Notas sobre Noções Topológicas de Circuitos

Propaganda
Notas sobre Noções Topológicas de Circuitos
para apoio a Análise de Circuitos
de
João Costa Freire
(Setembro 2007)
1. Definições
Topologia
Estudando a forma como os elementos de um circuito se interligam é possível definir
algumas propriedades que simplificam a sua análise, nomeadamente a escrita e selecção das
equações de Kirchoff a utilizar. A esta forma chamamos a topologia ou geometria do
circuito. As propriedades referidas são independentes do tipo de elementos usados.
Grafo: ramo e nó
O desenho que é composto apenas por linhas, em substituição dos símbolos dos elementos, a
que é usual chamar-se ramos (branches) do circuito, e respectivos pontos de interligação, a
que é usual chamar-se nós (nodes), é o grafo (graph) do circuito. Esta representação
simplificada de um circuito eléctrico permite identificar facilmente a sua topologia, o que
clarifica os estudos sistemáticas de circuitos.
Um grafo ligado (connected graph) é aquele em que existe pelo menos um caminho entre
quais quer dois dos seus nós. Se tal não se verificar tem-se um grafo desligado
(disconnected graph).
Circuito/Grafo planar
Neste texto abordaremos apenas circuitos em que todos os ramos podem ser representados
num plano (circuito planar ou sem cruzamento de ramos). Na figura 1 apresenta-se um
circuito planar (a) e o seu respectivo grafo (b), bem como um circuito não planar com um
cruzamento (c). A resistência R, colocada entre os nós n1 e n6, não está no mesmo plano que
os demais elementos do circuito. Se estivesse, estaria colocada entre os nós n1 e n2, que por
sua vez estaria coincidente com o nó n6, isto é, o circuito só teria 5 nós.
O circuito da figura 1a tem 6 elementos (1 gerador de tensão e 5 resistências) e 4 nós. O
respectivo grafo, figura 1b, tem 6 ramos (b1 a b6) e 4 nós (n1 a n4). Para representar o
número de ramos usar-se-á a letra B e o número de nós a letra N.
b1
R5
+
-
n1
b2
b3
n2
b5
VG
n1
R2
R1
R3
R4
b4
(a)
R
n3
n3
n2
b6
n4
n5
n4
(b)
(c)
Fig. 1 – (a) Circuito eléctrico planar e (b) seu grafo; (c) Circuito eléctrico não planar.
+-
n6
A correspondência entre elemento do circuito da figura 1a e ramo do grafo da figura 1b é a
seguinte: VG ↔ b4; R1 ↔ b2; R2 ↔ b3; R3 ↔ b5; R4 ↔ b6; e R5 ↔ b1.
Malha
Um conjunto de ramos dum grafo que formam um caminho fechado (closed path) é
designado por malha (loop). No grafo do circuito da figura 1a, podem-se definir várias
malhas: a composta pelos ramos b1, b4 e b6; pelos b1, b2 e b3; pelos b3,, b5 e b6; pelos b2,
b3, b6 e b4; b1, b2, b5 e b6; etc.
Árvore e galho
Uma árvore (tree) de um dado grafo é um conjunto de ramos desse grafo que interligam
todos os nós sem criar malhas. No grafo de um circuito, que é único, podem-se definir várias
árvores. Na figura 2a e 2b, apresentam-se duas possíveis árvores do grafo da figura 1b. Na
figura 2a eliminou-se os ramos b3, b4 e b6, e na figura 2b, os b1, b5 e b6.
b1
n1
b2
n3
n2
n1
b2
n2
b3
n3
b5
b4
n4
(a)
n4
(b)
Fig. 2 – Duas Árvores do grafo da figura 1b.
Os galhos (twing) são os ramos de uma árvore. Assim, relativamente à figura 2a, temos os
galhos b1, b2 e b5, e relativamente à figura 2b temos os galhos b2, b3 e b4. Quando se cria
uma árvore o primeiro galho interliga dois nós mas todos os restantes galhos estão
associados apenas a um novo nó. Assim, o número de galhos T é igual ao número de nós
menos um:
T=N–1
(1)
Co-árvore e ligações ou cordas
Os ramos que não pertencem a uma dada árvore são as ligações (links) ou cordas (cordes),
denominando-se o seu conjunto por co-árvore (cotree). O número de ligações de uma coárvore L de um dado grafo com B ramos e N nós é dado por:
L=B-T=B–N+1
As co-árvores relativas às árvores da figura 2 estão representadas na figura 3.
