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Paulino CA, Costa FM, Aprile MR
Consequências da Polifarmacoterapia em Idosa Vestibulopata
Consequences of Polypharmacotherapy in Elderly Woman with Vestibular Disorder
Célia Aparecida Paulinoa*; Fabiane Maria Costaa; Maria Rita Aprilea
Universidade Anhanguera de São Paulo, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Reabilitação do Equilíbrio Corporal e Inclusão Social. São
Paulo, SP.
*E-mail: [email protected]
a
Resumo
A polifarmacoterapia para tratamento de múltiplas doenças é uma realidade na população idosa. O objetivo deste trabalho foi avaliar as
consequências do uso de múltiplos fármacos em idosa com vestibulopatia. O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (Protocolo 475.835/2013) e realizado com base em informações de idosa de 64 anos, com labirintopatia vascular e queixas de tontura,
zumbido e desequilíbrio, além de relato de queda. A idosa é hipertensa, apresenta insuficiência arterial e venosa crônica, aterosclerose de artérias
coronárias e hérnia discal lombar. Passou por cateterismo e angioplastia. Faz uso contínuo e concomitante de nove medicamentos, cada um
contendo apenas um fármaco, a saber: Captopril, Propranolol, Hidroclorotiazida, Ácido acetilsalicílico, Pravastatina, Bezafibrato, Meloxicam,
Omeprazol e Hidróxido de alumínio. Os fármacos foram classificados pela Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) e as interações analisadas
pelo The Medical Letter Drug Interactions Program. Todos os fármacos fizeram algum tipo de interação, com exceção do Bezafibrato, que
não pôde ser analisado. As principais consequências das diferentes interações foram: diminuição do efeito anti-hipertensivo e diurético (em
diferentes interações); redução do efeito hipotensor (em diferentes interações); bloqueio do efeito terapêutico do Ácido acetilsalicílico sobre a
mortalidade após infarto do miocárdio; piora da insuficiência cardíaca congestiva; arritmias cardíacas; aumento do risco de insuficiência renal;
indução e agravamento da insuficiência renal (provável efeito aditivo); hiponatremia; hipotensão; maior risco de toxicidade gastrintestinal;
possível toxicidade do Ácido acetilsalicílico; aumento do efeito hiperglicêmico da Hidroclorotiazida; redução da absorção e do efeito do
Captopril, Propranolol e Ácido acetilsalicílico. A polifarmacoterapia utilizada resultou em diferentes interações medicamentosas, cujas
consequências farmacológicas podem ter repercussões clínicas importantes para a saúde desta idosa e de outros idosos que utilizam as mesmas
medicações, sobretudo os que apresentam vestibulopatias.
Palavras-chave: Uso de Medicamentos. Doenças Vestibulares. Saúde do Idoso.
Abstract
Polipharmacotherapy for the treatment of multiple diseases is a reality in the elderly people. The aim of this study was to evaluate the
consequences of the use of multiple drugs in elderly woman with vestibular disorders. The study was previous approved by the Ethics Research
Committee (Protocol 475.835/2013) and conducted based on information about a 64-year-old woman with vascular labyrinth and complaints
of dizziness, tinnitus and balance, and fall report. The woman is hypertensive, has arterial insufficiency and chronic venous, atherosclerosis of
the coronary arteries and lumbar disc herniation. She underwent catheterization and angioplasty. She uses nine continuous and concomitant
medications, each one containing only one drug, namely: Captopril, Propranolol, Hydrochlorothiazide, Acetylsalicylic acid, Pravastatin,
Bezafibrate, Meloxicam, Omeprazole and Aluminum hydroxide. The drugs were classified by the Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) and
the interactions analyzed by The Medical Letter Drug Interactions Program. All drugs have made some kind of interaction with the exception
of Bezafibrate, which could not be analyzed. The main consequences of the different interactions were: decreased antihypertensive and diuretic
(in different interactions) effect; reduction of the hypotensive effect (in different interactions); blocking the therapeutic effect of Acetylsalicylic
acid on the mortality after myocardial infarction; worsening congestive heart failure; cardiac arrhythmia; increased risk of renal failure;
induction and worsening renal failure (likely additive effect); hyponatremia; hypotension; increased risk of gastrointestinal toxicity; possible
toxicity of Acetylsalicylic acid; increasing hyperglycemic effect of Hydrochlorothiazide; reduction in absorption and the effect of Captopril,
Propranolol and Acetylsalicylic acid. The use of multiple medications resulted in different drug interactions, whose pharmacological effects
may have important clinical implications for the health of this elderly woman and other elderly people who use the same drugs, especially
those with vestibular disorders.
