BATTLE OF EVERMORE - II Congresso Internacional de Estudos do

Propaganda
BATTLE OF EVERMORE: HEDONISMO, AUTONOMIA E
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CONTRACULTURA
Ricardo Sinigaglia Arruda
(GECU – Grupo de Estudos Culturais da Unesp/Formado pela UNESP-Franca)
O quarto álbum da banda Led Zeppelin começou a ser gravado em dezembro de 1970
e foi lançado em oito de novembro de 1971. Ele é considerado o principal álbum da banda,
ficando em primeiro lugar das paradas de sucesso após quinze dias de seu lançamento no
Reino Unido e em segundo lugar nos Estados Unidos e estando entre os 40 primeiros das
paradas de sucesso americana por três anos seguidos, além de vender 25 milhões de cópias.
(WALL, 2009) O Led Zeppelin é considerado uma banda de rock da década de 1970, apesar
de ter iniciado sua trajetória em 1968, alcançado o grande sucesso após o lançamento do Led
Zeppelin IV e terminado em 1980 com a morte do baterista John Bonham. A banda contava
ainda com Jimmy Page, guitarrista e produtor; Robert Plant, vocalista e John Paul Jones,
baixista e tecladista.
O rock, forma cultural1 (MERHEB, 2012) na qual Led Zeppelin está inserido, é
considerado a música da juventude contracultural da década de 1960. Como nos lembra Eric
Hobsbawm (1989), o rock era a expressão sentimental de toda uma faixa etária, a juventude.
Segundo David Simonelli (2013), o público jovem do rock era a contracultura hippie e esta
música procurava expressar as mensagens políticas e sociais desta “classe” social, incluindo
seus estados alterados de consciência, promovidos por drogas como o LSD. No entanto,
durante a década de 1970, quando é lançado o Led Zeppelin IV, o que assistimos é o
desaparecimento
e/ou
a
institucionalização
dessa
contracultura
dos
anos
1960.
(FRIEDLANDER, 2012)
Durante os anos 1970, momento em que é lançado o álbum sem título do Led
Zeppelin, a Students for Democratic Society (SDS), nos Estados Unidos, fragmentava-se em
1
Ao utilizar este termo, Rodrigo Merheb mostrou que não há padrões para definir o que é rock, pois há uma
variedade de gêneros dentro do rock. Por conseguinte, não há forma de catalogar a música de forma rígida.
Sendo assim, Merheb preferiu compreender o rock “mais como forma cultural do que gênero musical”.
1
grupos, saindo dela, por exemplo, três grupos maoístas que brigavam pelo poder; as
feministas, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra separavam-se dos homens hippies,
acusando estes de machismo e os homossexuais, nos EUA, também criticavam a
contracultura, vendo-a como homofóbica. Por fim, a década marca o fim das greves estudantis
americanas e a subida da neoliberal Margareth Thatcher ao poder na Inglaterra. (GOFFMAN
& JOY, 2007; ALI, 2008) Segundo Ken Goffman & Dan Joy (2007), durante os anos 1970,
quando a contracultura se fragmentava até desaparecer, os jovens hippies ainda vestiam suas
roupas, porém eles já não fariam mais a revolução da noite para o dia, pois a
Liberdade se transformou em liberdade pessoal, libertação da opressão se
tornou libertação da repressão sexual, a busca democrática de igualdade e
liberdade de associação virou uma busca individualista por uma
promiscuidade sem culpas (GOFFMAN; JOY, 2007 p. 343)
Os jovens já não mais usavam o LSD como forma de síntese cultural e escapismo,
com a revolução da década de 1960 morta, eles eram viciados em busca de saciar o vício em
heroína e outras drogas, como a cocaína. Como lembra Goffman e Joy (2007, p. 346)
O bêbado, maconheiro, cheirador, adúltero, rufião drogado que tinha uma
imagem romântica, e a ilegalidade das populares substâncias adulteradora
da mente permitia a esses comerciantes sustentarem uma sensação de
bravata revolucionário muito depois do momento político ter passado.
