INSTRUÇÃO: As questões de números 01 a 03 tomam por base uma crônica de Fernando Pessoa (1888-1935). Crônica da vida que passa Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade. A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes de sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas ações — ridiculamente humanas às vezes — que ele quereria invisíveis, côa-as a lente da celebridade para espetaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade. Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de gênio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu gênio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz. E é por isto que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos. Penso às vezes nisto coloridamente. E aquela frase de que “homem de gênio desconhecido” é o mais belo de todos os destinos, torna-se-me inegável; parece-me que esse é não só o mais belo, mas o maior dos destinos. (FERNANDO PESSOA. Páginas íntimas e de auto-interpretação. Lisboa: Edições Ática, [s.d.], p. 66-67.) 1. Na crônica apresentada, Fernando Pessoa atribui três características negativas à celebridade, descrevendo-as no segundo, terceiro e quarto parágrafos. Releia esses parágrafos e aponte os três substantivos empregados pelo poeta que sintetizam essas características negativas da celebridade. 2. Considerando que os dicionários apontam diversas acepções para “obscuridade”, nem todas limitadas ao plano sensorial, verifique atentamente os empregos dessa palavra que Fernando Pessoa faz no terceiro parágrafo de sua crônica e, em seguida, identifique a acepção mobilizada pelo autor. 3. Explique, com base no texto como um todo, a imagem empregada por Pessoa no segundo parágrafo: “tornam-se de vidro as paredes de sua vida doméstica”. 4. Leia, a seguir, um fragmento de Memorial do convento. Trata-se de um romance histórico que narra as peripécias de várias personagens. Estas se cruzam a partir do seguinte fato: D. João V, o Magnânimo (1706-1750), casado com D. Maria Ana de Áustria, manda erigir um convento franciscano em Mafra, como promessa para conseguir gerar um filho. A linguagem tenta reproduzir o português daquela época. D. Maria Ana não irá hoje ao auto-de-fé. Está de luto por seu irmão José, imperador da Áustria, que em pouquíssimos dias o tomaram as bexigas, verdadeiras, e morreu delas, tendo somente trinta e três anos, mas a razão por que ficará no resguardo dos aposentos não é essa, muito mal andariam os Estados quando uma rainha afracasse por esse pouco, se para tão grandes e maiores golpes são educadas. Apesar de já ir no quinto mês, ainda sofre de enjôos naturais, que, no entanto, também não bastariam a desviar-lhe a devoção e os sentidos de vista, ouvido e cheiro da solene cerimônia, tão levantadeira de almas, acto tão de fé, a procissão compassada, a descansada leitura das sentenças, as descaídas figuras dos condenados, as lastimosas vozes, o cheiro da carne estalando quando lhe chegam as labaredas e vai pingando para as brasas a pouca gordura que sobejou dos cárceres. D. Maria Ana não estará no auto-de- fé porque, apesar de prenha, três vezes a sangraram, e isso foilhe causa de grande debilitação [ ... ]. Porém hoje é dia de alegria geral, porventura a palavra será imprópria, porque o gosto vem de mais fundo, talvez da alma, olhar esta cidade saindo de suas casas, despejando-se pelas ruas e praças, descendo dos altos, juntando-se no Rossio para ver justiçar a judeus e cristãosnovos, a hereges e feiticeiros, fora aqueles casos menos correntemente qualificáveis [ ... ]. São cento e quatro as pessoas que hoje saem, as mais delas vindas do Brasil, úbere terreno para diamantes e impiedades, sendo cinqüenta e um os homens e cinqüenta e três as mulheres. (José Saramago. Memorial do convento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p. 49-50.) a) Existe no texto uma inadequação entre a crueldade do "espetáculo" a que se vai assistir e a reação que isso provoca nos populares, o que produz um efeito irônico. Que reação é essa? Explique sua inadequação, justificando com elementos do texto. b) Retire do texto alguns exemplos de linguagem antiquada, tanto no vocabulário como na sintaxe. Textos para as questões 5 e 6 TEXTO 1 NEVOEIRO Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer – Brilho sem luz e sem arder, Como o que o fogo fátuo encerra. Ninguém sabe que coisa quere. Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ancia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo disperso, nada inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro... É a Hora! TEXTO 2 HORA MORTA Lenta e lenta a hora Por mim dentro soa (Alma que se ignora!) Lenta e lenta e lenta. Lenta e sonolenta A lua se escoa... Tudo tão inútil! Tão como que doente Tão divinamente Fútil – ah, tão fútil Sonho que se sente De si próprio ausente... (...) Que morta esta hora! Que alma minha chora Tão perdida e alheia?... Mar batendo na areia Pra quê? Pra quê? Pra ser o que se vê? Na alva areia batendo? Só isto? Não há Lâmpada de haver – - Um – sentimento ardendo Dentro da hora – já Espuma de morrer? 5. Retire do texto 1 a definição que Pessoa dá de Portugal. 