Boletim do CIM c e n t r o d e i n f o r m a ç ã o d o m e d i c a m e n t o Maio/Junho 2007 Director: J. A. Aranda da Silva O R D E M D O S FA R M A C Ê U T I C O S Doenças infecciosas emergentes Conceitos Importantes sobre Doenças Infecciosas Emergentes8 (adaptado de Wilson, 1995) • A ocorrência de doenças infecciosas (DI) emergentes é um processo dinâmico, que resulta de uma sequência de eventos (por exemplo, a introdução de um agente potencialmente patogénico numa nova área geográfica, através de viajantes ou migração; a sua adaptação ao novo ecossistema; a presença de um hospedeiro susceptível; a presença de um vector competente, etc.). • A maioria das novas infecções não é causada por agentes genuinamente desconhecidos. • Os agentes infecciosos associados a estas doenças podem ser vírus, bactérias, fungos, protozoários, helmintas ou priões. • O conceito de agente infeccioso como único responsável pela doença é inadequado e incompleto. • A situação mundial na actualidade, resultante da interacção de factores sociais, económicos, políticos, climáticos, tecnológicos e ambientais, favorece a ocorrência de DI emergentes. • A intervenção humana é o seu principal factor desencadeante. • O conhecimento profundo e o planeamento de uma estratégia de resposta às DI emergentes requer uma abordagem global, em termos conceptuais e geográficos. Tuberculose e infecção por VIH/SIDA A tuberculose representa um problema grave de Saúde Pública. Em 2005 foi responsável por 1,6 milhões de mortes a nível mundial, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Estima-se que um terço da população mundial actualmente esteja infectada pelo bacilo da tuberculose.9 Em cerca de 90% dos indivíduos infectados (“primo-infecção”), a tuberculose permanece em latência. Os ba- cilos permanecem viáveis no interior dos granulomas formados durante a resposta imunitária à infecção inicial.10 No entanto, cerca de 5 a 10% dos indivíduos infectados (mas seronegativos para o VIH) vai desenvolver tuberculose activa, se o seu sistema imunitário estiver deficitário. Nos indivíduos infectados pelo bacilo da tuberculose e, simultaneamente, seropositivos para o VIH, a probabilidade de desenvolver tuberculose activa é muito superior. A co-infecção tuberculose e VIH/SIDA acelera a progressão de ambas as doenças.9 Foram identificadas estirpes de Mycobacterium tuberculosis “multirresistentes” (resistentes em simultâneo à isoniazida e rifampicina, terapêuticas de primeira linha) que resultam geralmente de um tratamento incompleto (inferior a seis meses) ou irregular. Tem sido particularmente preocupante a identificação de algumas estirpes que apresentam resistência à grande maioria dos fármacos tuberculostáticos.9,11 Malária A malária é a doença parasitária com maior impacte mundial. Estima-se que seja responsável por 2 a 3 milhões de mortes anuais, a maioria das quais em crianças com idade inferior a 5 anos.12,13 Cerca de 40% da população mundial vive em áreas de transmissão de malária localizadas em Africa, Ásia, América do Sul e Central. Estima-se que ocorram anualmente entre 300 e 500 milhões de novos casos.14 Apesar de ter sido controlada ou erradicada de diversas zonas do Globo, como nos EUA e Europa Ocidental, após a campanha global de erradicação da malária da OMS, em 1955, verificou-se o advento da resistência à cloroquina e a outros fármacos antimaláricos, assim como a diversos insecticidas.13,15 Mesmo em regiões não endémicas, ocorrem anualmente algumas dezenas de milhar de casos de malária importada em viajantes ou emigrantes.16 Quatro espécies do protozoário