Infecções agudas das vias aéreas superiores (IVAS) - Unimed-BH

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Infecções agudas das vias aéreas superiores (IVAS)
em pacientes pediátricos
Sessões Clínicas em Rede nº 03 | 10/07/2012
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Introdução
Rinofaringite aguda
Rinossinusites
Otite média aguda
Faringotonsilites
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
As infecções respiratórias agudas (IRA) são um dos principais motivos de procura de
atendimento médico em consultório e serviços de urgência. No Brasil, chega a
representar metade dos atendimentos em serviços de saúde.
As infecções de vias aéreas superiores (IVAS), mais frequente nos primeiros cinco anos
de vida, representam 2/3 dos atendimentos de emergência, especialmente no período
de acentuadas mudanças climáticas, como ocorre no inverno.1,2
Apesar do constante avanço tecnológico na área de diagnóstico em medicina, a
avaliação clínica permanece como o instrumento mais sensível e acessível para o
diagnóstico das infecções respiratórias em crianças.
A doença viral tem curso clínico em torno de duas semanas e no diagnóstico das IVAS
é importante avaliar a cronologia e duração dos sintomas. A não valorização dos dados
de história e do exame clínico leva à solicitação desnecessária e falha na interpretação
de exames complementares. Assim, na maioria das vezes, os erros de prescrição são
decorrentes de diagnósticos não acurados.
Quando se trata de doenças respiratórias, alguns diagnósticos diferenciais precisam ser
lembrados. A hiperemia de membrana timpânica (MT) observada em uma criança
chorando, pode induzir ao diagnóstico errôneo de otite média aguda e prescrição de
antibiótico. Da mesma forma, a indicação de radiografia dos seios da face para uma
criança com resfriado pode mostrar velamento da cavidade paranasal, mimetizando
sinusite e levando a consequente tratamento desnecessário. Existem verdadeiras
“epidemias radiológicas de sinusites” em situações que favorecem o uso abusivo de
medicamentos.3
1
Apesar de tão frequentes, nas IVAS nos deparamos com dificuldades práticas. Os sinais
clínicos e radiológicos têm baixa acurácia para diferenciar quadros virais dos
bacterianos e faltam recursos laboratoriais para essa distinção. Além disso, existe uma
expectativa não fundamentada de que a prescrição de antibióticos, mesmo na doença
viral, pode prevenir futuras complicações.2,4,5
Serão abordadas características clínicas e epidemiológicas para diagnóstico e
tratamento da rinofaringite aguda, rinossinusites, faringotonsilites e otite média aguda.
A maioria dessas infecções é causada por vírus e evoluem bem sem necessidade de
antibióticos, que devem ser reservados apenas para crianças que apresentem
persistência ou piora do quadro com tratamento sintomático ou naquelas de grupos de
risco para complicações.6
2. RINOFARINGITE AGUDA
A rinofaringite aguda, doença infecciosa de vias aéreas superiores mais comum na
infância, geralmente é autolimitada e apresenta boa evolução. Espera-se de cinco a oito
episódios por ano nas crianças menores de cinco anos.1 Os agentes etiológicos mais
frequentes são rinovírus, coronavírus, vírus sincicial respiratório (VSR), parainfluenza,
influenza, coxsackie, e adenovírus. Alguns agentes como o VSR e o adenovírus, podem
estar associados à evolução para infecção de vias aéreas inferiores.
A gripe, causada pelo vírus da influenza, caracteriza-se por um quadro de IVAS com
maior repercussão clínica. A febre e o comprometimento do estado geral são mais
intensos, podendo acometer as vias aéreas inferiores.7
2
Tabela 1. Infecções agudas das vias aéreas superiores – Sintomas e sinais8
Anamnese
Antecedentes pessoais
Exame físico
- Impressão da mãe sobre a
História pregressa
- Exame completo que
condição de saúde da criança - Antecedentes perinatais: inclua oroscopia,
- Febre: duração e
prematuridade é fator de
rinoscopia e otoscopia.
intensidade, além de aferição risco para sibilância e
- Avaliar a frequência
direta.
pneumonia.
respiratória
- Dificuldade respiratória:
- Internações anteriores:
- Na presença de febre
considerar a frequência
motivo, duração,
pesquisar sinais
respiratória esperada para
intercorrências e
meníngeos.
cada idade. Roncos e
complicações.
estridor podem estar
- Outras condições: atopia,
presentes e serem relatados
crises de asma, alergia a
como chieira (sibilância).
medicamentos, frequência
- Tosse: horário e
de infecções.**
características (seca, úmida,
História familiar:
rouca, produtiva ou não)
- Atopia, asma,
- Sintomas nasais: espirros,
desnutrição ou óbito,
prurido, coriza* (aspecto,
possibilidade de contato
quantidade e duração).
com tuberculose.