Nos Estados Unidos, enquanto o presidente Gerald Ford viu os últimos soldados
voltarem do Vietnã, o seu filho Jack fumava maconha na Casa Branca; George Harrison e
Billy Preston apertavam as mãos do presidente. Neste momento, Timothy Leary declarou: “A
guerra de gerações acabou”. (LEARY apud GOFFMAN; JOY, 2007, p. 348-349) Muitos
contraculturalistas também fariam parte dos governos liberais instituídos, não só nos Estados
Unidos, mas também em países como França e Inglaterra. (GOFFMAN; JOY, 2007; ALI,
2008)
Neste cenário em que o Led Zeppelin IV foi lançado, o rock, assim como seu público
contracultural, também passava por transformações. Alguns membros da Nova Esquerda e
2
dos Panteras Negras foram presos, como Huey Newton e John Sinclair. Assim como os
protestos que não eram mais contra a Guerra, mas favoráveis à libertação de
contraculturalistas, a música de Lennon e Dylan agora era favorável a soltar os líderes da
contracultura. Ou seja, os sonhos de mudanças já não existiam mais. (GOFFMAN; JOY,
2007) Por outro lado, a maior parte dos hippies da década de 1970 viam o rock, agora feito
também por Deep Purple e Aerosmith, como um gênero musical, para usar os termos de Ken
Goffman e de Dan Joy (2008, p. 343), “vulgar e banal”. O hard rock e o heavy metal, segundo
Paul Friedlander (2012), tornaram-se fórmulas do sucesso comercial de bandas, sendo o
gênero mais comercial dos anos 1970. Em oposição à contracultura e seu questionamento
acerca do sucesso comercial, como mostra David Simonelli (2013, p. 181) Jon Lord,
tecladista do Deep Purple, banda de hard rock britânica, declarou: “After all it is a young
music and rock is running in danger of being over intellectualised and analysed. Its basic
function is to entertain. If it gets over analysed it will die a painful death”2. Ou seja, o rock
estava esvaziado de seu significado e passou a ser uma fórmula, perdendo suas possibilidades
criativas de antes, dadas pelo seu caráter contracultural e psicodélico. Neste momento de
transição, uma subcultura patrocinada por Andy Warhol e crítica ao rock surgiu no Estados
Unidos: o glam rock, que tinha David Bowie como principal representante. Se o rock fazia
longas jams, o glam prezava pela música de sucesso de três ou quatro minutos; se os hippies
usavam roupas simples, os músicos do glam embarcavam na crescente cultura gay e na
androgenia e exageravam na maquiagem; se o capitalismo era decadente, para o glam, o
capitalismo era louvável. Apesar de marcar uma crítica ao rock, o glam rock foi uma
subcultura marcada por posturas niilistas e suicidas e as ambições desse gênero eram as
mesmas do rock and roll do início dos anos 1960: o sucesso comercial. (GOFFMAN, 2007)
Sendo assim, o projeto de banda de Jimmy Page era explorar os anos 1970, como ele
deixa expresso em entrevista para Brad Tolinski (2012, p. 117): “Nosso negócio era o
seguinte: que se danem os anos 1960! Vamos desbravar uma nova década... Era essa a nossa
missão”. Por conseguinte, o Led Zeppelin é interpretado de várias formas devido a sua forma
2
Em tradução livre: Depois de tudo, ele é uma música jovem e o rock está correndo perigo de ser super
intelectualizado e analisado. Sua função básica é entreter. Se ele for super analisado, morrerá uma morte
dolorosa.
