CAD Centro de Atualização em Direito UNIVERSIDADE GAMA FILHO Curso de Pós-Graduação em Auditoria em Tributos Municipais IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO Cynthia de Oliveira Duarte Belo Horizonte 2009 CAD Centro de Atualização em Direito UNIVERSIDADE GAMA FILHO Curso de Pós-Graduação em Auditoria em Tributos Municipais IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO Monografia apresentada pela pós-graduanda Cynthia de Oliveira Duarte à Universidade Gama Filho, como requisito para a conclusão da pós - Graduação lato sensu com especialização em Auditoria em Tributos Municipais com início no 1o semestre do ano de 2008. Orientador: Amanajós Pessoa da Costa Belo Horizonte 2009 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 04 2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E TEMPLOS DE QUALQUER CULTO....................... 06 2.1 Conceito de imunidade tributária......................................................................... 06 2.2 Conceito de templos de qualquer culto............................................................... 09 2.3 Evolução histórica da imunidade tributária......................................................... 11 2.4 Competência Tributária e Imunidade................................................................. 14 3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS E DAS HIPÓTESES DE NÃO-INCIDÊNCIA............................................................. 15 4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988...................................................................18 4.1 O que diz a Constituição da República de 1988 acerca da imunidade tributária dos templos de qualquer culto...................................................................................18 4.2 “O patrimônio, a renda e os serviços” inseridos no parágrafo 4.º do artigo 150 da CR ....................................................................................................................... 19 4.3 Conceito de “finalidades essenciais”................................................................... 22 5 Imunidade tributária dos templos de qualquer culto em um Estado laico..............24 6 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO EXEMPLIFICATIVAMENTE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO IPTU.........................................................................28 6.1 O artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição da República de 1988 e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais........................................................................ .28 6.2 O artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição da República de 1988 e o Supremo Tribunal Federal..........................................................................................30 7 CONCLUSÃO..........................................................................................................33 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................35 4 1 INTRODUÇÃO A Constituição da República atribui à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o poder de tributar. No entanto, o exercício desse poder não se dá de modo absoluto. Atribui-se a cada uma das pessoas jurídicas de direito público parcela de competência para dispor sobre determinadas matérias. As restrições a essa competência são chamadas de limitações do poder de tributar. Um exemplo de limitação ao poder de tributar é a imunidade. Esta consiste em um obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. A imunidade impede que a lei atinja o que é imune, ou seja, o que é imune não pode ser tributado. É limitação da competência tributária. Há quem entenda que a imunidade não é uma limitação da competência tributária porque não é posterior à outorga desta. Se toda atribuição de competência importa uma limitação, e se a regra que imuniza participa da demarcação da competência tributária, conclui-se que a imunidade é uma limitação dessa competência. A competência do legislador infraconstitucional, em se tratando de definição de hipótese de incidência da regra de tributação, é dada pela Constituição da República. A regra de imunidade retira do âmbito dessa competência uma parcela, tornando imunes certas pessoas e ou certos fatos a um ou mais tributos, geralmente impostos. Opera a regra imunizante, relativamente ao desenho constitucional do âmbito do tributo, da mesma forma que opera a regra de isenção relativamente à definição da hipótese de incidência tributária. Imunidade, isenção e não-incidência não se confundem. A isenção é a exclusão, definida por lei ordinária ou complementar, de parcela da hipótese de incidência ou suporte fático da norma de tributação. Não-incidência é a situação em que a regra jurídica de tributação não incide porque não se realiza a sua hipótese de incidência, ou, em outras palavras, não se configura o suporte fático. E, por fim, a imunidade, como já foi dito, é uma proibição constitucional que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa ou categoria de pessoas. Para muitos doutrinadores a imunidade é uma forma qualificada de não-incidência, entendendo eles nãoincidência simples, quando a lei não enquadra o fato como gerador da obrigação, e 5 haver imunidade, ou não-incidência qualificada, quando o constituinte proíbe a utilização do fato como requisito eficaz a gerar a obrigação. O artigo 150, inciso IV, da Constituição da República diz que é vedado à União, ao Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Assim, diante das divergências existentes acerca dos conceitos que envolvem a imunidade tributária dos “templos de qualquer culto”, buscar-se-á um estudo pormenorizado a fim de se esclarecer qual é o entendimento que predomina na atualidade do que vem a ser “templo de qualquer culto” para fins de incidência dessa imunidade, bem como a sua abrangência. 6 2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E TEMPLOS DE QUALQUER CULTO 2.1 Conceito de Imunidade Tributária Não está definitivamente consagrado o conceito de imunidade tributária, havendo divergências sobre o tema entre os doutrinadores, porque o instituto em tela não possui uma elaboração teórica de método adequada ao seu conhecimento. Desta forma, são necessárias algumas considerações antes de conceituar tal instituto. A Constituição da República de 1988, elaborada sob forte inspiração dos ideais democráticos, que acabaram sendo adotados como forma de regime, indica a crença do legislador constituinte em determinados valores e crenças, que foram objeto de proteção e até de incentivo no texto constitucional. Dentre os inúmeros valores protegidos pela Carta Magna, destaca-se, neste particular, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, prevista no inciso VI do artigo 5.º pela qual fica assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. Em contrapartida, a fim de se preservar o caráter laico do Estado, a redação do inciso I do artigo 19 da Constituição da República preconiza a neutralidade dele perante as igrejas e cultos religiosos, proibindo que os entes públicos lhes embaracem o funcionamento ou os subvencionem. É imprescindível destacar que as imunidades não objetivam prestigiar qualquer ente ou órgão, mas sim proteger e promover, através de fomentos específicos, determinados valores constitucionais elencados em diferentes trechos da Carta Política, o que significa dizer que não há, em nosso sistema democrático, privilégio para específicas pessoas físicas ou jurídicas, mas sim a proteção e a promoção de valores considerados essenciais para a sociedade em geral, a partir de uma visão histórica. Para se chegar ao conceito do instituto da imunidade tributária, são necessárias algumas considerações a respeito da interpretação jurídica, que consiste em uma operação em que o intérprete, analisando o texto, constrói o sentido do enunciado. É através da hermenêutica, ciência que estuda a interpretação da norma, que o operador do direito, realizando uma atividade 7 intelectual, busca o real alcance e objetivo da norma, na tentativa de atingir o seu verdadeiro significado. Diversas são as modalidades de interpretação das normas jurídicas, podendo-se destacar o método literal ou gramatical, o teleológico, o sistemático e o sociológico, sendo de conhecimento dos juristas que todas elas devem ser utilizadas diante do caso concreto, na busca da solução mais adequada. No que se refere às normas que conferem imunidade tributária, a interpretação deve ser ampla, no sentido de albergar em si todas as modalidades de hermenêutica, além dos princípios explícitos e implícitos contidos na Constituição da República. Além disso, é imperiosa a aplicação da norma imunizante de forma extensiva e não restritiva, ao contrário do preconizado no artigo 111 do Código Tributário Nacional, pois este dispositivo se aplica apenas aos casos de isenção e não de imunidade. Tal assertiva decorre do fato de que na isenção há uma verdadeira renúncia ao crédito tributário, de forma que sua aplicação extensiva termina por onerar toda a sociedade, que terá de arcar com o ônus da isenção, enquanto que, na imunidade, diferentemente, não ocorre qualquer renúncia, pois falta competência ao legislador para instituir tributos, inexistindo, assim, prejuízo para a coletividade com o uso da interpretação extensiva nesta hipótese. O mestre Aliomar Baleeiro, precursor do Direito Tributário Brasileiro, define imunidade tributária como “uma exclusão da competência tributar, proveniente da Constituição”1. Já Pontes de Miranda considera imunidade tributária a “limitação constitucional à competência de editar regras de imposição.” 