Keywords: Use of Medicines. Vestibular Disorders. Health of the Elderly.
1 Introdução
O processo de envelhecimento populacional é uma
tendência mundial bastante desafiadora e preocupante, já
que o envelhecimento acarreta uma série de transformações
fisiopatológicas, que levam a modificações no funcionamento
das diferentes funções orgânicas que se tornam mais lentas
com o passar do tempo1,2.
Rev. Equilíbrio Corporal Saúde, v.7, n.2, p.31-6, 2015
Essas transformações estão expressas tanto na composição
e forma do corpo como nas funções dos sistemas ósseo,
neuromuscular,
nervoso,
cardiorrespiratório,
hepático,
digestório, renal e tegumentar .
3
O uso de polifarmácia, ou polifarmacoterapia para
tratamento de múltiplas doenças, comuns na população idosa,
aumenta o risco de reações indesejáveis e contribui para a maior
31
Consequências da Polifarmacoterapia em Idosa Vestibulopata
morbidade e mortalidade entre idosos, além de comprometer
o prognóstico e a evolução clínica desses pacientes e tornálos mais susceptíveis às interações medicamentosas4,5. De
fato, o uso concomitante de mais de um medicamento é
bastante comum uma vez que os idosos apresentam diversas
morbidades6-8. Do ponto de vista farmacológico, os idosos são
mais vulneráveis aos efeitos dos medicamentos, pois o
envelhecimento leva a déficits funcionais de órgãos e sistemas,
alguns dos quais podem alterar processos farmacocinéticos e
farmacodinâmicos9,10.
Os idosos apresentam redução da massa muscular
associada ao aumento da gordura e à redução da quantidade
de água corporal, que alteram a distribuição dos fármacos
ingeridos, pois os medicamentos lipofílicos podem ter a meiavida aumentada e os hidrofílicos podem apresentar volumes
de distribuição diminuídos2,11.
Também ocorre alteração na absorção gastrintestinal, o
esvaziamento gástrico torna-se mais lento, e o peristaltismo
é diminuído, fatores que modificam a biodisponibilidade dos
fármacos. Ocorre, ainda, redução do volume hepático, que
dificulta a biotransformação dos fármacos; diminuição do
fluxo sanguíneo renal e alterações na filtração glomerular,
e redução na excreção biliar e no pH urinário, que também
provocam mudanças na excreção dos subprodutos da
biotransformação dos medicamentos11.
Estudos prévios com idosos vestibulopatas que apresentam
tontura, zumbido, vertigem, desequilíbrio e/ou perda auditiva
como queixas frequentes, têm mostrado o uso intenso da
polifarmacoterapia, sendo que a classe terapêutica dos antihipertensivos e diuréticos tem sido a mais relatada, entre
outras12,13.
O maior consumo de medicamentos por idosos, o maior
risco de interações medicamentosas e a maior susceptibilidade
a reações adversas são fatores que devem ser considerados
nas prescrições farmacológicas, pois o estado geral de saúde
desses indivíduos pode ser agravado pelos efeitos decorrentes
do uso prolongado de determinados medicamentos6.
Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar as
consequências do uso de múltiplos fármacos em idosa com
vestibulopatia.
2 Material e Métodos
O presente estudo farmacológico faz parte de pesquisa
mais ampla aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos da Universidade Anhanguera de São
Paulo, UNIAN-SP (Protocolo 475.835/2013). Os dados foram
obtidos de prontuários dos idosos do Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Reabilitação do Equilíbrio Corporal e Inclusão
Social da UNIAN-SP.
