ELETROMAGNETISMO I 18 DIVERGÊNCIA DO FLUXO ELÉTRICO E TEOREMA DA DIVERGÊNCIA 3 3.1 - A LEI DE GAUSS APLICADA A UM ELEMENTO DIFERENCIAL DE VOLUME Vimos que a Lei de Gauss permite estudar o comportamento do campo elétrico devido a certas distribuições especiais de carga. Entretanto, para ser utilizada, a Lei de Gauss exige que a simetria do problema seja conhecida, de forma a resultar que a componente normal do vetor densidade de fluxo elétrico em qualquer ponto da superfície gaussiana seja ou constante ou nula. Neste capítulo pretendemos considerar a aplicação da Lei de Gauss a problemas que não possuem simetria. Suponhamos um volume incremental ∆v extremamente pequeno, porém finito e envolto por uma superfície fechada S. Se assumirmos uma densidade de carga uniforme neste incremento de volume, a carga ∆Q será o produto da densidade volumétrica de carga ρ pelo volume ∆v. Pela Lei de Gauss, podemos escrever: r r ∫ D ⋅ dS = ρ∆v (3.1) S Dz + (∂Dz/∂z)∆z z Dx ∆z P Dy Dy + (∂Dy/∂y)∆y ∆x ∆y y Dx + (∂Dx/∂x)∆x x Dz Figura. 3.1 Volume incremental em torno do ponto P. Vamos agora desenvolver a integral de superfície da equação acima, sobre uma superfície gaussiana elementar que engloba o volume ∆v. Este volume está representado na figura 3.1, e é formado pelas superfícies incrementais ∆x.∆y, ∆y.∆z, e ∆z.∆x. Considere um ponto P(x, y, z) envolvido pela superfície gaussiana formada pelas superfícies r incrementais. A expressão para a densidade de fluxo elétrico D no ponto P‚ em coordenadas cartesianas será dada por: r D = D x 0 .â x + D y 0 .â y + D z 0 .â z (3.2) A integral sobre a superfície fechada é dividida em seis integrais, uma sobre cada lado do volume ∆v. r r ∫ D ⋅ dS = ∫frente +∫atrás + ∫esq. +∫dir. +∫topo +∫base S Para a primeira delas, na parte da frente, temos: UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino (3.3) ELETROMAGNETISMO I ∫frente r r r ≅ D frente ⋅ ∆Sfrente = D frente .∆y.∆zâ x = D x .∆y.∆z 19 (3.4) r (Dx é a componente de D normal ao plano yz). Aproximando o resultado Dx.∆y.∆z pelos dois primeiros termos da expansão em série de Taylor em torno de Dx0 no ponto P vem: D x ∆y∆z = D x 0 ∆y∆z+ ∆x ∂ (D x ∆y∆z) 2 ∂x (3.5) Neste caso, como ∆y e ∆z são independentes em relação a x: ⎛ ∫frente =⎜ D x 0 + ⎝ ∆x ∂D x ⎞ . ⎟.∆y.∆z 2 ∂x ⎠ (3.6) Consideremos agora a integral na superfície da parte de trás, ∫atrás : ∫ atrás r r r ∆x ∂ ⎡ ⎤ (D x ∆y∆z)⎥ = D atrás ⋅ ∆Satrás = D atrás ∆y∆z(− â x ) = − ⎢D x 0 ∆y∆z − 2 x ∂ ⎣ ⎦ (3.7) Nesta face o vetor unitário âx em ∆s tem direção negativa. Da mesma forma, considerando a independência de ∆y e ∆z em relação a x, temos: ∫atrás ∆x ∂D x ⎞ ⎛ = ⎜ − D x0 + . ⎟∆y.∆z 2 ∂x ⎠ ⎝ (3.8) Combinando as duas integrais ao longo do eixo x: ∫frente + ∫atrás ≅ ∂D x .∆x.∆y.∆z ∂x (3.9) Utilizando o mesmo raciocínio para as outras faces, as integrais restantes ficam: ∫dir. + ∫esq. ≅ ∂D y ∫topo + ∫base ≅ ∂y .∆x.∆y.∆z (3.10) ∂D z .∆x.∆y.