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O Instituto da Propriedade no Direito Civil Constitucional e a sua Função Social.
Ana Carolina de Cerqueira Guedes Chaves1
Sumário: 1 Introdução. 2 Escorço Histórico. Origem da propriedade. 3 Propriedade.
Conceito. 3.1 Direito autoral e propriedade intelectual. 3.2 Aspectos relevantes das
propriedades intelectual e industrial. 4 Evolução da Propriedade das Constituições
Brasileiras e a sua Função Social. 5 Conclusões. Referências
Resumo: O presente artigo tem por finalidade a análise do instituto da
propriedade no Direito Civil Constitucional, bem como a sua função social no
ordenamento jurídico pátrio, com ênfase no estudo da função social da
propriedade intelectual. Inicia-se com um breve estudo da propriedade no direito
brasileiro, além de sua evolução histórica e origem, para posteriormente delinear
o conceito existente nas diferentes civilizações, bem como os artigos que tratam
do tema no ordenamento nacional, e a disciplina do vigente Código Civil.
Recorreu-se para a confecção do artigo à literatura clássica sobre o assunto, bem
como atual, através da consulta de artigos e texto normativo.
Palavras-chave: Propriedade; Função Social; Propriedade Intelectual.
“Faço o melhor que sei, o melhor que posso, e o
faço até o fim. Se ao final deu certo, não importa o
que dizem contra mim.”
Abraham Lincoln
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, importante esclarecer alguns conceitos vigentes em nosso
ordenamento jurídico, antes de adentrarmos propriamente na função social da
propriedade no Direito Brasileiro.
Para isso, necessário se faz um estudo avançado do que seja o instituto da
propriedade, bem como a sua evolução nas constituições brasileiras, para
posteriormente destacar a sua função social, com ênfase na função social da
propriedade.
2 ESCORÇO HISTÓRICO. ORIGEM DA PROPRIEDADE
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Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS.
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Nos primórdios da existência humana, o que hoje é chamado de
propriedade, já era utilizado pelos homens da época, quando se apropriavam de bens
móveis ou imóveis, no intuito de garantir a sobrevivência digna, de modo que nem eles
sabiam o valor significativo do instituto da propriedade em uma análise mais
aprofundada.
A necessidade levava o ser humano a participar de forma mais intensa da
aquisição de bens, tanto para suprir as necessidades básicas, como alimento, moradia,
vestuário, quanto para exercer o poder .com a apropriação de bens imóveis – terras. É
nesse contexto que as primeiras formas de demonstração de poder são percebidas, pois
os homens da Antiguidade já esboçavam a proteção aos bens que acreditavam lhes
pertencer. A luta por terras e conseqüentes conquistas fazia com que os homens se
apropriassem de glebas antes pertencentes a outros homens. A apropriação de mais e
mais terras era muito importante para a época, pois demonstrava riqueza perante a
sociedade, além do poder já mencionado. Da mesma forma, a caça e a pesca ilustram a
luta pela garantia de sobrevivência, e eram as formas encontradas pelo homem para
garantir a boa alimentação para sua família.
Neste sentido encontram-se as palavras do professor, filósofo e
constitucionalista, Máriton Silva Lima:
O homem sempre computou no número de seus direitos o de
apropriar-se de certos bens. Os jurisconsultos romanos
definiram isso numa fórmula célebre, ou seja, a propriedade é o
direito de reivindicar e de conservar como seu aquilo que foi
legitimamente adquirido, de usar, gozar e dispor dessa coisa à
vontade, com exclusão de outrem, nos limites da lei. (LIMA,
2007).
Interpretando os ensinamentos do professor acima referido, o direito de
propriedade advém da lei natural, pois, analisando-se os animais irracionais, percebe-se
que eles buscam a sobrevivência adquirindo tudo que for possível para suprir as suas
necessidades. Por outro lado, o homem na condição de animal racional, vai além, pois
não busca somente a sua sobrevivência. O homem pensa no futuro, apropriando-se de
bens naturais, de consumo, fungíveis, além de bens de produção, não só para a
necessidade imediata como também para uma necessidade posterior. (LIMA, 2007).
