Aspectos Político-Sociais na Música de Cabo

“Aspectos Político-Sociais na Música
de Cabo Verde do Século xx”
de Alveno Figueiredo e Silva
lveno Figueiredo e Silva
surge com uma obra* profundamente repensada com
o objectivo de re-situar a música
caboverdiana nas lutas sociais e
políticas do século XX, tanto em
Cabo Verde como no Mundo. O
facto de bem demonstrar o engajamento universal da música caboverdiana no contexto sócio-político do
século XX vem também derrubar
todas as falsas imagens, especialmente sobre a morna (música de
derrota? interroga Manuel Ferreira),
de alguns ensaístas que somente
viram a música cabo-verdiana nos
limites das cidades da Praia e
Mindelo sem ousar fazer uma viagem às origens do folclore caboverdiano. Alveno Figueiredo vai a
par e passo demonstrando que a
música caboverdiana sempre acompanhou o seu tempo e nunca se
separou dos problemas de Cabo
Verde, em especial da libertação do
homem cabo-verdiano. A morna,
como dizia o poeta Jorge Barbosa é
“o grito da nossa revolta melancólica”
A
Eugénio Tavares e as diferentes
nuances da morna
Eugénio Tavares (1867-1930), foi
aquele que levou mais alto a poesia
em crioulo e a morna foi o principal
veículo desta poesia. Eugénio
Tavares, ultra-romântico, faz do
amor e seus limites impostos pelo
mar e a emigração, um acto revolucionário. Mas já o facto de um autor
como Eugénio Tavares (1867-1930)
ter tomado a dolorosa decisão de
renunciar a fazer composições em
língua portuguesa, revela uma
tomada de consciência em defesa
do crioulo e lança uma verdadeira
revolução cultural em Cabo Verde.
Segundo Eugénio Tavares, “A
morna é originária da ilha da Boa
Vista. Passou depois às outras ilhas,
adaptando-se e tomando a feição
psíquica de cada povo, como que
num gráfico de ascenção ou descenção em sua expressão artística.
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Na Boa Vista, não se elevou na
linha sentimental; antes, planou
baixo, rebuscando os ridículos de
cada drama de amor; cantando o
perfil caricatural de cada episódio
grotesco; ironizando fracassos amorosos sublinhando a comédia gentílica das moias (naufrágios de
navios, tão frequentes nas costas da
ilha), tudo no estilo leve e arrebicado que afeiçoa a vida despreocupada do povo boavistense, o mais
alegre e o mais amorável de entre
as gentes do arquipélago; música
elegante, psicatada de sorrisos finos
e de harmonias ligeiras.”
Da Boa Vista a morna chegou à
Brava. A melodia da morna Brada
Maria é originária da Boa Vista na
qual Eugénio Tavares ajustou um
texto em português. Foi na ilha da
Brava, segundo o ensaísta e contista
António Aurélio Gonçalves, que o
ultra-romantismo português teria
encontrado o seu último refúgio. A
poesia ultra-romântica encontra um
lugar privilegiado nas mornas de
Eugénio Tavares, no crioulo da ilha
da Brava, para o qual traduziu
Camões e João de Deus. Para além
do texto em português da morna
Brada Maria, fruto de duas ilhas,
Eugénio Tavares teria escrito mais
duas mornas em português: a Mar
Eterno e Cai no Mar.
Como explicar então esta ruptura poética da língua portuguesa
para a língua cabo-verdiana (o
crioulo)? Esta decisão corajosa do
Eugénio Tavares em poetizar em
crioulo enquanto que continua
como jornalista a escrever as suas
cartas e crónicas em língua portuguesa se explica: respondendo a
uma campanha racista sobre os
crioulos e as línguas africanas nos
estabelecimentos públicos, tanto
Eugénio Ta v a res como Pedro
Cardoso não só assumem a defesa
do crioulo como também responsabilizam o governo colonial pela sua
existência. Em Janeiro de 1924, no
nº2 do jornal “O Manduco” escreve
Eugénio Tavares: “Os dialectos
coloniais, derivados da língua
pátria, documentam a história da
Luiz Silva
nossa colonização, e provam que os
antigos portugueses deram às colónias longínquas não só o seu sangue, o que regou as terras e o que
corre nas nossas veias - não só sua
cultura e o seu modo de ser social
e moral, como sua própria língua.
