Como a alfabetização influencia o funcionamento do nosso cérebro

Como a alfabetização influencia o funcionamento do
nosso cérebro
O que é a pesquisa?
Será que o aprendizado das letras e das palavras ajuda o nosso cérebro a melhorar outras
funções não ligadas à leitura? Será que, ao adquirirmos a habilidade de ler, outras
funções do cérebro podem ser estimuladas? O que se conhece a respeito do cerébro e de
seu funcionamento é retirado de pesquisas com pessoas que têm acesso à leitura e foram
alfabetizadas desde crianças. As funções do cérebro e as regiões dele onde ocorrem
mais conexões neuronais refletem a influência da formação cultural e educacional dos
seres humanos. Porém, pouco se conhece a respeito de como as áreas do cérebro se
comportam quando pessoas que nunca tiveram acesso à leitura passam a conhecer as
letras
e
a
identificar
palavras
e
frases.
O aprendizado da leitura é um evento importante na vida das crianças, capaz de alterar a
anatomia do cérebro e ativar funções ainda adormecidas. Mesmo que a leitura seja uma
inovação cultural recente na história da humanidade, e que em muitas sociedades a
tradição da oralidade ainda prevalece, reconhece-se que os processos de leitura podem
ativar novas conexões no cérebro. Como a leitura e a escrita apareceram há
aproximadamente 5 mil anos, tempo curto para ter influenciado a genética do cérebro, o
desenvolvimento dessas habilidades podem atuar reciclando antigas funções do cerébro,
utilizadas
para
outras
atividades,
para
novos
usos
ou
funções.
A alfabetização aumenta a consciência das pessoas a respeito dos fonemas, que
correspondem ao som das letras que permite diferenciá-las, por exemplo, o som de B do
som de P, possibilitando maior facilidade na pronúncia das palavras. O conhecimento
das letras e a leitura deixam o nosso cerébro mais dinâmico, ativando diversas áreas
cerebrais, relacionando a audição e a visão às respostas do nosso cérebro. Em relação à
visão, a leitura ativa um local específico do lado esquerdo do cérebro, na transição
cortical occipto-temporal, chamada de área da forma visual da palavra. Quando as
pessoas aprendem a reconhecer as letras e associar as palavras a diferentes objetos, esta
região
do
cérebro
se
torna
mais
ativa.
Para compreender quais estímulos são processados no cérebro antes do aprendizado da
leitura e como algumas regiões cerebrais se transformam, a equipe de pesquisadores
liderada pela Dra. Lúcia Willadino Braga, diretora-presidente da Rede Sarah
Kubitschek, tem avaliado o funcionamento do cérebro e sua rede de conexões neuronais
durante a alfabetização de adultos.
Localização da região occipto-temporal esquerda, denominada área da forma visual da palavra, que responde aos estímulos de imagens de
casas, de rostos, de palavras escritas e de imagens de variados objetos. Fonte: Arquivos da Rede Sarah de Hospitais.
Como é feita a pesquisa?
As respostas do cérebro a estímulos visuais e auditivos foram avaliadas com a ajuda de
um aparelho de ressonância magnética funcional. Imagens do cérebro dos participantes
da pesquisa foram obtidas enquanto eles recebiam estímulos auditivos (sons e frases
faladas) e visuais (frases escritas, sequência de letras, fotografias de rostos, de objetos e
ferramentas, de diferentes tipos de casas, de tabuleiros de damas e xadrez em
movimento, comandos motores, cálculos matemáticos simples, sequências de letras,
tabuleiros
de
xadrez
em
movimento).
Das 63 pessoas participantes da pesquisa, 32 adultos não eram escolarizados (10 eram
analfabetos puros e 22 aprenderam a ler depois de adultos), e apresentavam habilidade
de leitura variável. Outros 31 adultos eram alfabetizados desde a infância e tinham nível
superior
de
escolaridade.
Os participantes passaram por dois tipos de testes. No primeiro, eles ouviam as
instruções sobre o que fazer com os objetos ou imagens que lhe eram apresentados e
respondiam ou resolviam alguma questão simples, clicando com o botão esquerdo ou
direito de um aparelho, conforme a sua resposta. No segundo teste, as instruções eram
apresentadas por escrito na tela do aparelho de ressonância magnética e o participante
deveria lê-las e responder ao que lhe era solicitado. Antes dos testes, também foram
obtidas
imagens
dos
cérebros
dos
participantes.
Quando os participantes da pesquisa ouviam as instruções verbais, regiões mais
conhecidas do cerébro eram ativadas. Mas quando as instruções eram dadas por escrito,
a ativação dessas mesmas regiões era mais intensa, modificando as sinapses criadas no
cerébro.
Áreas onde ocorreu o aumento da ativação cerebral em função do escore de leitura em resposta as frases escritas. Fonte: Arquivos da Rede
Sarah de Hospitais.
Quando os pesquisadores testaram as diferenças entre a leitura de palavras e a
observação de fotografias e imagens em movimento, somente a região do córtex
cerebral esquerdo foi ativada, mostrando diferenças de funcionamento entre os lados
direito e esquerdo do cérebro. Quando os participantes foram alfabetizados, algumas
regiões do cérebro passaram a apresentar mais atividade do que outras. Os resultados da
alfabetização deixaram algumas áreas do cérebro mais ativas à escrita, mais até do que
para fotografias apresentadas aos participantes.
Em relação aos estímulos sonoros, algumas regiões do cérebro apresentaram diminuição
da ativação em resposta a sentenças faladas. Esta diminuição foi menor quando
comparada ao desempenho cerebral provocado pelas informações fornecidas de maneira
escrita, na qual os participantes deveriam ler as mensagens. A alfabetização não só
ampliou a resposta às palavras apresentadas aos participantes, como também aumentou
a seletividade do cérebro para esta categoria de informação.
Qual a importância da pesquisa?
Aprender a ler estimula a área da forma visual da palavra do cérebro, que é igual em
todos os seres humanos. O aprendizado da leitura pode provocar uma reorganização das
respostas cerebrais quando outros estímulos são fornecidos, incrementando as respostas
neuronais para estímulos visuais, como o reconhecimento de faces humanas, de casas e
de
objetos.
A alfabetização, adquirida na infância ou na idade adulta, melhora as respostas cerebrais
em pelo menos três maneiras distintas. Primeiro, aumenta a organização de áreas do
cérebro relacionadas à visão, particularmente devido a indução de uma resposta melhor
do cérebro para os estímulos visuais. Em segundo lugar, a alfabetização possibilitou que
toda a rede de neurônios do hemisfério esquerdo, que responde à língua falada, fosse
ativada por frases escritas. Os pesquisadores consideraram que a leitura se aproxima, em
termos de eficiência do funcionamento do cérebro, do canal de comunicação mais
evoluído da espécie humana que é a fala. Por fim, a alfabetização refina outra região do
cérebro responsável pelo processamento da linguagem falada, construindo uma espécie
de código ortográfico cerebral, com ativação da região responsável pela ortografia.
Sabemos que nem todas as sociedades humanas realizam o seu aprendizado e
transmitem a sua cultura de maneira escrita. O aprendizado oral tem muito valor para a
cultura de sociedades iletradas e é fundamental para manter os laços familiares e a
identidade em diversas sociedades. No entando, os resultados da pesquisa ajudam a
enfatizar que a educação e o letramento, tanto na infância quanto na idade adulta,
podem refinar profundamente organização cerebral e melhorar a rede de conexões
neuronais.
Publicado em 6 de fevereiro de 2015.