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ADHEMAR FERREIRA MACIEL
Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça.
Ex-professor da Faculdade de Direito Milton Campos.
Ex-professor da Universidade de Brasília.
Ex-presidente da Academia Mineira de Letras Jurídicas.
Membro da Academia Mineira de Direito Militar.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Membro (cofundador) do Instituto de Direito Constitucional do Brasil.
Consultor Jurídico.
O BILL OF RIGHTS AMERICANO:
REFLEXOS NO DIREITO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Belo Horizonte
2016
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Sumário
Prefácio:
Ministro Carlos Mário da Silva Velloso.......................................XIX
Explicação.................................................................................... XXIX
Capítulo I
Introdução: o porquê do trabalho doutrinário................................ 1
Capítulo II
Noção prévia do direito americano. A razão pela qual o
direito romano-germânico, que já se havia espalhado pela
Europa no século XII, não prevaleceu contra o common law.
O common law. O período Tudor. Modernização do Estado
inglês. Preservação dos costumes tudors nos Estados
Unidos. Mistura de funções políticas e jurídicas. A Judicial
Review. O Case Law. A invocação do direito natural nas
decisões judiciais. Direito natural na Antiguidade, Idade
Média e na atualidade. Hobbes, Locke e Montesquieu. A
importância de Locke para o constitucionalismo americano
e francês. Aversão histórica do americano a normas legais.
Eras ou períodos do direito americano.......................................
25
Capítulo III
A Judicial Review: “orgulho e enigma dos norte-americanos”.
Precedentes estaduais. John Marshall. Marbury v. Madison.
Subsídios de Hamilton. A substituição da votação seriatim
pela votação opinion of the Court........................................................ 67
XI
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Capítulo IV
A opção de Hamilton, Madison e Washington por um
governo nacional forte. A reunião dos constituintes em
Filadélfia, maio de 1787, para “revisar” os Artigos da
Confederação. Leitura de credenciais. Eleição do presidente
dos trabalhos. Candidatos. Regra do sigilo absoluto. O Plano
da Virgínia. O Plano de Nova Jersey...........................................
85
Capítulo V
Conjecturas sobre a razão da ausência de um bill of rights
ou de uma declaration of rights no texto da Constituição. A
Declaração da Virgínia. Mason e Patrick Henry. Moção de
Mason e Gerry. Recusa e justificativa. Exigência de alguns
Estados-membros. Correspondência entre Jefferson e
Madison. As Objections de George Mason. As explicações
de Publius........................................................................................
99
Capítulo VI
A Emenda n. 1.
A liberdade de ideias: resistência permanente contra a
Igreja e contra o Estado. A questão da supremacia do
poder. O cesaropapismo. Henrique II e as Constituições
de Clarendon. Santo Agostinho. Dante. Anteprojeto de
Madison. As Religious Clauses: a Establishment Clause e a Free
Exercise Clause. O medo: obstáculo para a exteriorização
do pensamento. Mutação constitucional. Casos notáveis.
Notícia da aprovação, em março de 1998, de proposta de
Emenda Constitucional pela Judiciary Committee da Câmara
dos Deputados dos Estados Unidos. Orações nas escolas
secundárias e ajuda governamental a instituições de
ensino religioso: proibições constitucionais que andaram
XII
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por um fio na Bush Court. A Kruzifixentscheidung do Tribunal
Constitucional Federal alemão. O crucifixo do Superior
Tribunal de Justiça. Uso de peiote em ritual religioso.
Liberdade de expressão. Liberdade de imprensa. Portugal.
Brasil. O caso New York Times Co. v. Sullivan, 376 U.S. 254
(1964): sua importância para a liberdade de imprensa. O
antecedente Near v. Minnesota ex rel. Olson, 283 U.S. 697
(1931). A doutrina Clear and Present Danger, de Holmes.
Contribuição ou auxílio para organizações terroristas e a
norma penal em branco do art. 18, § 2339B, do U.S. Code.
Queima pública de bandeira: jurisprudência. Tentativa
do Governo Bush de emendar a Constituição para evitar
a Flag Desecration. Obscenidade e pornografia. A proteção
do menor de idade. A instalação de filtro em computador
de biblioteca pública. Decisão recente sobre Film ou
Video Crush. Problemas da divulgação, pela imprensa, de
nomes de vítimas de estupros. Liberdade de propaganda
comercial. Outdoors. Direito de petição. Direito de ação.
Jogos de azar. Isenção tributária de jornais e organizações
religiosas................................................................................... 113
Capítulo VII
A Emenda n. 2.
Raízes históricas. Redação do texto da Emenda. Dificuldade
de interpretação. Militia versus Mercenary Force. Entendimento
constitucional de Cooley. Legislação do Congresso.
A mudança dos tempos: necessidade de restrição à
venda e ao porte de arma. A nódoa da Ku Klux Klan. A
inconstitucionalidade da Brady Handgun Violence Prevention
Act. Duas decisões recentes: District of Columbia v. Heller, 554
U.S. 570 (2008) e McDonald et al. v. City of Chicago, Illinois, et
al., 561 u.s. --- (2010)...................................................................... 215
XIII
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Capítulo VIII
A Emenda n. 3.
Inexistência de casos na Suprema Corte. Pobreza da
jurisprudência nos Tribunais de Apelação. A Lei do
Aquartelamento como revide ao Boston Tea Party. O registro de
Goethe em suas memórias. O “direito de aposentadoria real”
no Rio de Dom João VI................................................................ 239
Capítulo IX
A Emenda n. 4.
Proteção da propriedade privada. A parêmia My home, my castle.
Os General Warrants ingleses. As Lettres de Cachet do Ancien Régime.
Fragmento do discurso de William Pitt no Parlamento. Writs of
Assistance. A cláusula Unreasonable Searches and Seizures. Casuísmo
jurisprudencial. Convocação da imprensa para fazer cobertura
de prisão domiciliar. Exame de urina para candidatos a cargos
públicos. Morte em rodovia em decorrência de perseguição de
policiais. Dirigir alcoolizado (drunk driving). Exame de sangue
compulsório. “Bafômetro” (breath test device). Casuísmo. Noknock entry justificada diante das circunstâncias fáticas. GPS
para rastrear o deslocamento de veículo de suspeito de tráfico
de drogas. As doutrinas exclusionary rule e fruit of poisonous tree.
Repercussão no direito brasileiro......................................................... 245
Capítulo X
A Emenda n. 5.
A instituição do júri popular. Raízes históricas. Os heliastas
gregos. Os judices jurati de Roma. A Assize of Clarendon. O Grand
Jury e o Petit Jury. A soberania do Júri e a Jury Nullification Theory.
Passado e presente. A cláusula Double Jeopardy. Jurisprudência.
A proibição da autoincriminação. O Taking the Fifth. Oscilação
XIV
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da jurisprudência no tocante às Miranda Warnings. A Due Process
of Law Clause. A Substantive Due Process Clause. Repercussões no
direito brasileiro. Embaraços hermenêuticos na implantação
do New Deal. O plano de Roosevelt para aumentar o número
de juízes da Suprema Corte. O Dominium Eminens. Notícia do
Saltpeter Case. O direito de indenização no caso de desapropriação.
Jurisprudência. A preocupação do Judiciário em não entrar no
mérito político-administrativo da desapropriação. Evolução do
instituto...................................................................................................... 273
Capítulo XI
A Emenda n. 6.
Antecedentes históricos. O item 8 da Declaração da Virgínia.
A Seção 14 da Declaração de Direitos de Delaware. As
Constituições brasileiras e a cláusula do “julgamento penal
rápido”. O emaranhado de Boyer v. Louisiana. A Confrontation
Clause. O caso Gideon. Extensão ao caso Escobedo. Expansão
da jurisprudência na década de 1930............................................... 319
Capítulo XII
A Emenda n. 7.
Histórico. A preservação da instituição do júri para causas
cíveis. Tentativa de introdução da cláusula nos derradeiros
momentos da ultimação da Constituição de 1787. Não aplicação
aos Estados-membros. Exclusões. Autonomia do júri.
Repercussões no direito brasileiro................................................ 347
Capítulo XIII
A Emenda n. 8.