Sangue, quem o vê sob a pele trigueira, não o dirá da étnica lusitana... Língua, quem a ouve, não a
julgará entroncada nos Lusíadas.
Entretanto, acredita-se que não “é a
língua de pretos” dos despreciativos
dizeres de gentes não menos desapercebidas de escrúpulos, que desfavorecidos de inteligência. Dizeres
que lembram venábulos de duas
pontas os quais, no recuo para os
desferir, costumam ferir primeiro o
que os desfecha...
O crioulo é um derivado da
nossa língua, tão irregular e caprichoso, quanto expressivo e rico.
O carácter do povo cabo-verdiano está, mais ou menos pitorescamente, expresso na fonalidade
dos seus dialectos, que variam de
ilha para ilha, como de ilha para
ilha varia o perfil físico. “Trinta anos
depois o poeta, romancista e filólogo cabo-verdiano Baltasar Lopes
dizia:” a linguagem crioula, essa,
está tão radicada no solo das ilhas,
como o próprio indivíduo”.
O que importa realçar no texto
de Eugénio Tavares sobre a morna
e pouco referenciado é a “fonalidade dos seus dialectos, que varia
de ilha a ilha”. Ora o crioulo da
Brava é aquele que possui uma
fonalidade mais melódica, cheia de
expressões amoráveis, característica
dos bravenses. A morna encontrou
no crioulo da Brava uma fonalidade
sentimental para abordar os problemas resultantes da emigração, das
misérias humanas, o que determina
diferenças nas mornas da Brava
com as das outras ilhas, que possuem um crioulo humorístico como
o da Boa Vista ou de São Vicente,
ou reveindicativo como no de
Santiago. Pedro Monteiro no seu
livro Folclore Cabo-verdiano, editado em 1983 pela associação
“Solidariedade Caboverdiana” de
LATITUDES
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França escreve sobre a questão: “o
falar da Brava assemelha-se, pela
sua tonalidade dulçorosa e cantante, ao da Madeira, donde em verdade, procede o contingente mais
importante dos primitivos povoadores daquela ilha, e oferece a curiosa
inversão fonética do ê (fechado) e é
(aberto), a ponto tal que se converte
em vício inextirpável mesmo naqueles que se exprimem em português
sintaxicamente correcto.”
A Brava, embora em decadência
económica, devido à interdição da
emigração livre para a América, o
estilo das suas mornas se perpetua
graças aos seus novos criadores e
intérpretes
como
Juca
Pinheiro, Armando de Pina,
Sãozinha, Maria de Barros,
Jack de Pina, etc. A morte de
Eugénio Tavares, em 1930,
foi um golpe violento para a
música e a cultura bravense
e de Cabo Verde. Como
dizia um bravense, era a
própria ilha que morria.
Pedro Monteiro Cardoso,
referindo-se ao desaparecimento de Eugénio Tavares,
escreve em Folclore Caboverd i a n o: “Um ilustre e
autorizado amigo de Cabo
Verde disse-me um dia com
amargura: Sois muito ingratos para com a memória do
pujantísssimo panfletário e
poeta Eugénio Tavares. Que
haveis feito para o tornar
conhecido e lembrado da geração
vindoura? Inconcusso direito tem
ele a que não deixeis cair o seu
nome-lema “no negro vaso vil do
esquecimento”. Esta tão justa recriminação remordeu-nos a consciência, pois, que fizemos nós, amigos,
discípulos e admiradores do
homem, do poeta e do jornalista?
