Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina AS ALEGAÇÕES DE SAÚDE DOS ALIMENTOS: UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA BARBARA MICHELE AMORIM1 MÁRCIA GRISOTTI2 RESUMO: No campo de atuação da sociologia da saúde a temática sobre a relação entre alimentação e saúde encontra-se pouco desenvolvida quanto aos aspectos ligados ao conteúdo dos alimentos e o seu papel na saúde pública, especialmente no que se refere às alegações de saúde de certos alimentos comercializados como ‘funcionais’, seus impactos em públicos alvo e nas regulamentações governamentais. Alegações relativas à saúde associadas aos alimentos provocam várias controvérsias, entre elas a tênue linha que separa alimentos de medicamentos. Outro ponto de discussão é saber qual o público alvo desses alimentos, pois não é claro que existem alimentos específicos para pessoas que apresentam uma doença, como é o caso dos produtos que levam na embalagem o selo de aprovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Os objetivos do artigo são analisar o processo de certificação de alguns alimentos pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, analisar as legislações brasileiras que tem como objetivo regular os processos de fabricação, embalagem e venda dos alimentos com alegações “funcionais”, bem como perceber como o público se relaciona com esses alimentos e suas especificidades. Este artigo é resultado do projeto finalizado e financiado pelo CNPq: processo n°. 484982/2007-9. PALAVRAS-CHAVE- alimentos funcionais; alegações de saúde; Sociedade Brasileira de Cardiologia. APRESENTAÇÃO Um olhar mais atento sobre alguns produtos alimentícios industrializados comercializados principalmente em redes de supermercados nos leva a constatar o aumento crescente de produtos com alegações de propriedades medicinais. Com esse aumento surgem também as dúvidas quanto a demanda, o surgimento, seus impactos e objetivos reais. A articulação entre interesses científicos, empresariais, governamentais e demandas sociais é tão forte que dificilmente conseguiríamos definir quem nesta rede é o ator predominante. Ao contrário de investigar a hierarquia de determinações (cujos resultados, se obtidos, dificilmente poderiam ser generalizáveis) é mais promissor investigar quais os discursos que sustentam essas alegações e por que eles se tornaram tão importantes para a ciência, os governos e para a sociedade. Nessa perspectiva será possível estabelecer um sistema de gradações (para mais ou para menos) e compreender como esta rede é sustentada. O aumento da comercialização e o consumo de tais produtos com alegações de saúde não está isento de ambigüidades. Principalmente, como sugere Grisotti (2008) por estar situada na 1 Barbara Michele Amorim – acadêmica de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista PIBIC no núcleo Núcleo de Ecologia Humana e Saúde. E-mail: [email protected] 2 Prof. Drª. Márcia Grisotti – chefe do departamento de Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenadora do Núcleo de Ecologia Humana e Saúde. E-mail: [email protected] Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina fronteira entre alimento e medicamento e porque sugerem que o uso de alimentos e de seus componentes tem um efeito na prevenção de doenças – um território anteriormente dominado exclusivamente pela indústria farmacêutica. Conforme o dicionário de termos técnicos de medicina e saúde de Rey (2003), o termo alimento designa as substâncias que nutrem o organismo a fim de manter o metabolismo normal. Já o medicamento está vinculado às substâncias que propiciam a cura, prevenção e alivio de um estado físico anormal. De acordo com estas definições, o alimento com alegações de propriedades funcionais tende confundir-se com medicamento, pois pretende contribuir, além da nutrição básica do organismo, para a prevenção de anomalias metabólicas. Sendo comercializado como alimento, os produtos com alegações de propriedades funcionais não estão sujeitos às rígidas regras das regulações oficiais determinadas aos medicamentos. Como existem vários aspectos facilitadores à criação dos produtos com alegações de propriedades