6. Pessoa viveu num momento de ruptura definitiva entre o tradicional e o moderno, do qual ele tem aguda consciência. Retire dos textos fragmentos que expressem isso. Justifique. Nos dois poemas a seguir, Tomás Antônio Gonzaga e Ricardo Reis refletem, de maneira diferente, sobre a passagem do tempo, dela extraindo uma "filosofia de vida". Leia-os com atenção e responda a questão 7. LIRA 14 (Parte I) Minha bela Marília, tudo passa; a sorte deste mundo é mal segura; se vem depois dos males a ventura, vem depois dos prazeres a desgraça. .................................................................... Que havemos de esperar, Marília bela? que vão passando os florescentes dias? As glórias, que vêm tarde, já vêm frias; e pode enfim mudar-se a nossa estrela. Ah! não, minha Marília, Aproveite-se o tempo, antes que faça o estrago de roubar ao corpo as forças e ao semblante a graça. (TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA," Marília de Dirceu") .................................................................... Quando, Lídia, vier o nosso outono Com o inverno que há nele, reservemos Um pensamento, não para a futura Primavera, que é de outrem, Nem para o estio, de quem somos mortos, Senão para o que fica do que passa O amarelo atual que as folhas vivem E as torna diferentes. (RICARDO REIS, "Odes") a) Em que consiste a "filosofia de vida" que a passagem do tempo sugere ao eu lírico do poema de Tomás Antônio Gonzaga? b) Ricardo Reis associa a passagem do tempo às estações do ano. Que sentido é dado, em seu poema, ao outono? (0,5) c) Os dois poetas valorizam o momento presente, embora o façam de maneira diferente. Em que consiste essa diferença? 8. O poema abaixo pertence ao Cancioneiro de Fernando Pessoa. 1 Ah, quanta vez, na hora suave 2 Em que me esqueço, 3 Vejo passar um vôo de ave 4 E me entristeço! 5 Por que é ligeiro, leve, certo 6 No ar de amavio? 7 Por que vai sob o céu aberto 8 Um desvio? 9 Por que ter asas simboliza 10 A liberdade 11 Que a vida nega e a alma precisa? 12 Sei que me invade 13 Um horror de ter que cobre 14 Como uma cheia 15 Meu coração, e entorna sobre 16 Minh’alma alheia 17 Um desejo, não de ser ave, 18 Mas de poder 19 Ter não sei quê do vôo suave 20 Dentre em meu ser. amavio – feitiço, encanto (Fernando Pessoa, Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1995, p. 138). a) identifique o recurso linguístico que representa a ave tanto no plano sonoro no imagético. b) que relação o eu-lírico estabelece entre a tristeza e a liberdade? c) interprete o fato de que as três interrogações (do verso 5 ao 11) são respondidas, a partir do verso 12, em uma única e longa frase. Leia o texto a seguir para responder as questões de número 9 a 12. AUTOPSICOGRAFIA (Cancioneiro) O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama o coração. calha: cano de zinco ou de cobre em que se escoam águas pluviais; comboio: trem; grupo de carros com o mesmo destino. 9. O poema apresenta como tema a criação artística, desenvolvendo-o em três níveis, demarcados pelas estrofes. De que trata cada uma das estrofes? 10. Levando em conta que o poeta é um fingidor, levante hipóteses; por que, de acordo com a 1ª estrofe, o poeta “chega a fingir que dor / A dor que deveras sente”? 11. De acordo com a 2ª estrofe: a) A que dores se refere o texto no verso “Não as duas que ele teve”? b) Os leitores não sentem as duas dores do poeta, “Mas só a que eles não têm”. Levante hipóteses: que dor pode ser sentida pelos leitores? 12. Na última estrofe, são aproximados dois elementos que, historicamente, são a base da criação artística em todos os tempos, ora com o predomínio de um, ora com o predomínio de outro. a) Quais são esses elementos? b) Que importância têm esses elementos no jogo da criação literária? EXERCÍCIOS 1- “Olá, guardador de rebanhos, Aí à beira da estrada, Que te diz o vento que passa?” “Que é vento, e que passa, E que passou antes, E que passará depois. O vento só fala do vento. E a ti o que te diz?” “Muita cousa mais do que isso. Fala-me de muitas outras cousas. De memórias e de saudades E de cousas que nunca foram.” “Nunca ouviste passar o vento. O que lhe ouviste foi mentira, E a mentira está em ti.” Comente as diferentes visões do vento que o diálogo nos expõe. Que pensa sobre o vento o guardador de rebanhos? E seu interlocutor? O que nos mostra esse poema sobre a concepção de mundo de Alberto Caeiro? 2- “Ao longe os montes têm neve ao sol, Mas tal como é, gozemos o momento, Mas é suave já o frio calmo Solenes na alegria levemente, Que alisa e agudece E aguardando Os dardos do sol alto. Como quem a conhece.” Hoje, Neera, não nos escondamos, Nada nos falta, porque nada somos. Não esperamos nada E temos frio ao sol. Aponte, no poema acima, elementos que nos permitam caracterizar o “carpe diem”e o epicurismo, todos componentes da poesia de Ricardo Reis. 3- “Não a ti, Cristo, odeio ou menosprezo Que aos outros deuses que te precederam Na memória dos homens. Nem mais nem menos és, mas outro deus.” Segundo Ricardo Reis, qual o papel de Cristo em relação aos outros deuses? Essa concepção pode ser considerada pagã? Explique. 4- DATILOGRAFIA “Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano, Firmo o projeto, aqui isolado, Remoto até de quem eu sou. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, O tique-taque estalado das máquinas de escrever. Que náusea da vida! Que abjeção esta regularidade! Que sono este ser assim!” Aponte no texto as características marcantes de Álvaro de Campos. 5- Leia atentamente o poema de José Paulo Paes, poeta brasileiro contemporâneo: FALSO DIÁLOGO ENTRE PESSOA E CAEIRO - a chuva me deixa triste... - a mim me deixa molhado O que você acha do contraste extremamente sintético que José Paulo Paes fez entre Pessoa e Caeiro? Ele lhe parece apropriado? Comente-o.