(2)
b1
b3
n1
n3
n2
b6
b4
n4
(a)
n1
n3
n2
b5
b6
n4
(b)
Fig. 3 – Duas Co-árvores do grafo da figura 1b, relativas às árvores da figura 2.
As ligações da co-árvore da árvore da figura 2a são os ramos b3, b4 e b6. Quanto às ligações
da co-árvore da árvore da figura 2b são os ramos b1, b5 e b6.
Malha elementar
Uma malha que não tenha elementos no seu interior é uma malha elementar (mesh).
Relativamente ao circuito da figura 1a podemos definir 3 malhas elementares: b1, b2 e b3;
b2, b4 e b5; e b3, b5 e b6. Note-se que ao acrescentar uma ligação a uma árvore vão-se
criando malhas elementares. Assim, o número de malhas elementares ou independentes é
igual ao número de ligações L, dado por (2).
Malha fundamental
Uma malha que só contenha um galho é denominada malha fundamental (fundamental loop).
Conjunto de corte
Um conjunto mínimo de ramos dum grafo que quando retirados criam dois sub-grafos
desligados é chamado conjunto de corte, ou simplesmente corte (cut set). Estes conjunto de
ramos é assim chamado pois pode-se definir uma linha que os corta a todos (linha de corte).
A cada corte está associada uma equação de Kirchhoff das correntes que é dada pela soma
das correntes dos referidos ramos que atravessa a linha de corte num mesmo sentido. Esta
equação é igual à soma das leis de Kirchhoff associadas ao conjunto de nós que fica de um
dos lados da linha de corte. Esta equação é a equação do corte. A este conjunto de nós
também se pode chamar super nó.
Um conjunto de corte diz-se fundamental ou elementar, relativamente a uma dada árvore,
quando tem um único galho desta árvore, além de ligações.
b1
n1
b2
b3
n2
n3
Ca
Cb
b5
b4
n4
b6
Cc
Fig. 4 – Conjuntos de corte Ca (ramos b1, b2 e b4), Cb (ramos b1, b3 e b6) e Cc (ramos b4, b5 e b6), para o
grafo da figura 1b. Relativamente à árvore a cheio (figura 2a) e co-árvore a tracejado (figura 3a) os cortes Cc e
Cb são elementares.
2. Teoria de grafos aplicada à análise de circuitos eléctricos
2.1 Método Nodal
No método nodal as variáveis são as tensões em N-1 nós, definidas em relação ao enésimo
nó, que é seleccionado para referência. Os ramos com geradores de tensão (dependentes ou
independentes) têm a corrente indeterminada. Se um circuito que se pretende analisar tiver V
geradores de tensão (dependentes ou independentes), só podem ser utilizadas N-1-V
equações de Kirchhoff das correntes, sendo o sistema de equações concluído com as V
equações de definição dos V geradores. Da análise das definições e relações acima descritas
podemos seguir a seguinte sequência de passos para obter N-1-V equações de Kirchhoff das
correntes independentes.
1. Escolher de entre os N nós do circuito um para referência e definir a tensão em todos
os outros N-1 nós como Vk com k=1, . . . , N-1.
2. Criar uma árvore onde se incluem todos os geradores de tensão. Realça-se que é
sempre possível construir esta árvore desde que não haja uma malha só com
geradores de tensão. Em circuitos reais é impossível, pois todos os geradores de
tensão reais têm pelo menos uma resistência em série. Esta árvore tem T = N - 1
galhos (1), dos quais V≤T correspondem a ramos de geradores de tensão.
3. Criar os N-1 cortes elementares associados à árvore obtida em 2. Destes cortes há V
com um único gerador de tensão e V-N+1 sem geradores de tensão.