funcionais, e cada órgão público e/ou privado tem certa autonomia sobre os seus próprios produtos, há uma grande variedade de designações para os alimentos funcionais. Do ponto de vista oficial cada país, de acordo com as regulamentações de seus agentes, utiliza um termo para designá-los. No Brasil a regulamentação desses alimentos é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que a partir de 1999 publica resoluções e informes técnicos que regularizam a produção, embalagem, investimento em tecnologias e comercialização dos alimentos funcionais. Mesmo formulando regulamentações, a ANVISA apresenta impasses, fragilidades e mesmo controvérsias no processo. O artigo pretende analisar a construção das alegações de saúde (com ênfase nas recomendações de associações médicas) dos alimentos funcionais comercializados em supermercados e o seu papel na constituição do perfil das escolhas do consumidor, percebendo quais suas razões para a escolha dos alimentos funcionais. Para isso, foi analisado qual o impacto no discurso de populações alvos – representado empiricamente através dos pacientes do centro de reabilitação cardíaca S.O.S Cárdio localizada no município de Florianópolis e do Programa Floripa Ativa no bairro do Córrego Grande também em Florianópolis - das legislações e usos de alegações de saúde nos rótulos dos alimentos. Os discursos surgiram de grupos de discussão realizados com esses pacientes. e selo de aprovação da Associação Brasileira de Cardiologia em supermercados de Florianópolis – SC, analisamos o processo de obtenção de certificação ou recomendação de consumo de alguns produtos alimentares por parte de associações ou entidades médicas no Brasil e identificamos o trâmite entre a ANVISA e a Sociedade Brasileira de Cardiologia. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina Esse estudo se justifica pela carência de pesquisas nessa área tão importante e ao mesmo tempo tão controversa. Dentre os resultados esperados estão: auxilio na construção e reconstrução das legislações, um arquivo histórico das mudanças que acontecem dentro da área e uma perspectiva quanto às percepções de uma parte do público alvo desses produtos. 1 - Panorama mundial relativo ao debate sobre saúde e o bem estar da população: as perspectivas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) Percebendo que o assunto é abrangente e cheio de controvérsias, órgãos governamentais e não-governamentais divulgam seus pareceres. A Organização Mundial de Saúde – OMS (World Health Organization – WHO), em um relatório sobe Diet, Nutrition and Prevention of Chronic Diseases (WHO, 2003) reúne estudos e visões de um grupo de especialistas internacionais relacionando as variáveis entre o aumento do diagnóstico de doenças crônicas relacionadas aos nossos hábitos alimentares e estilos de vida. Neste documento a OMS deixa claro a relação entre saúde física e alimentos. “Dieta e nutrição são importantes fatores na promoção e manutenção da boa saúde durante toda a vida. O papel da alimentação no que se refere à doença crônica é bem claro e por isso ocupa posição de relevância dentre as atividades de prevenção” (WHO, 2003, p.4). A intenção do documento é fazer um levantamento das pesquisas que dão relevância aos alimentos que auxiliam na prevenção de doenças crônicas. Para a OMS, as doenças crônicas são doenças que podem ser evitadas. E mesmo com contradições e sem provas concretas de que essas doenças estão vinculadas a dieta, afirma que “os cientistas já têm embasamento suficiente para que se tomem medidas agora” (p.5). A OMS incentiva a formulações de leis nacionais que tratem da delimitação das escolhas alimentares da população, como a proibição de certos alimentos para cada faixa etária, ou a indução as escolhas saudáveis. A Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS (Pan American Health Organization, PAHO) também se pronuncia com relação às características de uma vida saudável, o que pode ser identificado através do documento intitulado: “Estratégia regional e plano de ação para um enfoque integrado da prevenção e controle de doenças crônicas”. Através de seu documento oficial sobre alimentação (PAHO .2007) vem complementar os dados trazidos pela OMS e mostra uma preocupação maior com os significados da alimentação para cada sociedade. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina A OPAS sugere “a reeducação alimentar, atendendo aos quesitos da adequação em quantidade e qualidade, prazer e saciedade” (OPAS, 2007, p.24), a qualidade na alimentação deve ser vista como um processo de mudança e que pode ser minimizado se desde a infância haja a formação de hábitos alimentares adequados. A proposta é que “não se deve esquecer que, nesse processo, também estão envolvidos valores culturais, sociais, afetivos-emocionais e comportamentais” (OPAS, 2007, p.24) 2 - Panorama brasileiro sobre as alegações de saúde, com ênfase nos alimentos funcionais. Em resposta a essa invasão de produtos com alegações de benefícios a saúde, os órgãos públicos nacionais brasileiros introduziram alterações nas legislações competentes aos alimentos, delimitando o espaço dos alimentos funcionais. No Brasil, cabe à ANVISA3 a regulamentação do cultivo, processamento, industrialização, embalagem, transporte, veiculação, vendas e todos os outros estágios com relação aos alimentos. Em 1969 o Decreto-Lei nº 986 definiu os conceitos de alimento e suas modificações. Essas classificações fundamentam até hoje as resoluções sobre alimentos. Após alguns anos, resoluções e portarias foram sendo criadas para adequarem a Lei 986/69 às novas inovações no campo da alimentação. Desde 1990 já existiam pedidos de registro para produtos que não se encaixavam nos conceitos regulamentados de alimentos. Somente em 1998 foi aprovada a regulamentação técnica para a análise de novos alimentos e ingredientes. A partir de 1999 foram publicadas as resoluções nº18/99 e nº19/99 que regulamentam a produção, embalagem, investimento em tecnologias e comercialização dos alimentos funcionais. Onde a resolução n°18 define que alegações de propriedade funcional “É aquela relativa ao papel metabólico ou fisiológico que o nutriente ou não nutriente tem no crescimento, desenvolvimento, manutenção e outras funções normais do organismo humano” (ANVISA, 1999a). Fica definido também o que são alegações de propriedade de saúde. Sendo “aquela que afirma, sugere ou implica a existência de relação entre o alimento ou ingrediente com doença ou condição relacionada à saúde” (ANVISA, 1999a). Mesmo formulando regulamentações, a ANVISA apresenta impasses, fragilidades e mesmo controvérsias no processo. Um fator interessante e que tem gerado confusões nas indústrias brasileiras é que mesmo as resoluções da ANVISA sendo norteadas por instituições internacionais, como a FAO/WHO, FDA e 3 Assunto discutido no artigo de STRINGHETA et al. Políticas de saúde e alegações de propriedades funcionais e de saúde para alimentos no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas. vol.43, n.2, abril de 2007. E também em GRISOTTI, M. et al. Os alimentos funcionais em supermercados no Brasil e na Holanda: análise sociológica da construção social das alegações de saúde e o seu papel nas políticas de saúde pública e no perfil das escolhas dos consumidores. Relatório de pesquisa – processo n. 484982/2007-9 – 2010. Edital MCT/CNPq. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina Codex Alimentarius (Código de práticas elaborado pelo Centro de Nutrição da Holanda), ela não apresenta uma definição de alimento funcional. Em 2004 é publicado o informe técnico nº 9 que objetiva dar maior clareza e transparência dos critérios para análise e uso de alegações de saúde e funcionalidade já citadas e subsidiar a avaliação da área técnica. Com esse informe técnico foi permitida a utilização de alegações de propriedades funcionais e de saúde sem necessidade de se comprovar cientificamente as propriedades atribuídas aos produtos. A permissão contribuiu para o “aumento de solicitações de análise de alegações em documentos para avaliação e em processos de pedido de registros, ocasionando situações que, de acordo com o documento, contrariam as diretrizes das políticas públicas de saúde” (GRISOTTI, 2008. p.17). Conforme as Resoluções já expostas, as alegações de propriedades funcionais podem ser