Seguindo a linha de raciocínio do constitucionalista acima referido, “a
propriedade faz parte das tendências da natureza humana, uma manifestação de uma
necessidade fundamental do homem.” (LIMA, 2007, p.3). Resta mais do que claro que a
necessidade faz com que o homem busque um melhor aproveitamento dos bens da
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natureza, no sentido de desenvolver os bens de uso pessoal, para sobreviver de forma
digna.
Segundo Máriton Silva Lima, “é na lei de Moisés que se vêm os principais
traços da justiça social. O direito à propriedade particular é plenamente reconhecido;
por isso o furto, o roubo e a cobiça desregrada de bens alheios são condenados.”
(LIMA, 2007, p.4). Complementa sua exposição com citação da lei de Moisés: “não
roubarás... Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a sua mulher, nem o seu
escravo nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que
pertença ao teu próximo.” (LIMA, 2007, p.4).
Percebe-se, assim, que desde antes de Cristo que o instituto em comento
vem sendo abordado na sociedade, porém sem uma regulamentação específica.
Ressalte-se, por bem, o momento em que a própria Bíblia Sagrada traz o mandamento
de “não cobiçar a casa de teu próximo”, conforme demonstrado anteriormente. Desta
forma, observa-se que o direito à propriedade já era enraizado na sociedade da época.
Segundo Alessandra de Abreu Minadakis Barbosa, a propriedade sempre
esteve presente, em qualquer de suas formas de manifestação, e em qualquer tipo de
cultura ou época. Ao citar Rodrigo Baptista Martins, complementa a autora que a
propriedade é o direito mais internacional que existe, e o menos regionalista.
(BARBOSA, 2007). É impossível precisar a sua origem em determinado momento
histórico, pois conforme dito alhures, a propriedade sempre esteve presente desde os
primórdios das sociedades.
Na Grécia Antiga, este instituto foi extremamente estudado e aplicado pela
sociedade, e já admitia-se a propriedade privada, que veio a se consolidar no final do
século VII a.C. Porém, foi da Roma Antiga que o conceito de propriedade, mais
próximo ao utilizado na atualidade, foi constituído, e, citando Luciano de Souza Godoy,
relata a autora supracitada que na Roma arcaica do século II a.C., “a propriedade
imobiliária era presumida como coletiva, pertencentes às gens. Somente na época de
Justiniano os vários aspectos da propriedade foram concentrados no ius utendi et
abutendi re sua, definição inspirada numa das lei das Pandectas.” (SIC) (BARBOSA,
2007, p.1).
O que se percebe da época Antiga é que a propriedade tinha caráter
comunitário, predominando o domínio coletivo sobre as coisas úteis. Porém, podia-se
observar também a propriedade privada, que era reservada a objetos de cunho pessoal.
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A propriedade, então, nasce de forma plural, exceto na Nação Romana, que traz uma
propriedade unitária, absoluta, individual. (BASTOS, 1989).
Neste sentido, “os homens sempre tiveram a necessidade de se apropriar
de bens para assegurar sua sobrevivência e sua reprodução social, procurando, no
meio ambiente, os elementos necessários à sua continuidade enquanto espécie.” (sem
grifo no original) (DEL NERO, 2004, p.34). Desta forma, pode-se concluir que o
conceito de propriedade já existe desde os primórdios das civilizações.
3 PROPRIEDADE: CONCEITO
Celso Ribeiro Bastos diz que “a propriedade individual é atingida por um
caminho que passa pelo fortalecimento da propriedade familiar que se sobrepõe à
propriedade coletiva da cidade e gradativamente avulta no seio familiar a figura do
pater famílias.” (grifo no original) (BASTOS, 1989, p.117). Sendo assim, há um
processo de transição no conceito de propriedade, tendo o mesmo que se adequar a cada
época que nasce.