2 Luciano Amaro3 defende que “a imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo. (AMARO, 2006)”. 1 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.226. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1982, v.1, p. 510. 3 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12.ª ed. São Paulo : Saraiva , 2006. 2 8 Regina Helena Costa4 destaca a idéia preconizada por Amílcar de Araújo Falcão, que define imunidade tributária como “uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Constituição, de competência impositiva ou o poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas no Estatuto Supremo.” Hugo de Brito Machado afirma que “imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado.” 5 Vale destacar a opinião de Gustavo Tepedino, que entende que, ao conceder uma imunidade, a Constituição não está concedendo um benefício, mas tutelando um valor jurídico tido como fundamental para o Estado6. Daí porque a interpretação das alíneas do artigo 150, VI, da Constituição da República de 1988 deve ser ampla e teleológica, nunca restritiva e literal. Sintetizando os conceitos acima expostos, pode-se considerar a imunidade tributária como a competência tributária em sentido negativo, prevista na Constituição da República, como direito subjetivo público concedido a certas instituições, em razão de sua ligação a atividades de relevante interesse social para a coletividade e que, por isso, mereceram a proteção e o incentivo do legislador constituinte, através do afastamento do poder de tributar do Estado, nos termos e condições da Carta Magna. Dessa conceituação podem-se retirar duas premissas: a) as regras da imunidade tributária decorrem, explícita ou implicitamente, da Constituição da República, e b) atuam diretamente na esfera de competência dos entes políticos. 4 COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo; Malheiros, 2001, p.35. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20. (20.ª ou 20a) ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 241. 6 TEPEDINO, Gustavo. Aspectos Polêmicos do Tratamento Fiscal Conferido aos Templos e às Entidades de Fins Religiosos . Revista da Procuradoria-Geral da República. N. 5,1994. 5 9 2.2 Conceito de Templos de Qualquer Culto O conceito de templo de qualquer culto traz muitas divergências. Atualmente, pode-se dividir o entendimento, em especial o doutrinário, acerca da conceituação de templo, em duas correntes. A primeira é a restritiva, que somente admite que a imunidade alcance o local dedicado específica e exclusivamente ao culto religioso. A segunda, liberal, sustenta que a imunidade se estenderia aos ‘anexos’ do templo, isto é, a todos os bens vinculados à atividade religiosa, como os conventos, as casas paroquiais, as residências dos religiosos, bem como os serviços religiosos em si. O professor Sacha Calmon posiciona-se na linha conceitual mais restritiva. Ensina que o templo é o lugar destinado ao culto e hoje os templos de todas as religiões são comumente edifícios7. Nada impede, porém, que o templo ande sobre barcos ou caminhões, ou seja, em terreno não edificado. Onde se oficie um culto, aí é o templo. Como no Brasil o Estado é laico, vale dizer, não tem religião oficial, todas as religiões devem ser respeitadas e protegidas, salvo para evitar abusos. Quando ocorre a tributação objetiva-se evitar que sob a capa da fé se pratiquem atos de comércio ou se tenha o objetivo de lucro, sem qualquer finalidade benemérita. Portanto, para o ilustre Professor, imune é o templo, não a ordem religiosa, pois esta pode gozar de isenção quanto a seus bens, rendas e serviços, indústrias e atividades, se filantrópicas. Contudo, nesses casos, trata-se de matéria estranha à imunidade, pois dependerá de favor fiscal do legislador infraconstitucional, mediante a concessão de isenção. O mestre Paulo de Barros Carvalho tece semelhante abordagem, dando ao vocábulo “culto” a maior amplitude possível, restringindo, porém, o sentido da palavra “templo” ao lugar onde se realiza o culto, destacando que vários questionamentos surgiram sobre a amplitude semântica do vocábulo “culto”, pois, conforme a acepção que lhe for dada, o conceito do que seja “templo” restará prejudicado8. Já Aliomar Baleeiro, seguindo a linha mais liberal, rejeita a identificação entre templo e local de culto, para enxergar no templo todo um conjunto de bens e 7 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de Direito Tributário. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.151 8 CARVALHO, Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 13.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 184. 10 atividades organizadas para o exercício do culto religioso, ou a ele vinculados. Para ele, o templo de qualquer culto não é apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito somente ao imposto predial do Município, ou ao de transmissão inter vivos, se não existisse a garantia imunizante prevista na Constituição da República. Um edifício somente será considerado templo se complementado pelas instalações ou pertenças adequadas àquele fim ou se utilizado aquele espaço efetivamente no culto ou prática religiosa9. No mesmo diapasão, Roque Antônio Carrazza afirma que a palavra templo tem sido entendida com certa dose de liberalidade, pois são considerados templos não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, isto é, os locais onde o culto se professa, mas, também, os seus anexos, considerando-se anexos do templo todos os locais que tornam possível a realização da cerimônia religiosa, vale dizer, que viabilizam o culto religioso.10 Conforme se verifica, há entendimentos divergentes acerca do que vem a ser templo de todo culto para fins de aplicação da imunidade tributária. Entretanto, a corrente mais liberal, que conceitua o templo como todo um conjunto de bens e atividades organizadas para o exercício do culto religioso, ou a ele vinculados, aparenta ser a mais pertinente, pois analisa a questão do ponto de vista pragmático, não afastando assim a idéia de que toda a estrutura de qualquer organização religiosa visa, em última instância, a propiciar a manifestação da crença professada. Não se pode negar que a realidade vem demonstrando que algumas religiões, principalmente nas últimas décadas, estão sendo utilizadas por alguns líderes para seu enriquecimento pessoal, por meio do desvirtuamento da garantia constitucional da imunidade. Contudo, cabe ao intérprete da Constituição examinar, à luz do caso concreto, a escrituração contábil de cada religião para saber se aquele bem e aquela atividade são realmente voltados ao exercício do culto religioso. Caso contrário, em se adotando a visão restritiva defendida por alguns, restará inócuo o instituto da imunidade tributária, de fundamental importância para a continuidade das atividades dos templos 9 BALEEIRO Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.226. 10 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Tributário, 13.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p.185. 11 Concluindo, entende-se que a imunidade subjetiva refere-se à entidade e não a um determinado bem. Assim, a expressão “templos de qualquer culto” deve ser interpretada de forma abrangente, incluindo não só as Igrejas, como também a casa do pastor, convento, centro de formação de rabinos, seminários, casa paroquial, entre outros anexos dos templos, sejam eles patrimônio, renda ou serviços, desde que relacionados com as finalidades essenciais do templo, tendo em vista que a imunidade tem limites e não alcança atividades desvinculadas do culto (art. 150, §4.