do género Plasmodium são transmitidas ao homem através da picada do mosquito Anopheles spp.: P. falciparum (que causa a maioria dos casos fatais e formas graves como a malária cerebral), P. vivax, P. malarie e P. ovale. Em Portugal, o paludismo endémico nas bacias hidrográficas do Sado, Tejo, Mondego e nas regiões superiores do Guadiana e Douro, afectou milhares de pessoas até ser erradicado em 1958. A erradicação exigiu a redução da superfície de águas estagnadas, a distribuição de mosquiteiros às populações e a conjugação destas medidas de prevenção com estudos científicos.17 Nos anos 50 foi iniciada a utilização do insecticida DDT acompanhada pela monitorização e tratamento dos casos de malária.14,18 Em 1973, após um período de vigilância epidemiológica, a erradicação da malária em Portugal foi oficialmente declarada pela OMS.17,18 77 ROF As doenças infecciosas (DI) emergentes são doenças de origem infecciosa, cuja incidência, tem vindo a aumentar, ou é previsível que aumente.1 São um problema major de Saúde Pública e uma das principais causas de mortalidade e morbilidade a nível mundial.2,3 Podem ser consideradas como emergentes (agente infeccioso identificado pela primeira vez nas últimas décadas) ou reemergentes.2,4,5 A infecção por VIH é considerada uma DI emergente, tal como os vírus da gripe aviária ou a síndrome respiratória aguda grave associada a coronavírus (Severe Acute Respiratory Syndrome – SARS). A malária, a tuberculose ou o carbúnculo (anthrax) são exemplos de doenças infecciosas reemergentes, sendo esta última considerada “deliberadamente” reemergente, no âmbito do bioterrorismo.1,2,3,6 Uma plêiade de factores permite aos agentes infecciosos alcançar novos nichos ecológicos e adaptar-se a novos hospedeiros. Esses factores incluem mutações genéticas e recombinação genética viral, alterações nas populações de hospedeiros, reservatório ou vectores intermediários, alterações ecológicas, demográficas e comportamentais, assim como a circulação internacional de indivíduos e bens e a contenção no financiamento de medidas de protecção da Saúde Pública.3,7 1 Boletim do CIM Maio/Junho 2007 Gripe aviária Os vírus influenza são normalmente específicos de cada espécie (homem, porco, cavalo, foca e algumas aves), sendo raro atravessar a barreira das espécies. Das centenas de vírus influenza A que afectam as aves, apenas se conhecem quatro que podem infectar o homem: as formas de gripe resultantes são ligeiras a moderadas, excepto no caso do vírus H5N1, altamente patogénico para o homem.19 A possibilidade de ocorrência de uma pandemia de gripe aviária tem sido uma preocupação internacional nos últimos anos. O aumento dos casos humanos fatais e sua dispersão mundial confirmam o potencial pandémico da estirpe H5N1 do vírus influenza A, revelado pela primeira vez num surto em Hong Kong, em 1997. Actualmente todos os pré-requisitos para o início de uma pandemia se encontram cumpridos, à excepção de um que ainda não foi detectado: alterações genéticas do vírus que permitam uma eficiente transmissão entre humanos.20 A barreira das espécies tem revelado o seu efeito.19 Existem quatro antivirais com indicação para as infecções pelo vírus influenza A: os inibidores da proteína M2 (amantadina e rimantadina) e os inibidores da neuraminidase (oseltamivir e zanamivir). Com base no conhecimento actual, os antivirais mais adequados, em caso de infecção por vírus da gripe de origem aviária A (H5N1), são os inibidores da neuraminidase e, em especial, o oseltamivir.21 Antibiorresistência O optimismo que se seguiu à descoberta dos