A propriedade, então, é um instituto, discriminado pelo próprio Código
Civil Brasileiro, que assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de um
bem, além de reavê-lo, quando injustamente esteja sob a posse de outrem.
Neste sentido, então, o Código Civil de 2002, traz em seu artigo 1.228 caput
um conceito histórico do que seja a propriedade, assim como seu parágrafo primeiro
traz um conceito analítico, senão vejamos:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e
dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou a detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância
com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que
sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei
especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada
a poluição do ar e das águas.
A partir destes conceitos, pode-se observar que para haver o direito de
propriedade, deve-se conter os elementos essenciais para a mesma, quais sejam, o uso,
gozo, disposição e reivindicação. Na falta de um desses elementos, não se terá a
propriedade.
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Importante mencionar também, as sábias palavras de Cristiano Chaves de
Farias, nas quais pontua que a propriedade “[...] é o direito real por excelência, em torno
do qual gravita o direito das coisas. [...]” (FARIAS, 2006, p. 178).
Saliente-se, ainda, que, “conceituada como instituto jurídico, a propriedade
é compreendida como o próprio direito exclusivo, que, em caráter permanente, se tem
sobre a coisa que pertence a um titular.” (DEL NERO, 2004, p.35).
Por fim, importante destacar o conceito de propriedade estabelecido por
Deocleciano Torrieri Guimarães, em seu Dicionário Técnico Jurídico. Segundo este
dicionarista, a propriedade “é o mais amplo dos direitos reais, de uso e disposição sobre
um bem, oponível erga omnes. A coisa que é objeto desse direito. O mesmo que
domínio.” (GUIMARÃES, 2004, p.446).
Concluindo sua definição, Torrieri Guimarães divide a propriedade em duas
espécies, quais sejam, corpórea e incorpórea ou imaterial. A primeira seria aquela que
incide sobre uma coisa, enquanto que a segunda seria, por exemplo, “o direito autoral
sobre trabalho intelectual de natureza literária, artística e científica.” (GUIMARÃES,
2004, p.446).
Neste aspecto, então, encontra-se o tipo de propriedade a ser analisada,
ainda, no presente artigo, qual seja, a propriedade intelectual propriamente dita, e sua
função social.
3.1 Direito autoral e propriedade intelectual
De início, necessário fazer-se referência ao direito autoral, e toda a
divergência existente a seu respeito, no que tange a sua conceituação, proteção e
natureza jurídica.
Inicialmente o direito autoral era considerado como um privilégio dado ao
autor, no sentido de utilizar e explorar a sua obra da forma que melhor lhe aprouvesse.
Posteriormente, ao direito autoral foi atribuído um caráter pessoal. Já no século XIX, o
atributo de propriedade foi dado ao referido direito. (PIMENTA, 1994). Nada mais justo
atribuir-se aos direitos autorais as características de direito pessoal e propriedade, visto
que, com esta última, confere-se maior segurança jurídica no que concerne à proteção
dos direitos autorais, e com a primeira, por se tratar de um bem imaterial criado por uma
pessoa específica, é imprescindível que esta seja reconhecida pela obra realizada.
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Em um breve relato histórico, Eduardo Pimenta traz algumas definições
acerca da natureza da obra intelectual. Para uns, a obra intelectual era considerada como
propriedade, igualando-a a uma porção de terra; outros eram completamente contrários
a esta definição, afirmando de forma convicta que a obra intelectual não pode ser
considerada como uma propriedade; outros, ainda, consideravam a obra intelectual
como um bem público. (PIMENTA, 1994).
As divergências eram muitas, mas o caráter de propriedade do direito
autoral é inconteste. Para ser considerado propriedade, não precisa ser o bem, tangível,
tanto é que tem-se no ordenamento jurídico os chamados bens incorpóreos, objeto do
presente estudo. E é exatamente neste contexto que se encaixa o direito autoral.
