Imunidade tributária dos templos de qualquer culto

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Centro de Atualização em Direito
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
Curso de Pós-Graduação em Auditoria em Tributos Municipais
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Cynthia de Oliveira Duarte
Belo Horizonte
2009
CAD
Centro de Atualização em Direito
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
Curso de Pós-Graduação em Auditoria em Tributos Municipais
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Monografia apresentada pela pós-graduanda
Cynthia de Oliveira Duarte à Universidade
Gama Filho, como requisito para a conclusão
da pós - Graduação
lato sensu com
especialização em Auditoria em Tributos
Municipais com início no 1o semestre do ano
de 2008.
Orientador: Amanajós Pessoa da Costa
Belo Horizonte
2009
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 04
2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E TEMPLOS DE QUALQUER CULTO....................... 06
2.1 Conceito de imunidade tributária......................................................................... 06
2.2 Conceito de templos de qualquer culto............................................................... 09
2.3 Evolução histórica da imunidade tributária......................................................... 11
2.4 Competência Tributária e Imunidade................................................................. 14
3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS
E DAS HIPÓTESES DE NÃO-INCIDÊNCIA............................................................. 15
4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO NA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988...................................................................18
4.1 O que diz a Constituição da República de 1988 acerca da imunidade tributária
dos templos de qualquer culto...................................................................................18
4.2 “O patrimônio, a renda e os serviços” inseridos no parágrafo 4.º do artigo 150
da CR ....................................................................................................................... 19
4.3 Conceito de “finalidades essenciais”................................................................... 22
5 Imunidade tributária dos templos de qualquer culto em um Estado laico..............24
6 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO EXEMPLIFICATIVAMENTE
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO IPTU.........................................................................28
6.1 O artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição da República de 1988 e o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais........................................................................ .28
6.2 O artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição da República de 1988 e o
Supremo Tribunal Federal..........................................................................................30
7 CONCLUSÃO..........................................................................................................33
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................35
4
1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República atribui à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios o poder de tributar. No entanto, o exercício desse poder não se dá
de modo absoluto. Atribui-se a cada uma das pessoas jurídicas de direito público
parcela de competência para dispor sobre determinadas matérias. As restrições a
essa competência são chamadas de limitações do poder de tributar.
Um exemplo de limitação ao poder de tributar é a imunidade. Esta consiste
em um obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica
de tributação. A imunidade impede que a lei atinja o que é imune, ou seja, o que é
imune não pode ser tributado. É limitação da competência tributária.
Há quem entenda que a imunidade não é uma limitação da competência
tributária porque não é posterior à outorga desta. Se toda atribuição de competência
importa uma limitação, e se a regra que imuniza participa da demarcação da
competência tributária, conclui-se que a imunidade é uma limitação dessa
competência.
A competência do legislador infraconstitucional, em se tratando de definição
de hipótese de incidência da regra de tributação, é dada pela Constituição da
República. A regra de imunidade retira do âmbito dessa competência uma parcela,
tornando imunes certas pessoas e ou certos fatos a um ou mais tributos, geralmente
impostos. Opera a regra imunizante, relativamente ao desenho constitucional do
âmbito do tributo, da mesma forma que opera a regra de isenção relativamente à
definição da hipótese de incidência tributária.
Imunidade, isenção e não-incidência não se confundem. A isenção é a
exclusão, definida por lei ordinária ou complementar, de parcela da hipótese de
incidência ou suporte fático da norma de tributação. Não-incidência é a situação em
que a regra jurídica de tributação não incide porque não se realiza a sua hipótese de
incidência, ou, em outras palavras, não se configura o suporte fático. E, por fim, a
imunidade, como já foi dito, é uma proibição constitucional que impede a incidência
de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de
determinada pessoa ou categoria de pessoas. Para muitos doutrinadores a
imunidade é uma forma qualificada de não-incidência, entendendo eles nãoincidência simples, quando a lei não enquadra o fato como gerador da obrigação, e
5
haver imunidade, ou não-incidência qualificada, quando o constituinte proíbe a
utilização do fato como requisito eficaz a gerar a obrigação.
O artigo 150, inciso IV, da Constituição da República diz que é vedado à
União, ao Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os
requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Assim, diante das divergências existentes acerca dos conceitos que envolvem
a imunidade tributária dos “templos de qualquer culto”, buscar-se-á um estudo
pormenorizado a fim de se esclarecer qual é o entendimento que predomina na
atualidade do que vem a ser “templo de qualquer culto” para fins de incidência dessa
imunidade, bem como a sua abrangência.
6
2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
2.1 Conceito de Imunidade Tributária
Não está definitivamente consagrado o conceito de imunidade tributária,
havendo divergências sobre o tema entre os doutrinadores, porque o instituto em
tela não possui uma elaboração teórica de método adequada ao seu conhecimento.
Desta forma, são necessárias algumas considerações antes de conceituar tal
instituto.
A Constituição da República de 1988, elaborada sob forte inspiração dos
ideais democráticos, que acabaram sendo adotados como forma de regime, indica a
crença do legislador constituinte em determinados valores e crenças, que foram
objeto de proteção e até de incentivo no texto constitucional.
Dentre os inúmeros valores protegidos pela Carta Magna, destaca-se, neste
particular, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, prevista no
inciso VI do artigo 5.º pela qual fica assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. Em
contrapartida, a fim de se preservar o caráter laico do Estado, a redação do inciso I
do artigo 19 da Constituição da República preconiza a neutralidade dele perante as
igrejas e cultos religiosos, proibindo que os entes públicos lhes embaracem o
funcionamento ou os subvencionem.
É imprescindível destacar que as imunidades não objetivam prestigiar
qualquer ente ou órgão, mas sim proteger e promover, através de fomentos
específicos, determinados valores constitucionais elencados em diferentes trechos
da Carta Política, o que significa dizer que não há, em nosso sistema democrático,
privilégio para específicas pessoas físicas ou jurídicas, mas sim a proteção e a
promoção de valores considerados essenciais para a sociedade em geral, a partir de
uma visão histórica.
Para se chegar ao conceito do instituto da imunidade tributária, são
necessárias algumas considerações a respeito da interpretação jurídica, que
consiste em uma operação em que o intérprete, analisando o texto, constrói o
sentido do enunciado. É através da hermenêutica, ciência que estuda a
interpretação da norma, que o operador do direito, realizando uma atividade
7
intelectual, busca o real alcance e objetivo da norma, na tentativa de atingir o seu
verdadeiro significado.
Diversas são as modalidades de interpretação das normas jurídicas,
podendo-se destacar o método literal ou gramatical, o teleológico, o sistemático e o
sociológico, sendo de conhecimento dos juristas que todas elas devem ser utilizadas
diante do caso concreto, na busca da solução mais adequada.
No que se refere às normas que conferem imunidade tributária, a
interpretação deve ser ampla, no sentido de albergar em si todas as modalidades de
hermenêutica, além dos princípios explícitos e implícitos contidos na Constituição da
República.
Além disso, é imperiosa a aplicação da norma imunizante de forma extensiva
e não restritiva, ao contrário do preconizado no artigo 111 do Código Tributário
Nacional, pois este dispositivo se aplica apenas aos casos de isenção e não de
imunidade.
Tal assertiva decorre do fato de que na isenção há uma verdadeira renúncia
ao crédito tributário, de forma que sua aplicação extensiva termina por onerar toda a
sociedade, que terá de arcar com o ônus da isenção, enquanto que, na imunidade,
diferentemente, não ocorre qualquer renúncia, pois falta competência ao legislador
para instituir tributos, inexistindo, assim, prejuízo para a coletividade com o uso da
interpretação extensiva nesta hipótese.
O mestre Aliomar Baleeiro, precursor do Direito Tributário Brasileiro, define
imunidade tributária como “uma exclusão da competência tributar, proveniente da
Constituição”1. Já Pontes de Miranda considera imunidade tributária a “limitação
constitucional à competência de editar regras de imposição.” 2
Luciano Amaro3 defende que
“a imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser
atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de
alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do
campo sobre que é autorizada a instituição do tributo. (AMARO, 2006)”.