Apenas um significante artigo,
publicado por ocasião do seu falecimento no já esquecido quinzenário
“A Mocidade Africana”. Foi para
que homens como Eugénio Tavares
e Pedro Cardoso não caíssem eternamente no total esquecimento que
a associação Solidariedade Caboverdiana em França reeditou, com a
autorização da família, o Folklore
Cabo-verdino de Pedro Monteiro,
com prefácios de Luís Silva e de
Alfredo Margarido. Em relação a
este prefácio de Alfredo Margarido,
escreve, no n° 24 da revista
Latitudes de Paris, a professora da
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Universidade de Galiza Maria Felisa
Rodriguez Prado: “Muito importaria
disponibilizar para uma divulgação
alargada trabalhos do autor como,
por exemplo, a completíssima A
perspectiva histórico-cultural de
Pedro Monteiro Cardoso incluída
na reedição do Folclore Cabo-verdiano de Pedro Monteiro Card o s o ,
feita em 1983 em Paris pela organização Solidariedade Caboverdiana.
Ainda mais vital, porém, revela-se o
conhecimento de estudos de dimensão dos aqui citados. Todos eles, ao
lado dos já há muito tempo reconhecidos, definem o carácter incontornável da obra do grande estu-
Luís Morais - photo Lusafrica
dioso e professor Alfredo Margarido
a quem tanto devemos”. Graças a
esta edição do Folclore... surgiu em
Cabo Verde um movimento editorial
importante que levou Felix
Monteiro a reunir em três volumes
toda a obra poética e política de
Eugénio Ta v a res e também os
Subsídios para a História de Cabo
Verde e Guiné.
A música da ilha da Boa Vista
berço da morna
A ilha da Boa Vista, que conheceu os tempos áureos da pesca, dos
naufrágios das grandes galeras da
Índia, da pastorícia e das suas salinas nos tempos do grande comerciante Manuel António Martins, “O
Senhor das Ilhas” - lindamente
rememorada pela sua bisneta, a
escritora luso-caboverdiana Isabel
Barreno - continua, embora seja
pouca a sua população, a reivindicar o seu lugar cimeiro na música
c a b o v e rdiana. Tem uma morna
mais acelerada que a morna da
Brava, marcada pela crítica social.
Uma das mornas mais antigas da
Boa Vista, de nome Serafim Jom,
revela as contradições sociais e religiosas da sociedade boavistense no
século XIX, marcada pela presença
de músicos judaicos, vindos do
Norte da África, cuja influência aparece em muitas mornas. Essa morna
Serafim Jom muito próxima da coladera brejeira dos anos sessenta ironiza sobre o facto de que Serafim
Jom, um pobre cidadão, não pode
ter direitos a uma amante
por não possuir meios económicos. Ora, como se
sabe, na sociedade esclavagista o mestre é que tem
direitos à fazer das escravas
suas amantes, o que bem
explora Isabel Barreno no
seu romance “O Senhor das
Ilhas”. Ora o Serafim Jom
era um pobre cidadão e não
podia imitar nem os negreiros e nem os comerciantes
e assim seria vítima do
humor do compositor. Essa
morna da Boavista, mais
acelerada que a da Brava,
está também na formação
da música “ coladera” que,
segundo o professor Jorge
Monteiro, citando um dos
pioneiros da coladera mindelense, Nhô Anton Tchitche, não
passava de morna acelerada. A
Boavista continua prestigiando a
música caboverdiana e especialmente graças aos seus tocadores de
violão, que tiveram em Luis Rendall
quem iniciou o grande compositor
B. Leza na arte musical. Tazinho,
Voginha, filho de Tazinho, Biuche,
Celina Pereira, Abel Lima, são
nomes suficientemente conhecidos.
A Brava e a Boavista também
marcaram a história da emigração
para a América com os seus valentes marinheiros e capitães, que sulcaram o Atlântico na pesca da
baleia, indo depois directamente
fixar-se na zona leste da América,
onde constituíram verdadeiras comunidades desde os fins do século
XIX, promovendo e divulgando a
cultura caboverdiana na América. A
influência do jazz e a introdução de
novos instrumentos em Cabo Verde
como a clarinete, a trompete e o
103
piano vieram da emigração na
América e foram importantes na
evolução da música caboverdiana.