Segundo Eduardo Pimenta, ao seguir-se a divisão romana dos direitos do
indivíduo, percebe-se que as criações intelectuais não são de direito real, pessoal ou
obrigacional. Para ele, deveria existir um quarto tipo nesta subdivisão, qual seja o
direito intelectual. (PIMENTA, 1994).
No entendimento de Luiz da Cunha Gonçalves, citado por Eduardo Pimenta,
o direito do autor seria melhor classificado como direito de propriedade com
características especiais, pois o conceito de propriedade engloba toda a espécie de
coisas, enquanto que ao criador pertence a propriedade de sua obra, única e
exclusivamente. (PIMENTA, 1994).
Em posicionamento contrário ao já exposto, Roberto de Ruggiero, citado
por Eduardo Pimenta, diz que:
As obras de arte, literária, musical ou dramática, a invenção
científica, a descoberta industrial, em suma, todo produto do
engenho não é protegido nem regulado com as mesmas
normas que tutelam a propriedade sobre coisas corpóreas e
que, para elas, seriam inaplicáveis. Pertencem, sim, aos seus
autores, mas tal pertença só por analogia se pode chamar
propriedade e não identificar-se com ela. Melhor é, pois, falar
de direitos sobre bens imateriais e, sem condenar ou excluir as
usuais locuções de propriedade literária, industrial e artística,
para designar o direito de autor como patrimonial de natureza
real, com características particulares que o diferenciam de todos
os outros. (sem grifo no original) (PIMENTA, 1994, p.26).
Nesta esteira, encontra-se o entendimento de Bento de Faria, citado por
Eduardo Pimenta: “a produção de espírito não constitui, é certo, uma propriedade, como
a define a lei civil, mas não há como negar que é protegida como tal quando reveste
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forma material, realizada pelo escrito, tornando-se expressiva de um valor realizável em
moeda”. (PIMENTA, 1994, p.26).
Por outro lado, nas sábias palavras de Antônio Chaves, também citado por
Eduardo Pimenta, o direito do autor “é um domínio cujo objeto, o bem intelectual, tem
dupla natureza – pessoal e patrimonial – que abrange no seu conteúdo faculdades de
ordem pessoal e faculdades de ordem patrimonial”. (PIMENTA, 1994, p.26-27).
Muito louvável a colocação de Antônio Chaves, e inquestionável a sua
definição quanto a dupla natureza do bem intelectual. O caráter pessoal está intrínseco
ao criador, enquanto que o caráter patrimonial está ligado diretamente ao bem, com
reflexos no seu criador.
Segundo os ensinamentos de Magalhães Noronha, “a criação intelectual não
oferece utilidade senão através das coisas materiais, tendo por isso valor econômico e
assemelhando-se ou identificando-se com a propriedade [...]”.(PIMENTA, 1994, p.27).
Acontece que, não é necessária a materialização da criação intelectual para que tenha
esta um caráter econômico. Pode acontecer de uma idéia ser comercializada apenas
como idéia, sem precisar ser materializada para isso. Pode ocorrer, por exemplo, a
comercialização de um projeto que ainda não foi colocado em prática, ainda não foi
materializado.
Diante do exposto anteriormente, pode-se inferir que as palavras acima
transcritas tomaram um rumo equivocado. As criações intelectuais merecem o mesmo
respeito que os bens corpóreos quanto à sua proteção jurídica. Não basta interpretar por
analogia o caráter de propriedade existente nas obras imateriais. Tanto os bens
corpóreos quanto os incorpóreos fazem jus a uma regulamentação dentro do direito de
propriedade. A verdade é que a propriedade pode recair sobre um bem material ou
imaterial, então não há como deixar de considerar o caráter de propriedade às criações
do intelecto.