- Sinais de desidratação
História socioeconômica:
- Aspecto das fezes: pode
- Condições de higiene,
ocorrer presença de muco
número de pessoas em
nos quadros de infecções
casa, idade em que a
respiratórias virais.
criança começou a
- Vômitos.
frequentar a creche.
- Dor abdominal: pode estar - Presença de tabagismo
presente nas
faringotonsilites e
pneumonias
*Coriza purulenta ocorre em infecções virais ou bacterianas.
**Crianças entre um e três anos podem ter entre oito a 10 episódios de IVAS por ano,
sem significar comprometimento do estado imunológico.
3
Diagnóstico
O diagnóstico de rinofaringite é essencialmente clínico.
A Tabela 2 mostra características clínicas para diferenciar o resfriado comum da gripe.
Tabela 2. Diagnóstico diferencial entre gripe e resfriado comum
Características clínicas
Início
Gravidade
Sintomas principais
Resfriado comum
Gradual
Discreta
Febre
Cefaleia
Tosse
Espirros
Rouquidão
Fotofobia
Lacrimejamento
Coriza
Dor de garganta
Mal estar
Obstrução nasal
Gripe
Súbito
Intensa
Febre alta
Cefaleia
Tosse*
Mialgia
Congestão nasal
Cansaço*
Fraqueza*
Dor de garganta
Hiporexia
Hiperemia conjuntival e
lacrimejamento
Aumento de linfonodos
cervicais
Diarreia e vômitos
*Podem persistir por semanas.1,7
O diagnóstico diferencial das IVAS também deve ser feito com manifestações iniciais
de várias doenças: sarampo, coqueluche, infecção meningocócica ou gonocócica,
faringite estreptocócica, hepatite A e mononucleose infecciosa. O surgimento de um
quadro de IVAS de repetição, desencadeado por alérgenos ambientais, caracterizado
pela ausência de febre, sintomas recorrentes ou permanentes nos períodos de inverno e
primavera, deve levantar a suspeita diagnóstica de rinite alérgica.8
Tratamento
O objetivo do tratamento consiste em diminuir o desconforto da criança decorrente da
febre, rinorréia, obstrução nasal ou tosse persistente. Medidas gerais e observação
cuidadosa para detecção das complicações são descritas nas Tabelas 3 e 4.
Embora a IVAS seja uma doença benigna e autolimitada, seus sintomas são incômodos
e interferem nas atividades habituais9. Muitos fármacos, comumente utilizados, não
têm eficácia comprovada e ainda podem causar eventos adversos graves.2, 5, 9, 11, 12,13
4
Quanto à toxicidade dos medicamentos utilizados, sabe-se que lactentes menores de um
ano são muito sensíveis à depressão respiratória causada por opiáceos, mesmo em doses
ajustadas de acordo com o peso. Assim, devem-se evitar medicamentos contendo
codeína ou dextrometorfano nessa faixa etária.11,14
As associações mais utilizadas no tratamento de gripes e resfriados incluem pelo menos
um descongestionante e um anti-histamínico. Embora, em adultos, esses medicamentos
aliviem o desconforto nasal, causando poucos eventos adversos, o mesmo não é válido
para crianças.9
Antitérmicos devem ser usados quando a temperatura for maior que 37,5ºC nos
lactentes e nas crianças com relato de convulsão febril. Crianças maiores suportam
temperaturas mais elevadas, sendo o antitérmico recomendado em torno dos 38ºC. O
uso excessivo de antitérmicos, analgésicos e anti-inflamatórios está relacionado à
supressão da resposta de anticorpos neutralizantes e aumento dos sintomas.1, 8
Os anti-histamínicos constituem um grupo heterogêneo de drogas, com
características distintas relacionadas à farmacocinética, farmacodinâmica, potência em
aliviar os sintomas e capacidade de produzir efeitos adversos. Existem poucas
evidências científicas de que os anti-histamínicos possam ter alguma utilidade no
combate aos sintomas do resfriado comum.9, 11, 12, 13,14 São recomendados nos
portadores de rinite alérgica que pioram os sintomas na evolução das viroses.14
As crianças apresentam aumento da suscetibilidade aos efeitos anticolinérgicos dos
anti-histamínicos e vasopressores das aminas simpatomiméticas e podem apresentar
insônia, irritabilidade, taquicardia, hipertensão e febre após o uso desses medicamentos.