º da CF). 2.3 Evolução Histórica da Imunidade Tributária Para melhor compreensão do instituto da imunidade tributária, é imprescindível o estudo de sua evolução histórica. Modernamente, está consagrado na doutrina o entendimento de que a imunidade está relacionada à ausência de capacidade contributiva, à universalidade dos tributos e à atividade que determinados agentes executam na sociedade, de vital importância para a harmonia do Estado. Contudo, nem sempre foi assim, pois se chegou a considerar a imunidade como um autêntico privilégio, principalmente quando, frente ao Estado Monarquista, apenas se beneficiavam os nobres e a Igreja. Nesse diapasão, considerando-se a imunidade como um privilégio, pode-se indicar situação verificada na Europa, especificamente na França pré-revolução, no século XVIII, quando o governo cobrava impostos apenas dos pobres, e não dos ricos. Isso porque as classes privilegiadas, no caso a Igreja, simbolizada pelo Clero Romano, e a nobreza, não admitiam que tivessem que pagar impostos como as pessoas comuns do povo. Com certeza esse fato muito contribuiu para a revolta popular que deflagrou a Revolução Francesa, que consolidou o Estado Fiscal. Neste sentido, vale destacar trecho do interessante artigo desenvolvido por Cláudio Carneiro B. P. Coelho, que enfatiza a diferença existente entre o conceito de imunidade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal: “Aliás, deve-se enfatizar a profunda diferença apontada por Ricardo Lobo Torres, existente entre o conceito de imunidade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Antes, na Idade Média e na sociedade feudal, não havia propriamente imunidade, eis que tanto a Igreja quanto o senhorio constituíam-se em fontes autônomas de fiscalidade, sem subordinação ao poder real. No Estado Patrimonial (século XIII ao século XIX), desde o colapso do feudalismo até o advento do Estado de Direito, diz o autor: “As imunidades fiscais eram forma de limitação do poder da realeza e 12 consistiam na impossibilidade absoluta de incidência tributária sobre o senhorio e a Igreja, e homenagem aos direitos imemoriais preexistentes à organização estatal e à transferência do poder fiscal daqueles estamentos para o Rei.” Por outro lado, ainda na fase final do patrimonialismo, que é a do Estado de Polícia (de meados do século XVIII até a 3ª década do século XIX), a imunidade da Igreja sofre algumas transformações, mas persiste a intributabilidade absoluta de uma só religião, a católica, que só desaparecerá com o liberalismo e a extensão da imunidade a qualquer culto. Quanto à conceituação de imunidade à luz do Estado Fiscal, que foi consolidado, como dito anteriormente, pelas grandes revoluções do século XIX, complementa Ricardo Lobo Torres: “Com as grandes revoluções do século XVIII, consolida-se o Estado Fiscal, configuração específica do Estado de Direito, e se transforma radicalmente o conceito de imunidade tributária. Deixa de ser forma de limitação do poder do Rei pela Igreja e pela nobreza para se transformar em limitação do poder tributário do Estado pelos direitos preexistentes do indivíduo”.11 Com o advento do liberalismo econômico, as imunidades passaram a ser mais democráticas, deixando de representar um privilégio, uma concessão relacionada ao favoritismo, e passando a consubstanciar uma garantia constitucional, relacionada a determinadas atividades ligadas diretamente ao bemestar social. Vale destacar, na oportunidade, que, no Brasil, a partir de uma visão retrospectiva das Constituições Federais, as imunidades somente aparecem explicitamente no texto positivado da Constituição Republicana de 1891. A Constituição Federal de 1967/69 reforçou a idéia de imunidade como limitação ao poder de tributar. E a promulgação da Constituição da República de 1988, denominada Constituição Cidadã, em pleno Estado Democrático de Direito, as imunidades passam a se consolidar como sendo forma de limitação do poder de tributar, abandonando aquele caráter de privilégio excludente. Através dessa breve exposição histórica, pode-se perceber que o conceito de imunidade acompanhou as transformações sofridas pelo Estado. No Estado feudal, a imunidade era considerada um autêntico privilégio. Já no Estado democrático o conceito de imunidade também se democratizou e tal imunidade passa a ser considerada uma garantia constitucional, na qual algumas espécies são tidas por verdadeiras cláusulas pétreas. Outro importante aspecto que deve ser destacado neste ponto refere-se à influência decisiva da religião no processo de organização do Estado Moderno, pois este é fruto da separação entre o Estado e o poder religioso, uma vez que na 11 COELHO, Cláudio Carneiro. A Imunidade dos Templos de Qualquer Culto. Seleções Jurídicas. Rio de Janeiro: COAD, jan.2003. 13 antiguidade os reis, antes de sua coroação e da assunção do poder, deviam ser aprovados mediante sua consagração pela autoridade religiosa. Desta feita, pode-se afirmar que as guerras religiosas, que mancharam de sangue a Europa principalmente nos séculos XVI, XVII e XVIII, motivaram as primeiras grandes expropriações contra a Igreja em favor do Estado. Nesse sentido escreve Werner Nabiça Coelho: “A revolução francesa foi um movimento que pretendia instaurar a religião da razão com a exclusão das demais formas de crença ou culto; sendo que o positivismo de Augusto Comte é um subproduto pseudo-filosófico deste processo. Por alguns momentos aquela quadra revolucionária assistiu ao primeiro movimento socialista, especialmente, nos tempos do Terror inaugurado pelos jacobinos de Robespierre, os primeiros terroristas da história. Na outra margem do Atlântico, a intuição dos constitucionalistas americanos assegurou ao seu povo a liberdade de culto, e consagrou separação do Estado e da Igreja, já preconizada como princípio social desde quando Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Tal exemplo de proteção ao culto popular, ao contrário das perseguições religiosas francesas, estas inovações americanas, consubstanciadas na primeira Constituição Republicana e Democrática da História, cronologicamente anteriores (1787) à insanidade revolucionária francesa, foram se tornando paulatinamente o paradigma de todas as constituições, inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seu artigo 18 assim proclama: “Todo homem tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular”. No Brasil, guardada a particularidade de a nossa primeira constituição haver sido monárquica e parlamentarista, e, que havia a religião oficial do Estado, o catolicismo, nem por isso deixou-se de contemplar a especial proteção às liberdades alheias, pois, conforme noticia o Douto Pinto Ferreira (Comentários à Constituição Brasileira, 1.º vol., Saraiva, São Paulo, 1989, p. 69), em seu artigo 179, n. 5: “Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública”; prática aperfeiçoada e observada religiosamente por todas as demais constituições posteriores; e, entre as conseqüências práticas da liberdade religiosa está a imunidade dos templos”.12 Finalmente, pode-se concluir que a imunidade tributária é hoje o corolário da evolução histórica de um privilégio, oriundo do Estado Feudal, que, em decorrência das espantosas lutas sociais travadas especialmente nos séculos XVIII e XIX, transformou-se numa garantia constitucional, destinada a preservar e a incentivar a atividade de relevante interesse coletivo de certas pessoas discriminadas no Texto Constitucional. 12 COELHO, Werner Nabiça. A Imunidade dos Templos – Breves Considerações (destacar o título com negrito, itálico ou sublinhado...). Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais n.48, ano 11, jan./fev. 2003. 14 2.4 Competência Tributária e Imunidade As manifestações normativas que expressam as imunidades tributárias cumprem o preciso papel de expressar os limites materiais e formais da competência tributária das pessoas titulares de poder político, limitando, por outro lado, a sua área de competência. É por isso que as normas de imunidade ocupam o patamar hierárquico da Constituição, local onde se encontram as linhas definidoras da competência tributária no direito brasileiro. É de rigor convir que o processo de realização do direito tributário impõe atenção relativamente à fixação dos entes políticos, atividade que, segundo decantado, sofre certeiros eleitos programados pelas regras de imunidade. A incidência antevê a definição de competência tributária a qual só se estabelece mediante a observância das correspectivas regras de imunidade. O único fundamento passível relativo às imunidades há de ser a preservação de certos valores relevantes que a própria Constituição preordena que tais ou quais situações sejam ignoradas para fins tributários, proclamando-se, independentemente da existência de capacidade contributiva do sujeito envolvido, a incompetência tributária. Conclui-se que a Constituição estabeleceu uma situação de incompetência tributária, homenageando determinado valor, não cabendo ao intérprete que esteja envolvido no processo de realização do direito tributário querer aplicar sua particular ideologia, apreciando a (im) pertinência da eleição feita pelo constituinte. 