GRAVEL ISSN 1678-5975 Julho - 2009 V. 7 – nº 1 57-65 Porto Alegre Escapes Hidrotermais e Bioprospecção Martins L.R.1,2 & Nunes J.C.2 1 2 COMAR – South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group ([email protected]); Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO/IG/UFRGS. RESUMO A biodiversidade em ambientes marinhos profundos, onde ocorrem espécies únicas junto às erupções vulcânicas submarinas, representa atualmente o foco de muitas pesquisas oceanográficas. A utilização de moderna tecnologia (submersíveis e veículos de operação remota) vem contribuindo para um considerável aumento nos estudos relativos a presença dos escapes hidrotermais, seus produtos e tipos de vida associada. A presente nota enfatiza os aspectos biológicos associados a esse cenário de mar profundo. ABSTRACT The biodiversity of deep sea environments where unique species occur, as the ones adapted to environmental conditions of submarine volcanic activity is presently one of the main focus of oceanographic research. The use of modern technology (submersibles and remotely operated vehicles) is contributing to a considerable increase in studies regarding hydrothermal vents, their products and associated life types. This note emphasizes the biological aspects of this deep sea scenery. Palavras chave: bioprospecção; mar profundo; escapes hidrotermais. 58 Escapes Hidrotermais e Bioprospecção INTRODUÇÃO O crescente interesse das nações portadoras de alta tecnologia na pesquisa e exploração dos recursos minerais de mar profundo, gerou de forma associada, estudos relativos a compreensão do habitat e organismos presentes na região, bem como oportunidades para exploração de novos recursos no campo da bioprospecção. Nos últimos anos, a diversidade e a abundância de vida presente nas profundezas oceânicas vem sendo estudadas com detalhe. A biodiversidade ligada aos montes submarinos e áreas com presença de espécies únicas junto aos escapes hidrotermais, representam o foco de muitas pesquisas. Em realidade, o chamado oceano profundo representa um ambiente bastante complexo onde os aspectos da geo, bio e hidrosfera, requerem em sua compreensão um desenvolvimento multidisciplinar integrado por geólogos, geoquímicos, geofísicos, biólogos, oceanólogos e microbiologistas sendo esse panorama integrado também por engenheiros para desenvolvimento da infra-estrutura e do equipamento necessário ao estudo desses processos (POSTNOTE, 2007). De um modo geral, os significantes progressos da engenharia naval e da tecnologia de submersíveis e veículos de operação remota (Remotely Operated Vehicles - ROV), vêm contribuindo de maneira acentuada no aumento do número de estudos realizados. Em janeiro de 2008, o navio de pesquisa Knorr, realizou estudos relativos a presença de escapes hidrotermais, seus produtos e tipo de vida associada, utilizando os ROV`s Puma e Jaguar na Dorsal Meso Atlântico entre 2º e 8º latitude sul, na altura da Ilha Ascensão. Escapes hidrotermais são, portanto, feições únicas tanto sob prisma geológico como biológico, pois tais processos controlam a transferência de energia e material do interior da Terra para sua crosta, hidrosfera e biosfera. DESENVOLVIMENTO Muitas reuniões científicas têm sido realizadas nos últimos anos com o objetivo de analisar os progressos realizados e as preocupações futuras com a exploração/explotação dos recursos do mar profundo. O consórcio Europeu-ECORD (European Consortium for Ocean Research Drilling) realizou em 2006 um “workshop” destinado ao “Deep Sea Frontier – DSF” com a finalidade de estabelecer uma discussão sobre a perspectiva de um plano científico integrado para o estudo do sistema fundo marinho profundo. O objetivo imediato do grupo DSF foi o de identificar os estudos científicos necessários dirigidos a compreensão do papel do fundo marinho profundo no sistema global da Terra (EU, 2006). Esse conhecimento é necessário por uma série de razões das quais estão incluídas: a) compreensão de como os ecossistemas de mar profundo responderão as mudanças climáticas b) entendimento das trocas entre subsolo, solo marinho e coluna d’água c) promover uma base através da qual a explotação do piso marinho profundo pode ser