Paciente do sexo feminino, 64 anos, casada, profissão
prendas domésticas, escolaridade equivalente ao ensino
fundamental e com diagnóstico de labirintopatia vascular.
Suas principais queixas eram tontura, zumbido e desequilíbrio,
relatando inclusive episódios de queda.
Sobre os antecedentes pessoais, a paciente é hipertensa
e apresenta insuficiência arterial e venosa crônica, além
de aterosclerose de artérias coronárias. Já foi submetida a
procedimentos para cateterismo e angioplastia. A paciente
também apresenta hérnia discal lombar.
No que se refere ao tratamento farmacológico, a
paciente relatou fazer uso contínuo e concomitante de nove
medicamentos, cada um contendo apenas um fármaco, a
saber: Captopril, Hidroclorotiazida, Propranolol, Ácido
acetilsalicílico, Meloxicam, Pravastatina, Bezafibrato,
Omeprazol e Hidróxido de alumínio.
Para análise das eventuais interações medicamentosas foi
utilizado o Software The Medical Letter Drug Interactions
Program for Windows (The Medical Letter, USA®). As análises
realizadas por meio deste programa permitem a citação e a
descrição das possíveis interações, de acordo com pesquisas
científicas já publicadas.
3 Resultados e Discussão
Os fármacos identificados foram classificados segundo
a Anatomical Therapeutic Chemical (ATC), um sistema
internacional que divide as substâncias ativas (fármacos)
dos medicamentos em cinco níveis: 1º nível (grupo
anatômico principal), 2º nível (uso terapêutico), 3º nível
(ação farmacológica), 4º nível (subgrupo químico) e 5º nível
(substância química).
Os Quadros 1 e 2 apresentam, de forma resumida, os
fármacos em uso pela paciente idosa vestibulopata e suas
respectivas classificações pela ATC.
Quadro 1: Fármacos utilizados pela idosa vestibulopata, com ação no aparelho cardiovascular, segundo classificação pela ATC
Grupo anatômico principal
Uso terapêutico
Aparelho cardiovascular
Aparelho cardiovascular
Anti-hipertensivo com ação no
sistema renina-angiotensina
Betabloqueador
Diurético
Aparelho cardiovascular
Hipolipemiante
Aparelho cardiovascular
Hipolipemiante
Aparelho cardiovascular
Ação farmacológicae
subgrupo
Inibidor da enzima
conversora de angiotensina
Betabloqueador não seletivo
Tiazida
Inibidor da HMG-CoA
redutase
Fibrato
Substância química
Captopril
Propranolol
Hidroclorotiazida
Pravastatina
Bezafibrato
Fonte: Dados da pesquisa.
32
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Quadro2: Fármacos utilizados pela idosa vestibulopata, com ação no aparelho digestivo e metabolismo, sistema musculoesquelético,
sangue e órgãos hematopoéticos, segundo classificação pela ATC
Uso terapêutico
Ação farmacológica e
subgrupo
Substância química
Tratamento para úlcera péptica
Inibidor de bomba de próton
Omeprazol
Tratamento para úlcera péptica
Antiácido
Hidróxido de alumínio
Sistema musculoesquelético
Anti-inflamatório e
antirreumático
Não esteróide - Oxicam
Meloxicam
Sangue e Órgãos
hematopoéticos
Antitrombótico
Inibidor da agregação
plaquetária
Ácido acetilsalicílico
Grupo anatômico principal
Aparelho digestivo e
Metabolismo
Aparelho digestivo e
Metabolismo
Fonte: Dados da pesquisa.
A análise das interações medicamentosas identificou
diferentes associações entre os fármacos em uso (Quadro 3).
Entretanto, por limitação técnica do SoftwareThe Medical
Letter Drug Interactions Program for Windows não foi
possível analisar eventuais interações com o fármaco
Bezafibrato.