∆z ∂z (3.11) Assim a equação (3.3) fica: r r ⎛ ∂D x ∂D y ∂D z + + ∂x ∂y ∂z ∫ D ⋅ dS ≅ ⎜⎜⎝ S ⎞ ⎟∆v ⎟ ⎠ (3.12) A expressão acima diz que o fluxo elétrico que atravessa uma superfície fechada muito pequena é igual ao produto entre o volume compreendido por essa superfície e a soma das derivadas parciais r das componentes do vetor D em relação às suas próprias direções. Igualando-se as equações 3.1 e 3.12, e em seguida dividindo todos os termos por ∆v, tem-se: UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I r r D ∫ ⋅ dS S ∆v = 20 ∂D x ∂D y ∂D z =ρ + + ∂z ∂x ∂y (3.13) Tratando-se de uma região pontual, podemos passar ao limite, com ∆v tendendo a zero, obtendo: r r lim ∫SD ⋅ dS ∂D x ∂D y ∂D z =ρ + + = ∆v→0 ∆v ∂z ∂x ∂y (3.14) 3.2 - DIVERGÊNCIA A operação indicada pela equação 3.14 não é pertinente apenas ao fenômeno elétrico ora em estudo. Surge tantas vezes no estudo de outras grandezas físicas descritas por campos vetoriais, que os cientistas e os matemáticos do século passado resolveram designá-la com um nome especial e genérico: Divergência. r Matematicamente, a divergência de um campo vetorial A pode ser assim definida: r r r r lim ∫SA ⋅ dS Divergência de A = divA = ∆v→0 ∆v Conceito (3.15) r A divergência do vetor densidade de fluxo A (que representa um fenômeno físico qualquer) é a variação do fluxo através da superfície fechada de um pequeno volume que tende a zero A divergência é uma operação matemática sobre um vetor, cujo resultado é um escalar. É definida como sendo a soma das derivadas parciais das componentes do vetor, cada uma em relação à sua própria direção. A partir da definição da divergência e da equação 3.14, apresentamos a 1ª equação de Maxwell. Em termos pontuais: r div.D =ρ (3.16) A equação 3.14 estabelece que o fluxo elétrico por unidade de volume deixando um volume infinitesimal é igual à densidade volumétrica de carga neste ponto. Esta equação também é conhecida como a forma diferencial da Lei de Gauss, expressa como uma soma de derivadas parciais espaciais ou direcionais. 3.3 - O OPERADOR ∇ (nabla) E O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA O operador ∇ é definido como sendo o operador vetorial diferencial: ∇= ∂ ∂ ∂ .â x + .â y + .â z ∂x ∂y ∂z (3.17) r Realizando o produto escalar ∇ ⋅ D , tem-se: r ⎛ ∂ ⎞ ∂ ∂ ∇ ⋅ D = ⎜⎜ .â x + .â y + .â z ⎟⎟ ⋅ D x .â x +D y .â y + D z .â z ∂y ∂z ⎠ ⎝ ∂x ( ) Lembrando que o produto escalar entre vetores ortogonais é nulo, o resultado será: UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino (3.18) ELETROMAGNETISMO I 21 r ∂D ∂D y ∂D z ∇ ⋅ D= x + + ∂x ∂y ∂z (3.19) ou ainda por (3.16): r ∇ ⋅ D =ρ (3.20) O operador ∇ não é utilizado somente em operações de divergência, mas também em outras operações vetoriais. Ele é definido somente em coordenadas cartesianas. A princípio, a expressão r r ∇ ⋅ D serviria apenas para se calcular as derivadas parciais do divergente do vetor D em r coordenadas cartesianas. Entretanto, num abuso de linguagem, a expressão ∇ ⋅ D como sendo a divergência do vetor densidade de fluxo elétrico é consagrada e pode ser utilizada mesmo quando o vetor é definido em outros sistemas de referência (ou coordenadas). Em coordenadas cilíndricas: r 1 ∂ (rD r ) 1 ∂D φ ∂D z + ∇ ⋅ D= + r ∂r r ∂φ ∂z (3.21) Em coordenadas esféricas: r 1 ∂ 2 ∂D φ 1 ∂ (D θsenθ) + 1 ∇ ⋅ D= 2 r Dr + rsenθ ∂θ rsenθ ∂φ r ∂r ( ) (3.22) Entretanto, deve-se lembrar, porém, que ∇ não possui uma forma especifica para estes tipos de sistemas de coordenadas. Finalmente, vamos associar a divergência à Lei de Gauss, para obter o teorema da divergência. Lembrando que: r r ∫SD ⋅ dS =∫vol ρ.dv e r ∇ ⋅ D =ρ podemos escrever: ∫SD ⋅ dS = ∫vol (∇ ⋅ D)dv r r r (3.23) A equação 3.23 é o Teorema da Divergência ou teorema de Gauss (para diferenciar da Lei de Gauss). Estabelece que a integral da componente normal de qualquer campo vetorial sobre uma superfície fechada é igual à integral da divergência deste campo através do volume envolvido por essa superfície fechada. Uma maneira simples de se entender fisicamente o teorema da divergência é através da figura 3.2. Um volume v, delimitado por uma superfície fechada S é subdividido em pequenos volumes incrementais, ou células. O fluxo que diverge de cada célula converge para as células vizinhas, a não ser que a célula possua um de seus lados sobre a superfície fechada S. Então a soma da divergência da densidade de fluxo de todas as células será igual à soma do fluxo liquido sobre a superfície fechada que envolve o volume em questão. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I 22 Figura 3.2 Volume v subdividido em volumes incrementais. Exemplo 3.1 Calcular os dois lados do teorema da divergência, para uma densidade de fluxo elétrico r D=xy 2 .â x + yx 2 .â y , em um cubo de arestas igual a 2 unidades. Solução: Vamos colocar a origem do sistema de coordenadas cartesianas em um dos vértices. Para o outro lado, a divergência do campo fica: r r ∂D ∂D y ∂D z ∇ ⋅ D= x + + ∂x ∂y ∂z O vetor D possui componentes nas direções x e y. Portanto, a princípio, a integral de superfície deve ser calculada sobre 4 lados do cubo: r ∇.D = x 2 + y 2 r r ∫ D.dS= ∫frente +∫atrás +∫esq. +∫dir 32 2 2 2.y 2 .a x dy.dz.a x = 0 0 ∫frente =∫ ∫ O outro lado da equação, numa integração de volume passa a ser escrito: 3 r ( )dv = ∫ ∫ ∫ (x ∇ ⋅ D ∫ 2 2 2 2 2 0.y 2 .a x .dy.dz.( −a x ) = 0 0 0 vol ∫atrás =∫ ∫ r ( )dv=2∫ ∫ (x ∇ ⋅ D ∫ 2 2 2 2 0.x 2 .a y .dx.dz.( −a y ) = 0 0 0 ∫esq. =∫ ∫ vol r 3 r r 64 ∫ D.dS= 3 0 0 ∫vol (∇ ⋅ D )dv = 4⎜⎝ ∫0 x 32 2 2 2.x 2 .a y .dx.dz.a y = 0 0 ∫dir. =∫ ∫ 2 0 0 0 ⎛ 2 2 ) + y 2 dx.dy.dz 2 ) + y 2 dy.dx 2 dx + ∫ y 2 dy ⎞⎟ 0 ⎠ r ( )dv = 643 ∇ ⋅ D ∫ vol Este capítulo apresenta uma generalização da lei de Gauss, aplicada pontualmente a volumes elementares com o recurso de um operador vetorial sobre a densidade de fluxo originado pelo campo elétrico proveniente de uma distribuição volumétrica de cargas. A equação (3.16),ou a (3.20) escrita de outra forma, nos mostra um fluxo divergente do vetor densidade de fluxo elétrico originado de uma carga elementar, de natureza positiva, indicada pela sua densidade volumétrica. Genericamente, se o divergente de um campo vetorial for positivo, este indica a presença de uma fonte de fluxos divergentes do ponto dado. O divergente negativo, por sua vez, indica a presença de um sorvedouro ou de uma fonte de fluxos convergentes ao ponto. Não havendo fonte geradora de fluxos o divergente do campo no ponto correspondente será nulo. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I 23 EXERCÍCIOS r r 1) Dado A = (3x2 + y). a$ x + ( x − y2 ). a$ y calcule ∇. A . r 2) Deduza a expressão do divergente de um campo vetorial D para os sistemas de coordenadas cilíndricas e esféricas. r r 3) Dado D = ρ 0 z â z para a região definida por –1 ≤ z ≤ 1 e D = ( ρ 0 z / | z | )â z para os demais pontos do espaço, encontre a densidade de cargas elétricas. r 4) Para a região 0 < r ≤ 2 m (coordenadas cilíndricas), D = (4r −1 + 2e −0,5 r +4r −1e −0,5 r )â r , e para r r > 2m, D = (2,057r −1 ).â r . Obter a densidade volumétrica de cargas ρ para ambas as regiões. r 5) Uma linha uniforme de cargas de densidade ρl pertence ao eixo z. (a) Mostre que ∇.D=0 em qualquer lugar, exceto na linha de cargas. (b) substitua a linha de cargas por uma densidade volumétrica de cargas ρ0 em 0 ≤ r ≤ r0 m. Relacione ρl com ρ0 modo que a carga por unidade r de comprimento seja a mesma. Determine então ∇.D em toda parte. 6) A região r ≤ 2 m (coordenadas esféricas) possui um campo elétrico r E = (5 r x 10 −5 / ε 0 ) â r (V/m). Determine a carga envolvida pela casca definida por r = 2 m. 7) Mostre e justifique porque o divergente do campo elétrico gerado por uma distribuição uniforme e superficial de cargas é nulo. r 8) Mostre que ∇. E é zero para o campo de uma linha uniformemente carregada. Mostre r também que o campo D devido a uma carga pontual tem uma divergência nula. Discuta o problema fisicamente, explicando o motivo de tais comportamentos. r 9) Dado D= (10r 3 4 ).â r em coordenadas cilíndricas, calcule cada um dos lados do teorema da divergência, para o volume limitado por r = 3 m, z = 2 m e z = 12 m r 10) Dado o campo A = 30 e − r â r − 2 z â z , calcule ambos os lados do teorema da divergência para o volume definido por r = 2, z =0 e z = 5. r 11) Dado D =10 sen θ.â r + 2 cos θ.â θ , pede-se calcular ambos os lados do teorema da divergência, para o volume limitado pela casca r = 3 m. r 12) Dado D = (10 r 3 / 4 ) â r (C/m2), calcule ambos os lados do teorema da divergência para o volume limitado por r = 1m, r = 2m, z = 0 e z = 10m. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO I 24 13) Dipolo Elétrico, ou simplesmente dipolo, é o nome dado ao conjunto de duas cargas pontuais de igual magnitude e sinais opostos, separadas por uma distância pequena comparada com a distância ao ponto P onde se deseja conhecer o campo elétrico. O ponto P descrito em coordenadas esféricas (figura abaixo), por r, θ e φ = 90 graus é visto em simetria azimutal. As cargas positivas e negativas estão separadas por d, e localizadas em (0,0,d/2) m e (0,0,-d/2). r Se o campo no ponto P é E = Qd (2 cos θ.â r + sen θ.â θ ) , mostre que a divergência deste 4 πε 0 r 3 campo é nula. y P R1 r Qθ R2 d x -Q Figura para o problema 13. UNESP – Naasson Pereira de Alcantara Junior – Claudio Vara de Aquino