Ensino e aprendizagens de História em Museus: o poder da memória ou a memória do poder? Frederico Alves Pinho Lana Mara de Castro Siman Programa de Pós-Graduação em Educação: Educação e Formação Humana FaE/UEMG Instituições de fomento: Capes e SEE-MG Eixo 1: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Práticas Pedagógicas Categoria: Pôster A educação realiza-se em vários ambientes sociais e culturais. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional considera que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem não somente nas instituições de ensino e pesquisa, mas também na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Este estudo apresenta, como objeto de pesquisa, o ensino de história em museus. Propõe-se uma análise as visitas escolares realizadas no Museu de Artes e Ofícios (MAO), situado no centro de Belo Horizonte. O MAO dispõe de um acervo representativo do universo do trabalho no Brasil. Este espaço favorece reflexões sobre a história do Brasil, sobretudo no que se refere ao tema das relações de trabalho. Nesse sentido, algumas questões podem ser elencadas, visto que nos possibilitam demarcar o curso da análise: quais são os discursos agenciados ao longo das visitas educativas? Quais são as estratégias da equipe educativa do museu para promover reflexões sobre a história do trabalho no Brasil? Quais são os conceitos e noções históricas mais referidos? Adota-se, para tanto, uma concepção de museu como ambiente polifônico, onde circulam vários discursos. Nesta perspectiva, apresentada por Mário Chagas no livro Há uma gota de sangue em cada museu, espera-se que o museu seja um espaço de reflexão sobre o poder da memória, não um espaço que se empenha apenas na celebração da memória. Palavras-chave: ensino de história; museu; memória Introdução e referencial teórico Esta pesquisa possui como objeto de estudo as aprendizagens de História em museus, com foco na questão do trabalho. Estamos interessados em saber de que maneira as visitas educativas a espaços de memória contribuem para esta reflexão. Para tanto, precisamos apresentar nossas principais referências teóricas. Em primeiro lugar, nosso objeto nos obriga a pensar o museu. Afinal, o que é o museu? Mário Chagas, ao afirmar que existe uma gota de sangue em cada museu, confere aos espaços de memória uma dimensão humana. E esse “sinal de sangue” permite-nos pensar os museus como categorias polifônicas, espaço de múltiplas vozes e diferentes pontos de vista. Cabe ressaltar que os museus, de modo geral, já não se apresentam como espaços de memória de projetos vitoriosos, ou seja, como obra de um grupo dominante para um público escolhido. Está em processo uma transformação dos espaços museais. Cada vez mais há uma ampliação do público visitante. Com isso, se antes a noção de educação veiculada pelos museus estava voltada para a reprodução do poder constituído, atualmente estas instituições aparecem como espaços de estudo, reflexão e pesquisa sobre o poder da memória. Abandona-se, então, a tendência de celebrar a memória do poder para encarar um trabalho democrático sobre o poder da memória. Assim, de espaço neutro e apolítico de celebração de memória, o museu passa a figurar como espaço de conflito e como campo de tradição e de contradição (CHAGAS, 2006). O novo modelo coloca os “lugares de memória” a serviço do desenvolvimento social, na medida em que o exercício da memória aparece como direito à cidadania e não como privilégio de grupos economicamente abastados. O museu, neste caso, não pode nunca esconder seu “sinal de sangue”, pois ele passa a atuar como uma agência capaz de “instrumentalizar indivíduos e grupos de origem social diversificada para o melhor equacionamento de seu acervo de problemas” (CHAGAS, 2006, p. 33). No museu, onde sempre é possível uma nova leitura, o desafio, portanto, passa pela aceitação do diverso, dos múltiplos versos e dos múltiplos universos; pela compreensão da diversidade na unidade e da unidade na diversidade; e passa também por uma dimensão ética: sem querer reduzir o outro ao eu (e vice-versa) é importante perceber que o eu e o outro crescem no encontro e nas relações. E estas relações tipicamente humanas são reflexivas, transcendentes, consequentes e temporais. (CHAGAS, 2006, p. 35). Em Culturas híbridas, Néstor García Canclini apresenta ideias que estão em sintonia com as de Mário Chagas. Segundo o