Várias bandas foram constituídas na
América desde os princípios do
século passado e muitas composições musicais nasceram também na
América. O intercâmbio musical
entre Cabo Verde e América foi também muito importante tanto mais
que Eugénio Tavares esteve por
duas vezes na América, que o próprio B. Leza, no regresso da
América, escreveu Reposta do
segredo com o mar, que ficou célébre. Não se pode também negar a
influência do Brasil na música e na
literatura caboverdianas. Eugénio
Tavares foi um grande admirador
do Catulo da Paula Cearense, autor
da música “Súplica Cearense”, gravada pelo Djosinha acompanhado
pelo conjunto Voz de Cabo Verde,
onde o Luís Morais fez maravilhas
com o disco mais escutado de Cabo
Verde intitulado “Boas Festas”.
B. Leza projecta São Vicente
para o topo
Com a morte de Eugénio
Tavares São Vicente torna-se a capital cultural de Cabo Verde, graças
ao grande compositor B. Leza e a
fundação da revista Claridade em
1936. O desenvolvimento do Porto
Grande de São Vicente fez surgir
em Mindelo uma nova geração de
compositores que procuram marcar
a sua época através das suas composições. Não se pode deixar de
aqui citar a importância do professor José Reis na formação de uma
geração de grandes músicos como
Eddy Moreno et Black Daisy, Dakar , 1959.
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Jorge Monteiro (Jotamonte), Luís
Morais, Morgadinho, Pitrinha, Jack
Estrilinha, entre outros, que vão
divulgar pelo mundo a música de
Cabo Verde.
Alveno Figueiredo cita duas
composições de António Tchitche,
pai da pianista Tututa, revelando
um crítico da sociedade e também
um anticolonialista ao denunciar a
guerra que os italianos faziam na
Etiópia. Mais tarde, Jorge Monteiro,
um dos primeiros alunos do professor José Reis, denuncia o sofrimento
do povo perante as fomes que assolam Cabo Verde. O número dois da
Claridade traz uma morna de B.
Leza e quase todos os membros da
Claridade se investem na criação
musical: Jorge Barbosa compõe
mornas como Santo Antão; Manuel
Lopes ou Baltasar Lopes são excelentes músicos; Gabriel Mariano
escreve também mornas lindíssimas
sobre a realidade nacional, entre as
quais o texto da morna Sina de
Cabo Verde, associado a Jacinto
Estrela. E tudo o que se compõe nas
ilhas chega ao Porto Grande, o pulmão por onde respira Cabo Verde.
Músicas como “Sodade”, a denunciar o caminho da emigração para
São Tomé, as fomes, as secas,
encontram na morna o seu maior
porta-voz.
A crise económica de 1929 traz
consequências enormes a economia
de Cabo Verde. O Porto Grande
entra numa grande crise que a
potência colonial não interessa
resolver e vai ser ultrapassada pelos
portos das Ilhas Canárias e Dakar. E
um ciclo de mornas de autores
populares, como Eddy Moreno, que
emigra para Portugal, Lela de
Maninha que vai para Angola, de
Antone Tchitche, Jotamonte e B.
Leza, denunciam essa situação trágica que conduz a fome com o seu
séquito de mortes e a emigração
para São Tomé e Príncipe. Da ilha
de São Nicolau chega a mornatoada Sodade, que, cada vez que
repete a palavra Sodade, se acelera
o sentido da revolta melancólica,
mas revolta!
A segunda guerra mundial não
passa despercebida em Cabo
Ve rde graças ao Porto Grande.
Antone Tchitche denuncia a ocupação da Etiópia enquanto B. Leza
dedica uma morna à Inglaterra que
foi interpretada pela BBC em
Londres.