As criações intelectuais devem ser abarcadas pelo instituto da propriedade
pelo fato de que podem ser lançadas no conhecimento da sociedade, e para utilização
desta, além de materializadas em alguns casos. Nestas situações, ainda pode-se concluir
pela existência do requisito patrimonial, pois as criações ainda podem ser objeto de
circulação no mercado de consumo.
Os estudiosos da área jurídica, inicialmente qualificaram os direitos sobre a
criação intelectual como direito de propriedade. Acontece que, como a divergência é
uma constante na vida jurídica, alguns autores classificaram os referidos direitos no
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ramo do direito obrigacional, tendo em vista a existência de um contrato tácito entre a
sociedade e o indivíduo, criador da coisa. Uma terceira definição foi no sentido de tratar
os direitos sobre as criações intelectuais como direito pessoal. Atualmente as teorias
predominantes são as de Picard e Kohler. O primeiro define suas idéias com base na
teoria dos direitos intelectuais e o segundo com base na teoria dos direitos sobre bens
imateriais. (PIMENTA, 1994).
Analisando-se as qualificações acima citadas, percebe-se que ambas são
úteis para a compreensão e proteção das criações intelectuais. As teorias mencionadas
no final do parágrafo anterior são sinônimas uma da outra, pois direito intelectual
também pode ser considerado como direito sobre bens imateriais. A partir destas teorias
todos os outros direitos podem ser encaixados. É necessário que seja assegurada a
propriedade aos direitos intelectuais, bem como uma proteção obrigacional que possa
amparar tanto a sociedade como o criador, além de ser também um direito pessoal, pois
é o intelecto humano o principal elemento para o desenvolvimento destes direitos.
Maria das Graças Ribeiro de Souza, citada por Eduardo Pimenta, diz que o
direito pessoal só é analisado quando o bem ainda não foi lançado na sociedade.
Acrescenta, ainda, que a criação só poderá ter caráter patrimonial após a divulgação e
utilização pela sociedade. (PIMENTA, 1994).
Não merece acolhida este posicionamento, haja vista que a partir do
momento que a obra é criada, já nasce com todos os direitos a ela inerentes, pessoais e
patrimoniais. Nesta esteira encontra-se o pensamento de José de Oliveira Ascenção,
citado por Eduardo Pimenta no sentido de que “o direito surge, na totalidade dos seus
aspectos pessoais, logo com a criação da obra”. (PIMENTA, 1994, p. 28). Quando a
obra é exteriorizada, já constitui o direito patrimonial, sendo desnecessária a sua
publicação para a constituição do direito do autor. (PIMENTA, 1994).
Observa-se que, os direitos pessoais e patrimoniais estão presentes de forma
significativa na produção das obras intelectuais. Interessante seria a criação de um novo
ramo do Direito, no intuito de abarcar a proteção às obras intelectuais. Sendo assim,
nada mais justo que a criação do Direito Intelectual, englobando a proteção da
propriedade, além de assegurar os requisitos da pessoalidade e da patrimonialidade.
Neste entendimento encontra-se Eduardo Pimenta, pois expõe de forma
clara, que “o direito autoral tem ao mesmo tempo características de direito pessoal e de
direito real, citados na subdivisão romana: a intelectual, a qual preferiríamos.”
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(PIMENTA, 1994). Conclui-se, portanto, pela necessidade de disposição legal
específica para tratar da proteção ao Direito Intelectual como ramo do Direito.
3.2 Aspectos relevantes das propriedades intelectual e industrial
Não há como falar em propriedade intelectual, sem estabelecer uma análise,
da propriedade industrial. Importante relatar que o instituto da propriedade industrial já
foi tratado em diversos estatutos, convenções, acordos e constituições. Sendo assim,
necessário se faz a análise do “caminho percorrido” por este instituto.
Impende salientar que a propriedade industrial, ao contrário do que se pode
imaginar, surgiu muito antes das Revoluções Industriais. Pode-se verificar o seu início
aproximadamente 01 (hum) século antes da referidas Revoluções.