utilizadas de várias formas. A ANVISA propõe também princípios que norteiam as ações de avaliação pela Comissão Técnico-científica de Assessoramento em Alimentos Funcionais (CTCAF). O requisito básico para avaliação destes produtos é a comprovação da segurança de uso, que deve ser conduzida conforme as diretrizes básicas para avaliação de risco e segurança dos alimentos, estabelecidas pela Resolução ANVS/MS nº 17/99. Os produtos são avaliados caso a caso e seus processos de pedido de registro ou solicitação de avaliação, quando for o caso, devem apresentar as documentações necessárias para a comprovação de sua segurança na área de alimentos. Caso a propriedade funcional não seja reconhecida cientificamente, deverá ser atestada pelo fabricante que pretende utilizá-la. As alegações de propriedades funcionais têm caráter opcional pelos fabricantes e o alimento deve estar de acordo com o que foi estabelecido na Resolução n° 18/1999. O alimento deve ser seguro e não necessitar de supervisão médica para ser consumido. A ANVISA se mostra frágil no quesito das regulamentações dos produtos com alegações de propriedades funcionais e saúde. Primeiro por não explicitar o que seria um alimento funcional, antes de determinar o alimento com alegação de propriedade funcional. Outro ponto de fragilidade é o fato do documento não definir todos os conceitos que utiliza, criando dúvidas sobre o que seria uma alimentação saudável, equilíbrio da flora intestinal, dieta balanceada e outros. Principalmente pelo fato de haver várias interpretações desses termos. 3 - Alegações de saúde por parte de associações e entidades médicas e industriais no Brasil: uma análise do Selo de Aprovação (da Sociedade Brasileira de Cardiologia) Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina A ANVISA define e regula as alegações de propriedades funcionais e de saúde. Desta forma, as alegações não estão restritas ao uso nas embalagens de seus produtos pelas indústrias. Há também associações médicas que, através de signos, alegam propriedades de saúde e funcionalidade em certos produtos. Segue um caso que exemplifica essa prática. 3.1 - O Selo de Aprovação SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) O selo foi criado em 1991 como “marca de saúde” que identifica os produtos cuja empresa procurou a SBC para comprovar os padrões saudáveis da composição. A SBC alega (no site) que criou o selo para contribuir com a melhor qualidade de vida da população, garantindo que os produtos caracterizados com o selo têm a característica de auxiliar a prevenção e o controle de doenças relacionadas ao coração. Em 2005 foi alterado o design do selo para maior facilidade de localização na embalagem. Em 2008 foi adicionada ao selo, por determinação da ANVISA, uma frase que contem a principal característica do produto ao ser aprovado pela SBC. Os termos utilizados são baseados na Portaria nº 27/ 1998 – ANVISA, que estabelece. Um problema verificado pelo grupo de estudo foi a interpretação dessas frases, levando em consideração que cada pessoa e/ou grupo social representa os termos anunciados de diferentes maneiras e nem todos os indivíduos têm acesso aos dados estabelecidos pela ANVISA. Para ser avaliado pela equipe da SBC, os fabricantes devem entrar em contato com ela e apresentar os documentos requeridos. Há a possibilidade da Sociedade Brasileira de Cardiologia enviar comunicados às empresas avisando da existência do selo, conforme o coordenador do selo. Os documentos necessários para o inicio do processo avaliativo são: a) laudo físico-químico realizado por laboratório credenciado na ANVISA; b) amostra do produto; c) registro no Ministério da Saúde ou Ministério da Agricultura; d) embalagem ou rótulo do produto; e) material promocional e quaisquer documentos que comprovem as propriedades benéficas do produto. Os critérios laboratoriais utilizados constituem apenas uma das etapas do processo de avaliação. Desse modo, o fato do produto se enquadrar dentro dos valores estabelecidos, não significa necessariamente que o mesmo será aprovado para utilização do Selo. Conforme exposto pelo coordenador do selo dentro