adequadamente planejada e monitorada e d) melhor compreensão dos georiscos e ataques a zona costeira. Dentro do panorama de águas profundas são apresentadas duas situações distintas, mas claramente importantes como oportunidades econômicas emergentes, mas extremamente diferentes em impacto e extensão: a mineração dos recursos não vivos do piso marinho profundo e a coleta de organismos marinhos para aplicação industrial e farmacêutica. A denominada bioprospecção é representada pela coleta de plantas, animais e micróbios destinados a atividade comercial. Dentre estas as maiores perspectivas estão situadas na diversificada população de micróbios presentes em áreas com emanações hidrotermais e onde a adaptação às extremas condições presentes, resultam em novas propriedades que favorecem a explotação. Escapes hidrotermais e fumarolas estão presentes em mar profundo com atividade vulcânica onde águas superaquecidas (400ºC) são expelidas sendo encontrados nos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico em profundidades superiores a 2.000 m. Associados a esses locais mais de 500 espécies de flora e fauna foram descritas, em sua maioria só encontradas nessa região. Tais organismos são providos por uma cadeia alimentar baseada em bactérias que utilizam a energia química da água de escape (quimiossíntese), sendo constituídos por vermes, moluscos, camarões cegos e outros organismos. GRAVEL Martins & Nunes Micróbios de mar profundo são atualmente utilizados como fonte de biocatalizadores industriais, com vistas a aceleração de certos processos; em produtos farmacêuticos e antimicróbicos. No grupo dos micróbios, a Actinobactéria, por exemplo, produz um composto que inibe a infecção hospitalar. Outros derivados podem atuar como agentes anticancer. Pesquisando novas fontes de produtos naturais bioativos, o ambiente marinho justifica a particular atenção, em vista da diversidade acentuada de microorganismos e produtos metabólicos. Recentes relatórios sobre novas entidades químicas direcionam para a importância da Actinobacteria marinha para a obtenção de produtos naturais explotáveis, confirmando que produtos naturais microbianos permanecem como importante recurso para elaboração de novos medicamentos. Vários autores tem dedicado nestes últimos anos, estudos para analisar a biotecnologia da Actinobacteria marinha. Os tópicos abordados incluem a abundancia, a diversidade, distribuição biogeográfica, função do ecossistema, bioprospecção e uma nova abordagem para a exploração do espaço da Actinobacteria. Levando em consideração as questões acima mencionadas, uma agenda para futura investigação da Actinobacteria marinha, foi sugerida. Além da Actinobactéria que vem sendo coletada de mar profundo, cerca de 90% de espécies foram descobertas recentemente, direcionando a pesquisa do piso marinho profundo para novos e promissores caminhos nas aplicações industriais e farmacêuticas. Cálculos realizados indicam ser superior a US$ 10 milhões, o mercado de produtos relacionados com a biotecnologia marinha. A empresa inglesa Aquafarm, estima que cerca de 10% de suas fontes materiais é oriunda de mar profundo, existindo a expectativa de aumento nos próximos anos. Além do Reino Unido, Estados Unidos e Espanha investem de forma acentuada na bioprospecção dos oceanos. Nesse panorama desenvolve-se o campo da geobiologia que se destina especificamente ao estudo de como as atividades geológicas e biológicas, intervém em uma escala do milímetro ao nanômetro das moléculas e micróbios. São os processos geobiológicos e os 59 condutores dos fluxos de energia aos ecossistemas marinhos da geosfera e hidrosfera através da produção primária microbiana. ECOLOGIA DE MAR PROFUNDO Escapes hidrotermais de mar profundo são formados como resultado da atividade vulcânica do fundo marinho. A água penetra através de fendas da crosta, dissolvendo metais e minerais a medida que se torna superaquecida em contato com o magma liquefeito de altas temperaturas. A água superaquecida 400ºC é expelida como geyser carregando minerais lixiviados das rochas crustais que quando encontra a água fria e densa do oceano profundo precipitam ao redor da abertura do escape. Isto causa uma acumulação ou