O Statute of Monopolies, foi a primeira referência feita ao instituto ora
analisado. Em 1623, as inovações nas técnicas, utensílios e ferramentas de produção,
tiveram um maior prestígio dentro da sociedade da época, o que de fato resultou em um
melhor aproveitamento para os inventores. Estes passaram a ter um maior incentivo por
parte do governo época, sendo assim, motivados para um melhor desempenho no
trabalho intelectual, englobando novas pesquisas e um aprimoramento das descobertas.
(COELHO, 2003).
De fato, o que se percebe é que este incentivo dado aos inventores tinha um
objetivo maior, que era a Revolução Industrial propriamente dita. Pode-se dizer com
certeza que, este incentivo foi uma contribuição decisiva para o “estouro” do processo
de industrialização na Inglaterra. (COELHO, 2003).
Em
relação
à
propriedade
intelectual
ou
propriedade
imaterial,
especificamente, trata-se de um instituto relativamente novo, e que vem sendo discutido
cotidianamente pelos aplicadores do Direito da atualidade.
Em 1967 constituiu-se a OMPI (Organização Mundial da Propriedade
Intelectual), englobando, inclusive, as Convenções de Paris e de Berna, que serão
estudadas em tópicos específicos.
Importante salientar a brilhante explanação de Denis Borges Barbosa:
A Convenção da OMPI define como Propriedade Intelectual, a
soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e
científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às
execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às
emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios
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da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos
e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de
serviço, bem como às firmas comerciais e denominações
comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os
outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios
industrial, científico, literário e artístico. (BARBOSA, 2003,
p.1).
Muito tempo antes da definição trazida pela OMPI, a propriedade intelectual
era voltada basicamente para os direitos autorais. A propriedade intelectual, então, pode
ser compreendida, nos dias atuais, como parte da propriedade industrial.
O instituto da propriedade intelectual, na verdade, pode ser dividido em dois
“sub-institutos”, se é que assim podem ser chamados. Têm-se, então, a propriedade
autoral e a propriedade industrial como espécies da propriedade intelectual.
Há um enorme conflito entre os doutrinadores quanto à conceituação dos
institutos da propriedade intelectual e propriedade industrial. Deve-se analisar, portanto,
a visão de doutrinadores que acreditam na existência do instituto da propriedade
imaterial como gênero, e as propriedades autoral (ou intelectual) e industrial como
espécies. Esta parte da doutrina acredita, então, que a propriedade autoral é um
sinônimo da propriedade intelectual, sendo, portanto, espécie da propriedade imaterial.
Por outro lado, saliente-se, ainda, a grande maioria dos doutrinadores que
confundem os institutos em comento, tomando um pelo outro, de forma aleatória, sem
qualquer distinção.
A propriedade intelectual é, exatamente, a produção de obras literárias,
artísticas e cientificas. Trata-se de uma criação da mente humana, que gera uma “coisa”,
por muitas vezes aproveitada pela sociedade. Saliente-se que, a propriedade intelectual é
um bem imaterial, pois nasce do intelecto humano.
A propriedade intelectual se refere a idéias do intelecto humano. Trata-se de
uma construção lógica, que acaba por gerar uma invenção, uma criação. esta criação,
portanto, é o objeto tangível da propriedade. É a partir do espírito criativo do inventor,
das necessidades econômicas e sociais, que nasce a criação. E é com esta que se
estabelece a proteção à propriedade intelectual. As idéias desenvolvidas é que geram a
criação. Trata-se de idéias nunca antes imaginadas, ou então não materializadas, e é
neste momento que se subtrai o direito à propriedade intelectual. (DEL NERO, 2004).
Desta forma, a proteção a este instituto assegura ao inventor da “coisa” o
direito sobre a sua criação. A propriedade dos bens imateriais constitui, então, no direito
à propriedade intelectual.
