Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP Doença dos Eritrócitos Autor: Prof. Dr. Paulo Cesar Naoum Alterações Eritrocitárias nos Defeitos de Membrana Introdução ................................................................................................................................ ................................ ................................. 2 Esferocitose Hereditária ................................................................................................ ................................ ............................................ 3 Heliptocitose Hereditária ................................................................................................ ................................ .......................................... 5 Piropoiquilocitose Hereditária ................................................................................................ .................................. 8 Estomacitose Hereditária ................................................................................................ ................................ .......................................... 9 1 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP ALTERAÇÕES ERITROCITÁRIAS NOS DEFEITOS DE MEMBRANA Introdução O esqueleto da membrana dos eritrocitários é responsável pela preservação da forma e da integridade celular. A membrana normal é composta por igual quantidade de lipídeos e proteínas (ver capítulo "Principais Principais Componentes dos Eritrócitos"). Eritrócitos"). As anormalidades de membrana que resultam em anemia hemolítica são devido a alterações de uma ou mais proteínas estruturais. Os lipídeos da membrana, bem como o sistema de transporte de cátions, podem estar alterados e, conseqüentemente, produzir defeitos no funcionamento da membrana. Todas essas três anormalidades (proteínas, lipídeos e sistema de transporte de cátions) alteram a superfície de área da membrana, aumento de sua rigidez, fragmentação ou deformação. Os eritrócitos anormais apresentam dificuldades no trânsito vascular do baço (figura 1). ). As doenças causadas por anormalidades de membrana incluem: esferocitose hereditária, eliptocitose hereditária, piropoiquilocitose hereditária e estomatocitose hereditária. hereditária Figura 1. Corte histológico do baço de paciente com esferocitose, examinado em microscopia eletrônica de varredura. Os eritrócitos esferocíticos perdem a deformabilidade e apresentam dificuldade em transitar pelos sinusóides vasculares. Os macrófagos do SRE atuam, fagocitando-os f e retirando-os retirando precocemente da circulação sangüínea. 2 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP Esferocitose Hereditárria A esferocitose hereditária (EH) é uma doença hereditária, distinguida pela presença de numerosos microesferócitos no esfregaço de sangue periférico (ver capítulo "Principais Alterações Morfológicas fológicas dos Eritrócitos"). A herança genética da EH é geralmente autossômica dominante, e a forma mais comum é a heterozigose. O estado de homozigose parece ser incompatível com a vida. Vários casos são freqüentemente encontrados em uma mesma família. Em 25% dos casos da EH, ambos os pais não estão afetados: afetados: isto pode ser resultante de uma mutação espontânea, ou da forma recessiva da doença, ou de reduzida penetrância do gene dominante. A prevalência da EH é muito variável entre as populações 1:500 a 1:1000 1:10 no Brasil, a 1:5000 no norte da Europa. A anormalidade básica da EH se deve a defeitos heterogêneos na composição protéica da membrana, que pode envolver deficiência ou disfunção de espectrina, anquirina, banda 3 e proteína 4.2 (figura 2). Figura 2.. Interações horizontal (azul) e vertical (cinza) dos defeitos de membrana. Defeitos das proteínas do sentido vertical são vistos na esferocitose hereditária. Defeitos no sentido horizontal ocorre mais freqüentemente na eliptocitose e piropoiquilocitose hereditária. Fisiologicamente, nte, as alterações que causam a esferocitose diminuem a camada fosfolipídica e altera a área superficial da membrana. Esse processo patológico facilita a entrada de sódio para dentro do eritrócito, exigindo excesso de energia para expulsá-lo expulsá lo e manter o equilíbrio. equ Como 3 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP conseqüência, o esferócito além de perder sua capacidade de deformabilidade, sofre as lesões de membrana (figura 3). Figura 3. Microscopia eletrônica de varredura de microesferócitos, mostrando várias células esferocíticas com lesões na membrana, ao lado de um eritrócito discóide normal. As três principais evidências clínicas na EH são: anemia, icterícia e esplenomegalia. A gravidade do curso clínico da doença é variável, sendo tipicamente