construção de minerais em uma formação geológica singular, denominadas de chaminés, de variado tamanho. Ao estudarem os escapes hidrotermais de mar profundo, os pesquisadores foram surpreendidos ao encontrar ao redor das emanações, uma vida abundante adaptada as condições ambientais extremas ali encontradas (pressão extrema, alta temperatura, ausência de luz). Uma comunidade vicejante composta por camarões, caranguejos, tubos de vermes, mexilhões, lesmas, anêmonas e peixes. Muitos estudiosos classificam essas feições geológicas representadas pelas fumarolas e seus depósitos de sulfetos polimetálicos como verdadeiros oásis de um piso marinho pouco habitado e apresentando uma biomassa semelhante a uma floresta úmida. A distinção entre as chamadas fumarolas negras (black smokers) e brancas (white smokers) é caráter térmico e composicional. As primeiras representam as emanações de temperatura mais elevada expelindo principalmente ferro e sulfeto que se combina para formar sulfeto de ferro, composto que dá a fumarola a cor negra. As fumarolas brancas são formadas a partir de uma água com temperatura menos elevada que as primeiras contendo compostos de bário, cálcio e sílica e impingindo a cor branca. Algumas fumarolas podem apresentar um crescimento rápido (9 m em 18 meses, já foram registrados). O ambiente circundante das fumarolas está representado na Figura 1. GRAVEL 60 Escapes Hidrotermais e Bioprospecção Figura 1. Principais componentes de escapes hidrotermais na dorsal meso-oceânica (fonte WHOI). 1) Água fria do mar (2ºC) infiltra-se através de fissuras no fundo oceânico. 2) A água penetra mais fundo e a energia das rochas liquefeitas aumentam a temperatura ao redor de 350-400ºC. A água aquecida reage com as rochas da crosta oceânica consumindo oxigênio, tornando-se acida e aprisionando metais dissolvidos, incluindo ferro, cobre e zinco e captando sulfeto de hidrogênio. 3) Os líquidos quentes tornam-se menos densos e ascendem até atingir o piso oceânico. 4) Os metais carregados no fluído combinam com enxofre para formar minerais denominados de sulfetos. Uma das características dos organismos presentes nesse ambiente é o gigantismo, ou seja, criaturas marinhas existentes em águas rasas que assumem proporções gigantes quando residentes em oceano profundo. No fundo oceânico ao redor dos escapes hidrotermais, existe uma profusão de vida que prospera através do sulfeto de hidrogênio (H2S) gás liberado pelos escapes. Um dos organismos mais importantes são os tubos de vermes que em águas rasas são comuns e de dimensões de alguns centímetros. Contudo em águas profundas esses organismos vicejam nesse ambiente hostil crescendo a tamanhos superiores a 2 m. Crescem como grandes cachos ao redor dos escapes vivendo dentro de tubos de proteção do tipo concha presos as rochas. Vivem em uma relação simbiótica com determinado tipo de bactéria, que oxidam o H2S tornando-o um nutriente utilizável pelos vermes. Por sua vez os vermes liberam sangue contendo hemoglobina que ajudam as bactérias na decomposição dos sulfetos. Em vez da luz solar, a vida junto aos escapes hidrotermais baseia-se no sulfeto de hidrogênio, que através de um processo denominado de quimiossíntese, bactérias especializadas criam energia, formando o nível inicial da cadeia alimentar desses ecossistemas, e do qual outros animais são dependentes (Fig. 2). GRAVEL Martins & Nunes 61 Figura 2. Elementos comparativos entre fotossíntese e quimiossintese. (Fonte WHOI). Fotossíntese: 1) Folhas captam energia da luz solar; 2) Folhas tomam dióxido de carbono do ar; 3) Folhas utilizam água e energia solar; 4) Folhas liberam oxigênio para o ar. Quimiossíntese: 1) Fluido hidrotermal oriundo das emanações contem sulfeto de hidrogênio; 2) Micróbios viventes ao redor das emanações absorvem o sulfeto de hidrogênio; 3) Os micróbios obtêm energia do sulfeto de hidrogênio, eles utilizam essas energias e oxigênio para converter dióxido de carbono em açucares; 4) Os micróbios liberam enxofre e água. Campos hidrotermais presentes na cadeia meso-oceânica, representam zonas onde os processos assentados na crosta e manto superior (falhamento, derretimento, circulação hidrotermal) interagem com a coluna d’água