Antecedentes. O item 9 da Declaração de Direitos da
Virgínia. O princípio da Presunção da Inocência. O princípio
XV
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da Capacidade Econômico-Financeira na aplicação da fiança
e de multas penais. Banimento de penas crueis e incomuns.
A pena de morte. Solução constitucional brasileira. Castigos
infligidos a presos. O menor de idade e a pena de morte.
Prisão perpétua com liberdade condicional. Jurisprudência.
Abusos sexuais em prisões: responsabilidade do Estado?
Obstáculos administrativos e judiciais para se reclamar de
abusos sexuais em prisões. A Prison Litigation Reform Act de
1995. Pode-se invocar a proteção da Emenda no caso de pena
disciplinar em estabelecimentos de ensino?................................ 357
Capítulo XIV
A Emenda n. 9.
“A Emenda Esquecida”. Os direitos não enumerados na
Constituição. Regra de hermenêutica. Interrogações sobre
o papel do Judiciário federal. O Caso Griswold v. Connecticut.
Sua importância. A teoria do direito à privacidade do lar. A
infindável discussão entre originalistas e ativistas. A Constitutional
Interpretation e a Constitutional Construction. Observações de
Carlos Maximiliano. Karl Loewenstein e a Verfassungswandlung
americana. A Living Constitution. Repercussão da Emenda n. 9
em todas as Constituições republicanas brasileiras. O adendo
da Lei Fundamental de Bonn............................................................... 387
Capítulo XV
A Emenda n. 10.
Observações e considerações de Tocqueville. A criação do
Estado federal pelos constituintes norte-americanos de 1787. A
dificuldade de se conceituar doutrinariamente o Estado federal.
A repercussão das ideias de John Calhoun nos Estados Unidos
e fora dele. O Bill of Rights e a Declaração de Direitos do Homem
e do Cidadão de 1789: particularidade de um, universalidade
XVI
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da outra. A República: preocupação maior do que a própria
Federação. Os “poderes reservados”. A influência da Emenda
n. 10 nas constituições brasileiras. A Cláusula Dormant Commerce
e a Cláusula Supremacy, do Art. VI da Constituição. A Teoria
da Preempção da Lei Federal. Os “Grandes Silêncios” da
Constituição norte-americana. A criação de um Banco Central.
McCulloch v. Maryland. Implied Powers v. Reserved Powers....................... 405
Capítulo XVI
A Emenda n. 14.
Art. V da Constituição da Filadélfia: válvula de bom
senso político. Necessidade de modificações formais
do texto original da Constituição norte-americana.
Propósitos. Emendas da Reconstrução. Lincoln e a luta dos
republicanos para suas aprovações e ratificações. O Rump
Congress. Federação arranhada? A cidadania. Ius sanguinis e
ius soli. Raízes históricas. A escravidão do negro: a peculiar
institution nos Estados Unidos e o “elemento servil” no
Brasil. Diferenças. Luta de mulheres em prol da abolição. A
lenta absorção política do índio. Person e citizen. A doutrina
do “igual, mas separado”. O caso Plessy v. Ferguson, 163 U.S.
537 (1896). A bela e triste história de Dred Scott. O voto
de Roger Taney. Casos na Suprema Corte envolvendo a
questão racial. A importância do precedente Brown v. Board
of Education, 347 U.S. 483 (1954). Antecedentes. A doutrina
do all deliberate speed. A doutrina Reverse Incorporation em
Bolling v. Sharpe, 347 U.S. 497(1954). A segregação racial
de japoneses e descendentes por ocasião da Segunda
Guerra Mundial. Leis proibitivas de casamentos interraciais. Circunstância agravante no crime de adultério e
fornicação, quando os infratores são brancos e negros. Os
Slaughter-House Cases. Importância. Discriminação contra
XVII
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mulheres. Direitos políticos. Due Process e Equal Protection.