3
musical. David Simonelli (2013) percebe a banda como o ponto culminante dos
desenvolvimentos musicais dos anos 1960 e a representante da futura música da década de
1970. Como este autor coloca:
They appealed to working-class and middle-class audiences; their music
varied between the R&B of heavy metal and the Romantic artistic indulgence
of progressive rock, between the hypertrophied masculinity of rock and the
delicacy of folk rock. (...) The lyrics of singer Robert Plant and guitarist
Jimmy Page were laden with images from ancient Celtic and Norse history
and mythology, medievalism, fantasy, mysticism and magic.3 (SIMONELLI,
2013, p.177)
Neste sentido, o Led Zeppelin seria a banda mais Romântica, em uma concepção
hippie, da década de 1970, atendendo, inclusive, aos padrões musicais exigidos pelos
contraculturalistas. No entanto, a banda expunha o lado oculto da contracultura que era o
comercialismo e a banda de Jimmy Page era isso: comercial e exportável, o que significa a
morte de qualquer revolução da contracultura, pois esta negava algo feito para o sucesso
comercial. (SIMONELLI, 2013). Mikail Gilmore (2010) vê o Led Zeppelin sem os interesses
Românticos e políticos da contracultura dos anos 1960, mas como a banda que tem uma
capacidade técnica maior do que as bandas deste período, sendo, portanto, a banda que
sintetiza os anos 1970. Paul Friedlander (2012) coloca a banda de Page como aquela que
solidifica a vertente do rock iniciada por Cream, Hendrix e The Who, mas que tinha prazer e
dinheiro como objetivos finais, seu lema era o “sexo, drogas e rock´n´roll”. Portanto, para
Friedlander (2012), o Led Zeppelin foi uma banda que careceu da veracidade emocional dos
músicos dos anos 1960 e foi pioneira no hard rock e heavy metal, tendo faixas acústicas
apenas como forma de versatilidade ao modelo padrão. Para este autor, se Plant era a “Janis
Joplin de calças”, “(...) a versatilidade de Page na guitarra atingia extremos musicais do blues
ao estilo de Clapton (...) a uma versão pastiche do som envolvente de Hendrix”.
3
Em tradução livre: Eles atraiam o público da classe trabalhadora e da classe-média; sua música variava entre o
R&B do heavy metal e a indulgência artística romântica do rock progressivo, entre a masculinidade hipertrofiada
do rock e a delicadeza do folk rock (...) As letras do cantor Robert Plant e do guitarrista Jimmy Page eram
carregadas de imagens da história e mitologia, medievalismo, fantasia, misticismo e mágica da antiguidade Celta
e Nórdica.
4
(FRIEDLANDER, 2012, p. 334-335) Além disso, Friedlander mostra que Jimmy Page achava
que
(...) alguns dos chamados grupos progressivos foram longe demais com seu
intelectualismo personalizado da beat music. Nossa música era
essencialmente emoção, como os velhos astros do rock...Nós não iríamos
fazer qualquer tipo de discurso político ou moral. (PAGE apud
FRIEDLANDER, 2012, p. 337)
O autor analisa a frase de Jimmy Page como algo que não leva em consideração as
gerações anteriores do rock e a interpretação que o público tinha sobre a estética
antiautoritária, portanto política, que existia nos anos anteriores. Friedlander (2012) também
critica Page por não perceber que sua música também carregava um sentido estético moral e
político. De outra forma, Susan Fast (2001) coloca que entender o Led Zeppelin como uma
banda de heavy metal é algo reducionista, devido a diversidade musical da banda, que
apresenta o reggae (D´yer Maker) e o country (Hot Dog) entre suas músicas, que vai do folk
acústico e elétrico ao blues. Segundo Fast (2001), o maior pecado da banda foi ter um grande
sucesso comercial, pois era vista como algo fora do complexo hippie e o segundo foi ter um
som extremamente alto. Além disso, discordando de Friedlander (2012), o Led Zeppelin era
algo inovador, como coloca a autora:
The Who might be comparable in terms of theatrics but certainly not in
sound. Hendrix come closest in both sound and theatrically of his
performances, but he was black and therefore sanctioned by the largely
White rock press to engage in emotional and sexual hyperbole.4 (FAST,
2001, p. 6)
E, no seu primeiro capítulo, a autora compreende que o Led Zeppelin relaciona-se com
a contracultura dos anos 1960, pois, em primeiro lugar a banda faz uso da experimentação
musical, como usar o arco de violino em Dazed and Confused; depois, a banda utiliza-se da
literatura fantástica, do gnosticismo e temas espirituais em suas letras, que relacionado ao
som, traz a ideia da experiência com drogas psicodélicas. (FAST, 2001) John Milward (2013),
4
Em tradução livre: O The Who talvez comparava-se em termos de comportamento, mas certamente, não em
sonoridade. Hendrix aproximava-se em ambos, som e teatralidade de suas performances, mas ele era negro e
portanto sancionado pela grande imprensa branca do rock para engajar-se em uma hipérbole emocional e sexual.
