II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 O DISCURSO IDEOLÓGICO DA REFORMA EDUCACIONAL COMO ESTRATÉGIA DE LEGITIMAÇÃO DA LÓGICA DO CAPITAL RIBEIRO, Amanda Cristina Mestre em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) [email protected] ARAÚJO, Renan Bandeirante Professor Dr. do Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Formação Docente da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) [email protected] Resumo Este trabalho apresenta algumas considerações acerca das iniciativas educacionais instituídas ao longo da década de 1990, momento de difusão global das políticas neoliberais, particularmente no Brasil. Nesse trabalho concentramos o enfoque na analise critica acerca das demandas educacionais requeridas pelo capital diante da conjuntura de crise estrutural do capitalismo, que procurou promover uma reforma no papel do Estado, adequando-o aos novos ditames da ordem internacional, que pressupunham a retração dos gastos públicos, com implicações na política educacional, entre os quais a descentralização do Ensino, já iniciada na década de 1980. No campo discursivo ideológico que acompanha a reforma educacional/social, surgem novos conceitos que visam legitimar a predominância da lógica empresarial para educação, tais como na transição do termo “administração” para “gestão”, presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - Lei 9394/96, e documentos oficiais produzidos entre o mesmo período, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (2001). Pretende-se, com este trabalho, contribuir com subsídios teóricos para compreensão sobre as determinações da ordem econômica e social que interferem nos direcionamentos das políticas educacionais, como parte de uma reforma social, orientada pelas mudanças no mundo produtivo e suas correlatas formas de sociabilidade. Palavras-chave: Crise Estrutural do Capitalismo; Descentralização Administrativa; Gestão Educacional. Reformas Educacionais; INTRODUÇÃO ANAIS DO II SEMINÁRIO DO PPIFOR | ISSN – 2526-1002 | http://www.fafipa.br/ifor/index.html II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 Ao longo da década de 1990, diversas iniciativas educacionais foram instituídas no Brasil, introduzindo um panorama de reforma educacional, característico do surgimento de novos documentos e reformulação de outros, a respeito das políticas públicas para educação. Essas iniciativas acompanhavam um movimento em nível mundial que se orientava por organismos internacionais como o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sobretudo para os países latino-americanos, que redefiniram a educação como componente essencial das estratégias de desenvolvimento social. O conjunto das reformas educacionais, no Brasil, teve seu momento de emergência efetiva durante o primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 1999-2003), instante marcado pelo chamado modelo de gestão empresarial, que “redefiniu o conceito de gestão pública, com implicações na política educacional” (CARVALHO, 2009, p. 1146). A política educacional, no contexto das reformas do Estado brasileiro, foi então direcionada como política social de alívio à pobreza, isto é, sob a ótica da política neoliberal, a educação perdeu cada vez mais sua identidade como direito social e se enquadrou aos aspectos empresariais de produtividade, oriundos das exigências impostas pela divisão social do trabalho na contemporaneidade. Ao tratarmos sobre a reforma do Estado, estamos nos referindo ao conjunto de características que assume o Estado brasileiro a partir da década de 1990, em consonância com as mudanças no panorama internacional, que pressupunham o “enxugamento” dos gastos públicos, repassados para iniciativa privada, no intento de modernização do Estado, adequando-o aos novos ditames da ordem internacional. O PARADIGMA DA REFORMA EDUCACIONAL NO BRASIL Sob o paradigma da educação inclusiva, a reforma educacional buscava incutir socialmente a vinculação entre qualificação, emprego e mobilidade social como componentes do desenvolvimento econômico e social de um país, que precisava adaptar-se “[…] às necessidades de flexibilização da produção exigida pelas empresas ANAIS DO II SEMINÁRIO DO PPIFOR | ISSN – 2526-1002 | http://www.fafipa.br/ifor/index.html II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 