Quadro 3: Interações medicamentosas identificadas entre os
fármacos em uso pela idosa vestibulopata, com exceção do
bezafibrato
Interações medicamentosas
Fármaco 1
Fármaco 2
Captopril
Captopril
Captopril
Propranolol
Propranolol
Meloxicam
Ácido acetilsalicílico
Hidróxido de alumínio
Hidróxido de alumínio
Hidróxido de alumínio
Meloxicam
Ácido acetilsalicílico
Hidroclorotiazida
Meloxicam
Hidroclorotiazida
Hidroclorotiazida
Omeprazol
Captopril
Propranolol
Ácido acetilsalicílico
Fonte: Dados da pesquisa.
Os principais resultados dessas interações medicamentosas
identificadas foram: diminuição do efeito anti-hipertensivo
e diurético (em diferentes interações); redução do efeito
hipotensor (em diferentes interações); bloqueio do efeito
terapêutico do Ácido acetilsalicílico sobre a mortalidade
após infarto do miocárdio; piora da insuficiência cardíaca
congestiva; arritmias cardíacas; aumento do risco de
insuficiência renal; indução e agravamento da insuficiência
renal (provável efeito aditivo); hiponatremia; hipotensão;
maior risco de toxicidade gastrintestinal; possível toxicidade
do Ácido acetilsalicílico; aumento do efeito hiperglicêmico
da Hidroclorotiazida; redução da absorção e do efeito do
Captopril, Propranolol e Ácido acetilsalicílico.
O presente estudo mostrou a utilização concomitante de
nove medicamentos, cada um contendo um fármaco diferente.
Essa terapêutica plurimedicamentosa em uso pela idosa aponta
para o tratamento dos seus variados quadros clínicos crônicos.
Tal resultado é reforçado pela literatura que aponta para
um maior número de doenças, em sua maioria crônicas,
no envelhecimento6, entre elas a hipertensão e quadros
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cardiovasculares, condições mais frequentes na população
idosa, aumentando a necessidade de uso de múltiplos
medicamentos em idosos14-17.
De fato, estudo americano revelou que a hipertensão em
idosos acima de 80 anos nos Estados Unidos tem prevalência
de quase 60%, e as doenças cardíacas, cerca de 39%18. Entre
as doenças crônicas no idoso, a hipertensão arterial sistêmica
(HAS) aumenta em 39% a probabilidade de dependência
desses idosos para as atividades de vida diária, enquanto as
doenças cardíacas são responsáveis por 82% das chances de
dependência, além de artropatias (59%) e doenças pulmonares
(50%)19.
Dos medicamentos em uso pela idosa, a maioria envolve
o tratamento da hipertensão e de condições cardiovasculares,
como o Captopril, a Hidroclorotiazida, o Propranolol, o Ácido
acetilsalicílico, a Pravastatina e o Bezafibrato, fármacos de
diferentes classes terapêuticas que atuam para controlar ou
minimizar, direta ou indiretamente, essas condições clínicas.
Em concordância, um estudo com idosos em hospitais
públicos de Porto Alegre, RS, mostrou predomínio da
hipertensão arterial em quase 70% dos casos e mais de 30%
dos idosos faziam uso de mais de um medicamento de classe
terapêutica diferente20. Ainda, entre as comorbidades mais
frequentes apresentadas pelos idosos estão a hipertensão e
as doenças cardiovasculares, sendo os anti-hipertensivos os
medicamentos mais utilizados por essa população17,21.
É importante destacar que essa idosa apresenta
vestibulopatia de origem vascular e sofre com tonturas e outros
sintomas vestibulares e usa os anti-hipertensivos Captopril e
Propranolol, além do diurético Hidroclorotiazida.
É descrito que a própria hipertensão arterial pode causar
tontura22, assim como fármacos com ação anti-hipertensiva
e antidepressiva também serem considerados causadores de
tontura23. É possível, ainda, que a quantidade de medicamentos
utilizada seja uma causa não vestibular da tontura, como
apontado em estudo com idosos que apresentavam
tontura e usavam mais de cinco medicamentos, entre eles,
betabloqueador e diurético15, terapêutica semelhante à descrita
neste estudo.