antimicrobianos no séc. XX tem vindo a diminuir, devido à identificação de diversos microrganismos resistentes a terapêuticas utilizadas como primeira linha.22,23 Dentro das DI emergentes, é mais evidente a ocorrência de resistência em infecções bacterianas como diarreias, infecções do tracto respiratório, meningite, doenças sexualmente transmissíveis e infecções nosocomiais. Alguns exemplos importantes incluem Streptococcus pneumoniae, Enterococci vancomicina-resistente, Staphylococcus aureus meticilina-resistente, Salmonella spp. multirresistente e Mycobacterium tuberculosis multirresistente.22 O desenvolvimento de resistência a outros antimicrobianos é particularmente importante no caso da cloroquina e outros fármacos utilizados no tratamento da malária, assim como dos anti-retrovirais utilizados na infecção VIH.22 Quadro resumo das principais DI emergentes1,5,24,25 Doenças causadas por vírus: Febre hemorrágica (Dengue, Ebola, Marburg), encefalite por vírus de West Nile, síndrome respiratória aguda grave (SARS) associada a coronavírus, febre de Lassa, febre de Rift Valley e febre amarela, hepatite C, VIH/SIDA, vírus da varíola, vírus Nipah, hantavírus, etc. Doenças causadas por priões: Encefalopatias espongiformes transmissíveis. Doenças causadas por bactérias: Tuberculose (Mycobacterium tuberculosis), cólera (Vibrio colerae), doença do Legionário (Leggionella), úlceras gástricas (Helicobacter pylori), colite hemorrágica (E. coli O157:H7), doença de Lyme (Borrelia burgdorferi), Streptococcus grupo A, síndrome do choque tóxico (Staphylococcus aureus), carbúnculo (Bacillus anthracis), etc. Doenças causadas por parasitas: ROF 77 2 Malária (Plasmodium spp.), Cryptosporidium, schistosomíase; leishmaniose (Leishmania spp.); riquetsioses (Rickettsia spp., Anaplasma spp., Erlichia chaffeensis, transmitidas pela picada de carraças), etc. Doenças causadas por fungos: Criptococose (Cryptococcus neoformans,); candidíase (Candida albicans e Candida glabrata). Conclusão A capacidade de transmissão rápida dos agentes infecciosos, conjugada com factores sociais, tecnológicos e ambientais determina a ocorrência de DI emergentes, constituindo um importante desafio para a Saúde Pública. Os elementos-chave na definição de estratégias nacionais e internacionais para controlo das DI, incluem a implementação de sistemas de vigilância, programas de prevenção e controlo de surtos, reforço das infra-estruturas de Saúde Pública e incentivo à investigação na área das DI emergentes.4 Nesta perspectiva, é fundamental a tomada de consciência por parte de decisores políticos, investigadores científicos e população em geral, uma vez que é indispensável o contributo de todos para minimizar a disseminação destas doenças. Cristina Rocha Bibliografia 1. Cockerill FR, Smith T. Response of the clinical microbiology laboratory to emerging (new) and reemerging infectious diseases. J Clin Microbiol, 2004; 42: 2359-65. 2. Fauci AS, Touchette NA, Folkers GK. Emerging Infectious Diseases: a 10-Year Perspective from the National Institute of Allergy and Infectious Diseases. Emerg Infect Dis, 2005; 11: 519-25. 3. Morens DM, Folkers GK, Fauci AS. 