15 3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS E HIPÓTESES DE NÃO-INCIDÊNCIA Imunidade, isenção e não-incidência são conceitos que não devem ser confundidos. Não-incidência é a situação em que a regra jurídica de tributação não incide porque não se realiza a sua hipótese de incidência, ou, em outras palavras, não se configura o suporte fático para que a tributação incida. Em outras palavras, a nãoincidência se dá quando ocorrer em fatos não abordados na hipótese de incidência do tributo (fatos tributariamente irrelevantes) ou quando a hipótese de incidência não se verificar. Muitas vezes, o legislador traz a não-incidência expressa, mas é apenas um reforço, pois já não haveria incidência tributária caso não estivesse explicitada. Imunidade tributária é a vedação imposta pela Constituição à instituição de tributos sobre determinados objetos ou a serem suportados por determinados sujeitos. Pode a imunidade ser objetiva ou subjetiva. Um exemplo de imunidade objetiva é a do artigo 150, VI, "d", da Constituição, que veda a instituição de impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Exemplo de imunidade subjetiva é a do artigo 150, VI, "b", da Constituição, que veda a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto. Não se há de confundir imunidade com isenção. Apesar de ambas resultarem no não pagamento do tributo, a isenção é instituída pela lei e a imunidade pela Constituição. A isenção, por ser concedida por lei, pode, também, por lei ser revogada. Não tendo sido concedida por prazo determinado e sob determinadas condições, pode ser retirada por lei a qualquer tempo, nada podendo fazer o contribuinte. A imunidade, por sua vez, é garantida pela Constituição. Não pode o Estado, por exemplo, sob qualquer pretexto, instituir tributos sobre livros e jornais. Essa imunidade não pode ser revogada sequer por emenda à Constituição, pois constitui proteção a direito fundamental, à liberdade de expressão, não podendo ser objeto de emendas (CF/88, art. 60, §4.º, IV). São também exemplos de imunidades protetoras de direitos fundamentais a imunidade dos partidos políticos, por preservar a democracia, e a imunidade dos templos, por preservar a liberdade de consciência e de crença. 16 Assim, somente diante de uma nova Constituição tais imunidades podem ser revogadas. É a proteção máxima que o Direito pode oferecer, pois somente através de uma reconstrução dele podem ser removidas. Existem, é certo, imunidades que não constituem forma de preservação de direitos fundamentais. Ainda assim, pelo fato de integrarem o texto constitucional, estas imunidades só por emenda à Constituição podem ser abolidas. Existem outras diferenças entre isenção e imunidade. Uma delas reside no modo de interpretar as normas que as concedem e, conseqüentemente, no alcance de tais normas. A isenção, por disposição expressa do art. 111 do CTN, deve ser interpretada restritivamente. Já a imunidade, por ser concedida por norma Constitucional, deve ser interpretada de forma extensiva, observando-se outros princípios contidos na Constituição e a finalidade a que foram concedidas. Não se admite interpretação literal ou restritiva à regra que concede a imunidade, pois isto seria uma forma de se restringir o princípio constitucional. Por isso, tem-se que entender abrigado pela imunidade o livro eletrônico, que possui conteúdo análogo ao de papel, mas está contido em um CD-ROM ou em disquetes. São também imunes, tratando-se de jornal, além do papel, a tinta e as máquinas destinadas à sua impressão, tendo em vista a finalidade dessa imunidade, pois de nada adiantaria imunizar o jornal e possibilitar um imposto excessivo nas máquinas utilizadas na sua impressão. É fácil compreender a finalidade das imunidades. Os impostos oneram a atividade tributada. O governo poderia utilizar-se dos impostos para inviabilizar determinadas atividades, tornando sem efeito garantias constitucionais como, por exemplo, a liberdade de expressão e de pensamento e a liberdade de culto. Caso o Estado tributasse templos de determinado culto, por exemplo, estaria violando a garantia constitucional da liberdade de consciência e de crença. Ao determinar que sobre livros, jornais e periódicos não incidem impostos, a Constituição assegura que o Governo não utilizará a tributação como forma de prejudicar direitos fundamentais, que não contribuirá para que tais produtos sejam caros, que não utilizará o imposto para dificultar sua produção e consumo, garantindo, assim, a liberdade de expressão, a difusão da cultura e do conhecimento. Para muitos doutrinadores a imunidade é uma forma qualificada de nãoincidência, havendo não-incidência simples, quando a lei não enquadra o fato como 17 gerador da obrigação, e havendo imunidade, ou não-incidência qualificada, quando o constituinte proíbe a utilização do fato como requisito eficaz a gerar a obrigação. Conforme se verifica, os institutos acima conceituados não se confundem, podendo-se concluir simplificadamente que a isenção é a exclusão, definida por lei ordinária ou complementar, de parcela da conseqüência da tributação; a nãoincidência se dá quando não se realiza a hipótese de incidência e, finalmente, a imunidade é uma proibição constitucional que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato (imunidade objetiva), ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas (imunidade subjetiva). 18 4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 4.1 O que diz a Constituição da República de 1988 acerca da imunidade tributária dos templos de qualquer culto Na Constituição da República de 1988, constata-se a nítida preocupação do legislador constituinte de 1988 em resguardar a liberdade de culto em um Estado que reúne vários tipos étnicos e diversas correntes religiosas: “Art. 5.º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a à propriedade, nos seguintes termos: (...) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.” Percebe-se, claramente, que a proteção conferida à liberdade de culto é materializada, no texto constitucional, de forma expressa, na norma imunizante que segue transcrita: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: (...) b) templos de qualquer culto; (...) § 4.º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. (grifei) É importante destacar que a previsão da imunidade dos templos de qualquer culto localiza-se, topograficamente, na Constituição da República, na Seção II, intitulada Das Limitações ao Poder de Tributar, situada no Capítulo I, denominado 19 Do Sistema Tributário Nacional, enquadrado no Título VI, Da Tributação e do Orçamento, reforçando, assim, a tese de ser o instituto em tela verdadeira garantia constitucional. 4.2 “O patrimônio, a renda e os serviços” inseridos no § 4. º do artigo 150 da Constituição da República (CR). Na efetivação da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, deve o intérprete verificar, no caso concreto, se a mencionada garantia constitucional está em consonância com outros princípios insculpidos na Carta Magna, principalmente os princípios da proporcionalidade e da isonomia, decorrendo daí a importância de limitar a aplicação de tal benefício somente às finalidades essenciais dos templos (§4.º, art. 150, CR), que, de acordo com Regina Helena Costa, “são aquelas inerentes à própria natureza da entidade – vale dizer, os propósitos que conduziram à sua instituição.”13 Contudo, ainda assim, na prática, há grande dificuldade em se identificar, nas atividades executadas pelas organizações religiosas, quais seriam ou não relacionadas com suas finalidades essenciais, para usufruírem da garantia imunizante. Os doutrinadores pátrios dividem-se em duas correntes quanto à interpretação da relação das atividades dos templos de qualquer culto com suas finalidades essenciais. A primeira corrente, denominada restritiva, exige que o patrimônio, as rendas e os serviços em questão tenham origem nas atividades essenciais da entidade e se destinem à sua manutenção. Em síntese, esta linha de pensamento entende que é irrelevante, para os fins de demarcação da imunidade das organizações religiosas, a destinação dos recursos auferidos, importando, tão-somente, a sua origem. Essa posição é defendida por pequena parcela da doutrina e da jurisprudência; em sua concepção estão fora da garantia constitucional em tela quaisquer atividades que não tenham relação direta com o culto religioso, com o ritual de adoração. COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001, p.159. 