Também foi aqui descrito episódios de queda e uso do
diurético Hidroclorotiazida pela idosa, reforçando dado
33
Consequências da Polifarmacoterapia em Idosa Vestibulopata
da literatura que aponta correlação entre uso de certos
medicamentos, como a Hidroclorotiazida, e ocorrência de
queda e fratura em idosos, em decorrência de tontura24.
Realmente, entre as drogas que aumentam o risco de
queda estão os diuréticos (especialmente os tiazídicos), os
bloqueadores de canais de cálcio e os anti-hipertensores,
todos indicados para tratamento de alterações do sistema
cardiovascular25, corroborando os dados aqui mostrados.
Ainda, estudo analisando a relação de fármacos com
a ocorrência de queda em 118 pacientes idosos acima
de 65 anos mostraram os hipolipemiantes como os mais
amplamente utilizados pelos idosos caidores, seguido dos
anti-hipertensivos inibidores da enzima conversora de
angiotensina, dos betabloqueadores e diuréticos26. Ressaltese que a idosa deste estudo fazia uso dessas quatro classes
terapêuticas de fármacos, respectivamente, Pravastatina e
Bezafibrato, Captopril, Propranolol e Hidroclorotiazida, o que
poderia contribuir para as quedas, direta ou indiretamente.
Dos nove fármacos em uso pela idosa, oito deles fizeram
algum tipo de interação medicamentosa (com exceção do
Bezafibrato, que não foi analisado por limitação do programa
de análise). Este resultado confirma relato da literatura,
apontando que a polifarmacoterapia contribui para interações
medicamentosas em idosos27.
A presença de múltiplas doenças crônicas é um fator de
risco frequente e que predispõe às interações medicamentosas,
uma vez que aumenta o número de prescrições e os fármacos
são utilizados por longos períodos nessas condições21.
Investigação de um Programa Saúde da Família revelou que
14,3% de idosos usuários do referido serviço público, que
consumiam seis ou mais medicamentos, apresentavam 100%
de risco para interações medicamentosas28.
A utilização concomitante de dois ou mais fármacos é um
dos fatores para ocorrência de interações medicamentosas,
sendo os fármacos anti-hipertensivos e os antidiabéticos os
que mais interagem29.
No presente estudo, entre as consequências das interações
observadas, estão a redução do efeito anti-hipertensivo e
diurético em algumas associações e a redução do efeito
hipotensor em outras, o que pode comprometer, sobretudo, o
tratamento da hipertensão da idosa em questão e, desse modo,
até complicar seu quadro vestibular.
De fato, a polifarmacoterapia e as interações
medicamentosas são tidas como as principais responsáveis
pelas reações adversas e pelo agravamento de sintomas das
doenças pré-existentes. Porém, pela dificuldade clínica de
avaliação rápida dessas interações, muitas vezes a análise dos
seus efeitos não é realizada ou o é tardiamente, o que também
pode facilitar o agravamento do quadro do paciente e atrasar o
tratamento das suas manifestações4,14,30,31.
Entre os sintomas vestibulares da idosa estão a tontura,
o zumbido e o desequilíbrio. Tais sintomas são comuns
na população idosa que apresenta vestibulopatias, com
34
destaque para as tonturas, um dos sintomas mais frequentes
nesses casos, que pode ser desencadeada por alterações
em diversos órgãos e sistemas decorrentes do processo de
envelhecimento14,32. Também houve relato de queda e uma das
consequências das interações foi a hiponatremia e hipotensão,
que podem favorecer tonturas e quedas.
Embora a terapia otoneurológica integrada seja bastante
eficaz no tratamento dos sintomas vestibulares, não se pode
descartar o fato de que os efeitos de interações medicamentosas
podem ser um impedimento para a obtenção de bons resultados
no tratamento da tontura33.