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ETIOLOGIA A Escherichia coli é a causa mais comum de ITU não complicadas1-3,8 sendo responsável por cerca de 75 a 95% de todas as infecções.1 O Staphylococcus saprophyticus é responsável por apenas 5 a 10 % das infecções,1,5 mas estas são mais agressivas.3 Outros causantes ocasionais são Enterobacteriaceae, como Klebsiella e Proteus.1,3,5,8 As bactérias podem atingir o TU por passagem hematogénica ou linfática, mas a via mais comum é a ascensão a partir a uretra, geralmente com origem na flora intestinal.1,2,8 Isto explica a maior frequência de ITU em mulheres,1,4,8 devido à menor extensão da uretra feminina.4,8 SINTOMAS E DIAGNÓSTICO As doentes apresentam geralmente disúria, frequência urinária, urgência,3,7-9 dor suprapúbica3,7,8 e hematúria.7-9 Dor nos flancos1,7,8 náuseas, vómitos,1,8 febre ou sensibilidade dolorosa no ângulo costovertebral indicam envolvimento do TU superior.1-3,8 O diagnóstico de cistite pode ser feito apenas com base na história da doente.2,7,9 Podem ser adequados os chamados testes rápidos,1,7-9 nomeadamente a detecção de nitritos e esterase leucocitária com tiras teste.2,8,9 Apresentam uma boa sensibilidade e especificidade,9 mas um resultado negativo não garante a ausência de infecção quando na presença de sintomas altamente indicativos.7,9 Em mulheres com ITU não complicadas não são necessárias uroculturas por rotina, dada a natureza previsível das bactérias causadoras.1,2,3,7 A urocultura pode ser apropriada, contudo, em doentes que falham o tratamento inicial2,3,7 ou com factores predisponentes para ITU complicadas,7 sendo o único teste capaz de identificar o microrganismo e estabelecer um diagnóstico definitivo.8,10 TERAPÊUTICA A selecção do antibiótico deve ter em conta o seu espectro de actividade,5,6 os padrões locais de resistência4-6,8 e o historial recente de exposição a antibióticos,8 dado que ensaios clínicos demonstraram que os dados de susceptibilidade in vitro se correlacionam com os resultados do tratamento4 e que a exposição recente é o factor mais associado a resistência na E. coli.2,8 Há que considerar o seu perfil de segurança,4-6,8 custo4,6,8 e conveniência. O antibacteriano escolhido deve, idealmente, ser bem tolerado,4,8 bem absorvido,8 atingir elevadas concentrações urinárias5,6,8 e ter um espectro de actividade limitado aos agentes patogénicos conhecidos ou sob suspeita.8 No passado, a terapêutica consistia em regimes de 7 ou mais dias.6,8 Actualmente sabe-se que a cistite aguda pode ser erradicada com terapêuticas muito mais curtas,1,4-9 sendo que com o cotrimoxazol (trimetoprim+sulfametoxazol 1:5) e as fluoroquinolonas não há benefício em regimes superiores a 3 dias.1,2,4,7,9 As vantagens dos regimes curtos incluem maior adesão, menos efeitos adversos, menores custos 1,4,5,8 e menor potencial para desenvolvimento de resistências.4,8 Contudo, a sua eficácia não está adequadamente demonstrada em mulheres pós-menopáusicas.1,3,5 Os regimes de dose única são geralmente menos eficazes que o mesmo antibiótico administrado por períodos mais longos.1,5-9 Os padrões de resistência da E. coli podem variar entre países e regiões europeias, com as taxas mais elevadas em Portugal e Espanha.1 O cotrimoxazol é recomendado como terapêutica empírica de primeira linha no tratamento de ITU não complicadas segundo as normas da European Association of Urology (EAU)1 e da Infectious Diseases Society of America (IDSA),4,7,9,10 em comunidades com taxas de resistência inferiores a 10-20%.1,3,4 A taxa de resistência da E. coli aos betalactâmicos, nomeadamente à ampicilina1,4 e às cefalosporinas de primeira geração4 tem aumentado progressivamente, situando-se actualmente em cerca de 40%.1,4 Assim, devido à sua menor eficácia, o seu uso não é recomendado.1,3,8,10 As fluoroquinolonas são equivalentes ao cotrimoxazol quando administradas em regimes de 3 dias.1,3,5 São mais dispendiosas1 e existem receios quanto ao desenvolvimento de resistências, o que faz com que não