apresentando uma importante variabilidade temporal tanto como integrante de um sistema normal de evolução, como resultado de eventos mais drásticos como terremotos. As características físicas e químicas dos escapes através das emanações hidrotermais representam o resultado de uma complexa interação rocha/água do mar em subsuperfície. De um modo geral, as fontes hidrotermais estão presentes em áreas com atividades tectônica que no oceano Atlântico estão associadas a dorsal meso oceânica. Formam ecossistemas que independem da luz solar como fonte de energia abrigando organismos adaptados a temperaturas variáveis e potencialmente tóxico. Os produtores são representados por uma grande variedade de bactérias quimioautotróficas como produtores primários. Nestes locais, a presença de simbioses é bastante intensa. Bactérias que vivem em células periféricas como brânquias dos mexilhões, transformam o CO2 em matéria orgânica. A Riftia pode desenvolver comprimentos de até 3 m, não possuindo boca e nem aparelho digestivo apresentando uma pluma cheia de sangue com que capta o sulfeto hidrogênio, CO2 e oxigênio que são transportados pelo sangue para uma região do corpo onde vivem bilhões de bactérias simbióticas que produzem compostos orgânicos para sua alimentação até os simbiontes. Comunidades hidrotermais de mar profundo habitam a zona de interface, onde fluidos redutores quentes se misturam com água fria oxigenada gerando uma zona de mistura altamente reativa produzindo a precipitação mineral e amplos gradientes químicos oferecendo uma variedade complexa e dinâmica de “habitats” para organismos (Escartin et al., 2005). Existe um claro consenso na comunidade científica sobre o valor das importantes funções ecológicas exercidas pelos ecossistemas de mar profundo, apesar do conhecimento limitado existente sobre os mesmos. Áreas do fundo marinho profundo especialmente vinculados a emanações hidrotermais possuem características peculiares de vida adaptada as condições ambientais extremas aí encontradas. O papel das fumarolas hidrotermais sustentando comunidades de zooplanton GRAVEL 62 Escapes Hidrotermais e Bioprospecção demonstra a importância desses ecossistemas na manutenção do ciclo global do carbono. Devido a um crescimento geral no uso da biodiversidade para finalidades comerciais relativo ao aumento das atividades de bioprospecção no meio marinho incluindo extremófilas torna-se cadê vez mais crescente. O advento do genoma e bioinformatica estabeleceram fundamentos para novos acessos na identificação de compostos úteis e o desenvolvimento de novas drogas, produtos e processos. Isto também facilita a pesquisa e o desenvolvimento comercial de recursos genéticos do piso marinho profundo. Vários compostos de organismos de mar profundo foram isolados, patenteados e desenvolvidos para aplicação comercial por vários grupos farmacêuticos (Merk, Lily, Pfizer, Laroche, Myeris, Squibb). ASPECTOS LEGAIS Muitas incertezas ainda circundam a bioprospecção em mar profundo, tanto nos aspectos da legislação nacional como internacional. Tanto a Convenças das Nações Unidas para o Direito do Mar – CNUDM, como a Convenção sobre a Biodiversidade – CBD, não fornecem uma estrutura clara sobre a mesma em águas internacionais, resultando assim numa atividade não regulamentada e por vezes conflitante entre os vários níveis de interesse. As áreas alvo para a indústria da bioprospecção são igualmente importantes à biodiversidade. Muitos dos minerais do piso marinho são encontrados próximos a montes submarinos e escapes hidrotermais que sustentam importantes comunidades com alta biodiversidade. Preocupada com esse aspecto a International Seabed Authority – ISA (ONU) regulamenta cuidados ambientais relativos ao impacto que a atividade de mineração poderá causar a região. Foram identificados pelo ISA danos que podem ser causados a organismos bentônicos desde o esmagamento dos mesmos pelo veículo de mineração, o soterramento por sedimentos e conseqüente redistribuição e mudanças químicas e físicas na coluna d’água tanto no içamento do material como na descarga de resíduos do navio. Os principais aspectos científicos, legais e políticos da bioprospecção dos recursos de mar