Esses eventos adversos são mais comuns em lactentes, com vários casos de intoxicação
e confusão no diagnóstico diferencial com doenças graves. Em crianças menores de seis
anos, também não são raros os casos de alterações psiquiátricas após o uso de fármacos
contendo fenilpropanolamina, não sendo recomendado seu uso nessa faixa etária.9,11,14
Os vasoconstritores tópicos, facilmente absorvidos podem levar a danos da mucosa
nasal e normalmente observa-se vasodilatação local (“rebote”) após interrupção do seu
uso. Além disso, estes medicamentos são causas frequentes de depressão do sistema
nervoso em lactentes.11, 14
Os descongestionantes utilizados por via sistêmica são menos prováveis de causar
congestão “rebote”, mas podem induzir efeitos colaterais como taquicardia, insônia,
hipertensão e irritabilidade.11,14 Portanto, deve-se considerar que no tratamento de
gripes e resfriados em crianças, a melhor conduta é a administração tópica de soro
fisiológico, a manutenção de hidratação adequada e a umidificação do ambiente para
facilitar a eliminação das secreções.11
5
Embora a tosse seja um sintoma incômodo para a criança e a família, não se recomenda
suprimi-la com o uso de antitussígenos, pois trata-se de um reflexo respiratório
protetor desencadeado para remoção de secreções da árvore traqueobrônquica. A
ampla utilização de antitussígenos baseia-se no desconhecimento do caráter
autolimitado da tosse que acompanha gripes e resfriados comuns. Além disso, nas
doses habitualmente utilizadas, os antitussígenos não têm efeito superior ao placebo.
Apesar dos antitussígenos não opioides, como o dextrometorfano, serem considerados
pouco tóxicos, sabe-se que estas drogas podem causar sonolência, náuseas e,
dependendo da dose, depressão do sistema nervoso central.13, 14
Expectorantes e mucolíticos são muito utilizados, porém, até o presente, não há
estudos controlados que demonstrem sua efetividade. Sua ação pode estar relacionada
ao teor de açúcar e ao efeito placebo. Há controvérsias sobre a eficácia de expectorantes
e mucolíticos em alterar a composição das secreções respiratórias e diminuir a tosse.
Assim, o uso desses medicamentos em crianças é contra-indicado, pois, além do
aumento dos custos do tratamento, há risco de efeitos adversos.9,13,14
O uso de altas doses de vitamina C para gripes e resfriados ainda é objeto de intensos
debates na literatura. Entretanto, até o momento, não existe qualquer comprovação
científica de que a utilização da vitamina C seja eficaz em reduzir os sintomas
associados a essas doenças.9,13
No tratamento das gripes e resfriados em crianças, antes de prescrever fármacos de
ação duvidosa, o pediatra deve esclarecer aos familiares sobre o caráter autolimitado
das nasofaringites agudas. Não existem estudos bem controlados que fundamentem a
utilização de medicamentos. É importante considerar, além do custo, o risco de
ingestão acidental destes pelas crianças.11
6
Tabela 3. Tratamento das infecções virais das vias aéreas superiores1
Tratamento geral
– Repouso no período febril.
– Hidratação e dieta conforme aceitação.
– Higiene e desobstrução nasal: instilação de solução salina
isotônica nas narinas e aspiração das fossas nasais com
aspiradores manuais apropriados.
– Umidificação do ambiente: efeitos benéficos não
comprovados.
– Antitérmico e analgésico: acetaminofeno ou ibuprofeno.
– Descongestionante nasal tópico: não existe nenhuma
evidência científica de que essa medicação possa ser
utilizada com segurança em crianças menores ou que
previna otite média aguda.
– Antitussígenos e anti-histamínicos: uso desaconselhável
devido à ineficácia e presença de efeitos adversos.