mais intensa nas crianças e jovens, na forma recessiva e autossômica. Geralmente a EH se manifesta antes dos 10 anos de idade, mas em muitos casos pode não se manifestar até a fase adulta. O aumento do metabolismo dos pigmentos pigmentos biliares (ex.: bilirrubina) devido ao alto grau de hemólise, pode causar "pedras" na vesícula, ou colelitíase. Embora seja rara complicações mais graves, pode ocorrer especialmente em crianças, a crise aplástica com pancitopenia (diminuição das séries vermelhas, rmelhas, brancas e plaquetas) no sangue periférico, devido a um desgaste hematopoiético da medula óssea. Diante dessa situação pode ocorrer anemia grave, infecções virais e úlceras nas pernas. A eritropoiese constantemente elevada promove aumento da área medular edular nos ossos produtores de sangue, causando alterações esqueléticas. Laboratorialmente, a concentração de hemoglobina situa-se situa se entre 8 e 11 g/dl, com VCM normal, e CHCM elevado em 60% dos pacientes com EH. A reticulocitose varia entre 5 e 20%. A avaliação ção do esfregaço de sangue periférico evidencia numerosos microesferócitos (figura ( 4), muitas vezes com anisocitose devido à presença de reticulócitos (que são células maiores) ou por deficiência de vit. B12 e ácido fólico pela eritropoiese aumentada. O teste teste específico para a esferocitose hereditária é a curva de fragilidade osmótica (figura 5), 5), cujos dados técnicos poderão ser obtidos no capítulo sobre "Técnicas " Laboratoriais". 4 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP Figura 4. Esfregaço de sangue periférico de paciente com esferocitose hereditária. Além de microesferócitos há também macroesferócitos pela presença de de reticulocitose, ou devido à deficiência de vitamina B12 e folatos – fatos comuns nas anemias hemolíticas crônicas. Figura 5. Teste de fragilidade osmótica. À esquerda o gráfico mostra a posição da curva obtida pela análise de sangue com esferocitose, a temperatura ambiente. À direita o mesmo sangue incubado a 37ºC por 24 horas. Heliptocitose Hereditá ária A eliptocitose hereditária é um grupo heterogêneo de anemia em que predominam eritrócitos com forma elíptica no sangue periférico (figura ( 6). ). A forma de herança genética é autossômica dominante, envolvendo defeitos na disposição disposição estrutural da membrana das proteínas espectrina e a interação entre espectrina – actina – proteína 4.1. A anormalidade da espectrina é a forma mais comum da eliptocitose, alterando sua interação horizontal (figura ( 2). ). Os fatores que determinam 5 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP a forma elíptica dos eritrócitos defeituosos começam a ser descobertos. Na evolução desses eritrócitos durante a eritropoiese, observa-se observa se que os eritroblastos até a fase de reticulócitos tem a forma normal, admitindo que a transformação em eliptócito ocorre quando quando atingem a circulação periférica. Assim, acredita-se se que durante o fluxo através da microcirculação o eritrócito com o defeito de proteínas horizontais da membrana se deforma e não consegue retornar à forma normal, permanecendo com a morfologia elíptica (figuras ( 7 e 8). Figura 6. Sangue periférico de paciente com eliptocitose hereditária. No presente caso, o predomínio de eliptócitos ultrapassa 75% dos eritrócitos. Figura 7. Representação do eritrócito na microcirculação, com a forma muito alterada e achatada. Caso esse eritrócito tenha alteração de proteína na estrutura horizontal do eritrócito, ao retornar para um vaso maior, sua forma continua achatada ou elíptica (figura (figura 8). 8 6 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP Figura 8. Microscopia eletrônica de varredura mostrando eliptócito (centro) ao lado de eritrócitos normais. As manifestações clínicas da esferocitose hereditária são variáveis, desde portadores assintomáticos até situações raras de pacientes com anemia hemolítica grave. A hemólise moderada ocorre entre 10 e 15% das pessoas afetadas, e nesses casos casos ocorre a anemia, icterícia e esplenomegalia. Laboratorialmente, os portadores assintomáticos de eliptocitose se mostram com valores normocíticos e normocrômicos, hemoglobina acima de 12 g/dl e reticulócitos abaixo de 4%. Na análise do sangue periférico observa-se o se que os eliptócitos estão presentes, geralmente acima de 25% do total dos eritrócitos. Pelo menos três tipos de eliptócitos podem ser identificados, baseando-se se na morfologia eritrocitária e na manifestação clínica, como se segue: a. Eliptocitose típica (figura 6): 6): é a forma mais prevalente, com graus de hemólise que variam desde a ausência até moderada. b. Eliptocitose esferocítica: esferocítica: ocorre em 10 a 26% dos casos, e a análise dos eritrócitos mostra significativo número de eliptócitos menos alongados juntamente junta com microesferócitos. c. Eliptocitose estomatocítica (figura 9): 9): é caracterizada pela presença de ovalócitos, alguns com fendas longitudinais (estomatócitos). Esta forma de eliptocitose estomatocítica é prevalente no sudeste asiático, provavelmente por oferecer proteção contra a invasão de parasitas da malária. 