da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o produto e a empresa passam por avaliações e acordos comerciais, sendo essa uma importante característica do processo de aprovação do produto que requer o selo. Não basta ter um produto enquadrado nos padrões de Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina qualidade da Sociedade Brasileira de Cardiologia, é necessário também 1) a adequação das embalagens; 2) uma análise do perfil das empresas, verificando se a mesma tem a imagem que a SBC quer transmitir aos seus consumidores; 3) uma avaliação das características mais gerais do produto. Por exemplo: “um suco de uva é avaliável mais facilmente porque é uma bebida saudável, agora vamos supor que eu tenha uma empresa de produtos de frutos do mar e eu tenho que avaliar um camarão, o camarão light. Sem saber nada de como está o produto, eu não vou dar o selo, já que se trata de um dos alimentos mais gordurosos, com maior teor de colesterol, independente se seja light, não combina o nome camarão com a proposta do selo”. A avaliação é feita pelo comitê da SBC, que é formado por especialistas em cardiologia e nutrição, os quais que se baseiam nos padrões nacionais e internacionais de alimentos considerados saudáveis ao coração, elaborados por importantes órgãos como: AHA – American Heart Association, Heart and Stroke Foundation of Canada, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a própria Sociedade Brasileira de Cardiologia. Os itens avaliados são: Teor de gordura total; Teor de gordura saturada; Teor de gordura trans; Teor de colesterol; Teor de açúcares; Teor de sódio; Teor de fibras. Do ponto de vista das empresas existem dúvidas quanto ao que fazer com o selo, ou até mesmo se é interessante comercialmente ter o selo. Sobre este aspecto, o médico coordenador sinaliza para a influência do selo como um diferencial entre os produtos. Por outro lado, uma das cinco nutricionistas que trabalham na SBC com o selo relaciona o baixo impacto do selo com uma “uma filosofia do brasileiro. Acreditar no selo, ir atrás de um selo, isso não faz parte do brasileiro”. A empresa paga uma taxa de avaliação para a SBC com a finalidade de financiar a consultoria e análise do produto. O pagamento mensal pelo uso do selo é efetuado a partir da assinatura do contrato com a SBC que acontece após a aprovação avaliativa. O valor é definido com base em um questionário aplicado à empresa. Desta forma muitos produtos que podem conter todos os requisitos prezados pela SBC não trazem o selo, simplesmente porque o fabricante não se interessou em utilizá-lo. Além do valor a ser pago para SBC, poderíamos citar algumas outras razões para a não procura da SBC por alguns industriais. Umas delas seria a não melhoria nas vendas após a utilização do selo na embalagem. Há pessoas que alegam não ver diferença entre os produtos que contém e os que não contém o selo. Os produtos que contém o selo, na realidade, não podem ser classificados como mais saudáveis se comparados com os que não contém, justamente porque não é uma avaliação aplicada a todos os produtos alimentícios fabricados no país. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina 4 - Percepção do público com relação aos alimentos funcionais e ao selo. Diante de tantas dúvidas perante os alimentos com alegações de saúde, seus usos e implicações, se torna necessário um estudo mais empírico para saber a percepção do público, em especifico do público do selo da SBC. Foram feitas oficinas: a) com participantes de um grupo de apoio psicológico para a discussão das experiências subjetivas das doenças realizado na Clínica SOS Cárdio e; b) do Programa Floripa Ativa (no Córrego Grande - Florianópolis), que tem por objetivo principal fortalecer as ações isoladas na reabilitação, prevenção e promoção em saúde por meio de atividade física, consolidando a parceria intersetorial, universal e integral e também incentivar a prática de atividades físicas por parte dos idosos de Florianópolis. Durante o grupo focal foi perguntado aos participantes, que debateram sobre as relações entre a alimentação e as doenças, principalmente as cardiovasculares, e o selo da SBC. Na análise dos dados emergiram