1
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p.226.
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos
tribunais, 1982, v.1, p. 510.
3 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12.ª ed. São Paulo : Saraiva , 2006.
2
8
Regina Helena Costa4 destaca a idéia preconizada por Amílcar de Araújo
Falcão, que define imunidade tributária como “uma forma qualificada ou especial de
não-incidência, por supressão, na Constituição, de competência impositiva ou o
poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou
circunstâncias previstas no Estatuto Supremo.”
Hugo de Brito Machado afirma que “imunidade é o obstáculo decorrente de
regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não
pode ser tributado.” 5
Vale destacar a opinião de Gustavo Tepedino, que entende que, ao conceder
uma imunidade, a Constituição não está concedendo um benefício, mas tutelando
um valor jurídico tido como fundamental para o Estado6. Daí porque a interpretação
das alíneas do artigo 150, VI, da Constituição da República de 1988 deve ser ampla
e teleológica, nunca restritiva e literal.
Sintetizando os conceitos acima expostos, pode-se considerar a imunidade
tributária como a competência tributária em sentido negativo, prevista na
Constituição da República, como direito subjetivo público concedido a certas
instituições, em razão de sua ligação a atividades de relevante interesse social para
a coletividade e que, por isso, mereceram a proteção e o incentivo do legislador
constituinte, através do afastamento do poder de tributar do Estado, nos termos e
condições da Carta Magna.
Dessa conceituação podem-se retirar duas premissas: a) as regras da
imunidade tributária decorrem, explícita ou implicitamente, da Constituição da
República, e b) atuam diretamente na esfera de competência dos entes políticos.
4
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF.
São Paulo; Malheiros, 2001, p.35.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20. (20.ª ou 20a) ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 241.
6 TEPEDINO, Gustavo. Aspectos Polêmicos do Tratamento Fiscal Conferido aos Templos e às
Entidades de Fins Religiosos . Revista da Procuradoria-Geral da República. N. 5,1994.
5
9
2.2 Conceito de Templos de Qualquer Culto
O conceito de templo de qualquer culto traz muitas divergências.
Atualmente, pode-se dividir o entendimento, em especial o doutrinário, acerca
da conceituação de templo, em duas correntes. A primeira é a restritiva, que
somente admite que a imunidade alcance o local dedicado específica e
exclusivamente ao culto religioso. A segunda, liberal, sustenta que a imunidade se
estenderia aos ‘anexos’ do templo, isto é, a todos os bens vinculados à atividade
religiosa, como os conventos, as casas paroquiais, as residências dos religiosos,
bem como os serviços religiosos em si.
O professor Sacha Calmon posiciona-se na linha conceitual mais restritiva.
Ensina que o templo é o lugar destinado ao culto e hoje os templos de todas as
religiões são comumente edifícios7.
Nada impede, porém, que o templo ande sobre barcos ou caminhões, ou seja,
em terreno não edificado. Onde se oficie um culto, aí é o templo. Como no Brasil o
Estado é laico, vale dizer, não tem religião oficial, todas as religiões devem ser
respeitadas e protegidas, salvo para evitar abusos. Quando ocorre a tributação
objetiva-se evitar que sob a capa da fé se pratiquem atos de comércio ou se tenha o
objetivo de lucro, sem qualquer finalidade benemérita. Portanto, para o ilustre
Professor, imune é o templo, não a ordem religiosa, pois esta pode gozar de isenção
quanto a seus bens, rendas e serviços, indústrias e atividades, se filantrópicas.
Contudo, nesses casos, trata-se de matéria estranha à imunidade, pois dependerá
de favor fiscal do legislador infraconstitucional, mediante a concessão de isenção.
O mestre Paulo de Barros Carvalho tece semelhante abordagem, dando ao
vocábulo “culto” a maior amplitude possível, restringindo, porém, o sentido da
palavra “templo” ao lugar onde se realiza o culto, destacando que vários
questionamentos surgiram sobre a amplitude semântica do vocábulo “culto”, pois,
conforme a acepção que lhe for dada, o conceito do que seja “templo” restará
prejudicado8.
Já Aliomar Baleeiro, seguindo a linha mais liberal, rejeita a identificação entre
templo e local de culto, para enxergar no templo todo um conjunto de bens e
7
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de Direito Tributário. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p.151
8
CARVALHO, Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 13.ª ed. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 184.
10
atividades organizadas para o exercício do culto religioso, ou a ele vinculados. Para
ele, o templo de qualquer culto não é apenas a materialidade do edifício, que estaria
sujeito somente ao imposto predial do Município, ou ao de transmissão inter vivos,
se não existisse a garantia imunizante prevista na Constituição da República. Um
edifício somente será considerado templo se complementado pelas instalações ou
pertenças adequadas àquele fim ou se utilizado aquele espaço efetivamente no culto
ou prática religiosa9.
No mesmo diapasão, Roque Antônio Carrazza afirma que a palavra templo
tem sido entendida com certa dose de liberalidade, pois são considerados templos
não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, isto é,
os locais onde o culto se professa, mas, também, os seus anexos, considerando-se
anexos do templo todos os locais que tornam possível a realização da cerimônia
religiosa, vale dizer, que viabilizam o culto religioso.10
Conforme se verifica, há entendimentos divergentes acerca do que vem a ser
templo de todo culto para fins de aplicação da imunidade tributária.
Entretanto, a corrente mais liberal, que conceitua o templo como todo um
conjunto de bens e atividades organizadas para o exercício do culto religioso, ou a
ele vinculados, aparenta ser a mais pertinente, pois analisa a questão do ponto de
vista pragmático, não afastando assim a idéia de que toda a estrutura de qualquer
organização religiosa visa, em última instância,
a propiciar a manifestação da
crença professada.
Não se pode negar que a realidade vem demonstrando que algumas religiões,
principalmente nas últimas décadas, estão sendo utilizadas por alguns líderes para
seu enriquecimento pessoal, por meio do desvirtuamento da garantia constitucional
da imunidade. Contudo, cabe ao intérprete da Constituição examinar, à luz do caso
concreto, a escrituração contábil de cada religião para saber se aquele bem e aquela
atividade são realmente voltados ao exercício do culto religioso. Caso contrário, em
se adotando a visão restritiva defendida por alguns, restará inócuo o instituto da
imunidade tributária, de fundamental importância para a continuidade das atividades
dos templos
9
BALEEIRO Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p.226.
10
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Tributário, 13.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000,
p.185.
11
Concluindo, entende-se que a imunidade subjetiva refere-se à entidade e não
a um determinado bem. Assim, a expressão “templos de qualquer culto” deve ser
interpretada de forma abrangente, incluindo não só as Igrejas, como também a casa
do pastor, convento, centro de formação de rabinos, seminários, casa paroquial,
entre outros anexos dos templos, sejam eles patrimônio, renda ou serviços, desde
que relacionados com as finalidades essenciais do templo, tendo em vista que a
imunidade tem limites e não alcança atividades desvinculadas do culto (art. 150, §4.º
da CF).
2.3 Evolução Histórica da Imunidade Tributária
Para
melhor
compreensão
do
instituto
da
imunidade
tributária,
é
imprescindível o estudo de sua evolução histórica.
Modernamente, está consagrado na doutrina o entendimento de que a
imunidade está relacionada à ausência de capacidade contributiva, à universalidade
dos tributos e à atividade que determinados agentes executam na sociedade, de
vital importância para a harmonia do Estado. Contudo, nem sempre foi assim, pois
se chegou a considerar a imunidade como um autêntico privilégio, principalmente
quando, frente ao Estado Monarquista, apenas se beneficiavam os nobres e a Igreja.
