Doenças do passado voltam para matar mais

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O MEU FUTURO
Resistência
Vão surgir mais
ameaças à vida. Às
doenças mais letais,
as cardiovasculares
ou o cancro, vão
juntar-se perigos
criados pelo mundo
moderno: infeções
provocadas por
mosquitos cada vez
menos tropicais
ou por bactérias e
vírus resistentes ao
que os matava. O
prognóstico só não é
reservado porque há
a promessa
de uma nova era de
tratamentos
Doenças do passado
voltam para matar mais
Vera Lúcia Arreigoso
N
o mundo moderno
e desenvolvido morre-se por causas autoinfligidas e assim
continuará a ser no
futuro próximo. A
diferença estará nas
consequências cada
vez maiores do comportamento de cada um. A abastança,
com a doença a ter origem nos excessos da alimentação, na inatividade física ou nos hábitos tabágicos por exemplo, continuará a ser mais letal do que
a carência, como a subnutrição.
O abuso inscrito ‘na genética’ do
nosso quotidiano chegará ainda mais
longe. De tanto utilizarmos medicamentos contra germes, infligimos
resistências que trarão de volta, pelo
menos, perigos que derrotámos no
passado. O desequilíbrio da vivência
atual terá ainda outros efeitos adversos, neste caso, no que nos rodeia. As
alterações climáticas, e sobretudo o
aquecimento do planeta, estão a destruir as fronteiras naturais, fazendo
migrar espécies e com elas doenças
infecciosas outrora confinadas.
os quais há novas moléculas contra
fatores de risco, como as hepatites C
e B”, explica o responsável pela Direção-Geral da Saúde (DGS).
É certo que no futuro as doenças
cardiovasculares e o cancro vão continuar a matar, embora com diferenças
relevantes; mas também as infeções
pr ovocadas por agentes r esi stentes,
as doenças, cada vezes menos, tropicais (como dengue ou zika) ou outras
ainda por descobrir. Especialista em
Saúde Pública e durante anos consultor da Organização Mundial da Saúde
(OMS), Francisco George é perentório: “Vamos ter um problema novo:
as doenças de transmissão vetorial.”
Cancro na liderança
O médico explica que “as alterações
Das patologias mais temidas, “o cancro climáticas podem favorecer a mulserá a principal causa de morte dos tiplicação de espécies de mosquitos
portugueses por estar relacionado o au- que não existiam desde o século XIX,
mento da esperança de vida depois dos podendo conduzir à entrada de mos65, com a probabilidade de viver mais quitos invasores.” E chegados aqui,
20 anos”, prevê o diretor-geral da Saú“teremos também de admitir a prode, Francisco George. Uma vida mais
babilidade de existirem pandemias
longa tem, assim, um preço associado. que derrubem a barreira da espécie e
Mesmo com mais neoplasias, ha- o aparecimento de doenças até agora
verá também mais sobreviventes. “Já desconhecidas, pois nunca conhecedispomos de vacinas e de tratamentos mos todos os vírus patogénicos que
eficazes para alguns cancros, como do ci r cul am” , sal i enta F r anci sco G eor ge.
colo do útero, carcinoma hepatoceluIgualmente assustador e talvez mais
lar ou outros [também no fígado] para preocupante, é a incapacidade de a
“Os principais fatores de risco rele vantes para a causalidade de doença
continuam a ser os mesmos: tabagismo, hipertensão arterial, alcoolismo,
dieta, diabetes, acidentes — só para
citar os mais importantes”, afirma
António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada
na Evidência, da Faculdade de Medicina de Lisboa. Quer isto dizer que,
“as doenças cardiovasculares e oncológicas continuarão a ser as causas
principais de mortalidade, seguidas
das doenças pulmonares crónicas”,
explica o especialista.
medicina deixar de ser capaz de tratar
o que já julgava ter ‘curado’. “As doenças infecciosas, sejam virais, bacterianas ou outras; vão agravar-se, porque
há a probabilidade de se propagarem
resistências”, prevê o responsável da
DGS. “É grave e vai colocar-nos numa
situação semelhante à que existia na
primeira metade do século XX, antes
da comercialização de medicamentos
mais recentes, como antivirais, antibióticos ou antimaláricos”, prevê.