Entrelaçamento. Questionamentos nos dias de hoje sobre
o Princípio da Supremacia do Parlamento no Reino
Unido. Vida familiar. Direito à intimidade. Intimidade
sexual entre adultos. O caso Lawrence v. Texas, 539 U.S. 558
(2003). Esterilização involuntária de indivíduos. O direito
de procriar. O “direito de morrer”. O comovente caso de
Nancy Cruzan. Leis de “Morte com Dignidade” (Death with
Dignity Acts)...................................................................................... 437
Obras Citadas.................................................................................. 509
Referência da Rede Mundial de Computadores (Internet)....... 540
Casos Citados................................................................................... 549
XVIII
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prefácio
O ministro Adhemar Ferreira Maciel, falecido no ano passado,
deixou-nos um belo livro, O BILL OF RIGHTS AMERICANO:
REFLEXOS NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, obra escrita com cientificidade e, sobretudo, com amor. É que a
Corte Suprema e o Direito Constitucional norte-americano sempre
estiveram presentes na vida do juiz e professor Adhemar Maciel.
Intelectual primoroso, magistrado garantista, que bem compreendia que a balança da justiça tem dois pratos, que num deles estão
os sagrados direitos individuais e que, no outro, os não menos
sagrados direitos da sociedade – o bom magistrado há de realizar
o equilíbrio entre essas duas realidades – Adhemar foi um grande
juiz, foi o juiz.
Quando fiz a apresentação do livro escrito em sua homenagem
por um pugilo de juristas, sob a coordenação do saudoso ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira – Estudos em Homenagem ao Ministro Adhemar Ferreira Maciel – anotei que, depois de aposentado,
Adhemar Maciel passou a dedicar-se ao magistério, ao estudo e
à pesquisa do Direito Constitucional e da Suprema Corte americana, dos quais era especialista. Jurista de escol, cidadão e chefe
de família exemplar, Adhemar era um ser humano que cativava e
enobrecia a todos os que dele se tornavam próximos.
Nosso conhecimento, registrei, datava de muitos anos, e a minha amizade por ele veio através de meu pai, o juiz Achilles Velloso, com quem Adhemar trabalhara, na Justiça Eleitoral mineira.
Recordei, então, que o meu pai, rigoroso nos conceitos, costumava
dizer que Adhemar Maciel, pelo seu caráter, é um homem invulXIX
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gar, daqueles que é preciso cultuar e enaltecer, porque homens
desse tipo vão se tornando raros.
Pois esse homem de personalidade invulgar nos deixou. Deixou-nos, porém, fisicamente. Seus livros e seus artigos de doutrina, suas sentenças e seus acórdãos consagram a sua imortalidade.
Este livro notável -- O Bill of Rights Americano: Reflexos no Direito
Constitucional Brasileiro -- é obra de direito comparado e será de leitura obrigatória pelos juristas brasileiros.
Tem sido grande a influência, no direito brasileiro, das decisões
da Suprema Corte americana, principalmente no que dizem respeito ao Bill of Rights da Constituição da Filadélfia. É que, assinala
Adhemar Maciel, “O Bilff of Rights da Constituição norte-americana reúne os principais direitos, franquias e garantias que singularizam a Civilização Ocidental dentre outras, constituindo motivo
de admiração para todas as constituições democráticas do mundo.” O Bill of Rights é mesmo invejado pelos povos civilizados. E
a fascinação dos americanos “pela ideia dos direitos individuais, que é
o signo zodiacal sob o qual o seu país nasceu,”1 inspira a Suprema Corte
americana a fazer cada vez mais viva a Constituição de 1787.
Dizíamos que tem sido significativa – significativa e benfazeja
– a influência, no direito brasileiro, do Direito Constitucional norte-americano. O instituto, por exemplo, do devido processo legal,
processual e substantivo, hoje incorporado ao direito brasileiro,
fomos buscar na jurisprudência da Suprema Corte americana. Em
voto que proferi, quando, para honra minha, integrava a Corte Su Dworkin, Ronald, “O direito da liberdade. A leitura moral da constituição norte-americana,” tradução de Marcelo Brandão Cipolla, S. Paulo, Martins Fontes, 2006,
p. 134, e Dworkin, Ronald, “Uma questão de princípio,” tradução de Luís Carlos
Borges, S. Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 37. Ap. Maciel, Adhemar Ferreira,
“O Bill of Rights Americano: Reflexos no Direito Constitucional Brasileiro.”