Nesse diapasão, considerando-se a imunidade como um privilégio, pode-se
indicar situação verificada na Europa, especificamente na França pré-revolução, no
século XVIII, quando o governo cobrava impostos apenas dos pobres, e não dos
ricos. Isso porque as classes privilegiadas, no caso a Igreja, simbolizada pelo Clero
Romano, e a nobreza, não admitiam que tivessem que pagar impostos como as
pessoas comuns do povo. Com certeza esse fato muito contribuiu para a revolta
popular que deflagrou a Revolução Francesa, que consolidou o Estado Fiscal.
Neste sentido, vale destacar trecho do interessante artigo desenvolvido por
Cláudio Carneiro B. P. Coelho, que enfatiza a diferença existente entre o conceito de
imunidade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal:
“Aliás, deve-se enfatizar a profunda diferença apontada por Ricardo Lobo
Torres, existente entre o conceito de imunidade no Estado Patrimonial e no
Estado Fiscal. Antes, na Idade Média e na sociedade feudal, não havia
propriamente imunidade, eis que tanto a Igreja quanto o senhorio
constituíam-se em fontes autônomas de fiscalidade, sem subordinação ao
poder real. No Estado Patrimonial (século XIII ao século XIX), desde o
colapso do feudalismo até o advento do Estado de Direito, diz o autor: “As
imunidades fiscais eram forma de limitação do poder da realeza e
12
consistiam na impossibilidade absoluta de incidência tributária sobre o
senhorio e a Igreja, e homenagem aos direitos imemoriais preexistentes à
organização estatal e à transferência do poder fiscal daqueles estamentos
para o Rei.” Por outro lado, ainda na fase final do patrimonialismo, que é a
do Estado de Polícia (de meados do século XVIII até a 3ª década do século
XIX), a imunidade da Igreja sofre algumas transformações, mas persiste a
intributabilidade absoluta de uma só religião, a católica, que só
desaparecerá com o liberalismo e a extensão da imunidade a qualquer
culto. Quanto à conceituação de imunidade à luz do Estado Fiscal, que foi
consolidado, como dito anteriormente, pelas grandes revoluções do século
XIX, complementa Ricardo Lobo Torres: “Com as grandes revoluções do
século XVIII, consolida-se o Estado Fiscal, configuração específica do
Estado de Direito, e se transforma radicalmente o conceito de imunidade
tributária. Deixa de ser forma de limitação do poder do Rei pela Igreja e pela
nobreza para se transformar em limitação do poder tributário do Estado
pelos direitos preexistentes do indivíduo”.11
Com o advento do liberalismo econômico, as imunidades passaram a ser
mais democráticas, deixando de representar um privilégio, uma concessão
relacionada
ao
favoritismo,
e
passando
a
consubstanciar
uma
garantia
constitucional, relacionada a determinadas atividades ligadas diretamente ao bemestar social.
Vale destacar, na oportunidade, que, no Brasil, a partir de uma visão
retrospectiva das Constituições Federais, as imunidades somente aparecem
explicitamente no texto positivado da Constituição Republicana de 1891. A
Constituição Federal de 1967/69 reforçou a idéia de imunidade como limitação ao
poder de tributar. E a promulgação da Constituição da República de 1988,
denominada Constituição Cidadã, em pleno Estado Democrático de Direito, as
imunidades passam a se consolidar como sendo forma de limitação do poder de
tributar, abandonando aquele caráter de privilégio excludente.
Através dessa breve exposição histórica, pode-se perceber que o conceito de
imunidade acompanhou as transformações sofridas pelo Estado. No Estado feudal,
a imunidade era considerada um autêntico privilégio. Já no Estado democrático o
conceito de imunidade também se democratizou e tal imunidade
passa a ser
considerada uma garantia constitucional, na qual algumas espécies são tidas por
verdadeiras cláusulas pétreas.
Outro importante aspecto que deve ser destacado neste ponto refere-se à
influência decisiva da religião no processo de organização do Estado Moderno, pois
este é fruto da separação entre o Estado e o poder religioso, uma vez que na
11
COELHO, Cláudio Carneiro. A Imunidade dos Templos de Qualquer Culto. Seleções Jurídicas.
Rio de Janeiro: COAD, jan.2003.
13
antiguidade os reis, antes de sua coroação e da assunção do poder, deviam ser
aprovados mediante sua consagração pela autoridade religiosa. Desta feita, pode-se
afirmar que as guerras religiosas, que mancharam de sangue a Europa
principalmente nos séculos XVI, XVII e XVIII, motivaram as primeiras grandes
expropriações contra a Igreja em favor do Estado.
Nesse sentido escreve Werner Nabiça Coelho:
“A revolução francesa foi um movimento que pretendia instaurar a religião
da razão com a exclusão das demais formas de crença ou culto; sendo que
o positivismo de Augusto Comte é um subproduto pseudo-filosófico deste
processo. Por alguns momentos aquela quadra revolucionária assistiu ao
primeiro movimento socialista, especialmente, nos tempos do Terror
inaugurado pelos jacobinos de Robespierre, os primeiros terroristas da
história. Na outra margem do Atlântico, a intuição dos constitucionalistas
americanos assegurou ao seu povo a liberdade de culto, e consagrou
separação do Estado e da Igreja, já preconizada como princípio social
desde quando Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que
é de Deus. Tal exemplo de proteção ao culto popular, ao contrário das
perseguições religiosas francesas, estas inovações americanas,
consubstanciadas na primeira Constituição Republicana e Democrática da
História, cronologicamente anteriores (1787) à insanidade revolucionária
francesa, foram se tornando paulatinamente o paradigma de todas as
constituições, inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de
1948, em seu artigo 18 assim proclama: “Todo homem tem o direito à
liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a
liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa
religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância
isolada ou coletivamente, em público ou em particular”. No Brasil, guardada
a particularidade de a nossa primeira constituição haver sido monárquica e
parlamentarista, e, que havia a religião oficial do Estado, o catolicismo, nem
por isso deixou-se de contemplar a especial proteção às liberdades alheias,
pois, conforme noticia o Douto Pinto Ferreira (Comentários à Constituição
Brasileira, 1.º vol., Saraiva, São Paulo, 1989, p. 69), em seu artigo 179, n. 5:
“Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite
a do Estado e não ofenda a moral pública”; prática aperfeiçoada e
observada religiosamente por todas as demais constituições posteriores; e,
entre as conseqüências práticas da liberdade religiosa está a imunidade dos
templos”.12
Finalmente, pode-se concluir que a imunidade tributária é hoje o corolário da
evolução histórica de um privilégio, oriundo do Estado Feudal, que, em decorrência
das espantosas lutas sociais travadas especialmente nos séculos XVIII e XIX,
transformou-se numa garantia constitucional, destinada a preservar e a incentivar a
atividade de relevante interesse coletivo de certas pessoas discriminadas no Texto
Constitucional.
12
COELHO, Werner Nabiça. A Imunidade dos Templos – Breves Considerações (destacar o
título com negrito, itálico ou sublinhado...). Revista Tributária e de Finanças Públicas. São
Paulo: Revista dos Tribunais n.48, ano 11, jan./fev. 2003.
14
2.4 Competência Tributária e Imunidade
As manifestações normativas que expressam as imunidades tributárias
cumprem o preciso papel de expressar os limites materiais e formais da competência
tributária das pessoas titulares de poder político, limitando, por outro lado, a sua área
de competência.
É por isso que as normas de imunidade ocupam o patamar hierárquico da
Constituição, local onde se encontram as linhas definidoras da competência
tributária no direito brasileiro.
É de rigor convir que o processo de realização do direito tributário impõe
atenção relativamente à fixação dos entes políticos, atividade que, segundo
decantado, sofre certeiros eleitos programados pelas regras de imunidade. A
incidência antevê a definição de competência tributária a qual só se estabelece
mediante a observância das correspectivas regras de imunidade.
O único fundamento passível relativo às imunidades há de ser a preservação
de certos valores relevantes que a própria Constituição preordena que tais ou quais
situações sejam ignoradas para fins tributários, proclamando-se, independentemente
da existência de capacidade contributiva do sujeito envolvido, a incompetência
tributária. Conclui-se que a Constituição estabeleceu uma situação de incompetência
tributária, homenageando determinado valor, não cabendo ao intérprete que esteja
envolvido no processo de realização do direito tributário querer aplicar sua particular
ideologia, apreciando a (im) pertinência da eleição feita pelo constituinte.