Também foi identificada redução do efeito terapêutico
do Ácido acetilsalicílico na prevenção de mortalidade após
infarto, piora da insuficiência cardíaca congestiva e arritmias
cardíacas, que podem prejudicar o tratamento das demais
condições cardiovasculares da idosa do estudo.
Em adição, todos os efeitos terapêuticos esperados para
o Captopril, Propranolol e Ácido acetilsalicílico, utilizados
pela idosa, podem ser comprometidos pela interação com
o Hidróxido de alumínio, que reduz a absorção oral destes
fármacos.
Realmente, considerando as interações medicamentosas
aqui identificadas, pode-se sugerir que as consequências
de muitas dessas interações podem atrapalhar o tratamento
medicamentoso em questão, reduzindo o controle de algumas
condições, como por exemplo, a hipertensão, como também
trazer novos sintomas a essa paciente, ou mesmo agravar
algumas condições já existentes, como a própria labirintopatia
de origem vascular.
Além dos efeitos indesejáveis das interações, não se
pode desconsiderar as reações adversas desencadeadas
pelos fármacos de modo individual, sobretudo, pelas
alterações farmacocinéticas observadas em idosos, como
a biotransformação e excreção dos fármacos, decorrentes
do processo de envelhecimento30. Assim, a modificação da
farmacocinética no idoso, especialmente por redução das
funções hepática e renal, favorece o acúmulo de fármacos no
organismo e pode levar a efeitos indesejáveis e bem diferentes
daqueles esperados para os idosos10.
Neste sentido, as interações mostraram, ainda, a
possibilidade de indução e agravamento de insuficiência
renal, em provável efeito aditivo, trazendo ainda mais risco
para a função renal da idosa e maior chance de acumulação
dos fármacos em uso.
Além de tudo, foi revelada pelas análises maior
toxicidade do Ácido acetilsalicílico, maior risco de toxicidade
gastrintestinal e aumento do efeito hiperglicêmico da
Hidroclorotiazida, o que pode trazer novas complicações
clínicas para esta idosa.
Por tudo isso, a polifarmácia também pode contribuir
para uma menor adesão ao tratamento medicamentoso,
prejudicando o tratamento das doenças ou sintomas, ou ainda,
trazendo novos sintomas ou complicações que vão requerer
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novos tratamentos, gerando, com isso, as prescrições em
cascata. Esse fato ocorre quando o efeito adverso de uma
medicação é considerado uma doença nova, que necessita da
prescrição de outro medicamento34.
Desse modo, os idosos são mais vulneráveis às
consequências da terapêutica plurimedicamentosa, em especial
pelos efeitos indesejáveis das interações medicamentosas que
podem ocorrer, além das reações adversas próprias de cada
fármaco. Muitas dessas consequências podem confundirse com certos sintomas vestibulares, como as tonturas, que
tornam o idoso mais susceptível às quedas.
4 Conclusão
A polifarmacoterapia aqui descrita, com medicamentos
comumente utilizados pela população idosa, foi capaz de
resultar em diferentes interações medicamentosas, cujas
consequências farmacológicas podem ter implicações clínicas
importantes para a saúde geral desta idosa e de outros idosos
que utilizam as mesmas medicações, em especial, aqueles que
apresentam vestibulopatias.
O uso racional de medicamentos é imperioso na população
idosa, a fim de se evitar as prescrições em cascata e garantir
mais segurança terapêutica.
Neste contexto, dado o uso tão intenso de medicamentos
pela população geriátrica, é importante que profissionais da
saúde e de outras áreas, envolvidos com os idosos, promovam
campanhas e práticas efetivas destinadas à conscientização
dessa faixa da população sobre o emprego de uma
farmacoterapia responsável. Estratégias deverão ser pensadas
com o intuito de orientar os idosos sobre o modo correto
de utilização dos medicamentos, possíveis efeitos adversos
e, principalmente, sobre os prováveis desdobramentos das
interações medicamentosas e suas implicações sobre seu bemestar, sua saúde e qualidade de vida. Referências
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