Nos anos cinquenta surge em
Mindelo a música coladera, ritmo
salpicante, cheio de humor, que,
também à moda da Boavista,
começa com uma crítica bre j e i r a ,
onde se assinala Gregório Gonçalves
(Goy) e Frank Cavaquinho. Este, ao
emigrar para a Holanda, surge
como um dos fundadores do
conjunto A Voz de Cabo Verde. A
emigração para Holanda, o contacto
com novas civilizações e novas culturas, e perante a luta de libertação
de Cabo Verde, o texto da coladera
se transforma pelo seu humor numa
crítica à colonização e a sociedade
colonial pequena burguesa que
criou. Manuel d’Novas, Morgadinho,
Valdemar Lopes da Silva, Manuel
Faustino, Renato Cardoso, se transformam em músicos de intervenção.
Os intelectuais e políticos compreendem então que a mensagem
anticolonialista passa mais facilmente através da música e na continuidade de Abílio Duarte, poetacombatente da liberdade no maquis
da Guiné-Bissau vão escrever textos
para os músicos. O PAIGC edita um
disco de músicas de Cabo Verde
sob o título de Unidade e Luta na
voz de Baltasar Januário de Barros
(Nhô Balta) a denunciar a ausência
de liberdades, o desemprego, as
frustrações quotidianas, etc.
O papel da emigração na evolução das formas musicais
Com o advento da emigração
para a Europa nos anos sessenta a
música caboverdiana vai conhecer
o seu ponto mais alto. Os caboverdianos na Holanda aprendem a
viver na democracia e se libertam
das sequelas do fascismo e da colonização. A Casa Silva, mais tarde
editora Morabeza, grava os primeiros long-play com o Bana, um dos
maiores cantores da história de
Cabo Verde. Depois surge o
conjunto Voz de Cabo Verde, que
nunca pode ser dissociado da editora Morabeza, de Djunga de
Biluca, ou vice-versa pois foi este
conjunto que veio revolucionar o
panorama musical caboverdiano. A
editora Morabeza grava ainda
alguns discos com o Humbertona e
Valdemar Lopes da Silva, que vão
ficar célebres, e ainda o cantor
angolano Bonga, hoje reconhecido
em todas as plateias da África e do
LATITUDES
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mundo, dando assim a sua participação na luta de libertação de
Angola. O Conjunto Voz de Cabo
Verde não tem encontrado a compreensão necessária do governo de
Cabo Verde que, por razões que
não compreendemos, ainda não o
condecorou, quando o fez em relação ao seu editor Djunga. Por um
destino comum a Voz de Cabo
Verde e Djunga não podem ser dissociados sob pena de se instaurar
mais uma injustiça na valorização
dos emigrantes.
Pode-se mesmo, sem medo de
desmentido, dividir a música de
Cabo Verde em três fases: a primeira fase que vai até Eugénio
Tavares (1868-1930), a segunda fase
de B. Leza (1907-1958) até os princípios da emigração para a Holanda
e a terceira fase da Voz de Cabo
Verde até aos nossos dias. Os arranjos da Voz de Cabo Verde impuseram-se em todos os países da emigração, seja nos Estados Unidos,
Portugal, França, Angola, Senegal,
etc. O aparecimento dum movimento associativo cabo-verd i a n o
nos anos sessenta em todos os lugares da nossa emigração deu um
apoio extraordinário à divulgação
da música de Cabo Verde produzida
na Holanda. Hoje o nome de Cabo
Verde está disperso em todo o
mundo graças aos sucessos dos
seus artistas e compositores.
A emigração não pode viver dissociada dos seus músicos e compositores. A música é o elemento fundamental da identidade caboverdiana.
Desde os fins do século XIX aparecem músicos caboverdianos em
New Bedford, naturais das ilhas da
Brava e São Nicolau e que receberam os apports do jazz mas que
também enriqueceram a música
americana. São filhos de músicos
caboverdianos o jazz man Horácio
Silver, cujo pai era natural da ilha
do Maio, o grupo famoso The
Tavares, que actuou no filme La fièbre du Samedi Soir, Vicky Vieira,
July Gonçalves, etc. Com a independência de Cabo Verde, o caboverdiano obteve novas facilidades
para emigrar para a América e assim
s u rge uma nova renovação na
música de Cabo Verde na América
com os Mendes Brothers, o cantor
revolucionário Nho Balta, os trompetistas Lourenço Lopes “Foka” e
Manel de Tidjena ; cantores como
Djosinha, Sãozinha com um álbum
n° 25 - décembre 2005
LATITUDES
sobre Eugénio Tavares, Calu Bana,
os guitarristas Zé Timas, Norberto
Tavares, Calu Bana, Calu Monteiro,
que introduzem novas formas musicais e exploram com sucesso o folclore caboverdiano, em especial o
“funana” e o “talaia baixo” da Ilha
do Fogo.