13 20 Assim, por exemplo, descaberia a incidência da imunidade na receita auferida com a venda de produtos diversos, desvinculados do ato religioso, bem como sobre os valores recebidos a título de aluguel de imóveis ou móveis, de estacionamento de veículos, dentre outros exemplos. Marco Aurélio Greco, adepto dessa corrente, defende que “o § 4.º do art. 150 da Constituição Federal de 1988 se preocupa de onde as rendas vêm. Assim, para fins de aplicação do dispositivo constitucional, não importa a sua aplicação (...), mas, sim, é preciso identificar se eles foram gerados por atividades ligadas às suas finalidades essenciais”.14 Vale destacar neste ponto trecho do artigo de Guilherme Von Müller Lessa Vergueiro, que comunga da posição de Marco Aurélio Greco: “Ao lado dessa posição condizer com nossas premissas, essa linha parece ser a mais sensata, vez que a demarcação da imunidade de uma receita não pode ficar condicionada a sua ulterior destinação. Isso porque a permissão ou a proibição da tributação se perfaz no momento da realização de determinado fato tributário e não na pertinência do emprego posterior desses recursos. Professar em sentido contrário rompe com toda a teoria da fenomenologia da incidência tributária que sustenta que a hipótese tributária somente incide quando do relato lingüístico da ocorrência do fato tributário. Nessa situação, não bastaria que a receita derivasse da prática de alguma atividade litúrgica pelo templo, mas seria necessário que essa fosse empregada nos seus propósitos. Não é difícil constatar a sua improcedência. Ademais, o aspecto subjetivo da pertinência ou não do emprego dos recursos em mister vinculado a sua finalidade essencial torna bastante nebuloso o universo da destinação par fins de demarcação da imunidade dessas receitas, o que macula a sua eleição como critério delimitador da imunidade”.15 Esta visão revela-se altamente simplista, diante da complexa realidade vivenciada não somente pelos templos de qualquer culto, mas também pelas instituições dedicadas à educação e à assistência social, que representam determinados valores e executam específicas atividades, consideradas tão importantes pelo legislador constituinte na sociedade brasileira que receberam o incentivo e o amparo da Constituição da República. Para melhor compreensão do tema, deve-se ter em mente que a iniciativa privada, denominada por alguns de segundo setor, executa atividades objetivando exatamente auferir lucro, enquanto que o Estado, chamado de primeiro setor, mantém-se com os tributos, aqui compreendidas todas as espécies de exação. O 14 15 Greco, Marco Aurélio. Imunidade Tributária, São Paulo: RT, 1999, p.718 VERGUEIRO, Guilherme Von Muller Lessa. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. São Paulo: MP, 2005. p.27 21 Poder Público intervém na atividade econômica, na livre concorrência, com fins sociais de regulação de mercado. Já as entidades do chamado terceiro setor, entre as quais se inserem os templos de qualquer culto, não têm por objetivo o lucro, uma vez que sua finalidade não é atuação no mercado, mas esforçam-se para obterem uma receita maior do que a despesa, receita essa que pode ser denominada superávit, imprescindível para sua sobrevivência. Contudo, as atividades ou operações que dão origem a essa receita geralmente não estão relacionadas com suas finalidades essenciais, até porque o objetivo social das organizações religiosas, além do próprio exercício do culto, envolve muitas vezes atividades de assistência e promoção social, de maneira que as propostas estatutárias de tais entes gera(m), em verdade, na grande maioria de casos, despesas, custos, e não receitas. Assim, fica evidente que a melhor exegese neste tema é aquela que preconiza a amplitude da expressão rendas relacionadas com as atividades essenciais, pois desde que as receitas sejam aplicadas na consecução dos ideais estatutários dos templos religiosos, devem elas receber a benesse da norma imunizante, desde que adquiridas licitamente e inseridas na atividade essencial da entidade religiosa. A execução de atividades econômicas pelos templos de qualquer culto deve observar o princípio constitucional da livre concorrência, pois é impensável que tais instituições concorram desigualmente com a iniciativa privada, beneficiando-se da imunidade, enquanto o particular fique completamente sujeito à grande carga tributária de nosso País. Essa é a postura da segunda corrente, intitulada liberal ou ampliativa, e a prevalente hoje na doutrina e jurisprudência, que admite que as entidades imunes possam prestar serviços, auferir rendas e adquirir patrimônio através de outras atividades que não estejam diretamente relacionadas com as finalidades essenciais das instituições religiosas, desde que não ocorra, contudo, afronta ao princípio constitucional da livre concorrência e que os recursos obtidos sejam integralmente aplicados em sua manutenção. O mestre Ives Gandra da Silva Martins, adepto dessa linha de raciocínio, entende que a imunidade em tela “objetiva não permitir ao Estado que imponha restrições às relações do ser criado com Seu Criador (...). A liberdade em relação ao 22 culto, qualquer que ele seja, é assegurada, como o culto é assegurado contra qualquer pressão do Estado, principalmente quando os detentores do poder são agnósticos ou ateus.”16 Nossa Corte Suprema perfilha o mesmo entendimento quanto ao tema, adotando posição mais liberal quanto à incidência da imunidade sobre os bens, rendas e serviços das organizações religiosas, a partir da análise casuística, objetivando constatar se o lucro auferido pela instituição está voltado efetivamente a suas finalidades essenciais e se, além disso, a atividade comercial desenvolvida pelo templo de qualquer culto não viola o princípio constitucional da ampla concorrência, prejudicando os empresários que não podem se valer da garantia constitucional imunizante. 4.3 Conceito de “finalidades essenciais” É de suma importância a definição do termo “finalidades essenciais” dos templos de qualquer culto, para compreensão do alcance da imunidade nas atividades desenvolvidas pelas organizações religiosas, a fim de que não reste esvaziado o comando do parágrafo 4.º do artigo 150 da Carta Constitucional. Tais finalidades representam um elo entre o culto e o patrimônio bem como com as rendas da instituição religiosa, consubstanciando-se nas atividades que propiciam tanto a manutenção do templo como a prática do culto, tendo como fundamento de validade o princípio maior da liberdade de culto, previsto na Constituição da República como cláusula pétrea. Há neste ponto que se considerar a importância do desenvolvimento do significado mais adequado para a expressão finalidades essenciais, de acordo com as melhores indicações da hermenêutica jurídica, descabendo a aplicação do sentido encontrado facilmente nos dicionários. Deve o intérprete judicial buscar, dentro do possível, o verdadeiro sentido da norma. A interpretação literal deste aspecto, como defendem alguns, revela uma pobreza de conhecimento quanto à verdadeira intenção do legislador constituinte. Portanto, mais que o significado básico das palavras, deve-se buscar aqui o significado contextual, conforme preconiza a hermenêutica jurídica. Para tanto, MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Falta o nome do artigo, assim como a indicação da página.) Revista Dialética de Direito Tributário, n. 47, agosto/1999. 16 23 imprescindível a ponderação quanto à finalidade, sentido e condições de cada norma. É premissa básica que o sistema jurídico é um todo harmonioso, de forma que as normas que o compõem não são dispostas aleatoriamente, mas sim de forma organizada e concatenada, harmônica, inteligente, formando um sistema coerente e bem estruturado, segundo regras próprias, em decorrência de princípios que facultam ao jurista a resolução de todos os desafios que lhe são apresentados. O sentido da norma decorre principalmente dos seus elementos e da forma pela qual foram organizados, isto é, pela sua estrutura, que sempre circunda os valores adotados como princípios. Assim sendo, é impraticável a interpretação isolada do parágrafo 4.