5
já compreende o Led Zeppelin através do blues. Milward (2013) preocupa-se em mostrar as
novas interpretações que a banda fez de antigos blues, ainda que tenham sido acusados de
plágio. O autor coloca que isso só foi possível porque Jimmy Page, que era também produtor,
possuía todo controle artístico em suas mãos. Além disso, Milward (2013) compara
brevemente o fato de que as mitologias por trás da banda, como a de Page ter pacto com o
diabo, lembra as lendas que cercavam antigos bluesmen, como Robert Johnson, por exemplo.
Além de ser uma banda dos anos 1970, o Led Zeppelin também apresentava outra
característica, que era parte do projeto de Jimmy Page: a banda não teria rótulos. Jimmy Page
queria usar as estéticas do blues, do rock and roll, do folk e da música oriental. O Led
Zeppelin atravessava tudo. (WALL, 2009). A variedade de som da banda foi colocada, então,
no formato álbum, que tinha como suporte, o Long Play (LP). A partir do ano de 1968,
quando a banda projetada por Jimmy Page iniciou sua carreira, na Inglaterra, os álbuns
venderam mais do que os singles. O Cream lançou Wheels of fire; o Pink Floyd, Saucerful of
secrets e os Beatles lançaram o álbum que ficou conhecido como White Album. E, segundo
Mick Wall (2009, p. 67), “esse era o cenário ricamente multifacetado no qual Jimmy Page
estava determinado a fazer com que sua nova música fosse notada”. Lembramos ainda que,
após 1967, quando os Beatles lançaram o álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, o
formato álbum passou a ser o oposto ao rock and roll comercial e, por exigência de seu
público contracultural, deveria ser usado como o formato oposto ao comercialismo da música
pop de três minutos, que era possível no suporte do disco de vinil de 45 rpm, utilizado até
então no rock como garantia de sucesso comercial. (SIMONELLI, 2013) Nesse momento, o
disco de vinil 33 1/3 rpm permitiu que o compositor fosse também o artista do álbum. Como
coloca Marcia Tosta Dias, o LP
(...) traz consigo uma mudança profunda nos rumos da produção, uma vez
que torna o artista mais importante que o disco. É o tempo do trabalho de
autor, quando são oferecidas condições para que alguns desenvolvam um
trabalho que não poderia ser feito em compacto, mesmo que duplo. O LP é o
formato apropriado para uma postura estratégica diferenciada, adotada
pela indústria fonográfica mundial. (DIAS, 2000, p. 57)
6
O Long Play, dessa forma, permitiu aos artistas a possibilidade de fazer álbuns
conceituais, autorais e, no caso do rock, ópera rock, permitindo a adoção de uma estratégia
diferenciada pela indústria fonográfica mundial, já que ao invés de ter compositor e intérprete
contratados na gravadora, o próprio compositor era intérprete e isso barateava os custos e,
assim, os lucros eram maiores, pois os artistas vendiam com mais regularidade, já que tinham
mais possibilidade de fazer sucesso. As gravadoras não precisavam mais investir no grande
sucesso. (DIAS, 2012)
Levando estas inovações e contexto em consideração, o Led Zeppelin IV foi produzido
e tornou a banda o carro chefe da década de 1970 (FRIEDLANDER, 2012). O álbum foi
gravado em dois locais, em Headley Grange, um antigo asilo e no Island Studios. Em resumo,
quando o som do instrumento ficava melhor na acústica de Headley, de acordo com a opinião
de Page, então permanecia o som gravado na casa, quando exigia um espaço fechado, então,