A OMS tem vindo a alertar as auto ridades de Saúde em todo o mundo
AS ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
PODEM
MULTIPLICAR
MOSQUITOS
QUE NÃO
EXISTIAM
DESDE
O SÉCULO XIX
para o perigo de a medicina esgotar
algumas das suas armas terapêuticas
contra infeções, incluindo as mais
vulgares. Os especialistas internacionais admitem que a resistência aos
antibióticos — motivada pela toma
exagerada deste tipo de fármacos,
dando ‘escudos’ cada vez maiores às
bactérias — poderá matar dez milhões de pessoas no mundo até 2050,
das quais 400 mil nos Estados Unidos
e na Europa. Contas feitas, podendo tirar mais vidas do que o temível
cancro.
700 moléculas em estudo
Um relatório da University College
London refere que é “realista esperar
que em 2050 quase todas as mortes
relacionadas com cancro de criança
e adultos até aos 80 anos se tenham
tornado evitáveis”. A prevenção será
determinante, mas também a crescente qualidade dos tratamentos disponíveis. E do que sabe que estará para vir,
é na oncologia que as novidades são
mais promissoras.
“Existem cerca de 700 novos medicamentos em desenvolvimento e as
áreas terapêuticas mais relevantes são
o cancro, com cerca de 1800 novos, e
UM PROJETO
PROGNÓSTICO
60
ou mais anos será a faixa etária
de 40% da população portuguesa
em 2050. Segundo as Nações Unidas,
Portugal será o quarto país
a envelhecer mais depressa
50%
dos portugueses que nascerem
nos próximos 15 anos terão cancro,
estima Sobrinho Simões,
um dos responsáveis pela criação
da Associação Portuguesa
de Investigação em Cancro
1
novo caso de demência é identificado
a cada quatro segundos.
A Organização Mundial da Saúde
estimou, em 2010, a existência
de 153 mil portugueses afetados,
a maioria com Alzheimer. Esta
doença atingirá 14 milhões
de europeus em 2040
10
milhões de vidas poderão perder-se
até 2050 devido à resistência
aos antibióticos. O alerta é feito
pela Organização Mundial da Saúde.
Atualmente em Portugal morrem
12 pessoas por dia devido a ‘infeções
resistentes’ contraídas durante
a permanência nos hospitais
as doenças infecciosas, neurológicas
e autoimunes”, revela Paulo Sérgio
Simões, da Faculdade de Farmácia
da Universidade de Coimbra. No caso
dos tumores malignos, “distinguem-se as abordagens que exploram ou
modulam o sistema imunitário dos
doentes (imunoterapias) e as abordagens que permitem uma terapêutica
de maior precisão, com consequente
aumento da eficácia e controlo dos
efeitos adversos”.
O professor destaca seis moléculas
e uma vacina “entre os principais medicamentos que num futuro próximo
podem contribuir para a mudança de
vida das populações”. Para já, para
o cancro baseadas na imunoterapia
(duas), para as doenças cardiovasculares (duas), para o tratamento do
excesso de colesterol de origem familiar (uma), para o VIH (uma) e a
imunização contra a malária.
Medicamentos ‘inteligentes’
“Nos últimos anos, a evolução da
investigação e desenvolvimento de
medicamentos é uma história de sucesso”, salienta António Vaz Carneiro.
O médico recorda que “hoje em dia
tratamos cada vez mais doentes, cada
vez mais doenças, de uma maneira
cada vez mais intensa”.
Humberto Martins, diretor da Área
Profissional da Associação Nacional
das Farmácias (ANF) , acredita que o
estádio atual é só o início. “O potencial
revolucionário dos medicamentos parece ainda intacto. O século XXI anuncia o reforço do arsenal terapêutico,
juntando também a biotecnologia e a
terapia genética”, garante.
O responsável da ANF acredita
que, “porventura, em poucos anos
teremos de reescrever a história da
saúde e da mortalidade”. Porquê?
“Quando se confirmarem promessas
de medicamentos ‘inteligentes’ na
imuno-oncologia, na diabetes ou nas
doenças raras.”
[email protected]
O QUE É O PROJETO
A IDEIA
“O Meu Futuro” pretende ajudar os
portugueses — num ano em que o país
mudou de Governo e de Presidente e tem
outras orientações políticas e sociais — a
perceber como vão ficar as suas finanças,
que educação espera os filhos, o que está
a mudar na saúde, que competências
deverá ter para progredir na carreira.