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A propriedade intelectual, então, é um direito assegurado ao inventor em
decorrência de uma criação sua. Acontece que, em se tratando de propriedade
intelectual, nem sempre os elementos da propriedade como direito real, tratados linhas
acima, serão de exclusividade do inventor.
Sendo assim, entende-se que, a criação intelectual realizada pelo inventor
pode ser usada e gozada por terceiros, até porque se for utilizada única e exclusivamente
pelo inventor, a sua criação não será levada a conhecimento da sociedade, e por
conseqüência, não será considerada uma invenção sua.
Cumpre salientar que, o criador da “coisa” pode se socorrer de duas
alternativas: ou ele torna público o seu invento e admite a utilização por terceiros, ou
simplesmente guarda para si, usufruindo sozinho de sua criação.
Neste momento, então, impende demonstrar o tratamento do instituto da
propriedade intelectual na atualidade. Como já foi visto linhas acima, a propriedade é
um direito assegurado àquele que possui o direito de uso, gozo, disposição e
reivindicação de determinado bem.
Tratando-se da propriedade intelectual, todo aquele que cria uma “coisa” a
partir de seu intelecto, deve ter garantido o direito sobre o invento. Sendo assim, trata-se
de um direito personalíssimo.
Definindo a propriedade intelectual, Luiz Otávio Pimentel, citado por
Marcos César Botelho, escreve com muita propriedade o seguinte:
As diversas produções da inteligência humana e alguns
institutos afins são denominadas genericamente de propriedade
imaterial ou intelectual, dividida em dois grandes grupos, no
domínio das artes e das ciências: a propriedade literária,
científica e artística, abrangendo os direitos relativos às
produções intelectuais na literatura, ciência e artes; e no campo
da indústria: a propriedade industrial, abrangendo os direitos
que têm por objeto as invenções e os desenhos e modelos
industriais, pertencentes ao campo industrial. (grifo no original)
(BOTELHO, 2007, p.4).
Neste sentido, interessante demonstrar que a propriedade intelectual pode
ser dividida em: direitos autorais e direitos industriais. Como conseqüência destes temse a propriedade autoral e a propriedade industrial, respectivamente.
Os direitos industriais englobam as marcas, patentes de invenção e modelos
de utilidade, desenhos industriais e concorrência desleal. Acontece que, para o presente
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trabalho o importante é analisar as patentes de invenção, que por conseqüência são o
objeto do estudo da propriedade intelectual dos empregados.
Para um melhor entendimento, mister salientar os posicionamentos
existentes na doutrina brasileira acerca do tratamento dos institutos discriminados
acima, pois a divergência não é pouca quando se trata da natureza destes institutos.
Grande parte da doutrina considera que a propriedade imaterial é gênero do
qual a propriedade autoral e a propriedade industrial são espécies. Este posicionamento,
inclusive, é o adotado no presente trabalho, destacando-se que a propriedade imaterial
pode ser denominada de propriedade intelectual.
Um outro lado doutrinário, admite que, na discussão das possíveis
nomenclaturas dos institutos em questão, não é possível diferir um do outro,
considerando-se, assim, todos como sinônimos, sem fazer distinção alguma, referindose a todos como um único instituto.
Conclui-se que, a primeira doutrina, ora apresentada, mostra-se a mais
adequada, haja vista que a propriedade intelectual é imaterial por natureza, enquanto
que as outras duas encontram-se na forma concreta.
4 EVOLUÇÃO DA PROPRIEDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E A
SUA FUNÇÃO SOCIAL
O instituto da propriedade já vem sendo abordado no ordenamento jurídico
brasileiro desde os primórdios da Constituição Imperial de 1824. Em análise às
Constituições Brasileiras, pode-se observar uma relevante evolução quanto ao conceito
de propriedade.