gravaram no estúdio. O álbum apresentou a variedade musical do rock, passando pelo blues e
pelo folk. Paul Friedlander (2012) analisou o Led Zeppelin IV como um pastiche: Rock and
roll era uma imitação de Berry, Black dog trazia riffs já muito usado por rockers e Stairway to
heaven estava subdividida em três níveis rítmicos como Behind blue eyes do The Who. Por
outro lado, Mikal Gilmore (2010, p. 347) coloca que o quarto álbum do Led Zeppelin mostrou
uma maior “consistência da banda ao combinar sons e temas”, sendo uma obra-prima do rock.
Além disso, Gilmore (2010) coloca que este álbum é responsável por expandir o uso de mitos
utilizados pela banda, aprofundando a fantasia, história e terror em Battle of evermore, uma
canção baseada no Senhor dos Anéis ou sugerindo a esperança espiritual compartilhada em
Stairway to heaven. Susan Fast (2001, p. 70), por outro lado, entende que o Led Zeppelin IV é
o documento histórico que mais criou uma mitologia ao redor da banda. Logo, quanto menos
informações aparecem sobre o Led Zeppelin, mais curiosidade o público da banda terá e
procurará preencher esse espaço com mais informações sobre os músicos, criando o mito ao
redor do projeto de Page. Essa criação mitológica também estaria conectada ao uso de
simbologias espirituais presentes na capa ou nas canções do álbum, já que o público também
buscaria preencher essa falta de informação. (FAST, 2001).
7
Outro elemento que levanta debate sobre o álbum é sua capa, já que nenhuma
informação sobre a banda ou a gravadora apareceram na capa. Este aspecto seria um suicídio
profissional para a Atlantic, segundo Tolinski (2012). No entanto, Peter Grant e Jimmy Page
convenceram a gravadora a ter a capa sem informações diretas sobre a banda. (WELCH,
2002; FRIEDLANDER, 2012) A ideia de não ter dados sobre a banda viria do fato de que
Jimmy Page queria que a música falasse por si só, já que a imprensa acusava a gravadora de
superpromover o Led Zeppelin e havia criticado de forma negativa os três álbuns anteriores.
(WALL, 2009; FRIEDLANDER, 2012) A revista americana Rolling Stone, por exemplo,
através de seu crítico Lester Bangs, escreveu sobre a música do Led Zeppelin: “Their music is
as ephemeral as Marvel comix, and as vivid as an old Technocolor cartoon”5 (BANGS, 1970,
p 34). A revista ainda escreveu sobre o Led Zeppelin III:
(...)In fact, when I first heard the album my main impression was the
consistent anonymity of most of the songs — no one could mistake the band,
but no gimmicks stand out with any special outrageousness, as did the great,
gleefully absurd Orangutang Plant-cum-wheezing guitar freak-out that made
"Whole Lotta Love" such a pulp classic. (BANGS, 1970, p. 34)6
Segundo Mick Wall (2009, p. 241), nas críticas sobre o Led Zeppelin III “(...) os
mesmos críticos que antes os atacavam por serem mascates superficiais de clichês barulhentos
agora os acusavam de tentar minar essa percepção por não repetir o truque”, já que a banda
optou por ter mais músicas acústicas neste álbum. Robert Godwin (2003) revela que a revista
Disc entende que o Led Zeppelin carece da excitação que apresenta no álbum anterior devido
aos seus números acústicos. A Melody Maker, por outro lado, deixa que Jimmy Page faça a
crítica em cada música. (Godwin, 2003)
5
Em tradução livre: Sua música é tão efêmera quanto Marvel comix, e tão vívida quanto um desenho animado à
cores.