15
3
DIFERENCIAÇÃO
ENTRE
IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA,
ISENÇÕES
TRIBUTÁRIAS E HIPÓTESES DE NÃO-INCIDÊNCIA
Imunidade, isenção e não-incidência são conceitos que não devem ser
confundidos.
Não-incidência é a situação em que a regra jurídica de tributação não incide
porque não se realiza a sua hipótese de incidência, ou, em outras palavras, não se
configura o suporte fático para que a tributação incida. Em outras palavras, a nãoincidência se dá quando ocorrer em fatos não abordados na hipótese de incidência
do tributo (fatos tributariamente irrelevantes) ou quando a hipótese de incidência não
se verificar. Muitas vezes, o legislador traz a não-incidência expressa, mas é apenas
um reforço, pois já não haveria incidência tributária caso não estivesse explicitada.
Imunidade tributária é a vedação imposta pela Constituição à instituição de
tributos sobre determinados objetos ou a serem suportados por determinados
sujeitos. Pode a imunidade ser objetiva ou subjetiva. Um exemplo de imunidade
objetiva é a do artigo 150, VI, "d", da Constituição, que veda a instituição de
impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Exemplo de imunidade subjetiva é a do artigo 150, VI, "b", da Constituição, que veda
a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto.
Não se há de confundir imunidade com isenção. Apesar de ambas resultarem
no não pagamento do tributo, a isenção é instituída pela lei e a imunidade pela
Constituição.
A isenção, por ser concedida por lei, pode, também, por lei ser revogada. Não
tendo sido concedida por prazo determinado e sob determinadas condições, pode
ser retirada por lei a qualquer tempo, nada podendo fazer o contribuinte.
A imunidade, por sua vez, é garantida pela Constituição. Não pode o Estado,
por exemplo, sob qualquer pretexto, instituir tributos sobre livros e jornais. Essa
imunidade não pode ser revogada sequer por emenda à Constituição, pois constitui
proteção a direito fundamental, à liberdade de expressão, não podendo ser objeto de
emendas (CF/88, art. 60, §4.º, IV). São também exemplos de imunidades protetoras
de direitos fundamentais a imunidade dos partidos políticos, por preservar a
democracia, e a imunidade dos templos, por preservar a liberdade de consciência e
de crença.
16
Assim, somente diante de uma nova Constituição tais imunidades podem ser
revogadas. É a proteção máxima que o Direito pode oferecer, pois somente através
de uma reconstrução dele podem ser removidas. Existem, é certo, imunidades que
não constituem forma de preservação de direitos fundamentais. Ainda assim, pelo
fato de integrarem o texto constitucional, estas imunidades só por emenda à
Constituição podem ser abolidas.
Existem outras diferenças entre isenção e imunidade. Uma delas reside no
modo de interpretar as normas que as concedem e, conseqüentemente, no alcance
de tais normas. A isenção, por disposição expressa do art. 111 do CTN, deve ser
interpretada restritivamente. Já a imunidade, por ser concedida por norma
Constitucional, deve ser interpretada de forma extensiva, observando-se outros
princípios contidos na Constituição e a finalidade a que foram concedidas. Não se
admite interpretação literal ou restritiva à regra que concede a imunidade, pois isto
seria uma forma de se restringir o princípio constitucional.
Por isso, tem-se que entender abrigado pela imunidade o livro eletrônico, que
possui conteúdo análogo ao de papel, mas está contido em um CD-ROM ou em
disquetes. São também imunes, tratando-se de jornal, além do papel, a tinta e as
máquinas destinadas à sua impressão, tendo em vista a finalidade dessa imunidade,
pois de nada adiantaria imunizar o jornal e possibilitar um imposto excessivo nas
máquinas utilizadas na sua impressão.
É fácil compreender a finalidade das imunidades. Os impostos oneram a
atividade tributada. O governo poderia utilizar-se dos impostos para inviabilizar
determinadas atividades, tornando sem efeito garantias constitucionais como, por
exemplo, a liberdade de expressão e de pensamento e a liberdade de culto. Caso o
Estado tributasse templos de determinado culto, por exemplo, estaria violando a
garantia
constitucional
da
liberdade
de
consciência
e
de
crença.
Ao determinar que sobre livros, jornais e periódicos não incidem impostos, a
Constituição assegura que o Governo não utilizará a tributação como forma de
prejudicar direitos fundamentais, que não contribuirá para que tais produtos sejam
caros, que não utilizará o imposto para dificultar sua produção e consumo,
garantindo, assim, a liberdade de expressão, a difusão da cultura e do
conhecimento.
Para muitos doutrinadores a imunidade é uma forma qualificada de nãoincidência, havendo não-incidência simples, quando a lei não enquadra o fato como
17
gerador da obrigação, e havendo imunidade, ou não-incidência qualificada, quando
o constituinte proíbe a utilização do fato como requisito eficaz a gerar a obrigação.
Conforme se verifica, os institutos acima conceituados não se confundem,
podendo-se concluir simplificadamente que a isenção é a exclusão, definida por lei
ordinária ou complementar, de parcela da conseqüência da tributação; a nãoincidência se dá quando não se realiza a hipótese de incidência e, finalmente, a
imunidade é uma proibição constitucional que impede a incidência de lei ordinária de
tributação sobre determinado fato (imunidade objetiva), ou em detrimento de
determinada pessoa, ou categoria de pessoas (imunidade subjetiva).
18
4
A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO NA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
4.1 O que diz a Constituição da República de 1988 acerca da imunidade
tributária dos templos de qualquer culto
Na Constituição da República de 1988, constata-se a nítida preocupação do
legislador constituinte de 1988 em resguardar a liberdade de culto em um Estado
que reúne vários tipos étnicos e diversas correntes religiosas:
“Art. 5.º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residente no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a à
propriedade, nos seguintes termos:
(...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e suas liturgias.”
Percebe-se, claramente, que a proteção conferida à liberdade de culto é
materializada, no texto constitucional, de forma expressa, na norma imunizante que
segue transcrita:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto;
(...)
§ 4.º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem
somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as
finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. (grifei)
É importante destacar que a previsão da imunidade dos templos de qualquer
culto localiza-se, topograficamente, na Constituição da República, na Seção II,
intitulada Das Limitações ao Poder de Tributar, situada no Capítulo I, denominado
19
Do Sistema Tributário Nacional, enquadrado no Título VI, Da Tributação e do
Orçamento, reforçando, assim, a tese de ser o instituto em tela verdadeira garantia
constitucional.
4.2 “O patrimônio, a renda e os serviços” inseridos no § 4. º do artigo 150 da
Constituição da República (CR).
Na efetivação da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, deve o
intérprete verificar, no caso concreto, se a mencionada garantia constitucional está
em consonância com outros princípios insculpidos na Carta Magna, principalmente
os princípios da proporcionalidade e da isonomia, decorrendo daí a importância de
limitar a aplicação de tal benefício somente às finalidades essenciais dos templos
(§4.º, art. 150, CR), que, de acordo com Regina Helena Costa, “são aquelas
inerentes à própria natureza da entidade – vale dizer, os propósitos que conduziram
à sua instituição.”13
Contudo, ainda assim, na prática, há grande dificuldade em se identificar, nas
atividades executadas pelas organizações religiosas, quais seriam ou não
relacionadas com suas finalidades essenciais, para usufruírem da garantia
imunizante.
Os
doutrinadores
pátrios
dividem-se
em
duas
correntes
quanto
à
interpretação da relação das atividades dos templos de qualquer culto com suas
finalidades essenciais.