4. Escrever as V-N+1 equações dos cortes sem geradores de tensão (equações de
Kirchhoff das correntes que atravessam a linha de corte).
5. Escrever as V equações de definição dos V geradores de tensão.
6. Resolver o sistema de equações composto pelas equações escritas nos passos 4 e 5.
2.2 Método das malhas
No método das malhas as variáveis são, em geral, as correntes nas L malhas elementares.
Nos ramos com geradores de corrente a tensão é indeterminada (dependentes ou
independentes). Se um circuito que se pretende analisar tiver I geradores de corrente
(dependentes ou independentes), só podem ser utilizadas L-I equações de Kirchhoff das
tensões, sendo o sistema de equações concluído com as I equações de definição dos I
geradores. De forma idêntica à utilizada para o método nodal ir-se-á apresentar de seguida os
passos para obter um conjunto de L-I equações de Kirchhoff das tensões independentes.
1. Criar uma árvore sem geradores de corrente (dependentes ou independentes). Realçase que é sempre possível construir esta árvore desde que não haja um nó a que só
estão ligados geradores de corrente (estrela de geradores de corrente). Em circuitos
reais é impossível, pois todos os geradores de corrente reais têm pelo menos uma
resistência em paralelo. Esta árvore tem T = N - 1 galhos (1).
2. Completa-se a árvore obtida em 1. com os respectivos L galhos, criando-se L malhas
fundamentais. Atenção que nem todas são elementares. Atribui-se a cada uma delas
uma corrente Jk com k=1, . . . , N-1. O número de Leis de Kirchhoff das tensões
(KVL) independentes que se podem escrever para um dado circuito é igual ao número
de malhas elementares, que como já se viu, é igual ao número de ligações L, e de
malhas fundamentais, dado por (2). Destas L malhas há I que contêm pelo menos
uma fonte de corrente.
3. Escrever as L-I equações de Kirchhoff das tensões para as malhas fundamentais sem
geradores de corrente.
4. Escrever as I equações de definição dos I geradores de corrente.
5. Resolver o sistema de equações composto pelas equações escritas nos passos 3 e 4.
3. Exemplos de aplicação
Apresenta-se de seguida alguns exemplos típicos de análise de circuitos pelo método nodal e
pelo método das malhas, usando a teoria dos grafos para definir as equações de Kirchhoff a
usar no sistema de equações definido.
3.1. Método nodal
Considere o circuito da figura 5, com um gerador de tensão independente e um de corrente
comandado ou dependente.
R5
1 + Vx - 2
+
-
3
R1
VG
VxG2
R4
R
3
0
Fig. 5 – Circuito com dois geradores, um de tensão independente e um de corrente dependente de tensão
Utilize-se o método nodal para analisar o circuito, recorrendo à teoria dos grafos para definir
um conjunto de equações independentes.
Sigam-se os passos enunciados em 2.1.
1. As incógnitas do sistema de equações vão ser as tensões V1=V1 – V0, V2=V2 – V0, e
V3 = V3 – V0, tendo-se escolhido o nó 0 para referência.
2. A árvore a tracejado da figura 6 inclui todos os geradores de tensão. Esta árvore tem
T = N – 1 = 3 galhos (b3, b4 e b6), dos quais V=1 corresponde ao ramo do único
gerador de tensão (b4).
b1
1
b2
2
Ca
b5
b4
3
b3
Cb
b6
Cc
0
Fig. 6 – Grafo do circuito da figura 5 com uma árvore (-----) com todos os geradores de tensão (b4) e
cortes elementares (-.-.-)
3. Criaram-se na figura 6 os N-1=3 cortes elementares associados à árvore obtida em 2.
Destes cortes há V=1 com o único gerador de tensão (Ca) e N-1-V=2 sem geradores
de tensão (Cb e Cc).
4. Escreve-se de seguida as V-N+1=2 equações dos cortes sem geradores de tensão
(equações de Kirchhoff das correntes que atravessam a linha de corte – convencionase correntes a fluir da esquerda para a direita da linha de corte quando esta é aberta
ou para o seu interior quando é fechada).