1
XX
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prema brasileira,2 referi-me à cláusula do due process of law, anotando
que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos
seus dois aspectos, substantivo e processual – artigo 5º, incisos
LIV e LV. O due process of law, tão caro ao direito norte-americano,
registrei no prefácio que elaborei para o livro de José Renato Nalini,3 e que constitui garantia libertária, passou por três fases.
A primeira, marca o seu surgimento na Magna Charta Libertatum,
de 1215, como garantia processual penal, como law of the land – julgamento por um tribunal formado entre seus pares e segundo as leis
da terra – onde se desenham dois princípios, o do juiz natural e o da
legalidade (fato definido como crime, pena previamente cominada).
Na 2ª fase, no Estatuto de Eduardo III, de 1354, law of the land
foi substituída por due process of law, passando a ser garantia processual geral, constituindo, o processo regularmente ordenado,
requisito de validade da atividade jurisdicional. Expressamente
ficou consignado no Estatuto: “nenhum homem, de qualquer estado ou
condição que seja, será expulso de suas terras ou posses, nem detido, nem preso,
nem indiciado nem levado à morte sem que seja chamado para responder (a
uma acusação) sob o devido processo legal.”
A 3ª fase de due process of law é a mais rica. Mediante a interpretação das Emendas V e XIV, pela Suprema Corte americana,
due process of law adquire postura substantiva ao lado de seu caráter processual, passando a limitar o mérito das ações estatais,
o que se tornou marcante a partir da Corte Warren, nos anos
1950/1960, em que se tornou realidade a defesa das minorias
étnicas e econômicas.4
4
2
3
ADI 1.511-MC/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, em www.stf.jus.br/jurisprudência.
Nalini, José Renato, “O Juiz e o Acesso à Justiça,” Editora R,T, 1994).
Rodrigues, Leda Boechat, “A Corte Warren (1953-1969 – Revolução Constitucional),”
Civilização Brasileira, Rio, 1991.
XXI
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Due process of law com conteúdo substantivo – substantive due process
– constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem
ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade
(reasonableness) e de racionalidade (rationality) e devem guardar, segundo Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se
quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento
judicial justo, com direito de defesa.
Substantive due process viu-se incluído na Constituição brasileira de
1988, em razão do trabalho desenvolvido, no âmbito da Assembleia Constituinte, por Carlos Roberto de Siqueira Castro, constitucionalista eminente, conforme dá notícia José Afonso da Silva,
no prefácio do livro de Siqueira Castro.5
Due process of law substantivo realiza-se, sobretudo, através dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Caio Tácito,
em precioso artigo de doutrina, leciona que em sentido equivalente ao princípio da razoabilidade, “o direito alemão adotou o princípio
da proporcionalidade, ou o princípio da proibição de excesso, conferindo-lhe a
natureza de norma constitucional não escrita, que permite ao intérprete aferir
a compatibilidade entre meios e fins, de modo a evitar restrições desnecessárias
ou abusivas contra os direitos fundamentais.” Na Espanha, “domina igual
princípio, que se transmite ao direito comunitário.”6
A ministra Carmen Lúcia também dissertou sobre o tema, distinguindo o princípio da proporcionalidade do princípio da razoabilidade, podendo aquele ser visualizado sob dois aspectos: pelo
primeiro, enfocando-se “a proporcionalidade dos valores protegidos pelos
Castro, Carlos Roberto de Siqueira, “O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das
Leis na Nova Constituição do Brasil”, Forense, 1989.
6
Barnes, Javier, “Introducion al principio de proporcionalidad en el derecho comparado y
comunitario”, “Revista de Administración Publica”, 1994, ps. 495/535; Tácito,
Caio, “A Razoabilidade das Leis”, Revista de Direito Administrativo, 204/1.
5
XXII
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princípios constitucionais,” e, pelo segundo, examinando-se o “aspecto
da proporção entre o quanto contido no princípio e a sua aplicação, proibindose qualquer excesso na prática do princípio, donde ser ele também chamado
de princípio da vedação de excessos”, segundo o magistério de Gomes
Canotilho. Já o princípio da razoabilidade assenta-se em que “cada
norma tem uma razão de ser”, tem uma razão. “Enquanto a proporcionalidade impede excessos, a razoabilidade faz com que se conheça o espírito dos
princípios constitucionais a serem aplicados.”7
Suzana de Toledo Barros examinou com profundidade o tema,
inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, segundo a autora, “vem, aos poucos, abrindo caminho para a recepção do
princípio da proporcionalidade na latitude com que os Tribunais Constitucionais europeus, o T.E.D.H (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) e
a Suprema Corte americana o admitem.”8 Certo é que a matéria vem
sendo debatida, não é de agora, no Supremo Tribunal.