OS EVENTOS
Depois de analisados os temas no
Expresso são apresentadas as conclusões
em conferências com especialistas
nacionais e estrangeiros. O próximo
evento realiza-se já esta segunda-feira, 2
de maio, no Pestana Palace, em Lisboa.
Tema: “Política fiscal e transparência”.
Fecha ciclo dedicado ao orçamento.
EM DISCUSSÃO
“O Meu Futuro, Medicamentos” é o tema
agora em debate e não se esgota nesta
edição. Publicaremos ainda uma
reportagem sobre um centro de
investigação na Alemanha e
organizaremos uma conferência no final
de maio.
O PRÓXIMO TEMA
“O Meu Futuro, a Minha Reforma” é o
ciclo que se segue. Analisaremos a
questão na perspetiva do Estado (o que
podemos esperar da Segurança Social),
no plano privado (o que as empresas têm
para oferecer) e na vertente particular (o
que tem de fazer para ter uma boa
reforma). Pelo meio, lançaremos um
simulador.
SIMULADORES
O simulador da reforma será o terceiro,
depois de termos colocado online um
relativo ao salário e outro sobre o escalão
social. Para aceder só tem de ir ao site do
Expresso.
O que estamos
a investigar no país
Durval Costa
Diretor do departamento de
Medicina Nuclear do Centro
Clínico Champalimaud
Rufino Silva
Chefe da Secção de Retina
Médica e Neuroftalmologia do
Centro Hospitalar de Coimbra
A sinalização
das células
A progressão
da cegueira
F
A
azer o diagnóstico e
tratamento de doenças
a nível celular para
aumentar a eficácia
é o cerne do trabalho de
Durval Costa e da sua equipa:
“Desenvolvemos moléculas
complexas, designadas por
radiofármacos, que são usadas
pelas células do organismo, e a
partir das quais conseguimos
obter imagens muito
pormenorizadas dos efeitos
da doença nos tecidos e nos
órgãos.” Estas moléculas são
compostas por um análogo
biológico e um radionuclídeo
que emite radiação e permite
‘sinalizar’ as mudanças a nível
celular. A partir daí, retiram-se
“informações sensíveis” que
de outra forma só são visíveis
“muito depois” nos exames mais
habituais.
Em Portugal, o centro foi um
dos primeiros a marcar e utilizar
o Prostate Specific Membrane
Antigen com GÁLIO-68 para
investigar doentes com cancro
da próstata e já estão preparados
para iniciar terapêuticas
com outro radionuclídeo,
o Lutathera, para tratar
tumores neuroendócrinos. “A
evolução e o desenvolvimento
de radiofármacos novos está
em permanente evolução.
Todos os dias desenvolvem-se
novas ideias”, e no serviço de
Medicina Nuclear da Fundação
Champalimaud trabalha-se
em tratamentos cada vez mais
inovadores e eficientes.
degenerescência
macular da idade
(DMI) é a primeira
causa de cegueira no
mundo desenvolvido após os 55
anos”, revela Rufino Silva. Por
isso, o especialista em retina
tem trabalhado na pesquisa
de formas mais eficazes de
tratamento que passam, no
seu caso, pela “identificação de
potenciais biomarcadores de
progressão da doença.” Esta
identificação pode contribuir
para “travar ou reduzir a taxa
de progressão para a cegueira
que está associada às fases
tardias da doença e “são passos
decisivos para a inovação na
prevenção”, garante. Para
este esforço, o médico realça
a realização, pelo centro,
do primeiro grande estudo
epidemiológico em Portugal
na área da oftalmologia, com
6000 pessoas. Adicionalmente,
“num grupo de 1000 pessoas,
metade sem a doença e metade
com a doença, avaliou-se a
importância da alimentação
como potencial fator de
proteção em relação à DMI.”
O projeto foi inédito na análise
da prevalência da doença e
na identificação de fatores de
risco. O “diagnóstico precoce
e o tratamento atempado”
são as faces mais visíveis
deste trabalho e que será
fundamental para “evitar a
perda de visão associada a esta
doença.” A meta? “Uma vida
mais saudável.”
O que dizem
os portugueses
da nova medicina
António Mesquita
Advogado
Jorge Costa
Técnico informático
Diagnósticos
mais precoces
Avanço
digital
V
A
amos ter cada vez mais
diagnósticos precoces.