6
Em tradução livre: De fato, a primeira vez que ouvi o álbum, minha principal impressão foi de um anonimato
consistente da maioria dos sons – nenhum poderia errar a banda, mas nenhum truque destaca-se com algo
estranhamente especial como fez o grande, brilhante Orangotango-gozador-chiador Plant e a guitarra “freak-out”
que fez de Wholle Lotta Love um clássico ruim.
8
A capa apresentava a foto de um eremita com feixe de galhos carregado nas costas,
sendo um quadro preso a uma parede de papel descascando. Quando aberta a capa, vê-se
prédios em Eve Hill, em Dudley, símbolo da modernidade dos anos 1970 inglesa.
(...) No lado de dentro da capa, um “desenho feito por um amigo” com lápis
de tinta dourada, de outro eremita, uma figura muito próxima do ocultismo,
dessa vez em cima de uma montanha íngreme, seu bastão – ou vara mágica
– em uma das mãos, uma lanterna na outra, o rosto voltado diretamente
para a minúscula figura de um jovem com um dos joelhos dobrados, os
braços abertos em sinal de súplica, e além dele o caminho em ziguezague
que ele pegou para sair de sua casa nessa pequena cidade, distante, com a
igreja e seu indistinto campanário. (WALL, 2009, p. 305)
A imagem do eremita com a lanterna quando colocada diante de um espelho, mostra a
figura de um cão de duas cabeças, imagem muito próxima a de Cérbero7, que possuí três
cabeças. O disco de vinil original vinha dentro de um envelope marrom, que possuía a letra,
em formato Studio de uma revista do século XIX, de Stairway to heaven e a foto de,
provavelmente, John Dee, mágico e astrólogo da corte de Elizabeth I. Do outro lado do
envelope, havia ainda quatro símbolos no alto da página, sendo que cada um representava um
membro da banda. (WALL, 2009)
Os eremitas que aparecem são imagens que aparecem no tarô. Eles são aqueles que,
segundo Susan Fast (2001), são guardiões de conselhos e carregam a luz da verdade. Por
outro lado, Mick Wall (2009) coloca que o eremita é o nível superior OTO 8 (Ordo Templi
Orients), ordem criada por Aleister Crowley, que foi estudado por Jimmy Page. Na
interpretação de Crowley, o eremita é aquele que guia as almas pelas regiões espirituais mais
baixas, ele carrega um bastão em forma de serpente e atrás dele está Cérbero, que ele
domesticou. Logo, para Crowley, tanto eremita quanto Mago eram luzes que guiavam e este
era como John Dee era chamado. Além disso, segundo Mick Wall (2009), este astrólogo
serviu de referência para que Crowley criasse sua magia enoquiana. Por fim, os símbolos de
Page e Plant, no alto do envelope marrom, foram desenhados pelos dois músicos. O símbolo
7
Cérbero é um personagem da mitologia grega, filho de Equidna e Tifón. Ele possui três cabeças de cachorro,
calda de dragão e lombo com cabeças de repteis. Mais informações podem ser encontradas em: CHEVALIER,
Jean. Dicionario de los símbolos religiosos. Barcelona: Editorial Herder, 1986.
8
Do oitavo ao décimo grau dentro da OTO, os indivíduos são considerados Eremitas.
9
de Page, que parece a palavra Zoso, ainda permanece um mistério, enquanto o de Plant
significa, segundo o cantor, todas as filosofias reunidas. No entanto, este símbolo é também o
da Ma´at, deusa egípcia da justiça e pode ser encontrado no livro The Sacred Symbols of Mu.