Suzana Barros informa que o primeiro acórdão do Supremo
Tribunal Federal, a respeito do tema, foi tomado no RE 18.331,
relatado pelo ministro Orozimbo Nonato, em que ficou assentado
que “o poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma
vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito de
propriedade.” No RMS 16.912, foi debatida a questão do arbítrio do
legislador. O ministro Victor Nunes deixou expresso, então, que
“havendo abuso evidente do Congresso, sempre é possível enquadrar esse abuso
na infração de algum princípio constitucional”. No HC 45.232, relatado
pelo ministro Themístocles Cavalcanti, o Supremo Tribunal, com
Rocha, Carmen Lúcia Antunes, “Princípios Constitucionais da Administração Pública”, Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1994, ps. 52/54.
8
Barros, Suzana de Toledo, “O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais”, Brasília, DF, Editora
Brasília Jurídica, 1996, ps. 98 e segs.
7
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base no princípio da proporcionalidade, declarou a inconstitucionalidade do artigo 48 do D.L. 314, de 1967 (Lei de Segurança
Nacional). Na Rp 930-DF, o tema voltou ao debate, quando foi
discutida a regulamentação do exercício da profissão de corretor
de imóveis em face da reserva legal prevista no art. 153, § 23, da
Constituição de 1967, ferindo-se o debate a respeito da liberdade
do legislador para fixar as condições de capacidade para o exercício das profissões. O ministro Rodrigues Alckmin afirmou, então,
a existência, na ordem jurídica brasileira, do princípio da razoabilidade, explicando-o com apoio em Fiorini. Na Rp 1.077, de
28.03.1984, o Supremo Tribunal reiterou a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade. Na ementa do acórdão, lavrado pelo
ministro Moreira Alves, registrou-se: “se a taxa judiciária, por excessiva, criar obstáculo capaz de impossibilitar a muitos a obtenção de prestação
jurisdicional, é ela inconstitucional, por ofensa ao disposto na parte inicial do §
4º do artigo 153 da Constituição.” (Constituição de 1967). Também na
Rp 1.054, de 04.04.1984, foi exercido o controle da razoabilidade
ou da proporcionalidade da lei. No julgamento do MS 21.033DF, por mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal que o limite
de idade fixado para advogado de ofício da Justiça Militar não é
razoável. O acórdão invoca o precedente tomado no RMS 21.046RJ, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence. Há outros casos
semelhantes: RREE 156.404, 157.863, 175.548, 136.237, 146.934 e
156.971. Cuidando do princípio da razoabilidade ou invocando-o,
é possível mencionar, ademais: ADI 223, ministro Sepúlveda Pertence, em que se fez o controle da razoabilidade das leis restritivas
ao poder cautelar; ADI 855, ministro Sepúlveda Pertence, na qual
ocorreu a suspensão dos efeitos de lei que previa a obrigatoriedade
de pesagem de botijão de gás à vista do consumidor; ADI 1.040,
ministro Néri da Silveira: arguição de inconstitucionalidade do
art. 187 da Lei Complementar 75 (Estatuto do Ministério Público
XXIV
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da União), que estabelece que poderão inscrever-se no concurso
público bacharéis em direito há pelo menos dois anos; ADIs 966
e 958, ministro Marco Aurélio: arguição de inconstitucionalidade
do art. 5º da Lei 8.713, de 1993, que estabeleceu normas para as
eleições gerais de 1994; ADI 1.158, ministro Celso de Mello: arguição de inconstitucionalidade do art. 9º, § 2º, da Lei 1.897, de 1989,
que estendia vantagem pecuniária de um terço da remuneração, a
ser paga por ocasião das férias, aos servidores inativos do Amazonas; na ADI 1.105, ministro Paulo Brossard – arguição de inconstitucionalidade de dispositivo do Estatuto da OAB, que estabelece
a sustentação oral após o voto do relator, art. 7º, inciso IX, da Lei
8.906, de 1994, a questão do princípio da razoabilidade voltou ao
debate. Com base nesse princípio, deu-se a suspensão dos efeitos
do citado dispositivo legal.