Cb ⇒ (V1 – V3) G5 + (V1 – V2) G1 + (-V2) G3 + (-V3) G4 = 0
Cc ⇒ (V1 – V2) G1 + (-V2) G3 + (-Vx) G2 = 0 com Vx = V1 – V2
Note-se que a equação do corte Cb é a equação do nó 2 e a do corte Cc a do super nó
2+3 (associação das correntes que flúem para o conjunto dos nós 2 e 3), que poderia ser
substituída pela do nó 3.
5. Escreve-se de seguida a V=1 equação de definição do único gerador de tensão do
circuito em função das incógnitas definidas em 1:
VG = V1
6. Resolve-se o sistema de equações composto pelas equações escritas nos passos 4 e 5
que, considerando 1/Rp=Gp, se escreve na forma matricial:
⎡ G 5 + G1
⎢G − G
2
⎢ 1
⎢⎣ 1
− G1 − G 3
− G1 − G 3 + G 2
0
− G 4 ⎤ ⎡ V1 ⎤ ⎡ 0 ⎤
0 ⎥⎥ × ⎢⎢V2 ⎥⎥ = ⎢⎢ 0 ⎥⎥
0 ⎥⎦ ⎢⎣ V3 ⎥⎦ ⎢⎣VG ⎥⎦
3.2. Método das malhas
Utilize-se agora o método das malhas para analisar o mesmo circuito (figura 5), recorrendo
do mesmo modo à teoria dos grafos para definir um conjunto de equações independentes.
Sigam-se os passos enunciados em 2.2.
1. Criou-se uma árvore sem o único gerador de corrente existente no circuito (ramo b3,
I=1). Ela está representada na figura 7 a cheio (co-árvore da figura 6). Esta árvore
tem T = N – 1 = 3 galhos.
b1
Ja
b3
b2
Jb
Jc b5
b4
b6
0
Fig. 7 – Grafo do circuito da figura 5 com uma árvore (---) sem geradores de corrente (b3) e respectivas
malhas fundamentais (-.-.-)
2. Completa-se a árvore obtida em 1., com as L=3 ligações da respectiva co-árvore
galhos, criando-se 3 malhas fundamentais. Atribui-se a cada uma delas uma corrente
Jk com k=1, 2 e 3. Das três Leis de Kirchhoff das tensões (KVL) independentes,
associadas a estas 3 malhas, há uma que contêm pelo menos uma fonte de corrente,
que é a malha onde circula a corrente Ja, pelo que não pode ser usada. As outras duas
malhas não contêm geradores de corrente. Destas só a malha onde circula a corrente
Jc é que é uma malha elementar. A malha onde circula a corrente Jb não é uma malha
elementar, sendo usual apelidá-la de super malha, por analogia com o que passava
na associação de nós, já que a equação de Kirchhoff das tensões referente a esta
malha é obtida por associação das equações referentes a duas malhas elementares
(malha b3, b5 e b6 com malha b1, b2 e b3).
3. Escreve-se de seguida as L – I = 2 equações de Kirchhoff das tensões para as malhas
fundamentais sem geradores de corrente.
Jb ⇒ R1 (Ja + Jb – Jc) + R5 (Ja + Jb) + R4 Jb + R3 (Jb – Jc) = 0
Jc ⇒ – VG + R1 (– Ja – Jb + Jc) + R3 (Jc – Jb) = 0
4. Escreve-se de seguida a equação de definição do único gerador de corrente (I = 1).
Vx G2 = - Ja com Vx = R1 (– Ja – Jb + Jc)
5. Resolve-se o sistema de equações composto pelas equações escritas nos passos 3 e 4,
que é escrito na forma matricial
⎡ R1 + R 5
⎢ −R
1
⎢
⎢⎣1 − R 1 G 2
R1 + R 5 + R 4 + R 3
− R1 − R 3
− R 1G 2
− R 1 − R 3 ⎤ ⎡J a ⎤ ⎡ 0 ⎤
R 1 + R 3 ⎥⎥ × ⎢⎢J b ⎥⎥ = ⎢⎢VG ⎥⎥
R 1G 2 ⎥⎦ ⎢⎣ J c ⎥⎦ ⎢⎣ 0 ⎥⎦
Download