antropólogo argentino, o patrimônio no museu é teatralizado. Esta teatralização esconde/revela interesses políticos. Na maioria das vezes, esses interesses estão associados à elite. Com isso, é necessário desenvolver uma reflexão sobre a apropriação do patrimônio cultural, para não correr o risco de apenas reproduzir um discurso que atende aos interesses das classes dominantes. As reflexões de Canclini sobre as mudanças no campo do patrimônio cultural permitem digressões sobre a realidade brasileira. No campo do patrimônio cultural, prevaleceu no Brasil, durante décadas, uma atuação preservacionista estreitamente vinculada aos bens de pedra e cal: igrejas, prédios, conjuntos urbanos, monumentos. Nos últimos anos, entretanto, o debate sobre o tema se ampliou. As portas do patrimônio cultural foram forçadas por novos sujeitos sociais, que puseram em marcha a reformulação do conceito. O decreto 3.551, de 2000, que institui o inventário e o registro dos patrimônios imateriais e intangíveis, consagra a nova perspectiva. A concepção iluminista de cultura como civilização e erudição dá lugar a um conceito antropológico, no qual a diversidade figura como eixo. Nesse contexto, segmentos sociais diversos reivindicam lugar de destaque para manifestações culturais distintas. As grandes narrativas nacionais e épicas fraquejam, ao mesmo tempo em que as narrativas urbanas, regionais e locais entram em cena. Diante dessas transformações, as instituições educativas, interessadas em acompanhar esse movimento, veemse obrigadas a renovar suas práticas discursivas, bem como suas estratégias de uso de bens culturais como recurso didático. Ainda sobre a educação no museu, uma importante referência é Francisco Régis Lopes. O autor de A Danação do objeto compreende que organização das peças no cenário pode provocar reflexões sobre a vida dos objetos. A disposição dos objetos, as palavras e os recursos de exposição não são fortuitos, eles encerram concepções de história, eles tecem memórias, eles buscam controlar as leituras, através de um jogo de exibição e ocultação. A proposta museológica possui intencionalidade, ainda que às vezes sob um véu de neutralidade. Apesar disso, a experiência no museu, com suas complexas interações, produz interpretações, constrói narrativas, que extrapolam os sentidos originalmente propostos no plano museal. Para tanto, precisamos estar atentos não só ao que o museu afirma, mas também ao que o museu silencia. Fazer relações entre museu e educação, especialmente na área do ensino de história, implica reconhecer que os museus sempre tiveram um caráter pedagógico, ainda que nem sempre o assumissem. Não há, nesse sentido, museu inocente. Qualquer exposição defende e transmite certa articulação de ideias, seja o nacionalismo, o regionalismo, o elogio a determinadas personalidades. No entanto, “o tipo de saber a que o museu induz não se desenvolve em outros lugares, e tal lacuna deixa o estudante quase desprovido de meios de interpretar as nuanças da linguagem museológica” (RAMOS, 2004). Nesse sentido, um programa educativo, em consonância com que afirma Mário Chagas, não deve apenas reproduzir o discurso oficial do museu, ele, ao contrário, deve promover reflexões. Com base nessas referencias, escolhemos o Museu de Artes e Ofícios (MAO) como lócus da pesquisa. O MAO está instalado na Estação Central de Belo Horizonte e possui um acervo composto por objetos, instrumentos e utensílios de trabalho do período pré-industrial brasileiro. Criado a partir da doação ao patrimônio público de mais de duas mil peças pela colecionadora Ângela Gutierrez, o MAO assume o compromisso de revelar a riqueza da produção popular, os fazeres, os ofícios e as artes que deram origem a algumas das profissões contemporâneas. O critério de escolha considerou a proposta museológica da instituição, que apresenta reflexões no campo da história. Ademais, cabe destacar que o MAO apresenta um programa educativo consolidado, com interessante histórico de análise das próprias práticas educativas. O MAO adota um projeto que provoca no visitante inferências sobre a história e as relações sociais do trabalho no Brasil, nos últimos três séculos, contribuindo para a formação de uma consciência crítica sobre a relação passado-presente e para o exercício da cidadania. Para nortear a investigação sobre as práticas educativas em museus, algumas questões podem ser