Decisões outras, com inspiração em decisões da Suprema Corte americana, poderiam ser mencionadas. Indico, por exemplo, a
decisão tomada na questão do aborto do feto anencéfalo. Certo é
que a influência, ou os reflexos do Direito Constitucional americano, é dizer, decisões da Suprema Corte, no direito brasileiro tem
sido relevante. É bom que assim seja, porque as decisões daquela
Corte têm como rumo os direitos fundamentais.
O livro do ministro Adhemar Maciel vem, portanto, em boa
hora. Em dezesseis capítulos, rigorosamente concatenados, a obra
traz ao leitor os mais importantes momentos do Direito Constitucional americano e como este tem servido de inspiração na construção da história do direito brasileiro.
No Capítulo I, Adhemar explica as razões por que os constituintes da Filadélfia “não puseram, desde logo, um Bill of Rights na Constituição.” E o livro a demonstra a influência da Constituição e do
Bill of Rights na Constituição republicana de 1891, sob a batuta de
Ruy Barbosa.
XXV
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No Capítulo II, tem-se lição básica sobre o direito americano,
com a exposição a respeito da razão pela qual o direito romanogermânico, que já se espalhara pela Europa no Século XII, não
prevaleceu sobre o common law. Registre-se, como faz o autor, que
a “geração dos convencionais do Primeiro Congresso Continental, da Declaração da Independência, da votação da Constituição e da discussão do Bill of
Rights, era de homens forjados na cultura clássica greco-romana. Homens que
tinham consciência do que estavam fazendo. Souberam, assim, aproveitar as
ideias de Locke (1632-1704) e Montesquieu (1689-1755), que priorizavam
a liberdade e a propriedade.” E Adhemar Maciel acrescenta: “Monumentos constitucionais escritos, como a Magna Carta Libertatum (1215), a
Petition of Rights (1628), o Agreement of the People (1649) e o Bill of Rights
(1688-1689) alicerçaram os novos Estados norte-americanos, refletindo nacionalmente na Declaração da Independência, na Constituição de 1787 e no Bill
of Rights.” Segue-se exposição sobre temas importantes do direito
americano, enriquecidos com citações de casos julgados pela Suprema Corte.
O Capítulo III trata do que Adhemar considera, na linha de
Dworkin,9 o “orgulho e enigma dos norte-americanos”, a judicial review.
O livro, no Capitulo IV, dá as razões por que Hamilton, Madison
e Washington, na Convenção de 1787, optaram por um governo
nacional forte, em vez de simplesmente revisarem os Artigos da
Confederação. No Capítulo V, o livro volta ao que denomina de
“conjecturas sobre a razão da ausência de um bill of rights ou de uma declaration of rights no texto da Constituição.”
O Capítulo VI é dos mais interessantes, porque cuida da liberdade de ideias, a resistência contra a Igreja e contra o poder do
Estado. Seguem-se casos notáveis, como, por exemplo, sobre a
Dworkin, Ronald, “Uma questão de princípio”, tradução de Luís Carlos Borges,
S. Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 1. Ap. Maciel, Adhemar Ferreira, “O Bill of
Rights Americano; Reflexos no Direito Constitucional Brasileiro.”
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liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, a liberdade de pensamento, convindo mencionar que as “cláusulas religiosas” da Emenda
1 se dividem em duas: a que veda a instituição de religião oficial
(Establishment Clause) e a que assegura o livre exercício religioso
(Free Exercise Clause). Adhemar Maciel analisa, com propriedade,
importantes decisões da Suprema Corte, não deixando de referirse, também, a decisões de tribunais brasileiros na mesma linha.