profundo foram sintetizados por Arico & Salpin (2005). CONSIDERAÇÕES FINAIS Escapes hidrotermais são encontrados ao longo das dorsais meso-oceânicas, onde o magma das partes profundas emerge. Um escape é formado quando a água do mar penetra a crosta, é aquecida pelo magma e retorna ao oceano através de escape de elevada temperatura carregada de substâncias minerais. A combinação da atividade magmática com a efetiva intrusão da água do mar no piso marinho devido ao falhamento tectônico é o que determina a origem dos escapes. A água do mar possui temperatura baixa (2ºC), alcalina (pH 7,8), oxidante com 2.678 ppm de SO4, sendo deficiente em metais (< 0.06 ppm Fe; < 0,06 ppm Mn; 0,65 ppm Zn; 0,45 ppm Cu) e com 1.272 ppm Mg. Por sua vez o fluxo hidrotermal é quente (350ºC), ácido (pH 3,5), redutor apresentando 250 ppm H2S; rico em metais (80 ppm Fe; 49 ppm Mn, 6 ppm Zn, 2 ppm Cu) e livre de Mg. Escapes hidrotermais podem ocorrer também em montes submarinos, onde o tipo de atividade vulcânica e a interação entre a água oceânica e o assoalho marinho permite a sua formação. Em seus aspectos dinâmicos os escapes hidrotermais representam feições singulares tanto no ponto de vista geológico como biológico. Processos hidrotermais controlam a transferência de muita energia e substâncias do interior da terra para sua crosta, hidrosfera e biosfera. Sua compreensão favorece sobremaneira o conhecimento de sua influência na temperatura oceânica, padrão de circulação, química, biologia e até mesmo considerações sobre a gênese e o desenvolvimento da vida na terra (Yamagishi, 2004) (Fig. 3). GRAVEL Martins & Nunes 63 Figura 3. Aspectos Dinâmicos dos Escapes Hidrotermais (modificado de Yamagishi, 2004). Escapes hidrotermais se desenvolvem em algumas zonas das dorsais meso-oceânicas. Desde a primeira descoberta, em 1977, foram identificados inúmeros escapes em todos os oceanos. Nestas zonas das dorsais a tectônica de placas fragmenta o piso oceânico e o magma migra à superfície, causando erupções no piso marinho. Devido à deformação das rochas, a água do mar penetra até grandes profundidades e é ejetada de volta à superfície enriquecida de grandes quantidades de material dissolvido, especialmente: sulfeto de hidrogênio (H2S), vários sulfetos de minerais metálicos dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4). Dependendo da pressão da ejeção e da temperatura ambiental ocorre a cristalização dos sulfetos minerais em forma de chaminés conhecidas por fumarolas negras e brancas por sua coloração. A variabilidade na descarga hidrotermal em escala de tempo curta ou por décadas propicia a evolução das comunidades de animais associados com os escapes. O tempo de vida de um escape individual varia de décadas a um século. Os organismos associados às zonas de escape estão adaptados a gradientes de temperaturas elevadas, baixas taxas de oxigênio e concentrações tóxicas de enxofre, e metais pesados. Bactérias quimio-autróficas formam a base da cadeia alimentar, utilizando o sulfeto de hidrogênio para estimular a produção de carbono orgânico. No oceano Atlântico o camarão Rimicaris exoculata (Fig. 4B) parece ser GRAVEL 64 Escapes Hidrotermais e Bioprospecção dependente de ectosimbiontes viventes em seus tubos digestivos. Outros organismos como o mexilhão Bathymodiolus azoricus (Fig. 4A) e os tubos de vermes Ridgeia piscesae (Fig. 4C) são igualmente adaptados em tais condições ambientais, assim como outras espécies de mexilhões (Fig. 4D). “Lucky Strike” (Cristiansen, 2007) é um campo de escapes hidrotermais localizado ao sul do arquipélago dos Açores na dorsal mesoatlântica. Descoberto em 1993 representa a maior área hidrotermal conhecida com 21 chaminés ativas ocupando 150 km². As chaminés estão situadas a uma profundidade de 1.700 m ao redor de um lago de lava fóssil. A temperatura da água superior a 300ºC é ejetada pelos escapes. A fauna de mexilhões é bastante densa além de outras 65 espécies biogeograficamente distinta de outros escapes presentes na dorsal meso-atlântica. Outros escapes hidrotermais descobertos foram denominados de Menez Gwen, em 1994, de Rainbow, em 1997, de Saldanha, em 1998 e de Ewan, em 2006. Todos localizados ao sul do arquipélago dos