sejam recomendadas como terapêutica de primeira linha.1,3 Contudo, as recomendações da EAU1,3 e da IDSA1,3,4,6,9 indicam o seu uso em primeira linha em comunidades com taxas de resistência ao cotrimoxazol superiores a 10-20%. As taxas globais de resistência à ciprofloxacina mantêm-se baixas, com algumas excepções, como Espanha (14,7%) e Portugal (5,8%). Em países com taxas de resistência às fluoroquinolonas superiores a 10%, devem ser consideradas alternativas como terapêutica empírica,1 como a nitrofurantoína, a fosfomicina1,3 ou o pivmecilinam.1 77 ROF As infecções do tracto urinário (ITU) encontram-se entre as doenças infecciosas mais prevalentes.1,2 Na Europa não existem dados fidedignos,1 mas dados provenientes da América do Norte indicam que metade das mulheres padecerá de uma infecção urinária ao longo das suas vidas3-6 e cerca de um quarto destas terá infecções recorrentes.3,5,7 As ITU podem ser classificadas relativamente à sua localização anatómica em baixas – cistite, uretrite, prostatite e epididimite, ou altas – pielonefrite. Podem também ser designadas como não complicadas ou complicadas.6,8 As primeiras ocorrem em indivíduos sem anomalias funcionais ou estruturais do tracto urinário (TU). Surgem caracteristicamente em mulheres jovens sexualmente activas.2-4,6,8 Os factores de risco mais importantes são historial de episódios prévios, actividade sexual recente,2,7 uso de espermicidas,2,4,7,8 diafragmas4,8 ou preservativos.4 Apesar do envolvimento do TU superior, a pielonefrite pode ser considerada não complicada quando ocorre num indivíduo saudável.4,6 Pelo contrário, uma infecção complicada é uma infecção associada a uma condição que aumenta o risco de a adquirir1 ou falhar o tratamento,1,4 como uma anomalia anatómica ou funcional do TU.1,4-6,8 Vários factores são indicativos de uma ITU potencialmente complicada como, por exemplo, sexo masculino, idosos, gravidez,1,4,6,9 cateterização,1,4,6 obstrução,8,9 uso recente de antimicrobianos,1,4 diabetes mellitus, imunossupressão,1,4,9 défice neurológico que interfira com o fluxo normal de urina ou com as defesas do TU,8 como lesões medulares, 4,8 esclerose múltipla,4 etc. As infecções em homens são geralmente definidas como complicadas,4,6,8,9 porque são raras e muitas vezes representam uma anomalia estrutural ou neurológica,8 mas tal pode não ser o caso em homens jovens e saudáveis.1 Os factores de risco incluem relações sexuais com uma mulher infectada, relações anais e não circuncisão.1,3 Por limitações de espaço, este artigo abordará apenas as ITU tradicionalmente consideradas como não complicadas – cistites em mulheres. Maio/Junho 2007 Infecções não complicadas do tracto urinário 3 Boletim do CIM Maio/Junho 2007 Tabela. Antibioterapia das ITU não complicadas FÁRMACO Cotrimoxazol ITU NÃO COMPLICADAS 160/800 mg 2xd 3 dias1,3,5,6,8 PROFILAXIA DE LONGA DURAÇÃO* 40/200 mg/d1,8 ou 3x sem1 80/400 mg/d ou 3x sem5 PROFILAXIA PÓS-COITAL OBSERVAÇÕES 80/400 mg5,6 Efeitos adversos: rash, náuseas e vómitos.6 250 mg5 Efeitos adversos: tracto GI e SNC,10 como náuseas, diarreia, tonturas, cefaleias e também fotossensibilidade.6 A moxifloxacina não é recomendada em ITU, porque não atinge concentrações urinárias adequadas.6,8,9 Fluoroquinolonas Ciprofloxacina 250 mg 2xd 3 dias1,3,5,6,8 Norfloxacina 400 mg 2xd 3 dias1,5,6,8 Ofloxacina 200 mg 2xd 3 dias Levofloxacina 2501,5,6,8 – 5005,6 mg 1xd 3 dias1,5,6,8 Lomefloxacina 400 mg 1xd 3 dias1,8 200 mg 3x sem5 200-400 mg5,6 50-100 mg5,6 1,5 Nitrofurantoína 100 mg 2xd 7 dias1,3,5,6,9 (formulação macrocristalina) 505,8 – 1001,8 mg/d