A primeira corrente, denominada restritiva, exige que o patrimônio, as rendas
e os serviços em questão tenham origem nas atividades essenciais da entidade e se
destinem à sua manutenção. Em síntese, esta linha de pensamento entende que é
irrelevante, para os fins de demarcação da imunidade das organizações religiosas, a
destinação dos recursos auferidos, importando, tão-somente, a sua origem.
Essa posição é defendida por pequena parcela da doutrina e da
jurisprudência; em sua concepção estão fora da garantia constitucional em tela
quaisquer atividades que não tenham relação direta com o culto religioso, com o
ritual de adoração.
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF.
São Paulo: Malheiros, 2001, p.159.
13
20
Assim, por exemplo, descaberia a incidência da imunidade na receita auferida
com a venda de produtos diversos, desvinculados do ato religioso, bem como sobre
os valores recebidos a título de aluguel de imóveis ou móveis, de estacionamento de
veículos, dentre outros exemplos.
Marco Aurélio Greco, adepto dessa corrente, defende que “o § 4.º do art. 150
da Constituição Federal de 1988 se preocupa de onde as rendas vêm. Assim, para
fins de aplicação do dispositivo constitucional, não importa a sua aplicação (...), mas,
sim, é preciso identificar se eles foram gerados por atividades ligadas às suas
finalidades essenciais”.14
Vale destacar neste ponto trecho do artigo de Guilherme Von Müller Lessa
Vergueiro, que comunga da posição de Marco Aurélio Greco:
“Ao lado dessa posição condizer com nossas premissas, essa linha parece
ser a mais sensata, vez que a demarcação da imunidade de uma receita
não pode ficar condicionada a sua ulterior destinação. Isso porque a
permissão ou a proibição da tributação se perfaz no momento da realização
de determinado fato tributário e não na pertinência do emprego posterior
desses recursos. Professar em sentido contrário rompe com toda a teoria da
fenomenologia da incidência tributária que sustenta que a hipótese tributária
somente incide quando do relato lingüístico da ocorrência do fato tributário.
Nessa situação, não bastaria que a receita derivasse da prática de alguma
atividade litúrgica pelo templo, mas seria necessário que essa fosse
empregada nos seus propósitos. Não é difícil constatar a sua
improcedência. Ademais, o aspecto subjetivo da pertinência ou não do
emprego dos recursos em mister vinculado a sua finalidade essencial torna
bastante nebuloso o universo da destinação par fins de demarcação da
imunidade dessas receitas, o que macula a sua eleição como critério
delimitador da imunidade”.15
Esta visão revela-se altamente simplista, diante da complexa realidade
vivenciada não somente pelos templos de qualquer culto, mas também pelas
instituições dedicadas à educação e à assistência social, que representam
determinados valores e executam específicas atividades, consideradas tão
importantes pelo legislador constituinte na sociedade brasileira que receberam o
incentivo e o amparo da Constituição da República.
Para melhor compreensão do tema, deve-se ter em mente que a iniciativa
privada, denominada por alguns de segundo setor, executa atividades objetivando
exatamente auferir lucro, enquanto que o Estado, chamado de primeiro setor,
mantém-se com os tributos, aqui compreendidas todas as espécies de exação. O
14
15
Greco, Marco Aurélio. Imunidade Tributária, São Paulo: RT, 1999, p.718
VERGUEIRO, Guilherme Von Muller Lessa. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. São Paulo: MP, 2005. p.27
21
Poder Público intervém na atividade econômica, na livre concorrência, com fins
sociais de regulação de mercado.
Já as entidades do chamado terceiro setor, entre as quais se inserem os
templos de qualquer culto, não têm por objetivo o lucro, uma vez que sua finalidade
não é atuação no mercado, mas esforçam-se para obterem uma receita maior do
que a despesa, receita essa que pode ser denominada superávit, imprescindível
para sua sobrevivência.
Contudo, as atividades ou operações que dão origem a essa receita
geralmente não estão relacionadas com suas finalidades essenciais, até porque o
objetivo social das organizações religiosas, além do próprio exercício do culto,
envolve muitas vezes atividades de assistência e promoção social, de maneira que
as propostas estatutárias de tais entes gera(m), em verdade, na grande maioria de
casos, despesas, custos, e não receitas.
Assim, fica evidente que a melhor exegese neste tema é aquela que
preconiza a amplitude da expressão rendas relacionadas com as atividades
essenciais, pois desde que as receitas sejam aplicadas na consecução dos ideais
estatutários dos templos religiosos, devem elas receber a benesse da norma
imunizante, desde que adquiridas licitamente e inseridas na atividade essencial da
entidade religiosa.
A execução de atividades econômicas pelos templos de qualquer culto deve
observar o princípio constitucional da livre concorrência, pois é impensável que tais
instituições concorram desigualmente com a iniciativa privada, beneficiando-se da
imunidade, enquanto o particular fique completamente sujeito à grande carga
tributária de nosso País.
Essa é a postura da segunda corrente, intitulada liberal ou ampliativa, e a
prevalente hoje na doutrina e jurisprudência, que admite que as entidades imunes
possam prestar serviços, auferir rendas e adquirir patrimônio através de outras
atividades que não estejam diretamente relacionadas com as finalidades essenciais
das instituições religiosas, desde que não ocorra, contudo, afronta ao princípio
constitucional da livre concorrência e que os recursos obtidos sejam integralmente
aplicados em sua manutenção.
O mestre Ives Gandra da Silva Martins, adepto dessa linha de raciocínio,
entende que a imunidade em tela “objetiva não permitir ao Estado que imponha
restrições às relações do ser criado com Seu Criador (...). A liberdade em relação ao
22
culto, qualquer que ele seja, é assegurada, como o culto é assegurado contra
qualquer pressão do Estado, principalmente quando os detentores do poder são
agnósticos ou ateus.”16
Nossa Corte Suprema perfilha o mesmo entendimento quanto ao tema,
adotando posição mais liberal quanto à incidência da imunidade sobre os bens,
rendas e serviços das organizações religiosas, a partir da análise casuística,
objetivando constatar se o lucro auferido pela instituição está voltado efetivamente a
suas finalidades essenciais e se, além disso, a atividade comercial desenvolvida
pelo templo de qualquer culto não viola o princípio constitucional da ampla
concorrência, prejudicando os empresários que não podem se valer da garantia
constitucional imunizante.
4.3 Conceito de “finalidades essenciais”
É de suma importância a definição do termo “finalidades essenciais” dos
templos de qualquer culto, para compreensão do alcance da imunidade nas
atividades desenvolvidas pelas organizações religiosas, a fim de que não reste
esvaziado o comando do parágrafo 4.º do artigo 150 da Carta Constitucional.
Tais finalidades representam um elo entre o culto e o patrimônio bem como
com as rendas da instituição religiosa, consubstanciando-se nas atividades que
propiciam tanto a manutenção do templo como a prática do culto, tendo como
fundamento de validade o princípio maior da liberdade de culto, previsto na
Constituição da República como cláusula pétrea.
Há neste ponto que se considerar a importância do desenvolvimento do
significado mais adequado para a expressão finalidades essenciais, de acordo com
as melhores indicações da hermenêutica jurídica, descabendo a aplicação do
sentido encontrado facilmente nos dicionários. Deve o intérprete judicial buscar,
dentro do possível, o verdadeiro sentido da norma.
A interpretação literal deste aspecto, como defendem alguns, revela uma
pobreza de conhecimento quanto à verdadeira intenção do legislador constituinte.
Portanto, mais que o significado básico das palavras, deve-se buscar aqui o
significado contextual, conforme preconiza a hermenêutica jurídica. Para tanto,
MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Falta o nome do artigo, assim como a indicação da
página.) Revista Dialética de Direito Tributário, n. 47, agosto/1999.
16
23
imprescindível a ponderação quanto à finalidade, sentido e condições de cada
norma.
É premissa básica que o sistema jurídico é um todo harmonioso, de forma
que as normas que o compõem não são dispostas aleatoriamente, mas sim de forma
organizada e concatenada, harmônica, inteligente, formando um sistema coerente e
bem estruturado, segundo regras próprias, em decorrência de princípios que
facultam ao jurista a resolução de todos os desafios que lhe são apresentados.