º do artigo 150 da Constituição da República, pois sua melhor exegese decorre exatamente da sua relação com todo o sistema que consubstancia a Carta Política. No caso dos templos de qualquer culto, busca o Texto Constitucional, com a norma imunizante, assegurar a eficácia de outra norma, relativa à liberdade de culto, expressamente garantida no inciso VI do artigo 5.º (“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”) (grifei). Desta feita, pode-se afirmar que o parágrafo 4.º do artigo 150 da Constituição da República, objetiva, numa visão sistêmica e abrangente, evitar o cometimento de abusos por parte das instituições indicadas nas alíneas “b” e “c” do inciso VI daquele dispositivo, quais sejam, os templos de qualquer culto, os partidos políticos, as entidades sindicais dos trabalhadores, bem como as instituições de educação e de assistência social. Contudo, se a interpretação deste dispositivo não for acompanhada de equilíbrio, certamente ocorrerão abusos, exageros, por parte do Poder Público em sua sanha de arrecadação, o que fatalmente atingirá as entidades retromencionadas e a consecução de suas atividades, atividades estas que mereceram o incentivo do constituinte originário, mediante a outorga da norma imunizante. 24 5 Imunidade tributária dos templos de qualquer culto em um Estado laico Determina o art. 150, VI, alínea "b" e § 4º, da CR/88: "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto; § 4º As vedações expressas do inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". O referido artigo garante, de uma forma mais prática o direito à liberdade religiosa e a livre manifestação da crença por meio de seus cultos. Tão importante é que foi erigida a imunidade tributária, que é estabelecida constitucionalmente para paralisar qualquer tentativa de tributação por quaisquer dos entes federados. Estabelecidas as premissas quanto ao conceito e amplitude das imunidades tributárias, sua extensão aos demais tributos e sua aplicabilidade aos templos de quaisquer cultos, há que se verificar o que a Constituição da República quis significar quando da dicção “templo”, em seu art. 150, VI, ‘b’. Num primeiro momento nota-se que a palavra templo parece significar, a edificação, o prédio onde ocorre o culto religioso. Esse é o significado usualmente encontrado no texto. Assim, quando se observa a literalidade da palavra templo enunciada na norma constitucional, há uma corrente mais restritiva, que entende que apenas o templo – entendido como construção física, material – goza das imunidades tributárias. Para esta corrente a imunidade é do templo religioso, não da instituição que o mantém. O que seria imune seria o local onde se pratica o culto. Não seria de todo injusto dizer que é um conceito mais que material, poder-se-ia dizer que é um conceito baseado em um critério geográfico. Dentre os que esposam esse posicionamento encontram-se juristas de alto quilate, como Pontes de Miranda, Sacha Calmon Navarro Coelho e Celso Ribeiro Bastos. O texto constitucional não se referiu as ordens religiosas ou a associações com tais fins, mas circunscreveu-se ao local em que se efetua o culto, isto é, o templo. Vale dizer: o templo que é imune e não a entidade em si, que o administra. 25 No outro pólo das discussões, estão os que entendem ser necessária uma interpretação mais abrangente da expressão templos, uma interpretação que transcenda os limites físicos da edificação. Paulo de Barros Carvalho17 já demonstra que se deve conciliar as palavras templo e culto para que se permita uma interpretação o mais ampla possível da norma constitucional, de molde a dar-lhe o máximo de efetividade. Nesse sentido se manifesta Marlene Kempfer Bassoli18: O “templo de qualquer culto” não deve ser apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito tão-só ao imposto predial, se não existisse a franquia inserta da Lei Máxima. Um edifício só é templo se o completam as instalações ou pertenças adequadas àquele fim, ou se a utilizam efetivamente no culto ou prática religiosa. Aliomar Baleeiro também adota uma interpretação mais abrangente para o termo templo: “O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência especial, do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados em fins econômicos.” De acordo com os citados autores, portanto, não há falar em restrição ao conceito de templo, mesmo porque, quando da instituição de direitos, estes devem ser reconhecidos da maneira mais ampla possível, ao contrário das restrições a direitos, que devem ser interpretadas sempre da maneira mais estrita possível. A Constituição da República tomou em consideração o valor da liberdade de religião, impondo-se a interpretação de tal dispositivo em consórcio com os que vêm insertos no art.5º, inciso VI a VIII, também da Constituição, veiculadores daquele específico valor. Ao contrário do que ocorre com outras hipóteses de imunidade, a imunidade relativa a templos de qualquer templo não decorre da transferência de uma atividade estatal para o âmbito provado. Não ocorre o que aconteceria em outros casos, em que, por assumir e coadjuvar o Estado no desenvolvimento de algumas tarefas, o CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BASSOLI, Marlene Kempfer. Imunidade Tributária para impostos: entidades assistenciais e religiosas (Art. 150, VI, “b” e “c” da CF/88). Material da 6ª aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário: Princípios e imunidades, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Tributário – UNISUL – REDE LFG. 17 18 26 particular é alçado pelos efeitos da imunidade. O que se tem é uma hipótese de atividade de interesse público levado a efeito sem intuito lucrativo ou proveito individual, ou seja, o desenvolvimento de uma atividade que milita em prol da idéia central do regime democrático protegida pelo Estado através da imunidade. O culto religioso é uma atividade manifestadamente desvestida de intento de lucro, portanto reconhece-se que seu implemento não é dotado de capacidade contributiva. Esta circunstancia justifica a sua imunidade constitucional. Paulo de Barros Carvalho19 dita a seguinte lição: “Estão imunes os templos de qualquer culto. Trata-se de reafirmação do princípio da liberdade religiosa de crença e prática religiosa, que a Constituição prestigia no art.5º, VI a VIII. Nenhum óbice há de ser criado para impedir ou dificultar esse direito de todo cidadão. E entendeu o constituinte eximi-lo também do ônus representado pela exigência de impostos (art.150, VI, b). Dúvidas surgiram sobre a amplitude semântica do vocábulo culto, pois, na conformidade da acepção que tomarmos, a outra palavra templo – ficará prejudicada. Somos por uma interpretação extremamente lassa da locução culto religioso. Cabem no campo de sua irradiação semântica todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada de religiosidade, por mais estrambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam. E as edificações onde se realizarem esses rituais haverão de ser consideradas templos. Prescindível dizer que o interesse da coletividade e todos os valores fundamentais tutelados pela ordem jurídica concorrem para estabelecer os limites de efusão da fé religiosa e a devida utilização dos templos onde ser realize. E quanto ao âmbito de compreensão destes últimos (os templos), também há de prevalecer uma exegese bem larga atentando-se, apenas, para os fins específicos de sua utilização”. De acordo com o autor supramencionado percebe-se o exato alcance da norma imunizante que tanto a expressão templos como a expressão culto devem ser tomadas em sentido lato, de modo a compreender não apenas a edificação propriamente dita. Conclui-se que tudo aquilo que sirva para desenvolvimento dos cultos religiosos há de ser alcançado pela imunidade. O Supremo Tribunal Federal vem dando ao referido dispositivo interpretação extensiva, chegando mesmo a decidir que "as entidades religiosas têm direito à imunidade tributária sobre qualquer patrimônio, renda ou serviço relacionado, de forma direta, à sua atividade essencial, mesmo que aluguem seus imóveis ou os mantenham desocupados" (STF, RE 325822, Relator Min. Gilmar Mendes). 19 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.15.ed.São Paulo. Saraiva, 2002. 27 O presente trabalho adota esse conceito mais amplo, baseando-se, embora pareça paradoxal, em lição sobre hermenêutica constitucional de Celso Ribeiro Bastos20 que, ao tratar da linguagem constitucional, leciona que as palavras na Constituição da República têm um caráter mais abrangente. Aplica-se, portanto, uma interpretação mais abrangente à palavra “imposto” utilizada no texto constitucional, de modo a incluir todas as espécies tributárias. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 1ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. 20 28 6 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO - EXEMPLIFICATIVAMENTE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO IPTU 6.1 O artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República de 1988 e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais O Entendimento do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais acerca do disposto no artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República é de que o bem imóvel de entidade religiosa sem fim lucrativo, fará jus a tal benefício constitucional quando estiver servindo ao cumprimento da finalidade essencial da instituição religiosa, conforme o julgado abaixo colacionado: “EXECUÇÃO FISCAL - EMBARGOS DO DEVEDOR - ENTIDADE RELIGIOSA - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - IPTU. O bem imóvel de entidade religiosa sem fim lucrativo, quando estiver servindo ao cumprimento da finalidade essencial da instituição religiosa, será beneficiado pela imunidade do artigo 150, VI, da CR/88. Ilegítima a cobrança da taxa de limpeza pública, instituída pela Lei Municipal de Belo Horizonte n. 5.641/89, quer porque ausentes os indispensáveis atributos da divisibilidade e especificidade dos serviços, quer porque vislumbrada, ainda, a vedada identidade de base de cálculo entre a taxa combatida e o IPTU. Exegese do artigo 145, II e § 2.º da CF, bem como do artigo 77 do CTN”. Número do processo: 1.0000.00.293840-5/000. Relator: SILAS VIEIRA. Data do Julgamento:01/09/2006. Data da publicação: 01/11/2006. Além disso, exige-se, para a obtenção da imunidade tributária, que a entidade religiosa comprove, documentalmente, que o imóvel sobre o qual requer que recaia imunidade é um templo religioso, ou patrimônio, ou gera renda ou abriga serviço que se destine às finalidades essenciais de um templo religioso. Caso a entidade não comprove tais requisitos, exigidos pela própria Constituição da República, não há como se aplicar a imunidade, visto que esta não é absoluta, nem tampouco irrestrita: “IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. PROVA - Não é assegurado ao templo religioso pelo texto constitucional (art. 150, VI, 'b', §4.º), a imunidade absoluta e irrestrita, mas, tão-somente ao patrimônio, à renda e aos serviços, desde que vinculados às suas finalidades essenciais. Hipótese em que não demonstrado que nos anos de 1988 e 1989, o que se referem os lançamentos objeto da exação, houvesse no imóvel o citado templo religioso capaz de sustentar a alegação de imunidade tributária”. Des. Relator: Aloysio Nogueira. Processo n. 1.0000.00.212275-2/000. Julgamento: 11/06/2001. Publicação: 03/08/2001. Em outro julgado, o TJMG entendeu que a imunidade tributária inserida no artigo 150, VI, “b”, da CR/88, abrange não somente o Imposto Predial e Territorial 29 Urbano, em se tratando de tributação municipal, mas abrange também a tão questionada Taxa de Limpeza Urbana não-somente em decorrência de toda a discussão acerca de sua constitucionalidade, mas também pelo fato de usar a mesma base de cálculo do IPTU, que, conforme já dito anteriormente, não é cobrado dos templos de qualquer culto, ou de seu patrimônio, serviço ou renda que se insira nas finalidades essenciais do referido templo: “DIREITO TRIBUTÁRIO - APELAÇÃO - IPTU - IMUNIDADE - ENTIDADE RELIGIOSA - POSSIBILIDADE - TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA - SERVIÇO NÃO ESPECÍFICO E INDIVISÍVEL - INCONSTITUCIONALIDADE POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DE OFÍCIO - RECURSO DESPROVIDO. Em se constatando que os imóveis adquiridos pela embargante sempre foram utilizados em suas atividades religiosas, não há como falar em cobrança de IPTU, ante a imunidade prevista no artigo 150, VI, 'b', da Constituição Federal. No ordenamento jurídico brasileiro, a norma inconstitucional é considerada nula e, como tal, não pode ser aplicada. Assim, ainda que não tenha sido suscitada pela parte, é cabível a apreciação, de ofício, da inconstitucionalidade de tributo exigido pela Fazenda Pública. É inconstitucional a cobrança de Taxa de Limpeza Pública com fundamento na prestação de serviços que se caracterizam pela inespecificidade e indivisibilidade, além de tomar como parâmetro a mesma base de cálculo de imposto”. Des. Relator: Moreira Diniz. N. do processo:1.0024.04.308417-7/002(1). Julgamento: 06/11/2008. Publicação 18/11/2008. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais considera que as limitações constitucionais do poder de tributar servem de instrumento desonerativo considerado pelo legislador constituinte como forma de possibilitar a efetivação das garantias e direitos da democracia, em especial a liberdade de crença inserida no artigo 5.º inciso VI, da CR de 1988, que dispõe: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Diz o Tribunal Mineiro: “TRIBUTÁRIO. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. IMUNIDADE. PRESSUPOSTOS. PROVA DE QUE O IMÓVEL SOBRE O QUAL RECAI O TRIBUTO DESTINA-SE AO CULTO. As limitações constitucionais ao poder de tributar funcionam por meio de imunidades fiscais, isto é, disposições da lei maior que vedam ao legislador ordinário decretar impostos sobre certas pessoas, matérias ou fatos. A bem da verdade, a imunidade serve de instrumento desonerativo que o constituinte considerou fundamental para manter e orientar, de um lado, as garantias e direitos da democracia e de livre expressão, e, de outro, como no caso, para incrementar as atividades religiosas que servem como equilíbrio para o bem estar social e dignidade humana”. Número do processo: 1.0024.03.184381-6/001(1) Relator: BELIZÁRIO DE LACERDA. Data do Julgamento: 14/06/2005. Data da Publicação: 11/08/2005. 30 6.2 O artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República de 1988 e o Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal, conhecido como “guardião da Constituição”, interpreta o artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição da República, considerando que a imunidade tributária consiste em uma vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços dos templos de qualquer culto, desde que os mesmos se relacionem com as finalidades essenciais da entidade. Desta feita, considera o STF, conforme ementas abaixo transcritas, que a imunidade constitucional poderá abranger não somente os prédios destinados ao culto, como também os imóveis de propriedade da entidade religiosa que se encontram alugados, desde que a renda obtida seja destinada às finalidades da entidade: “Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, "b" e § 4.º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, "b", CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4.º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas "b" e "c" do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido”. (RE 325822, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2002, DJ 14-05-2004 PP-00033 EMENT VOL-02151-02 PP-00246). “Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas’. O § 4.º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas”. (RE 325.822, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 1512-02, DJ de 14-5-04). No mesmo sentido: AI 651.138-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-6-07, DJ de 17-8-07. Em outro julgado, o STF aplicou a imunidade do IPTU também a alguns cemitérios, considerando que eles são extensões de entidades religiosas, merecedores, portanto, da mesma imunidade: 31 “Recurso extraordinário. Constitucional. Imunidade Tributária. IPTU. Artigo 150, VI, b, CF/88. Cemitério. Extensão de entidade de cunho religioso. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5.º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas”. (RE 578.562, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21-5-08, DJE de 12-9-08). Em outra decisão, o STF apresentou um posicionamento um pouco mais restritivo entendendo que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto não abrange as contribuições sindicais; uma vez que a Constituição da República de 1988 garante imunidade dos templos a impostos, sendo as contribuições uma espécie tributária distinta dos impostos, não são aquelas abrangidas pela imunidade: “Contribuição sindical. Imunidade. CF, 1967, art. 21, § 2.