Já os símbolos de Jones e Bonham foram tirados do livro The Books of Signs de Rudolph
Koch. Respectivamente, o círculo com três vesica piscis simbolizava confiança e
competência, sendo também um símbolo rosa cruz e os três símbolos interligados significa a
tríade egípcia Isis, Hórus e Osíris, que lembrava a importância da família para o baterista. Por
fim, havia um símbolo para Sandy Denny, que participou em Battle of evermore.
Frente às diversas interpretações expostas, percebemos que há um problema ainda não
colocado nas análises sobre o Led Zeppelin IV, que é um estudo centrado no álbum, ainda que
tenhamos capítulos de livros, sites ou livros jornalísticos que se preocupem com o tema.
Logo, a primeira proposta é centrar em uma análise sobre o álbum sem título do Led
Zeppelin. Além disso, percebemos que o Led Zeppelin e o álbum em questão não estão
conectados a nenhum dos movimentos da década de 1970 já citados, como o glam rock; o
rock de Lennon e Dylan que protestava para que membros da Nova Esquerda fossem libertos
ou rock para entretenimento (pop music), como o do Deep Purple ou Aerosmith, já que
preserva as características da década anterior, período em que o rock possuía inúmeras
variações, que passava pelo blues, pelo folk e a música oriental. Logo, se o álbum não se
encaixa em nenhuma destas vertentes, colocamos como hipótese de trabalho que o guitarrista
e produtor, Jimmy Page, criou sua arte, que envolve não só a sonoridade, mas a capa do
álbum em questão, a partir do hedonismo contracultural existente nos anos 1970, herdeiro da
moda da contracultura dos anos 1960, mas já despida de seu significado político. Podemos
perceber a existência desta sociedade contracultural dos anos 1970 a partir das análises de
Ken Goffman e Dan Joy (2007). Além destes dois autores, David Simonelli (2013) coloca que
o Led Zeppelin era adulto, masculino, artístico e profissional, produzindo música psicodélica,
como exigia a contracultura da década de 1960, no entanto, era comercial, matando qualquer
tipo de rebelião contracultural. Todavia, Simonelli não explora como foi possível à banda de
Jimmy Page dar continuidade à sonoridade contracultural ou mesmo à sua simbologia. Neste
caso, a simbologia que perpassa a capa ou temas nas canções são, também, questões presentes
10
nos anos 1960, como a obra de Tolkien, que era uma “Bíblia” para os hippies, segundo
Simonelli (2013). Estes usos de literatura fantástica que a contracultura dos anos 1960 lia e
interpretava e que a banda usa no Led Zeppelin IV são pistas que podem demonstrar de qual
sociedade o Led Zeppelin fala, o que também se aplica às simbologias religiosas na capa do
álbum. Neste sentido, supomos que a banda tenha se ligado a contracultura hedonista para
conseguir produzir com certa autonomia, ainda que este segmento não tivesse a mesma
preocupação política de outros tempos, a de revolucionar o coletivo. Pois como já colocado, a
revolução não aconteceria mais e a liberdade coletiva tornou-se liberdade individual.
(GOFFMAN;JOY, 2007)
Por fim, chamamos atenção para o fato de que este trabalho compõe um projeto a ser
desenvolvido, com hipóteses e métodos de trabalho definidos, porém com inúmeras questões
que ainda precisam ser respondidas. Todavia, ainda que consigamos responder ao
questionamento colocado, temos a certeza de que não daremos todas as respostas possíveis
sobre o Led Zeppelin IV ou sobre a banda produtora de tal álbum. Por conseguinte,
esclarecemos que é possível trabalhar acerca deste questionamento e que podemos contribuir
para um novo tipo de conhecimento sobre a relação da arte com a sociedade dos anos 1970.
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Music Publications, s/d.
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