brasileiras a fim de que estas pudessem ter sua produtividade e competitividade aumentadas na concorrência do mercado mundial” (CORRÊA & TUMOLO, 2010, p. 261). Os encaminhamentos da reforma educacional estavam respaldados pelo projeto neoliberal de Terceira Via que não propunha a ausência de Estado, mas uma reforma de suas bases de atuação, incentivando, por exemplo, as parcerias entre o poder público e os organismos da sociedade civil, o chamado terceiro setor, como forma de suprir as demandas sociais, diversificando as formas de financiamento (CARVALHO, 2009). Nesse sentido: Vê-se na reforma a possibilidade de se flexibilizar a ação estatal e de se liberar a economia, conduzindo-a a um novo ciclo de crescimento econômico e, ao mesmo tempo, proporcionar ao Estado maior governabilidade. Em face disso, o problema da eficácia administrativa torna-se questão central nos debates e nas reformas políticas dos anos de 1990, em meio aos quais o novo modelo de gestão pública que se apresenta é o gerencial. (CARVALHO, 2009, p. 1145) Essas reformas abrangeram, num período inicial, os chamados países desenvolvidos e posteriormente alcançaram os países do grupo intermediário ou em desenvolvimento, como o Brasil. Vale salientar que no contexto geral latino-americano, como forma de solucionar os “déficits públicos”, com vistas à promoção do desenvolvimento econômico e da superação das mazelas sociais, essas políticas de reformas pautaram-se no discurso da ascensão social baseada na iniciativa do indivíduo, de tal modo que “a educação assumia, assim, um caráter de instrumento de competitividade e produtividade industrial” (SOUZA apud CORRÊA & TUMOLO, 2010, p. 262). A flexibilização da ação estatal, então, configurou-se como direcionamento impositivo de organizações internacionais no contexto da América Latina, como forma de integração na denominada sociedade globalizada ou na nova ordem mundial. Conforme salienta Filho (2010), a concessão de recursos dos organismos internacionais para o Brasil, como o Banco Mundial, tiveram como premissa a condicionalidade, isto é, a adesão do Estado brasileiro e de sua política educacional aos pressupostos ANAIS DO II SEMINÁRIO DO PPIFOR | ISSN – 2526-1002 | http://www.fafipa.br/ifor/index.html II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 estipulados por esses grupos como condição para liberação de recursos. Corroborando com tal direcionamento de análise da reforma do Estado, Costa (2000) expõe que: […] a reforma do Estado não é um fenômeno isolado, ela é decorrente de uma série de mudanças nas relações internacionais, especialmente nas relações do comércio mundial e na organização das forças políticas entre os diferentes países. A reforma do Estado é um elemento da organização de um novo padrão de relações sociais dentro da sociedade capitalista. Ela expressa uma nova composição das forças sociais, a concretização de um movimento conservador que buscou suprimir os avanços construídos, a partir do modelo do Estado de Bem Estar Social. (COSTA, 2000, p. 52) Para educação, portanto, a instruções reorganizadoras do papel da educação representaram a introdução acirrada da lógica empresarial em seu campo de atuação, com o Estado se eximindo cada vez mais da responsabilidade direta pela educação, e muito mais pela sua regulação e fiscalização, ou seja, o Estado define estratégias, traça metas, mas descentraliza a gestão e exime-se de atribuições que antes eram suas, como o financiamento integral de recursos, agora deslocados para iniciativa privada e sociedade civil. Dessa forma, sobre o papel assumido pelo Estado, “pressupõe-se que ele seja árbitro, não parte, pois sua intervenção consiste em redistribuir ou realocar recursos, em introduzir regras orientadoras das relações entre os prestadores públicos e privados, em avaliar previamente necessidades e recursos disponíveis” (CARVALHO, 2009, p. 1148). A conjuntura social que valida essas ações é o modelo assumido pelo governo federal de inserção do país na ordem econômica mundial (FILHO, 2010). No campo da educação e dos estudos que se desenvolveram sobre as reformas educacionais na década de 1990, Filho (2010) destaca o vínculo entre as diretrizes conceituais de documentos legais nacionais emitidos em meados dos anos 