º, I, art. 19, III, b, CF, 1988, art. 149, art. 150, VI, b. A imunidade do art. 19, III, da CF/67, (CF/88, art. 150, VI) diz respeito apenas a impostos. A contribuição é espécie tributária distinta, que não se confunde com o imposto. É o caso da contribuição sindical, instituída no interesse de categoria profissional (CF/67, art. 21, § 2.º, I; CF/88, art. 149), assim não abrangida pela imunidade do art. 19, III, CF/67, ou art. 150, VI, CF/88”. (RE 129.930, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 7-5-91, DJ de 16-8-91). Os templos de qualquer culto, além de garantidores da efetivação do direito à liberdade de crença inserida no artigo 5.º, inciso VI, da CR, executam, historicamente, atividades de grande alcance social, notadamente no campo da assistência e promoção social, atuando na diminuição dos graves problemas sociais que assolam o Brasil. Diante desse contexto, é imprescindível que os poderes constituídos observem a garantia constitucional da imunidade outorgada pelo constituinte de 1988 aos templos de qualquer culto, como forma de respeito à liberdade de crença e de culto e também pela importante colaboração das organizações religiosas na atenuação dos padecimentos pelos quais sempre passaram e ainda passam as classes menos favorecidas em nossa sociedade tão desigual. Entretanto, a interpretação dada pelo Poder Judicial é de suma importância, tendo em vista que, por se tratar de imunidade tributária, a fiscalização das entidades que fazem jus à imunidade deve ser rigorosa, visando a evitar abusos e aplicações arbitrárias da referida imunidade. 32 Pode-se concluir que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais tem o mesmo entendimento do Supremo Tribunal Federal no que pertine à abrangência da imunidade constitucional prevista no artigo 150, VI, “b”, da CR. Ambos os tribunais entendem que são imunes, ou seja, não se sujeitam a impostos, o patrimônio, a renda ou os serviços dos templos de qualquer culto. Entretanto, tais entidades podem ser fiscalizadas, e quando de tal fiscalização necessitarão da comprovação documental e contábil de que os imóveis, rendas ou serviços atendem às finalidades da entidade religiosa. Ao contrário de parte minoritária da doutrina, estariam também imunes os imóveis alugados pelas entidades religiosas, desde que a renda auferida em tal locação seja destinada à manutenção da entidade religiosa, sob pena de violação do princípio constitucional da livre concorrência, situação em que os templos de qualquer culto concorreriam de forma de desigual com a iniciativa privada que está sujeita à uma grande carga tributária. 33 7 CONCLUSÃO Diante de toda a análise reproduzida pode-se considerar a imunidade tributária, prevista na Constituição da República, como direito subjetivo público concedido a certas instituições, em razão de sua ligação a uma atividade de relevante interesse social para a coletividade e que, por isso, mereceram a proteção e o incentivo do legislador constituinte, com o afastamento do poder de tributar do Estado, nos termos e condições da CR. Foi explicitado que os institutos da isenção, não-incidência e imunidade não se confundem, podendo-se concluir simplificadamente que a isenção é a exclusão, definida por lei ordinária ou complementar, de parcela da hipótese de incidência ou suporte fático da norma de tributação, a não-incidência se dá quando não se realiza a hipótese de incidência e, finalmente, a imunidade é uma proibição constitucional que impede a incidência de lei de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas. Percebe-se que a importância do tema – Imunidade sobre templos de qualquer culto - ultrapassa os limites do Direito Tributário, alcançando a matéria constitucional das imunidades e, principalmente, o direito fundamental da liberdade religiosa. Importante esclarecer que “templo” deve ser entendido como um conjunto de bens e atividades organizadas para o exercício do culto religioso, ou a ele vinculados, pois pragmaticamente não há como afastar a idéia, numa visão histórica, de que toda a estrutura de qualquer organização religiosa visa, ao fim e ao cabo, a propiciar a manifestação da crença professada. A interpretação dos dispositivos legais que garantem imunidade deve ser acompanhada de equilíbrio, caso contrário, certamente ocorrerão abusos, exageros, por parte do Poder Público em sua sanha de arrecadação, o que fatalmente atingirá as entidades e a consecução de suas atividades, atividades estas que mereceram o incentivo do constituinte originário, mediante a outorga da norma imunizante. Dessa forma, fica evidente que a melhor interpretação neste tema é aquela que preconiza a amplitude de significado da expressão “o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais”, pois, desde que o patrimônio e as receitas sejam aplicados na consecução dos ideais estatutários dos templos religiosos, devem eles receber o benefício da norma imunizante, desde que adquiridos licitamente e desde que inseridos nas finalidades essenciais da entidade. 34 A imunidade sobre os templos de qualquer culto está expressa também no Código Tributário Nacional – art.9º, da mesma forma que na Constituição da República. Esta imunidade reflete em todos os impostos, ou seja, nenhum imposto poderá incidir sobre os templos de qualquer culto. Através de uma interpretação sistemática da Constituição da República, novamente percebe-se que não apenas os templos estão abrangidos pela imunidade tributária, mas também as atividades que nele se realizam com intuito de propagar a crença, enfim de atender à finalidade que tenham. Essa é a significação que se extrai da leitura do §4° do artigo 150 da Constituição Federal que prevê que o disposto nas alíneas “b” e “c” do inciso VI “compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”, permitindo, assim, uma interpretação mais extensa do conteúdo da imunidade, de modo a abarcar a “renda do templo”, o “patrimônio do templo” e os “serviços do templo”. O entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e do Supremo Tribunal Federal, no que pertine à abrangência da imunidade constitucional prevista no artigo 150, VI, “b”, da CR, é de que são imunes, ou seja, não se sujeitam a impostos, o patrimônio, a renda ou os serviços dos templos de qualquer culto, necessitando para tanto da comprovação documental e contábil de que os imóveis, rendas ou serviços atendem às finalidades da entidade religiosa, como forma de fiscalização, evitando-se possíveis abusos. Percebe-se, de uma maneira geral, que não se encontra consenso na doutrina pátria. Tampouco quanto à amplitude da imunidade específica dos templos religiosos. É um campo de especulação já abordado de uma maneira ou de outra por vários doutrinadores. 35 8 BIBLIOGRAFIA AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 7.ª ed. atual.São Paulo: Saraiva, 2001. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 16.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. BRASIL, Código tributário nacional. 33.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL, Constituição (1989) Constituição Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1989. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Tributário, 13.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.185. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. COELHO, Cláudio Carneiro. A Imunidade dos Templos de Qualquer Culto. Seleções Jurídicas. Rio de Janeiro: COAD, jan.2003. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7.ª Ed. Forense. 2004. COELHO, Werner Nabiça. A Imunidade dos Templos – Breves Considerações. Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais n.48, ano 11, jan/fev. 2003. COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: Jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2001. Teoria e Análise da GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária, São Paulo: RT, 1999, p. 718. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora Malheiros, 18.ª Edição, 2001. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1982, v.1. RIBEIRO DE MORAES, Bernardo. “Imunidades e Isenções como Instrumento de Extrafiscalidade”, in Elementos de Direito Tributário, sob a coordenação de Geraldo Ataliba, Ed. RT, 1978, pp. 323 e 324. SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. “Imunidades Tributárias e Impostos de Incidência Plurifásica, não Cumulativa” in RDT n.5, p.171. Sites pesquisados: www.tjmg.jus.br, www.stf.gov.br e www.pbh.gov.br 36 TEPENDINO, Gustavo. Aspectos Polêmicos do Tratamento Fiscal Conferido aos Templos e às Entidades de Fins Religiosos. Revista da Procuradoria-Geral da República. N. 5,1994. VERGUEIRO, Guilherme Von Muller Lessa. Imunidade Tributária. São Paulo: MP, 2005. p.27.