o bloco regional. Um dos exemplos indicados no artigo foram os clubes de troca, agricultura familiar, tecnologia social e cooperação de cadeias de reciclagem. Todos os exemplos tem em comum o fato de que são iniciativas que buscam incorporar os trabalhadores que por muito tempo estiveram à margem dos benefícios sociais. Desse modo, torna-se imprescindível o MERCOSUL também adotar medidas não-estatais e transnacionais para a implementação de um projeto mais social. No entanto, é necessário ter uma dimensão mais analiticamente crítica do projeto. A consecução da ampliação do MERCOSUL só pode ser possível se houver uma pré-disposição interna entre seus países-signatários bem como um contexto internacional favorável. Devido à crise econômica no final dos anos 2000 de alguns países centrais, a periferia, principalmente alguns países que não foram tão diretamente afetados pela recessão devem buscar novas formas de se inserirem internacionalmente. E o MERCOSUL, que vivencia uma nova fase, deve prospectar e aprofundar os laços de integração para que esses projetos possam ter fôlego no cenário internacional nos próximos anos. 23 REFERÊNCIAS BELLUZZO, Luiz G. Os antecedentes da tormenta: origens da crise global. São Paulo: Unesp; Campinas,SP: FACAMP, 2009. BERCOVICI, Gilberto. O Estado de Exceção Econômico e a Periferia do Capitalismo. E-premissas – Revista de Estudos Estratégicos. nº 2 jan/ jun 2007. CEPAL, Anuario estadístico de América Latina y el Caribe, 2011. 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