O orgulho das novas gerações
pela Voz de Cabo Verde incentiva
em todos os lugares da emigração a
formação de novos grupos musicais. Há já uma nova geração de
artistas em Paris, como Jovino dos
Santos, autor do disco Ex-Ilhas, associado a Luiz Silva, Te ó filo Chantre ,
Jorge Sousa, Dulce Mathias, Jorge
Humberto, excelente compositor,
Maira Andrade, Mariana Ramos. Em
Lisboa, graças ao Bana, dirigido por
Luís Morais e Paulino Vieira, dois
nomes que ficam na história musical de Cabo Verde, se preparou uma
nova geração de artistas como Lura,
Tito Paris, Nancy Vieira, Celina e
outros músicos de talento, não
esquecendo a grande cantora nacional Titina, sem ignorar os mais velhos como Fernando Queijas ou
ainda o Adolfo Silva (Eddy Moreno)
e sua irmã Djuta Silva, antiga esposa
do grande futebolista caboverdiano
Henrique Ben-David, o primeiro
caboverdiano a envergar a camisola
da selecção portuguesa de futebol.
Eddy Moreno é sem dúvida o primeiro a servir-se da coladera para
fazer crítica à sociedade e também o
primeiro caboverdiano a fazer
música rap com crítica da sociedade. Assim a coladera Grandeza e
o rap Reola são sempre promovidos
durante os vários acontecimentos
políticos nacionais.
Com a independência surgem
vários criadores musicais que, primeiramente, procuram denunciar o
colonialismo e fazer apologia das
guerras de libertação e seus líderes,
em especial Amílcar Cabral e
Agostinho Neto, que esteve deportado em Cabo Verde, a quem se
dedica várias mornas. O folclore
poético de Santiago, em especial, o
funana e o batuque serão também
promovidos, graças a uma nova
geração de músicos como Catchas,
os irmãos Zeca e Zézé de Nha
Rinalda, Orlando Pantera, mas também os grupos Tubarões, Bulimundo
e Finaçom. Em todas as ilhas as tradições musicais serão reinventadas
em novos estilos musicais a exemplo de Cordas do Sol em Santo
Cesariá Evora
Antão, e do “Talaia baixo” na ilha
do Fogo. Muitos textos musicais,
que viveram na clandestinidade,
encontram a luz do dia e o sucesso,
como o célébre Fome de 47 de
Codê di Don, relembrando as secas,
as fomes ou os levantamentos populares.
A editora Lusáfrica, em Paris, nascida nos anos oitenta, ao investir na
p romoção das cantoras Cesária
Évora e Lura, divulga Cabo Verde
por todo o mundo. Também tem na
sua agenda os malogrados Ildo Lobo
e Luís Morais, o actual conjunto Voz
de Cabo Verde, compositores e intérpretes como Morgadinho e Teófilo
C h a n t re, dando assim um novo
alento à música de Cabo Verde.
Este livro de Alveno Figueiredo
surge para pôr termo a algumas falsas ideias herdadas da colonização
s o b re a importância do engajamento da música de Cabo Verde na
reescrita da nossa própria história.
Sem passar pela música não nos
parece possível escrever a verdadeira história de Cabo Verde com as
suas alegrias e tristezas tamanhas l
Paris, 22/11/2005
Alveno Figueiredo e Silva, Aspectos
Político-Sociais na Música de Cabo
Verde do Século XX, Praia, Mindelo,
Centro Cultural Português, 2003, 149 p.
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