– Antimicrobianos: não são indicados, não previnem
infecções bacterianas secundárias e podem causar efeitos
adversos, incluindo o aumento de cepas bacterianas
resistentes.
Tratamento específico
Para a maioria dos vírus,
não existe tratamento
específico.
Complicações
Devido ao processo inflamatório da mucosa nasal, pode ocorrer obstrução dos óstios de
drenagem tubária e dos seios paranasais, resultando em 5% a 10% dos casos em
infecção bacteriana secundária, como rinossinusite e otite média aguda.1,2
Exames complementares
A identificação de vírus é desnecessária, só se justificando em situações epidêmicas, por
orientação das autoridades sanitárias.1
7
3. RINOSSINUSITES
No resfriado comum, a rinossinusopatia viral é resultado da continuidade da mucosa
nasal com as cavidades paranasais. A persistência da secreção nasal por mais de sete
dias é consequente ao dano da mucosa respiratória pela infecção e resposta
inflamatória. Existem fatores predisponentes, que aumentam o risco dessa complicação
(Quadro 1). A rinossinusite bacteriana aguda deve ser considerada nas crianças com
quadro de tosse e secreção nasal purulenta por período superior a 10 dias, ou na
persistência ou recorrência da febre após o quarto dia de evolução de uma IVAS.12,15
Quadro 1 - Fatores predisponentes das rinossinusites bacterianas5
• Infecções de vias aéreas superiores
• Rinite alérgica
• Hipertrofia de adenóides
• Frequência à creche
• Poluição ambiental (fumaça de cigarro e outros alérgenos)
• Corpo estranho
• Natação
• Uso abusivo de descongestionantes
• Desvio de septo nasal
• Pólipos
• Discinesia ciliar
• Fibrose cística
Os agentes etiológicos são S. pneumoniae, M. catharralis,H. influenzae (capsulado ou
não) e vírus. Na microbiologia da sinusite crônica, além dos patógenos citados acima,
são encontrados anaeróbios (bacteróides, fusobactérias), S. aureus, S. pyogenes e, mais
raramente, gram negativos e fungos.1, 12,15
8
Diagnóstico
O diagnóstico é baseado na história clínica e em exame físico. O estudo radiológico de
seios da face é raramente necessário.1
Tabela 4. Diagnóstico da rinossinusite aguda bacteriana - Fatores preditivos positivos
Fatores preditivos das rinossinusites agudas bacterianas
Maiores
Menores
Tosse
Cefaleia
Febre - persistência ou recorrência
Mau hálito
Dor à pressão facial
Dor em arcada dentária
Secreção nasal ou retronasal purulenta,
Otalgia/pressão ouvidos
com duração < 10 a 14 dias
Hiposmia ou anosmia
Secreção nasal posterior
O diagnóstico diferencial deve ser realizado com prolongamento da infecção viral não
complicada, rinite alérgica, corpo estranho nasal e adenoidite.
Tabela 5. Diagnóstico diferencial entre as rinossinusites agudas virais e bacterianas
Rinossinusite aguda viral
Rinorréia sero-mucosa líquida e
muco claro
Tosse após deitar
Estado geral preservado
Febre baixa
Curta duração
Rinossinusite aguda bacteriana
Rinorréia muco purulenta espessa,
amarela esverdeada
Tosse diurna, com intensificação à noite
Febre 39ºC após 3 dias do início dos
sintomas
Duração prolongada, entre 10 a 14 dias
Gotejamento retro nasal
Tosse ao deitar
Exames complementares
O exame radiológico de seios da face é pouco específico para o diagnóstico de sinusite
bacteriana. Geralmente está alterado nas infecções virais e, nos quadros alérgicos, pode
mostrar velamento ou opacidade das cavidades paranasais9. A tomografia
computadorizada é o exame de imagem mais indicado na suspeita de complicações da
rinossinusite bacteriana ou na recorrência frequente dos sintomas.1,6
A rinofibroscopia e punção aspirativa dos seios são indicadas na suspeita de
complicação supurativa, falha no tratamento convencional ou imunossupressão.6
9
Tratamento
A rinossinusite aguda na criança tem resolução espontânea em 40% a 50 % das vezes.
Medidas de higiene e desobstrução nasal com uso de solução salina são fundamentais
para permitir a drenagem das secreções e limpeza dos seios. Os anti-histamínicos não
são recomendados, pois causam espessamento das secreções. Não existem evidências
científicas sobre o uso de descongestionantes tópicos ou sistêmicos nesta doença.