elencadas, visto que nos possibilitam demarcar o curso da análise: quais são os discursos agenciados ao longo das visitas educativas? Quais são as estratégias da equipe educativa do museu para promover reflexões sobre a história do trabalho no Brasil? Quais são os conceitos e noções históricas mais referidos? Metodologia e desenvolvimento Para abordar essas questões, traçamos um plano metodológico. Cabe explicitar, antes de tudo, que esta pesquisa adota prioritariamente o método qualitativo. Pretendemos obter dados descritivos mediante contado direto com a situação de estudo. Para tanto, estão sendo adotados procedimentos metodológicos variados, com vistas a acompanhar todo o processo de uso educativo dos museus na aprendizagem de história. Podemos citar, entre as técnicas, os métodos e os suportes a serem utilizados: entrevistas, anotações de campo, filmagens e gravações. A primeira etapa da pesquisa consiste em um trabalho de observação e de anotações de campo. Esse primeiro momento, em andamento, é essencial na medida em que nos possibilitará definir aspectos fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa, quais sejam: o perfil das turmas e o perfil dos educadores a serem analisados e a forma mais adequada de registro das visitas escolares. Além disso, serão realizadas entrevistas com os sujeitos responsáveis pelos setores educativos do MAO (coordenadores e educadores). Buscaremos também outros registros da atividade educativa no museu, como publicações de seminários e relatórios internos das ações. Ao mesmo tempo, empreenderemos um esforço no sentido de identificar professores que possuam estratégias e práticas bem definidas de abordagem dos museus pelas escolas. Buscaremos, nesse sentido, indicações dentro do museu. A proposta consiste em acompanhar entre quatro e seis turmas do ensino básico de escolas da rede pública e de escolas da rede particular de ensino. Ou seja, o público imaginado possui um perfil jovem, entre 12 e 17 anos de idade, de grupo social variado. Por se tratar de uma análise qualitativa, serão elaborados dados descritivos das visitas escolares aos museus. O número limitado a até três turmas de escolas públicas e três de colégios particulares permite comparações entre essas duas esferas responsáveis pela prestação do serviço educativo. Na segunda etapa, serão empregados recursos tecnológicos, gravador e filmadora, para registrar as interações discursivas e o movimento dialógico produzido durante as visitas aos museus. Os dados coletados serão analisados à luz das teorias supracitadas. Finalmente, um novo conjunto de atividades será aplicado aos alunos, agora no espaço escolar, com a finalidade de verificar se a experiência educativa nos museus, mediada pelas interações entre indivíduos e objetos e indivíduos entre si, permitiram a estabilização de novos conhecimentos que favoreçam reflexões sobre as relações entre patrimônio, memória e história. Além disso, faremos uma reflexão sobre as concepções de História que foram trabalhadas durante a visita, presentes nos discursos museológico e museográfico, nas propostas do programa educativo e nos discursos dos professores. Com isso, analisaremos não a aprendizagem de História no singular, mas as aprendizagens de Histórias no plural. (in) Conclusões Não é possível ainda fazer conclusões sobre o trabalho, visto que ele está em andamento. Entretanto, este trabalho poderá contribuir em diferentes direções. Espera-se que a reflexão sobre a educação de história nas visitas escolares sirva ao próprio MAO, que poderá avaliar suas propostas educativas. Sirva também a outros museus, que começam a constituir seus programas educativos ou que pretendam aperfeiçoá-los. E que também sirva aos professores, que poderão potencializar os projetos de visitas a espaços educativos situados para além dos muros das escolas. Referências Bibliográficas BITTENCOURT, Circe M. F.. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estrategias para entrar e salir de la modernidad. Buenos Aires: Paidós, 2010. CHAGAS, Mário. Há uma gota de sangue em cada museu: a ótica museológica de Mário de Andrade. Chapecó: Argos, 2006. CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autentica, 2009. PEREIRA, Júnia Sales. et al. Escola e Museu: diálogos e práticas. Belo Horizonte: Cefor, 2007. RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de História. Chapecó: Argos, 2004.