Açores. O aumento crescente no conhecimento científico relativo ao piso marinho profundo, incluindo as regiões sob jurisdições nacionais, bem como aquelas situadas da área Internacional dos Fundos Marinhos (Área) ordenada pela International Seabed Authority (ISA), despertou o interesse de muitas empresas (ex. Nautilus, Neptune) na exploração dos recursos naturais nele contido. Sob esse prisma, o fundo marinho profundo revelou-se promissor como fonte de metais básicos e preciosos, através do estudo dos nódulos polimetálicos, crostas cobaltíferas e sulfetos polimetálicos. Tornou-se igualmente importante para a biodiversidade e espécies raras e recentemente descobertas. Nessa dualidade de interesses, os impactos ambientais dessas atividades ainda não totalmente pesquisados um conhecimento científico adequado sobre eles, torna-se necessário. Por outro lado, a legislação é complexa ou ausente para muitas atividades nas águas internacionais e um aumento nas medidas de gerenciamento e legislação para balancear a conservação ambiental e o desenvolvimento econômico relativo à extração de recursos torna-se necessária. Todo o panorama discutido na presente nota ocorre em locais de atividade tectônica que no Atlântico encontra-se especialmente vinculada a dorsal meso-atlântica. As fontes hidrotermais presentes suportam ecossistemas independentes da luz solar como fonte de energia. Os organismos presentes são únicos e adaptados a temperaturas elevadas e variadas em um ambiente potencialmente tóxico, com presença de variada gama de bactérias quimioautróficas. O piso marinho do mar profundo abriga um sistema de bio-geosfera complexo presente no ambiente oceânico. Até o momento só uma pequena parte dos processos interativos presentes são conhecidos, sendo necessária a construção de um suporte científico para estudo integrado dos processos físicos, geológicos, químicos, biológicos e microbianos operantes, para uma melhor compreensão desse importante ambiente. Grandes quantidades de calor e massa química são transferidas do interior para a superfície da Terra, através dos escapes hidrotermais do mar controlada em parte por esse processo. Esses locais abrigam ecossistemas extraordinários cuja fonte de energia não é o sol. Por sua vez as formas de vida que suportam a cadeia alimentar junto aos escapes hidrotermais do mar profundo também participam da formação dos minerais que constroem a estrutura das chaminés de sulfetos. A compreensão do processo de formação bioquímica de minerais, irá auxiliar no entendimento da formação de minérios em geral. Concluindo, podemos afirmar que as emanações hidrotermais com seus depósitos de sulfetos promovem um ambiente repleto por uma variedade de vida animal desconhecida anteriormente para a ciência. Dissemelhante de todas as outras formas de vida, que dependem direta e indiretamente da luz solar e da fotossíntese para sua energia, a comunidade vinculada às emanações, prospera na ausência da luz, em água quente difusa com sulfeto de hidrogênio, um produto químico altamente letal para a maioria dos outros animais. GRAVEL Martins & Nunes 65 Figura 4. Principais componentes do ambiente de Escapes Hidrotermais na dorsal meso-atlântica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARICO, S. & SLAPIN, C. 2005. Bioprospecting of Genetic Resources in the Deep Seabed: Scientific, Legal and Policy Aspects UNU-IAS Report, United Nations University, 86 pgs. New York, USA. CRISTIANSEN, C. 2007. Lucky Strike – A Potential MPA. WWF, North-East Atlantic Programme, 2pgs, Bremen Alemanha ESCARTIN, J.; SARRADIN, P.M.; SARRAZIN, S.; ROMMEVAUX-JESTIN, C. & CANNAT, M. 2005. Implementation of an observatory strategy in the Lucky Strike vent Field, Momar Geophysical Research Abstracts, vol. 7, European Geosciences Union. EU 2006. The Deep – Sea Frontier. Science Challenges for a Sustainable Future, European Commission 56 pgs, Bruxelas, Bélgica. POSTNOTE 2007. New Industries in Deep Sea. Parliament Office of Science and Technology nº 288, Londres, Reino Unido. YAMAGISHI, A. 2004. Primitive Life Form and the Forms of the Earth. Quarterly Biohistory Journal, Spring edition, http://www.brh.co.jp/en/experience/journal/40/ research_2.html. GRAVEL