7 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP Figura 9. Sangue periférico de paciente com eliptocitose eliptocitose estomatocítica. Os eritrócitos são do tipo ovalócitos, alguns com fenda na sua porção média (estomatócitos). Os testes para confirmação são a fragilidade osmótica (ver capítulo "Técnicas "Técnicas laboratoriais") laboratoriais que se mostra alterado na eliptocitose esferocítica, e normal nas eliptocitoses típica e estomatocítica. A bilirrubina indireta e o urobilinogênio fecal mostrammostram se elevados, e a haptoglobina sérica está diminuída nos episódios de hemólises. h Piropoiquilocitose Hereditária ereditária A piropoiquilocitose hereditária é uma anemia hemolítica extremamente rara, caracterizada por acentuada anisocitose, micropoiquilócitos e esquisócitos. esquisócitos. Sua presença é autossômica recessiva, e ocorre com maior freqüência nos negros. A principal causa é um defeito de membrana da proteína espectrina, com formação de heterodímeros entre as espectrina a e b (figura 2), ), provocando evidente alterações da membrana, fato que resulta em anemia hemolítica importante. Essas alterações conduzem a instabilidade térmica da membrana, deformando-a deformando a mais quando o sangue é incubado entre 40ºC e 45ºC por alguns minutos. A piropoiquilocitose ocitose se manifesta com hemólise grave desde a infância, tornando-se tornando necessário a transfusão de concentrado de eritrócitos. Clinicamente observa-se observa se icterícia, esplenomegalia e colelitíase. Laboratorialmente, há acentuada microcitose pela presença de micro-esquisócitos micro esquisócitos (ver figura 32a do capítulo "Principais Alterações Morfológicas dos Eritrócitos") com VCM abaixo de 25 fL. A concentração de hemoglobina está diminuída em relação ao grau de hemólise e os reticulócitos apresentam-se se aumentados. 8 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP Estomacitose Hereditá ária A estomatocitose hereditária, também conhecida por hidrocitose, e xerocitose hereditária é um grupo heterogêneo de doenças de membrana do eritrócito. Caracterizam-se Caracterizam por causarem discreto a moderado graus de anemia hemolítica, alteração na permeabilidade da membrana a cátions, e sua herança é do tipo autossômica dominante. O conteúdo de água doo eritrócito é dependente da concentração de cátions sódio e potássio. Os eritrócitos na estomatocitose hereditária são afetados por aumento da permeabilidade e do fluxo de sódio e potássio, resultando no aumento do conteúdo de água e inchaço do eritrócito (figura 10). ). Diante desse processo ocorre aumento do sódio e diminuição do potássio no eritrócito, pois o defeito na permeabilidade do sódio é maior que a do potássio. No sangue periférico, os eritrócitos inchados se apresentam com uma fenda na região central, central, semelhante a uma "boca", que em grego significa "stomatos", daí o nome estomatocitose (figura ( 11). 9 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP Figura 10. Microscopia eletrônica de varredura de estomatócito, na estomatocitose hereditária. Figura 11. Sangue periférico de pessoa com estomatocitose hereditária, onde cerca de 75% dos eritrócitos são do tipo estomatócitos. Clinicamente a estomatocitose hereditária é similar às outras anemias hemolíticas crônicas, cuja intensidade é discreta e variável entre os seus portadores. portad Laboratorialmente, a anemia cursa com valores de hemoglobina entre 8 e 10 g/dl, com reticulocitose moderada (10 a 20%), e discreta macrocitose com VCM elevado. Na análise do sangue periférico, os estomatócitos prevalecem entre 10 e 50%. A fragilidade osmótica está aumentada quando morfologicamente a estomatocitose é predominante, e se deve à relação entre volume celular e superfície. Nos casos em que além dos estomatócitos coexistem células em alvo – fato que caracteriza a xerocitose – a fragilidade osmótica smótica está normal ou diminuída. 10 Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto - SP A figura 12 mostra por microscopia eletrônica a estomatocitose por xerocitose, com o aparecimento no sangue periférico de células em alvo. Figura 12. Microscopia eletrônica da estomatocitose do tipo xerocitose. Nesse caso os estomatócitos têm a função celular alterada na regulação da água celular; há perda perda de água (desidrocitose), com acentuado efluxo de sódio. 11