1990, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) com as orientações contidas nos documentos dos organismos internacionais, tais como os documentos produzidos pelo Banco Mundial (FILHO, 2010, p. 212). ANAIS DO II SEMINÁRIO DO PPIFOR | ISSN – 2526-1002 | http://www.fafipa.br/ifor/index.html II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 Nessas condições, o contexto educacional adotado pelo Brasil a partir da década de 1990 acentuou as condições de precariedade da escola pública, como parte do movimento de deterioração das condições de trabalho e de vida da classe que vive do trabalho, em âmbito sistêmico, isto é, a conjuntura político-econômica brasileira demonstrou efetivamente no plano da elaboração das políticas públicas para a educação, a predominância dos interesses ligados à lógica de reprodução e acumulação do capital, sob o paradigma da modernização do Estado. O DISCURSO IDEOLÓGICO DA REFORMA EDUCACIONAL No campo discursivo ideológico que acompanha as reformas sociais, surgem novos conceitos que visam legitimar a predominância da lógica empresarial para educação, tais como na transição do termo “administração” para adoção de “gestão”, nos documentos oficiais produzidos nas últimas décadas, sendo que “o termo administração assume uma conotação de caráter técnico, enquanto que o termo gestão enfoca a repartição de poder no processo decisório” (TAVARES, 2004, p. 8-9). Com a reforma do Estado e o crescente movimento de descentralização das decisões, a mudança nos paradigmas da gestão educacional “se concretiza na transferência dos encargos de execução dos serviços educacionais para os estados e municípios” (NOMA & LARA, 2007, p. 9) bem como nas parcerias entre governo e sociedade civil, instituições privadas, não governamentais, filantrópicas e etc. A cooptação ideológica que as mudanças políticas precisam realizar, é um componente que não se apresenta no plano imediato, mas que requer um cuidado específico para compreensão entre aquilo que está claro e o que está oculto nas mudanças políticas, nos documentos e nos projetos disseminados, pois os documentos setoriais de reformas “podem ser analisados – além de seu caráter de políticas específicas – como parte da estratégia mais geral de manutenção da hegemonia, em que as práticas discursivas ganham especial destaque” (FILHO, 2010, p. 213). É preciso que se reafirme que a escola não escapando da gestão hegemônica capitalista, está permanentemente inserida no campo de disputas sociais, e que, menos importa entoar o discurso retórico da gestão participativa e mais que se expliquem os mecanismos regulatórios/autoritários que persistem em seu interior, que condicionam os ANAIS DO II SEMINÁRIO DO PPIFOR | ISSN – 2526-1002 | http://www.fafipa.br/ifor/index.html II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 limites de atuação dos movimentos contra hegemônicos no interior da escola e a plena adesão aos preceitos de uma gestão democrática, de fato. O orçamento do Ministério da Educação no ano de 2015 – o ministério que correspondeu pela maior parte dos cortes orçamentários – da ordem de 7 bilhões de reais em termos anuais, a partir dos reajustes fiscais promovidos pelo governo federal, sem qualquer consulta pública que conferisse qualquer nível de autonomia decisória para os trabalhadores docentes e a comunidade escolar, o que demonstra que não há horizontalidade ou neutralidade na gestão educacional, uma vez que a gestão assume caráter instrumental na dinâmica meditativa entre as instâncias regulatórias de poder, até que cheguem às escolas. Ainda que a retórica presente nos documentos oficiais possam atuar no ocultamento das determinações e dinâmica da realidade social, isto se insere na disputa por hegemonia, travada também no campo da reprodução social de valores, que o capital se apropria. Sendo assim, a regulação do magistério via Estado requer a compreensão do Estado como produto e produtor de relações sociais capitalistas, de forma que se compreenda que: A razão instrumental que preside os diagnósticos dos organismos internacionais e que orienta os processos de reforma da educação, da formação profissional e das relações de trabalho em curso na América Latina e Caribe parece não ter sua fonte em uma suposta astúcia malévola dos intelectuais coletivos do capital