Outros tratamentos preconizados incluem a solução salina hipertônica e o uso de
corticosteroide tópico nasal. Porém, a maioria dos estudos comparando esses
tratamentos com antibióticos ou placebo foi realizada em adultos.6,16 Terapia adjuvante
deve ser administrada para os pacientes com rinite alérgica.1
Quando indicado, o antibiótico de escolha é a amoxicilina, eficaz contra a maioria das
cepas de S. pneumoniae e H. influenzae. Nos pacientes alérgicos aos β lactâmicos, a
claritromicina ou a eritromicina podem ser utilizadas. Caso os sintomas persistam ou
nos quadros recorrentes, considerar a possibilidade de patógeno produtor de β
lactamase ou pneumococo resistente. Nesta situação está indicado o uso de amoxicilina
em dose duplicada ou amoxicilina+clavulanato ou cefuroxima. O tratamento
recomendado por período de 10 a 14 dias ou por 7 dias após resolução dos sintomas.1,6
A avaliação otorrinolaringológica deve ser solicitada nas seguintes situações:1
– Sinusites recorrentes: sinusites bacterianas agudas, separadas por períodos
assintomáticos superiores a 10 dias;
– Sinusite crônica: episódios com duração superior a 90 dias;
– Sinusite aguda com dor persistente ou outras complicações locais.
Quadro 2 - Informações para os familiares e medidas preventivas
– Retornar para revisão de rotina em duas semanas.
– Evitar contato com fumaça de cigarro ou outros alérgenos no ambiente.
– Evitar natação com mergulho até cura completa do processo
– Tratar rinite alérgica, quando presente.
– Correção cirúrgica de fatores predisponentes.
10
4. OTITE MÉDIA AGUDA
Entre as infecções respiratórias agudas, as otites médias agudas (OMA) são a causa
mais comum de procura de atendimento médico e uso de antibióticos em crianças.
Praticamente todas as crianças têm, pelo menos, um episódio de OMA antes dos três
anos de idade, com 20% de risco de recorrência de episódios6. Estima-se que
aproximadamente, 80% das OMA em lactentes sejam causadas por bactérias, com
destaque para três agentes: S. pneumoniae, H. influenzae não-tipáveis e M.
catarrhalis.6,17,18,19
Alguns fatores de risco e agravantes são apresentados na Tabela 6.
Tabela 6. Fatores de risco e fatores predisponentes/agravantes para OMA
Fatores de risco para OMA
IVAS
Disfunção da tuba auditiva
Baixa idade
Ingresso precoce em creches e
escolinhas
Fumo passivo
Aleitamento materno por período curto
Fatores predisponentes/Agravantes
Fatores locais:
-Rinite
-Desvio septo nasal
-Refluxo gastro esofágico
-Postura durante a alimentação (leite
materno ou mamadeira)
Irmão com história de otite
Alergias
Imunodeficiência: IgA
Fibrose cística
Fatores ambientais: creches, tabagismo
passivo
Diagnóstico
Otite média é a inflamação da mucosa que reveste a cavidade timpânica, pode ter
etiologia viral ou bacteriana. As manifestações clínicas que surgem no curso ou após
um quadro de IVAS variam com a faixa etária e podem ser inespecíficas como, mão no
ouvido, rinorréia, inapetência, vômitos, diarreia, entre outros. Em lactentes são comuns
febre, irritabilidade, choro e dificuldade para sugar.18,19,20
O diagnóstico de OMA requer à otoscopia a presença de inflamação e líquido (efusão)
na orelha média. Otorréia purulenta ocorre se houver perfuração da membrana. Dor
intensa e bolhas na MT são sugestivos de miringite bolhosa de etiologia viral.18,20
11
Tratamento
Existem controvérsias sobre a necessidade de usar antibióticos para tratar todos os
casos de otite, sobre qual o antimicrobiano mais apropriado e sobre o tempo de
tratamento necessário para erradicar os principais agentes.9,17
Estima-se que mais de 80% das crianças com OMA tratadas com placebo apresentem
resolução espontânea do quadro.9 O tratamento deve considerar, além da história
clínica, a idade, o aspecto da membrana timpânica e o estado geral da criança.2,6,12,17
Tabela 7. Critérios clínicos para tratamento das otites médias agudas
Tipo de conduta
Idade
Intensidade dos sintomas
Toxemia
Temperatura
Antecedentes de OMA
Otoscopia
Expectante
Intervenção - uso de
antimicrobiano
< 2 anos
Moderada a intensa
Moderada a grave
>39°C
Presentes
Abaulamento e/ou otorréia
>2 anos
Leve
Ausente ou leve
<39°C
Ausentes
Hiperemia e/ou nível
hidroaéreo
Optando-se pela conduta expectante, é obrigatória a reavaliação após 48 horas.