várias categorias: mudanças de hábitos; dificuldades encontradas no processo; estratégias de adaptação à nova dieta; dúvidas relacionadas à credibilidade dos médicos e as controvérsias dos seus discursos; percepções populares com relação à alimentação; causas das doenças e as destas com a alimentação. Exploraremos aqui as duas últimas. Na questão das causas das doenças estarem relacionadas ou não com a alimentação várias foram as respostas. Em um primeiro momento, houve pacientes falando que “90% do que me aconteceu ai é por causa da alimentação”. Ou que ela teve uma contribuição para o agravamento ou aparecimento de outras doenças. Porém, em um segundo momento, quando é perguntado se a alimentação seria o primeiro aspecto da doença cardíaca, várias pessoas responderam que não, que o emocional era para eles o principal causador das doenças. - “mas na verdade eu não comia tanta coisa que pudesse justificar e nem histórico familiar. Os médicos concluíram que era do metabolismo, dos problemas emocionais”. - “o tempo que eu comia matambre e cupim e coisa gordurosa, comia de tudo e não tinha nada. Foi só melhorar, deixar de comer: pronto. Só o stress adicional foi o que causou. Não tenho nada pelos exames de laboratório”. - “não adianta estar bem nos exames de laboratório, se tu não estás bem emocionalmente”. - O alimento é só uma parte. - Porque às vezes a ansiedade faz com que a gente coma além daquilo que é preciso. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina Aos participantes foi perguntado se eles consideravam que o problema do coração estava associado ao fato de comer comida gordurosa e de ter utilizado banha; a representação da banha na incidência de doenças do coração. - Porque tem gente que hoje, mesmo jovens, usam margarina, coisas desse tipo, óleos e também tem problemas de colesterol - Eu acho que naquela época que a gente usava banha, que morava no sítio, a banha não fazia tanto mal quanto as coisas hoje que a gente pode fazer dieta como quiser, mas mediante o que a gente come de agrotóxico, de coisas que não são naturais, naquela época a gente comia banha, mas em compensação o resto que a gente comia era tudo coisas naturais. Em nossa pesquisa este tipo de percepção e comportamento crítico da população reflete a não dependência total das pessoas às prescrições médicas e nutricionais, tendendo para a ocorrência de uma maior autonomia dos pacientes. Em nossa pesquisa os depoimentos mostram uma relação de causalidade mais multifatorial que apenas a ingestão de gorduras. Na seqüência foi realizado um questionário que pretendeu verificar se os pacientes conheciam e/ou consumiam os produtos até então certificados com o selo da SBC. Muitos deles alegaram que o selo é muito pequeno e que nem sempre é possível visualizá-lo. Em ambos locais a maioria dos sujeitos disse conhecer os produtos mais veiculados que contém o selo: Margarina Becel, bebida Ades, cereais Quaker, Margarina Qualy Vita, biscoitos da Nestlé, arroz Urbano. Mas que se consumiam não era pelo selo e sim por outros motivos. Percebe-se que não há uma diferenciação por parte do consumidor (neste caso os participantes dos grupos, considerado um público-alvo) entre os produtos com e sem o selo da SBC, pois ao serem perguntados se compram os produtos específicos, a maioria diz que não (por várias razões), mas ao serem perguntados sobre o que usam, eles responderam indicando alimentos funcionais em geral e não aqueles recomendados pela SBC. Dentre os motivos que os levam a não comprar os produtos que contém o selo, há a interferência do preço, mas há também uma indistinção dos produtos, pois alguns os consideram “iguais”. CONCLUSÕES Dentro do campo de atuação da sociologia da saúde a temática sobre a relação entre alimentação e saúde encontra-se pouco desenvolvida quanto aos aspectos ligados ao conteúdo dos alimentos e o seu papel na saúde pública, especialmente as alegações de saúde de certos alimentos comercializados como ‘funcionais’. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina Os alimentos com alegações de propriedades funcionais e saúde provocam controvérsias, entre elas a tênue linha que separa alimentos de medicamentos, a dificuldade em definir o público alvo e os possíveis impactos sociais e culturais causadas pelo consumo destes alimentos e as ações regulatórias dos órgãos públicos e privados frente a essa nova situação alimentar. Foram analisadas as condições que tornaram possível a emergência da comercialização dos alimentos funcionais e suas alegações de saúde, os meios comerciais de investimento em saúde pública e de informação pública sobre esses alimentos, como essas informações são apreendidas pelas pessoas e como os indivíduos percebem a relação saúde e hábitos alimentares. Nas entrevistas realizadas pudemos notar que são diversas as noções de saúde/doença e as formas de se manter saudável. As pessoas relacionam algumas doenças crônicas com genética e umas têm mais relevância na vida cotidiana do paciente que outras. É importante ressaltar que embora os pacientes entrevistados relacionem o seu problema de saúde com os hábitos alimentares, eles percebem outros fatores como mais relevantes para a explicação da doença: stress, problemas emocionais. REFERÊNCIAS ANVISA. Resolução nº 18 de 30 de abril de 1999a. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br Acessado em 28 de ago. de 2009. ANVISA. Resolução nº 19 de 30 de abril de 1999b. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br Acessado em 28 de ago. de 2009. ANVISA. Informe Técnico nº 9 de 21 de maio de 2004. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br Acessado em 28 de ago. de 2009. ANVISA. Alimentos com Alegações de Propriedades Funcionais e ou de Saúde. Novos Alimentos/Ingredientes. Substâncias Bioativas e Probióticos. VIII – Lista das Alegações Aprovadas. Disponível em : http://www.anvisa.gov.br Acessado em 28 de ago. de 2009. ANVISA. Alimentos com Alegações de Propriedades Funcionais e ou de Saúde. Novos Alimentos/Ingredientes. Substâncias Bioativas e Probióticos. III – Principios. Disponível em : http://www.anvisa.gov.br Acessado em 28 de ago. de 2009. ANVISA. Alimentos com Alegações de Propriedades Funcionais e ou de Saúde. Novos Alimentos/Ingredientes. Substâncias Bioativas e Probióticos. VI - Orientações para instrução do relatório técnico-científico para alimentos, substâncias bioativas e probióticos com alegações de propriedades funcionais e ou de saúde e novos alimentos. Disponível em : http://www.anvisa.gov.br Acessado em 28 de ago. de 2009. BRASIL. Decreto-Lei nº 986, de 12 de outubro de 1969. Institui normas básicas sobre alimentos. Diário Oficial da União (D.O.U.), Brasília, 21 de outubro de 1969. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 1969. Brasília. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis, 14 a 16 de setembro de 2010 Universidade Federal de Santa Catarina GRISOTTI, M. . Alegações de saúde dos alimentos funcionais: condições para a sua emergência e seu impacto na saúde individual e coletiva.. In: Carmem Rial e Julia Guivant. (Org.). Consumo, alimentos e globalização. Florianopolis: Editora da UFSC, 2008, v. , p. -. GRISOTTI, M. et al. Os alimentos funcionais em supermercados no Brasil e na Holanda: análise sociológica da construção social das alegações de saúde e o seu papel nas políticas de saúde pública e no perfil das escolhas dos consumidores. Relatório de pesquisa – processo n. 484982/2007-9 – 2010. Edital MCT/CNPq ORGANIZAÇÃO Pan-Americana da Saúde. Estratégia e plano de ação regional para um enfoque integrado à prevenção e controle das doenças crônicas, inclusive regime alimentar, atividade física e saúde. Washington, D.C: OPAS, 2007. 46p. REY, L. Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Guanabara Koojan, ed.2, 2003. SOCIEDADE Brasileira de Cardiologia. Selo. Disponível http://www.programaminhaescolha.com.br/oSelo.html Acesso em 28 ago. 2009. em STRINGHETA, P.C et al. Políticas de saúde e alegações de propriedades funcionais e de saúde para alimentos no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas. vol.43, n.2, abril de 2007. pg. 181-194 WORLD HEALTH ORGANIZATION .WHO. Diet, Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases. Report of a joint WHO/FAO expert consultation. (WHO Technical Report Series, 916).Geneva. 2003. 149 p.