internacional, ou nas elites dominantes dos Estados nacionais, senão na articulação de tais interesses à própria lógica de reprodução e acumulação do capital às necessidades que a ela se apresentam na atual fase em que as relações sociais capitalistas buscam estender sua teia de dominação sobre amplas atividades da vida social. (FILHO, 2010, p. 234) Nessa direção, Apple (1995, p.120) ao abordar a questão do vocabulário empregado nos documentos e relatórios oficiais, assevera que não se trata de escolhas aleatórias, mas de uma linguagem própria, com a finalidade de mobilização em direção ao consenso social “em especial quando esse consenso se acha ameaçado por uma crise econômica e política emergente”. ANAIS DO II SEMINÁRIO DO PPIFOR | ISSN – 2526-1002 | http://www.fafipa.br/ifor/index.html II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 Neste caso, o sentido das palavras precisa ser interpretado à luz de seu contexto de produção. A partir disso, o autor exemplifica o seguinte: É notável a versatilidade do possessivo “nosso” dentro desse contexto. Há uma sugestão na expressão “nosso” sistema educacional de que o estado social democrático fornece educação para “eles”. Nosso país sugere a unidade de todos os “cidadãos” [...]. Nosso pretende significar o vínculo imaginário entre governantes e governados e, desse modo, silenciosamente, confronta a materialidade das relações de classe de dominação e subordinação. “Nosso” traz o cidadão ou cidadã de volta a seu lugar no processo de exploração pelo capital. (APPLE, 1995, p. 120) Tais características sobre o vocabulário da reforma, configuram um movimento de “hegemonia discursiva”, isto é, uma tendência crescente à homogeneização das políticas educacionais a nível mundial, como parte da “cooptação ideológica” que se realiza via documentos oficiais direcionados para educação, de modo que a vulgarização do “vocabulário da reforma” “[…] pode ser considerada uma estratégia de legitimação eficaz na medida em que consegue “colonizar” o discurso, o pensamento educacional e se espalhar no cotidiano como demanda imprescindível da modernidade” (SHIROMA et al., 2005, p. 429). CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme esclarecem Lígia Klein e Bianca Klein (2008), uma proposta de educação se vincula a uma concepção de educação, de tal maneira que torna-se imprescindível a identificação da função ideológica que tais propostas assumem, porque a educação configura-se como um campo de disputa social, marcado pelo processo dialético de resignação/resistência, que denota que as possibilidades emancipatórias entre trabalho e capital e sua repercussão educacional se potencializam na luta do magistério por ações propositivas que incidem sobre condições dignas de formação e trabalho, que resguarda, em caráter de urgência, exercer pressão sobre o Estado, renunciando a lógica mercadológica sobre o ensino e intensificando a crítica radical ao capitalismo, o que requer um contínuo processo de aprendizagem sobre as determinações da ordem econômica, política e social do mundo e do cotidiano - elevado ANAIS DO II SEMINÁRIO DO PPIFOR | ISSN – 2526-1002 | http://www.fafipa.br/ifor/index.html II SEMINÁRIO DO PPIFOR 05 e 06 de dezembro de 2016 para além do plano imediato, que reconheça que crise das relações sociais não se restringe a instituições isoladas, como no caso da escola. Trata-se, todavia, da manifestação da crise estrutural do capital, momento em que se intensifica a exploração da força de trabalho, em condições cada vez mais precárias de vida para as classes trabalhadoras. REFERÊNCIAS APPLE, M.W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas,1995. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Educação Básica. Brasília, 2001. BRASIL. Presidência da República. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB nº 9394/1996. Brasília, 1996. Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/109224/lei-de-diretrizes-e-bases-lei9394-96>. Acesso em: 24 nov. 2015. CARVALHO, E. J. G. Reestruturação produtiva, reforma administrativa do estado e gestão da educação. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 109, p. 11391166, set./dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v30n109/v30n109a11.pdf>. 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