Consenso do Departamento de Otorrinolaringologia, SBP, 2003
Atualmente, a amoxicilina é considerada como primeira opção terapêutica para OMA
devido a seu baixo custo, espectro de ação, boa penetração na orelha média, facilidade
de administração e baixa taxa de eventos adversos. Devem-se reservar os antibióticos
de amplo espectro para casos de falha terapêutica ou situações de alto risco
(Figura 1).9,17
12
Figura 1. Tratamento da OMA, sem uso prévio de antibióticos.
13
5. FARINGOTONSILITES
A maioria das faringotonsilites (FT) agudas em crianças é benigna, autolimitada e de
etiologia viral, principalmente antes dos três anos de idade. Estima-se que 75% dos
casos das FT, na faixa etária entre 2 e 10 anos, seja de etiologia viral (rinovírus,
adenovírus, vírus Epstein-Barr, parainfluenza e influenza). Apesar disso, muitas casos
de FT são tratadas como bacterianas.
O uso excessivo de antibióticos para tratamento das faringotonsilites está associado à
dificuldade no diagnóstico diferencial entre a etiologia viral e bacteriana. Outro fator
que contribui para essa conduta é o fato das tonsilites bacterianas, causadas pelo
estreptococo beta-hemolítico do Grupo A (EBHGA) ou Streptococcus pyogenes do
Grupo A (GAS), se associarem a complicações como a febre reumática.1, 3, 6,21
As faringotonsilites bacterianas agudas (FTBA), menos prevalentes no verão, são raras
abaixo dos dois anos de idade. O EBGH é responsável por cerca de 15% a 30% das
faringotonsilites agudas, com período de incubação entre dois a cinco dias, e o contágio
ocorre principalmente por meio de secreções respiratórias. A criança acometida pode
retornar à escola de 48 a 72 horas após o início do antibiótico.
O diagnóstico precoce e tratamento adequado, são relevantes para prevenção da febre
reumática (FR) e das complicações supurativas (abscesso peritonsilar, linfadenite
cervical e mastoidite), para redução da transmissão do EBHGA e diminuição dos
efeitos adversos da terapêutica antibiótica inadequada, incluindo o surgimento de
resistência aos antibióticos.22,23
Diagnóstico
Na faringotonsilite viral a sintomatologia é leve, com início gradual e, quase sempre,
acompanhado de cortejo sintomático sugestivo de envolvimento de outras mucosas do
trato respiratório superior, como coriza, conjuntivite e rouquidão. O acometimento das
amígdalas geralmente é simétrico, com inflamação leve a moderada, podendo
apresentar-se como pontilhados brancos, pequenas vesículas ou úlceras no palato mole
e nos pilares anteriores. Pode haver exudato de intensidade variável, mas o aspecto não
é purulento. Na Tabela 8 estão descritas as principais características clínicas da
faringotonsilite viral.
Quadro 3: Características clínicas sugestivas de Faringotonsilite viral
Quadro clínico: dor de garganta, disfagia, mialgia, febre baixa ou ausente, tosse,
coriza hialina, obstrução nasal, espirros, rouquidão e sintomas gastrintestinais
Exame físico: hiperemia e edema da mucosa faríngea e das amígdalas, com presença
de exudato (raro).
Tratamento: medidas de suporte e analgésicos
14
A faringotonsilite aguda estreptocócica ocorre predominantemente na faixa etária
entre 5 e 15 anos. Apresenta início súbito, temperaturas elevadas (39°C a 40°C), com
dor e ardor à deglutição e presença de adenomegalia sob o ângulo mandibular.
Petéquias no palato podem ser vistas nas primeiras 24 horas. Há de moderada a intensa
congestão faringoamigdaliana, com edema e lesões exsudativas. Outros sintomas
inespecíficos podem estar associados, como cefaleia, náuseas, vômitos e dor abdominal.