O sentido da norma decorre principalmente dos seus elementos e da forma
pela qual foram organizados, isto é, pela sua estrutura, que sempre circunda os
valores adotados como princípios. Assim sendo, é impraticável a interpretação
isolada do parágrafo 4.º do artigo 150 da Constituição da República, pois sua melhor
exegese decorre exatamente da sua relação com todo o sistema que consubstancia
a Carta Política.
No caso dos templos de qualquer culto, busca o Texto Constitucional, com a
norma imunizante, assegurar a eficácia de outra norma, relativa à liberdade de culto,
expressamente garantida no inciso VI do artigo 5.º (“é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”)
(grifei).
Desta feita, pode-se afirmar que o parágrafo 4.º do artigo 150 da Constituição
da República, objetiva, numa visão sistêmica e abrangente, evitar o cometimento de
abusos por parte das instituições indicadas nas alíneas “b” e “c” do inciso VI daquele
dispositivo, quais sejam, os templos de qualquer culto, os partidos políticos, as
entidades sindicais dos trabalhadores, bem como as instituições de educação e de
assistência social.
Contudo, se a interpretação deste dispositivo não for acompanhada de
equilíbrio, certamente ocorrerão abusos, exageros, por parte do Poder Público em
sua sanha de arrecadação, o que fatalmente atingirá as entidades retromencionadas
e a consecução de suas atividades, atividades estas que mereceram o incentivo do
constituinte originário, mediante a outorga da norma imunizante.
24
5 Imunidade tributária dos templos de qualquer culto em um Estado laico
Determina o art. 150, VI, alínea "b" e § 4º, da CR/88:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
b) templos de qualquer culto;
§ 4º As vedações expressas do inciso VI, alíneas b e c, compreendem
somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as
finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas".
O referido artigo garante, de uma forma mais prática o direito à liberdade
religiosa e a livre manifestação da crença por meio de seus cultos. Tão importante é
que foi erigida a imunidade tributária, que é estabelecida constitucionalmente para
paralisar qualquer tentativa de tributação por quaisquer dos entes federados.
Estabelecidas as premissas quanto ao conceito e amplitude das imunidades
tributárias, sua extensão aos demais tributos e sua aplicabilidade aos templos de
quaisquer cultos, há que se verificar o que a Constituição da República quis
significar quando da dicção “templo”, em seu art. 150, VI, ‘b’.
Num primeiro momento nota-se que a palavra templo parece significar, a
edificação, o prédio onde ocorre o culto religioso. Esse é o significado usualmente
encontrado no texto.
Assim, quando se observa a literalidade da palavra templo enunciada na
norma constitucional, há uma corrente mais restritiva, que entende que apenas o
templo – entendido como construção física, material – goza das imunidades
tributárias. Para esta corrente a imunidade é do templo religioso, não da instituição
que o mantém. O que seria imune seria o local onde se pratica o culto. Não seria de
todo injusto dizer que é um conceito mais que material, poder-se-ia dizer que é um
conceito baseado em um critério geográfico. Dentre os que esposam esse
posicionamento encontram-se juristas de alto quilate, como Pontes de Miranda,
Sacha Calmon Navarro Coelho e Celso Ribeiro Bastos. O texto constitucional não se
referiu as ordens religiosas ou a associações com tais fins, mas circunscreveu-se ao
local em que se efetua o culto, isto é, o templo. Vale dizer: o templo que é imune e
não a entidade em si, que o administra.
25
No outro pólo das discussões, estão os que entendem ser necessária uma
interpretação mais abrangente da expressão templos, uma interpretação que
transcenda os limites físicos da edificação. Paulo de Barros Carvalho17 já demonstra
que se deve conciliar as palavras templo e culto para que se permita uma
interpretação o mais ampla possível da norma constitucional, de molde a dar-lhe o
máximo de efetividade.
Nesse sentido se manifesta Marlene Kempfer Bassoli18:
O “templo de qualquer culto” não deve ser apenas a materialidade do
edifício, que estaria sujeito tão-só ao imposto predial, se não existisse a
franquia inserta da Lei Máxima. Um edifício só é templo se o completam as
instalações ou pertenças adequadas àquele fim, ou se a utilizam
efetivamente no culto ou prática religiosa.
Aliomar Baleeiro também adota uma interpretação mais abrangente para o
termo templo:
“O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde
se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência contígua, o
convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou
residência especial, do pároco ou pastor, pertencente à comunidade
religiosa, desde que não empregados em fins econômicos.”
De acordo com os citados autores, portanto, não há falar em restrição ao
conceito de templo, mesmo porque, quando da instituição de direitos, estes devem
ser reconhecidos da maneira mais ampla possível, ao contrário das restrições a
direitos, que devem ser interpretadas sempre da maneira mais estrita possível.
A Constituição da República tomou em consideração o valor da liberdade de
religião, impondo-se a interpretação de tal dispositivo em consórcio com os que vêm
insertos no art.5º, inciso VI a VIII, também da Constituição, veiculadores daquele
específico valor.
Ao contrário do que ocorre com outras hipóteses de imunidade, a imunidade
relativa a templos de qualquer templo não decorre da transferência de uma atividade
estatal para o âmbito provado. Não ocorre o que aconteceria em outros casos, em
que, por assumir e coadjuvar o Estado no desenvolvimento de algumas tarefas, o
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
BASSOLI, Marlene Kempfer. Imunidade Tributária para impostos: entidades assistenciais e
religiosas (Art. 150, VI, “b” e “c” da CF/88). Material da 6ª aula da Disciplina Sistema Constitucional
Tributário: Princípios e imunidades, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual
em Direito Tributário – UNISUL – REDE LFG.
17
18
26
particular é alçado pelos efeitos da imunidade. O que se tem é uma hipótese de
atividade de interesse público levado a efeito sem intuito lucrativo ou proveito
individual, ou seja, o desenvolvimento de uma atividade que milita em prol da idéia
central do regime democrático protegida pelo Estado através da imunidade.
O culto religioso é uma atividade manifestadamente desvestida de intento de
lucro, portanto reconhece-se que seu implemento não é dotado de capacidade
contributiva. Esta circunstancia justifica a sua imunidade constitucional.
Paulo de Barros Carvalho19 dita a seguinte lição:
“Estão imunes os templos de qualquer culto. Trata-se de
reafirmação do princípio da liberdade religiosa de crença e
prática religiosa, que a Constituição prestigia no art.5º, VI a
VIII. Nenhum óbice há de ser criado para impedir ou dificultar
esse direito de todo cidadão. E entendeu o constituinte eximi-lo
também do ônus representado pela exigência de impostos
(art.150, VI, b).
Dúvidas surgiram sobre a amplitude semântica do vocábulo
culto, pois, na conformidade da acepção que tomarmos, a
outra palavra templo – ficará prejudicada. Somos por uma
interpretação extremamente lassa da locução culto religioso.
Cabem no campo de sua irradiação semântica todas as formas
racionalmente possíveis de manifestação organizada de
religiosidade, por mais estrambóticas, extravagantes ou
exóticas que sejam. E as edificações onde se realizarem esses
rituais haverão de ser consideradas templos. Prescindível dizer
que o interesse da coletividade e todos os valores
fundamentais tutelados pela ordem jurídica concorrem para
estabelecer os limites de efusão da fé religiosa e a devida
utilização dos templos onde ser realize. E quanto ao âmbito de
compreensão destes últimos (os templos), também há de
prevalecer uma exegese bem larga atentando-se, apenas, para
os fins específicos de sua utilização”.
De acordo com o autor supramencionado percebe-se o exato alcance da
norma imunizante que tanto a expressão templos como a expressão culto devem ser
tomadas em sentido lato, de modo a compreender não apenas a edificação
propriamente dita. Conclui-se que tudo aquilo que sirva para desenvolvimento dos
cultos religiosos há de ser alcançado pela imunidade.