O episódio da reação do governador do Estado do Mississipi à
decisão do Tribunal Federal que ordenara a matrícula de estudante negro na Universidade do Estado, originou reação do governo
federal, tendo o presidente John Kennedy baixado decreto federalizando a Guarda Nacional do Estado, além de ter enviado tropas
federais para efetivar o cumprimento da decisão judicial. O discurso do presidente John Kennedy, em cadeia nacional, revela o
estadista. Disse Kennedy: “Se este País chegar ao ponto em que qualquer
grupo de homens, ou qualquer homem, pela força ou ameaça da força, puder
desafiar as ordens de nossos tribunais e de nossa Constituição, então nenhuma
lei estaria livre de dúvida, nenhum juiz teria certeza de que seus mandados
seriam cumpridos, nenhum cidadão estaria protegido contra o seu vizinho.”
No Capítulo VII o livro cuida da Emenda nº 2, sempre com indicação de decisões da Suprema Corte. Da mesma forma, quanto à
Emenda nº 3, no Capitulo VIII. Seguem-se os exames das Emendas nº 4 (Capítulo IX), Emenda nº 5 (Capítulo X), Emenda nº 6
(Capítulo XI), Emenda nº 7 (Capítulo XII), Emenda nº 8 (Capítulo XIII), Emenda nº 9 (Capítulo XIV), Emenda nº 10 (Capítulo
XV) e Emenda nº 14 (Capítulo XVI). Todos esses capítulos estão
ilustrados por decisões da Suprema Corte, relacionadas, de regra,
com questões havidas no direito brasileiro.
A bibliografia referida pelo ministro Adhemar Maciel é das mais
ricas. Os acórdãos mencionados, sejam da Suprema Corte, sejam
do Supremo Tribunal Federal, revelam alta compreensão científiXXVII
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ca dos temas versados. Enfim, “O Bill of Rights Americano: Reflexos
no Direito Brasileiro” é das melhores coisas ocorridas no mundo
jurídico brasileiro, que carecia de trabalho de fôlego sobre o tema.
A obra póstuma que ora prefaciamos, com o selo da Editora Del
Rey, é produto de demorada reflexão, embasada em ampla e rigorosa pesquisa doutrinária e jurisprudencial.
O livro é precioso e vai enriquecer bibliotecas. Será de consulta
obrigatória pelo jurista e pelo professor, pelo advogado e pelo juiz,
pelos demais operadores do direito e por todos os que se interessam
pelo tema. Enfim, será de grande utilidade na academia e no foro.
É pena que o ministro Adhemar Ferreira Maciel, cuja memória reverenciamos, não esteja conosco para conosco festejar o sucesso de sua obra escrita com engenho e arte e, sobretudo, com
amor. Virgílio, na Roma antiga, já lembrava, no seu verso -- sic
vos non vobis mellificatis, apes -- que a abelha não faz o mel para si,
mas para outrem.
Brasília, DF, na primavera de 2015
Carlos Mário da Silva Velloso10
Ministro aposentado, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal
Superior Eleitoral; professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e da
PUC/Minas, em cujas Faculdades de Direito foi professor titular de Direito
Constitucional e Teoria Geral do Direito Público; advogado.
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Explicação
Quando eu ainda era juiz do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
coisa de quinze anos atrás, o ministro Evandro Gueiros Leite, entusiasta do direito norte-americano, pediu-me para escrever um artigo enfocando as repercussões do Bill of Rights dos Estados Unidos
no Direito Constitucional brasileiro. Seria estudo inédito. Ao conversar com o velho amigo professor Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza,
ele foi mais longe: sugeriu um livro... Achei que a tarefa, por sua
complexidade, dificilmente poderia ser cumprida. Não tínhamos,
ainda, acesso on-line às decisões da Suprema Corte estadunidense.
O tempo foi passando. Veio a Internet. Veio outro colega do STJ,
que se tornou companheiro de escritório em Belo Horizonte, o
ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que passou a insistir no término do estudo de direito comparado.
O tempo continuou, e o livro não saía: foi envelhecendo comigo.
A Morte nos privou do amigo Sálvio. Hoje, a publicação do Bill of
Rights Americano: Reflexos no Direito Constitucional Brasileiro se tornou
mais uma questão de dívida para com amigos.
Belo Horizonte, novembro de 2013.
A.F.M.
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