A presença de exantema áspero, macular e puntiforme, flexuras avermelhadas (sinal de
Pastia) e palidez perioral (sinal de Filatov), alertam para o diagnóstico da escarlatina.1
A cultura de orofaringe é considerada o padrão ouro para o diagnóstico da
faringotonsilite estreptocócica, com sensibilidade em torno de 90% a 95%. Na prática
clínica, o diagnóstico continua a ser feito na maioria das vezes com base apenas nos
critérios clínicos. A pesquisa de antígenos (teste rápido) tem alta sensibilidade, porém
não é capaz de diferenciar os doentes dos portadores do EBHGA.6,21,22, 23,24
Quadro 4: Diagnóstico diferencial das faringotonsilites não estreptocócicas1
Faringites virais: coriza, tosse, rouquidão e vesículas ou ulcerações na orofaringe;
Faringite por micoplasma e clamídia: mais comum em adolescentes;
Mononucleose, citomegalovirose, toxoplasmose (com suas manifestações próprias,
incluindo comprometimento de órgãos e estruturas à distância);
Faringite meningocócica ou gonocócica (história e dado epidemiológico);
Difteria: placas branco-acinzentadas aderentes na orofaringe, invasão eventual da
úvula e comprometimento laríngeo;
Faringites por outros estreptococos, Haemófilos I. ou Moraxela C.: raras;
Outras afecções: tumor de orofaringe e angina da agranulocitose.
Tratamento
– Repouso no período febril.
– Estimular ingestão de líquidos não ácidos e não gaseificados e alimentos pastosos, de
preferência frios ou gelados.
– Analgésico e antitérmico: acetaminofeno ou ibuprofeno.
– Irrigação da faringe com solução salina isotônica morna.
O uso de antibióticos no tratamento das tonsilites agudas objetiva reduzir as chances
de complicações supurativas e não-supurativas associadas ao EBHGA, além da redução
da transmissão dessa bactéria na comunidade.
15
O S. pyogenes é considerado universalmente sensível às penicilinas. Os
antimicrobianos de primeira escolha são fenoximetilpenicilina (penicilina V oral) ou
amoxicilina por 10 dias, ou ainda, penicilina G benzatina por via intramuscular em
dose única. Pode haver falha no tratamento com penicilina V em até 35% dos casos,
principalmente nas crianças menores de seis anos. Essas falhas podem ser decorrentes
da posologia ou tempo de tratamento incorretos, reinfecção, degradação da penicilina
pela flora orofaríngea produtora de β lactamase, ou erradicação da flora protetora da
orofaringe. Na suspeita de degradação da penicilina devem ser usados inibidores da β
lactamase (amoxicilina e clavulanato de potássio, ou amoxicilina e sulbactam). Para os
pacientes alérgicos à penicilina podem ser usados estolato de eritromicina por 10 dias
ou azitromicina por um tempo mínimo de 5 dias. As cepas de S. pyogenes desenvolvem
resistência aos macrolídeos rapidamente e a literatura não recomenda a azitromicina
como primeira opção terapêutica. Sulfonamidas e tetraciclinas não são indicadas para o
tratamento da faringotonsilite estreptocócica em razão do alto índice de falha na
erradicação bacteriológica.2,6,9,21
O tratamento para o portador do S. pyogenes não está indicado, exceto em situações de
risco de transmissão, particularmente em comunidades fechadas, ou no caso de febre
reumática na família.7
O uso de antiinflamatórios não-hormonais nas crianças deve ser judicioso e, na
persistência dos sintomas, considerar outras causas etiológicas como infecção por vírus
ou bactérias atípicas.1,5,12
Devem ser observados sinais indicativos de complicações agudas infecciosas ou
imunológicas, como aumento da dificuldade para engolir, voz abafada ou anasalada,
falta de ar, erupções cutâneas, retorno da febre, dores articulares, urina de cor escura,
oligúria ou edema.12,22
O risco da contagiosidade deixa de ocorrer após 24 h de tratamento com penicilina e
48h de tratamento com eritromicina, devendo ser suspensa, nesse período, a frequência
à creche ou escola.7,12
16
Bibliografia
1. Pitrez PMC, Pitrez J LB. Infecções agudas das vias aéreas superiores –
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