O Supremo Tribunal Federal vem dando ao referido dispositivo interpretação
extensiva, chegando mesmo a decidir que "as entidades religiosas têm direito à
imunidade tributária sobre qualquer patrimônio, renda ou serviço relacionado, de
forma direta, à sua atividade essencial, mesmo que aluguem seus imóveis ou os
mantenham desocupados" (STF, RE 325822, Relator Min. Gilmar Mendes).
19
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.15.ed.São Paulo. Saraiva, 2002.
27
O presente trabalho adota esse conceito mais amplo, baseando-se, embora
pareça paradoxal, em lição sobre hermenêutica constitucional de Celso Ribeiro
Bastos20 que, ao tratar da linguagem constitucional, leciona que as palavras na
Constituição da República têm um caráter mais abrangente. Aplica-se, portanto, uma
interpretação mais abrangente à palavra “imposto” utilizada no texto constitucional,
de modo a incluir todas as espécies tributárias.
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 1ª ed. São Paulo: Celso
Bastos Editor, 1997.
20
28
6 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
DOS
TEMPLOS
DE
QUALQUER
CULTO
-
EXEMPLIFICATIVAMENTE
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO IPTU
6.1 O artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República de 1988
e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
O Entendimento do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais acerca do
disposto no artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República é de que o
bem imóvel de entidade religiosa sem fim lucrativo, fará jus a tal benefício
constitucional quando estiver servindo ao cumprimento da finalidade essencial da
instituição religiosa, conforme o julgado abaixo colacionado:
“EXECUÇÃO FISCAL - EMBARGOS DO DEVEDOR - ENTIDADE
RELIGIOSA - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - IPTU. O bem imóvel de entidade
religiosa sem fim lucrativo, quando estiver servindo ao cumprimento da
finalidade essencial da instituição religiosa, será beneficiado pela imunidade
do artigo 150, VI, da CR/88. Ilegítima a cobrança da taxa de limpeza
pública, instituída pela Lei Municipal de Belo Horizonte n. 5.641/89, quer
porque ausentes os indispensáveis atributos da divisibilidade e
especificidade dos serviços, quer porque vislumbrada, ainda, a vedada
identidade de base de cálculo entre a taxa combatida e o IPTU. Exegese do
artigo 145, II e § 2.º da CF, bem como do artigo 77 do CTN”. Número do
processo:
1.0000.00.293840-5/000. Relator: SILAS VIEIRA. Data do
Julgamento:01/09/2006. Data da publicação: 01/11/2006.
Além disso, exige-se, para a obtenção da imunidade tributária, que a entidade
religiosa comprove, documentalmente, que o imóvel sobre o qual requer que recaia
imunidade é um templo religioso, ou patrimônio, ou gera renda ou abriga serviço que
se destine às finalidades essenciais de um templo religioso. Caso a entidade não
comprove tais requisitos, exigidos pela própria Constituição da República, não há
como se aplicar a imunidade, visto que esta não é absoluta, nem tampouco irrestrita:
“IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.
TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. PROVA - Não é assegurado ao templo
religioso pelo texto constitucional (art. 150, VI, 'b', §4.º), a imunidade
absoluta e irrestrita, mas, tão-somente ao patrimônio, à renda e aos
serviços, desde que vinculados às suas finalidades essenciais. Hipótese em
que não demonstrado que nos anos de 1988 e 1989, o que se referem os
lançamentos objeto da exação, houvesse no imóvel o citado templo
religioso capaz de sustentar a alegação de imunidade tributária”. Des.
Relator: Aloysio Nogueira. Processo n. 1.0000.00.212275-2/000.
Julgamento: 11/06/2001. Publicação: 03/08/2001.
Em outro julgado, o TJMG entendeu que a imunidade tributária inserida no
artigo 150, VI, “b”, da CR/88, abrange não somente o Imposto Predial e Territorial
29
Urbano, em se tratando de tributação municipal, mas abrange também a tão
questionada Taxa de Limpeza Urbana não-somente em decorrência de toda a
discussão acerca de sua constitucionalidade, mas também pelo fato de usar a
mesma base de cálculo do IPTU, que, conforme já dito anteriormente, não é cobrado
dos templos de qualquer culto, ou de seu patrimônio, serviço ou renda que se insira
nas finalidades essenciais do referido templo:
“DIREITO TRIBUTÁRIO - APELAÇÃO - IPTU - IMUNIDADE - ENTIDADE
RELIGIOSA - POSSIBILIDADE - TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA - SERVIÇO
NÃO ESPECÍFICO E INDIVISÍVEL - INCONSTITUCIONALIDADE POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DE OFÍCIO - RECURSO
DESPROVIDO. Em se constatando que os imóveis adquiridos pela
embargante sempre foram utilizados em suas atividades religiosas, não há
como falar em cobrança de IPTU, ante a imunidade prevista no artigo 150,
VI, 'b', da Constituição Federal. No ordenamento jurídico brasileiro, a norma
inconstitucional é considerada nula e, como tal, não pode ser aplicada.
Assim, ainda que não tenha sido suscitada pela parte, é cabível a
apreciação, de ofício, da inconstitucionalidade de tributo exigido pela
Fazenda Pública. É inconstitucional a cobrança de Taxa de Limpeza Pública
com fundamento na prestação de serviços que se caracterizam pela
inespecificidade e indivisibilidade, além de tomar como parâmetro a mesma
base de cálculo de imposto”. Des. Relator: Moreira Diniz. N. do
processo:1.0024.04.308417-7/002(1). Julgamento: 06/11/2008. Publicação
18/11/2008.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais considera que as limitações
constitucionais do poder de tributar servem de instrumento desonerativo considerado
pelo legislador constituinte como forma de possibilitar a efetivação das garantias e
direitos da democracia, em especial a liberdade de crença inserida no artigo 5.º
inciso VI, da CR de 1988, que dispõe: “é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Diz o Tribunal Mineiro:
“TRIBUTÁRIO. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. IMUNIDADE.
PRESSUPOSTOS. PROVA DE QUE O IMÓVEL SOBRE O QUAL RECAI O
TRIBUTO DESTINA-SE AO CULTO. As limitações constitucionais ao poder
de tributar funcionam por meio de imunidades fiscais, isto é, disposições da
lei maior que vedam ao legislador ordinário decretar impostos sobre certas
pessoas, matérias ou fatos. A bem da verdade, a imunidade serve de
instrumento desonerativo que o constituinte considerou fundamental para
manter e orientar, de um lado, as garantias e direitos da democracia e de
livre expressão, e, de outro, como no caso, para incrementar as atividades
religiosas que servem como equilíbrio para o bem estar social e dignidade
humana”. Número do processo: 1.0024.03.184381-6/001(1) Relator:
BELIZÁRIO DE LACERDA. Data do Julgamento: 14/06/2005. Data da
Publicação: 11/08/2005.
30
6.2 O artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República de 1988
e o Supremo Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal, conhecido como “guardião da Constituição”,
interpreta o artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República,
considerando que a imunidade tributária consiste em uma vedação de instituição de
impostos sobre o patrimônio, renda e serviços dos templos de qualquer culto, desde
que os mesmos se relacionem com as finalidades essenciais da entidade.
Desta feita, considera o STF, conforme ementas abaixo transcritas, que a
imunidade constitucional poderá abranger não somente os prédios destinados ao
culto, como também os imóveis de propriedade da entidade religiosa que se
encontram alugados, desde que a renda obtida seja destinada às finalidades da
entidade:
“Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer
culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e
serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo
150, VI, "b" e § 4.º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre
imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade
prevista no art. 150, VI, "b", CF, deve abranger não somente os prédios
destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços
"relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
mencionadas". 5. O § 4.º do dispositivo constitucional serve de vetor
interpretativo das alíneas "b" e "c" do inciso VI do art. 150 da Constituição
Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso
extraordinário provido”. (RE 325822, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
18/12/2002, DJ 14-05-2004 PP-00033 EMENT VOL-02151-02 PP-00246).
“Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se
encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve
abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o
patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades
essenciais das entidades nelas mencionadas’. O § 4.º do dispositivo
constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do
art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das
alíneas referidas”. (RE 325.822, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 1512-02, DJ de 14-5-04). No mesmo sentido: AI 651.138-AgR, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 26-6-07, DJ de 17-8-07.
Em outro julgado, o STF aplicou a imunidade do IPTU também a alguns
cemitérios, considerando que eles são extensões de entidades religiosas,
merecedores, portanto, da mesma imunidade:
31
“Recurso extraordinário. Constitucional. Imunidade Tributária. IPTU. Artigo
150, VI, b, CF/88. Cemitério. Extensão de entidade de cunho religioso. Os
cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso
estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição
do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. A
imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é
projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição
é, sobretudo do disposto nos artigos 5.º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. As áreas da
incidência e da imunidade tributária são antípodas”. (RE 578.562, Rel. Min.
Eros Grau, julgamento em 21-5-08, DJE de 12-9-08).
Em outra decisão, o STF apresentou um posicionamento um pouco mais
restritivo entendendo que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto não
abrange as contribuições sindicais; uma vez que a Constituição da República de
1988 garante imunidade dos templos a impostos, sendo as contribuições uma
espécie tributária distinta dos impostos, não são aquelas abrangidas pela
imunidade:
“Contribuição sindical. Imunidade. CF, 1967, art. 21, § 2.º, I, art. 19, III, b,
CF, 1988, art. 149, art. 150, VI, b. A imunidade do art. 19, III, da CF/67,
(CF/88, art. 150, VI) diz respeito apenas a impostos. A contribuição é
espécie tributária distinta, que não se confunde com o imposto. É o caso da
contribuição sindical, instituída no interesse de categoria profissional (CF/67,
art. 21, § 2.º, I; CF/88, art. 149), assim não abrangida pela imunidade do art.
19, III, CF/67, ou art. 150, VI, CF/88”. (RE 129.930, Rel. Min. Carlos Velloso,
julgamento em 7-5-91, DJ de 16-8-91).
Os templos de qualquer culto, além de garantidores da efetivação do direito à
liberdade de crença inserida no artigo 5.º, inciso VI, da CR, executam,
historicamente, atividades de grande alcance social, notadamente no campo da
assistência e promoção social, atuando na diminuição dos graves problemas sociais
que assolam o Brasil.
Diante desse contexto, é imprescindível que os poderes constituídos
observem a garantia constitucional da imunidade outorgada pelo constituinte de
1988 aos templos de qualquer culto, como forma de respeito à liberdade de crença e
de culto e também pela importante colaboração das organizações religiosas na
atenuação dos padecimentos pelos quais sempre passaram e ainda passam as
classes menos favorecidas em nossa sociedade tão desigual.
Entretanto, a interpretação dada pelo Poder Judicial é de suma importância,
tendo em vista que, por se tratar de imunidade tributária, a fiscalização das
entidades que fazem jus à imunidade deve ser rigorosa, visando a evitar abusos e
aplicações arbitrárias da referida imunidade.
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Pode-se concluir que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais tem o
mesmo entendimento do Supremo Tribunal Federal no que pertine à abrangência da
imunidade constitucional prevista no artigo 150, VI, “b”, da CR.
Ambos os tribunais entendem que são imunes, ou seja, não se sujeitam a
impostos, o patrimônio, a renda ou os serviços dos templos de qualquer culto.
Entretanto, tais entidades podem ser fiscalizadas, e quando de tal fiscalização
necessitarão da comprovação documental e contábil de que os imóveis, rendas ou
serviços atendem às finalidades da entidade religiosa. Ao contrário de parte
minoritária da doutrina, estariam também imunes os imóveis alugados pelas
entidades religiosas, desde que a renda auferida em tal locação seja destinada à
manutenção da entidade religiosa, sob pena de violação do princípio constitucional
da livre concorrência, situação em que os templos de qualquer culto concorreriam
de forma de desigual com a iniciativa privada que está sujeita à uma grande carga
tributária.
33
7 CONCLUSÃO
Diante de toda a análise reproduzida pode-se considerar a imunidade
tributária, prevista na Constituição da República, como direito subjetivo público
concedido a certas instituições, em razão de sua ligação a uma atividade de
relevante interesse social para a coletividade e que, por isso, mereceram a proteção
e o incentivo do legislador constituinte, com o afastamento do poder de tributar do
Estado, nos termos e condições da CR.
Foi explicitado que os institutos da isenção, não-incidência e imunidade não
se confundem, podendo-se concluir simplificadamente que a isenção é a exclusão,
definida por lei ordinária ou complementar, de parcela da hipótese de incidência ou
suporte fático da norma de tributação, a não-incidência se dá quando não se realiza
a hipótese de incidência e, finalmente, a imunidade é uma proibição constitucional
que impede a incidência de lei de tributação sobre determinado fato, ou em
detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas.
Percebe-se que a importância do tema – Imunidade sobre templos de
qualquer culto - ultrapassa os limites do Direito Tributário, alcançando a matéria
constitucional das imunidades e, principalmente, o direito fundamental da liberdade
religiosa. Importante esclarecer que “templo” deve ser entendido como um conjunto
de bens e atividades organizadas para o exercício do culto religioso, ou a ele
vinculados, pois pragmaticamente não há como afastar a idéia, numa visão histórica,
de que toda a estrutura de qualquer organização religiosa visa, ao fim e ao cabo, a
propiciar a manifestação da crença professada.
A interpretação dos dispositivos legais que garantem imunidade deve ser
acompanhada de equilíbrio, caso contrário, certamente ocorrerão abusos, exageros,
por parte do Poder Público em sua sanha de arrecadação, o que fatalmente atingirá
as entidades e a consecução de suas atividades, atividades estas que mereceram o
incentivo do constituinte originário, mediante a outorga da norma imunizante.
Dessa forma, fica evidente que a melhor interpretação neste tema é aquela
que preconiza a amplitude de significado da expressão “o patrimônio, a renda e os
serviços, relacionados com as finalidades essenciais”, pois, desde que o patrimônio
e as receitas sejam aplicados na consecução dos ideais estatutários dos templos
religiosos, devem eles receber o benefício da norma imunizante, desde que
adquiridos licitamente e desde que inseridos nas finalidades essenciais da entidade.
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A imunidade sobre os templos de qualquer culto está expressa também no
Código Tributário Nacional – art.9º, da mesma forma que na Constituição da
República. Esta imunidade reflete em todos os impostos, ou seja, nenhum imposto
poderá incidir sobre os templos de qualquer culto.
Através de uma interpretação sistemática da Constituição da República,
novamente percebe-se que não apenas os templos estão abrangidos pela
imunidade tributária, mas também as atividades que nele se realizam com intuito de
propagar a crença, enfim de atender à finalidade que tenham. Essa é a significação
que se extrai da leitura do §4° do artigo 150 da Constituição Federal que prevê que o
disposto nas alíneas “b” e “c” do inciso VI “compreendem somente o patrimônio, a
renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
mencionadas”, permitindo, assim, uma interpretação mais extensa do conteúdo da
imunidade, de modo a abarcar a “renda do templo”, o “patrimônio do templo” e os
“serviços do templo”.
O entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais e do Supremo Tribunal Federal, no que pertine à abrangência da imunidade
constitucional prevista no artigo 150, VI, “b”, da CR, é de que são imunes, ou seja,
não se sujeitam a impostos, o patrimônio, a renda ou os serviços dos templos de
qualquer culto, necessitando para tanto da comprovação documental e contábil de
que os imóveis, rendas ou serviços atendem às finalidades da entidade religiosa,
como forma de fiscalização, evitando-se possíveis abusos.
Percebe-se, de uma maneira geral, que não se encontra consenso na
doutrina pátria. Tampouco quanto à amplitude da imunidade específica dos templos
religiosos. É um campo de especulação já abordado de uma maneira ou de outra
por vários doutrinadores.
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