Os avanços neste
campo vão traduzir-se
no aumento da probabilidade
de chegar a uma cura para
múltiplas doenças e também
a sistemas de saúde bem mais
avançados e capazes do que os
que existem atualmente.
As melhorias também vão ser
evidentes a outros níveis. E
isto acontecerá em função das
inovações que vão passar a
estar disponíveis.
Já a relação entre o médico
e o utente não deverá mudar
muito. E na minha opinião é
saudável que assim seja. No
entanto, não nego que exista
o risco de as novas tecnologias
poderem afastar os doutores
dos doentes, sobretudo
quando essas tecnologias
são utilizadas de uma forma
não muito planeada. Mas se
tudo for gerido da maneira
mais correta, então as novas
ferramentas terão um papel
benéfico para todos os que se
enquadrem na prestação de
cuidados de saúde.
cho que não vão existir
grandes alterações
que me afetem
diretamente ou a
outro utente comum. Ou seja,
na prática, tudo será igual.
Ainda assim, a nível digital
já se nota uma mudança
muito grande. Julgo que a
tendência aponta para um
reforço nesta informatização,
que pode trazer vantagens
para qualquer um de nós.
Por exemplo, ao nível da
marcação de consultas
ou de disponibilização de
informação em tempo real
sobre as melhores opções de
deslocação aos serviços. Pode
vir a fazer toda a diferença.
No futuro acho também que
vamos dar menos importância
ao facto de termos ou não
médico de família. Em
Portugal ainda somos muito
dependentes deste sistema,
mas isso está a mudar e irá
acontecer naturalmente.
E um dia, quando entrar neste
centro de saúde no futuro,
não tenho dúvidas de que as
condições vão melhorar.
Opinião
Isabel Fonseca Santos
Diretora Médica Bayer Portugal
Ciência em
prol da vida
O
século XXI alterou
substancialmente o perfil
das patologias que mais
afetam a população
ocidental. A vitória da luta contra
as doenças agudas colocou-as em
segundo plano, sobressaindo as
doenças cardiovasculares, que
constituem hoje a principal causa
de morte no mundo ocidental,
associadas a estilos de vida pouco
saudáveis e a fatores de risco como
a obesidade e a diabetes.
Quase 70% dos portugueses
com alto risco cardiovascular
tem excesso de peso ou sofre de
diabetes. No entanto, a redução
da mortalidade cardiovascular
no nosso país, conseguida
através de medidas preventivas
e de intervenções terapêuticas
inovadoras, muito se deve
ao esforço no progresso da
investigação e à busca de novas
opções terapêuticas que tragam,
realmente, uma mais-valia para
o doente. Na Bayer, as doenças
cardiovasculares representam
uma importante área, assente
na investigação, com um longo
histórico de medicamentos
Redução da mortalidade
cardiovascular
no nosso país,
conseguida através
de medidas preventivas
e de intervenções
terapêuticas inovadoras,
muito se deve
à investigação
inovadores a começar desde logo
pela Aspirina, o medicamento mais
conhecido e consumido no mundo,
tendo revolucionado o tratamento
da síndrome coronária aguda
(SCA), do enfarte do miocárdio e
da prevenção cardiovascular. Mais
recentemente, o desenvolvimento
de um novo anticoagulante oral
representou mais uma contribuição
inovadora na prevenção e
tratamento de diversas patologias
cardiovasculares, como a fibrilhação
auricular, a embolia pulmonar, a
trombose venosa profunda e a SCA.
A par das doenças cardiovasculares,
também as doenças oncológicas
assumem lugar preponderante
na lista das principais causas de
morte no mundo moderno. No
entanto, e de uma forma global, tem
vindo a assistir-se a uma melhoria
na acessibilidade dos doentes
aos tratamentos oncológicos.
Ainda assim, continuam muito
significativos os anos potenciais
de vida perdidos. Empenhados em
aumentar o tempo e a qualidade
de vida dos doentes com cancro,
há muito que nos dedicamos à
investigação e desenvolvimento de
medicamentos para a terapêutica
oncológica, nomeadamente
para o carcinoma hepatocelular
(fígado) e o carcinoma das células
renais avançado. Continuamos a
investigar novas moléculas para
outros tipos de cancro, estando a
decorrer projetos de investigação e
avaliação em áreas como o cancro
colorretal metastático e os tumores
do estroma gastrointestinal (GIST)
e ainda as metástases ósseas do
cancro da próstata.
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