Fosfomicina 3.000 mg em dose única1,3,5,6,8,9 3.000 mg 10-10 dias1 Betalactâmicos Já não são recomendados em primeira linha devido às elevadas taxas de resistência.2,5,6 Amoxicilina 2505,6 – 5006,9 3xd 36 – 75,10 dias Cefalexina 2503,5,6 – 5006,9 mg 4xd 36 – 7 dias3,5,10 Cefpodoxima 100 mg 2xd 3 dias1,6 Pivmecilinam 200 mg 2xd 7 dias1 Baixos níveis de resistência.2,5,10 Efeitos adversos sérios – fibrose pulmonar e neuropatias – têm limitado o seu uso.10 Baixos níveis de resistência.1,9 Efeitos adversos GI5 como diarreia, náuseas, vómitos e desconforto esofágico.6 Efeitos adversos: rash, náuseas, dor abdominal, vómitos, cefaleias.6 250 mg5,6 Amplo espectro aumenta o risco de candidíase vulvovaginal.3,5 Baixos níveis de resistência.1,5 *Deve ser administrada ao deitar 1,5 A ingestão de fluidos tem sido aconselhada para produzir uma diluição rápida das bactérias e remoção da urina infectada por aumento da micção.8,9 Contudo, alguns clínicos especulam que aumentar a ingestão de fluidos possa ser prejudicial, por diminuir a concentração urinária dos antibacterianos,3,9 enquanto outros defendem que a sua concentração urinária é frequentemente tão elevada que a diluição tem pouco efeito na sua eficácia. Por outro lado, o aumento da diurese também pode aumentar a susceptibilidade à infecção ao diluir as propriedades antibacterianas naturais da urina.8,9 Perante isto, alguns indicam que não há evidência científica que sugira que as mulheres com ITU devam aumentar a sua ingestão de líquidos.3 ITU RECORRENTES ROF 77 4 As ITU recorrentes são comuns em mulheres jovens e saudáveis.1 Caracterizam-se por infecções múltiplas com períodos assintomáticos entre cada episódio8 – 3 episódios nos últimos 12 meses ou 2 nos últimos 6 meses.1 Podem ser uma reinfecção – causadas por uma bactéria diferente, sendo a maioria – ou relapso, o que geralmente indica uma fonte persistente de infecção.8 Os factores que têm sido associados a infecções recorrentes incluem relações sexuais1,8 e uso de diafragmas2,5,8 ou espermicidas.1,2,5,8 A prevenção de ITU recorrentes pode envolver antibioterapia de longa duração a baixa dose, profilaxia pós-coital, se os episódios estiverem relacionados com a actividade sexual, ou tratamento iniciado pela doente.1,2,5-8,10 A antibioterapia profiláctica de longa duração é geralmente administrada por um período de 65,6,8 a 12 meses.5,6 Em mulheres que sofram reinfecções associadas à actividade sexual, a terapêutica profiláctica em dose única após as relações sexuais mostrou reduzir significativamente a incidência de recorrências.5,6,8 Pode ser também benéfico urinar após as relações,2,5,8 apesar de tal não estar inequivocamente demonstrado.1,7 Outra alternativa é a terapêutica autoiniciada, quando a mulher experimente sintomas consistentes com episódios prévios de ITU.5,6 Esta abordagem é adequada em mulheres com boa informação e adesão.1,6 Em mulheres pós-menopáusicas, a falta de estrogénio causa alterações na flora vaginal que resultam em aumento da colonização por E. coli;2,8 a administração de estrogénio tópico parece reduzir a incidência de infecções nesta população.1,2,7,8 Outros tratamentos profilácticos incluem imunoterapia1,2 e terapia probiótica.1,2,8 Alguns referem que o sumo de arando pode ter alguma utilidade na prevenção de infecções recorrentes.1,2,7-9 A profilaxia não parece modificar a história natural das ITU recorrentes, pois, após a sua descontinuação, mais de 50% das mulheres sofrem uma recorrência dentro de 3 meses.1,7 Ana Paula Mendes Bibliografia 1. 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