Em 1824, com a Constituição Imperial, que recebeu forte influência da
Constituição Francesa de 1814, o direito de propriedade era garantido “em toda a sua
plenitude”. Acrescente-se, ainda, que quando o Estado precisava intervir em uma
propriedade, era necessário o pagamento de uma indenização para o proprietário. Além
disso, saliente-se que neste mesmo diploma, era garantida a proteção intelectual, no
sentido de que quem produzisse teria a propriedade da sua produção. (OLIVEIRA,
2007).
Nesta linha de raciocínio, Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Andréa
Leite Ribeiro de Oliveira, em artigo publicado no livro “Função Social no Direito
Civil”, acrescentam que tanto na constituição de 1824 quanto na de 1891, o direito de
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propriedade era garantido em toda sua plenitude. Além disso, reafirmam que não era
prevista qualquer restrição à propriedade, bem como limitação ao exercício do referido
instituto, até porque, esta plenitude era assegurada e derivada do pensamento liberalista.
(GAMA, 2007).
A Constituição de 1891 foi a primeira Constituição Republicana, e,
conforme acima explanado, continuava com os ideais do Liberalismo acrescidos pela
Constituição de 1824, também garantindo o direito à propriedade plena, além de
liberdade de profissão, dentre outras garantias. (OLIVEIRA, 2007).
Esta Constituição, portanto, acrescentou que as minas existentes na época
pertenceriam ao proprietário do solo, salvo limitações estabelecidas por lei, ou seja, o
proprietário do solo também seria o proprietário do subsolo. (OLIVEIRA, 2007). Esta
foi uma característica trazida por esta constituição no sentido de assegurar a plenitude
da propriedade.
Acontece que, com a Emenda Constitucional número 26, a propriedade do
subsolo foi negada aos estrangeiros. Então estes somente poderiam ser proprietários do
solo, verificando-se, assim, que a propriedade já não contemplava a sua plenitude.
(OLIVEIRA, 2007).
Ressalte-se que, a Constituição de 1934, inovou a disposição acerca do
instituto da propriedade, já abordado nas constituições anteriores, considerando o
seguinte:
As minas e demais riquezas do solo, bem como as quedasd’água, como propriedade distinta da do solo para efeito de
exploração ou aproveitamento industrial, e que o direito à
propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou
coletivo. (OLIVEIRA, 2007, p.5).
Analisando-se o texto acima transcrito, percebe-se que o princípio da função
social da propriedade iniciou a sua aplicação no ordenamento pátrio, garantindo aos
interesses sociais e coletivos uma maior proteção. Por outro lado, segundo afirmam
Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Andréa Leite Ribeiro de Oliveira:
A norma constitucional, entretanto, não conseguiu absorver um
novo conceito de propriedade privada, apenas concedendo a
possibilidade de a lei alterar o conteúdo da propriedade,
sujeitando-a ao interesse comum e social. A Constituição, assim,
carecia de auto-aplicabilidade e ficou dependente de uma lei que
não foi editada. (GAMA, 2007, p.46).
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Percebe-se, assim, que esta Constituição trouxe a idéia de intervencionismo
estatal, ou seja, ocorria na época uma política interventora, que visava possibilitar a
todos uma vida digna, com liberdade econômica, porém com limites, demonstrando o
caráter do intervencionismo.
Note-se que, as constituições de 1937 e 1942 seguiram o mesmo caminho da
Constituição de 1934, mantendo os princípios constantes na mesma, inclusive,
aumentando o caráter interventor do Estado. (OLIVEIRA, 2007). A Constituição de
1937, também chamada de Polaca, reafirmou o princípio da função social da
propriedade estabelecido nas constituições anteriores, porém, da mesma forma que a
Constituição de 1934, condicionou esta idéia ao interesse público. (GAMA, 2007).
Por outro lado, o constituinte de 1946, foi o primeiro a tratar de forma
efetiva sobre o princípio da função social da propriedade; “condicionou o exercício do
direito de propriedade ao bem-estar social, permitindo a promoção da justa distribuição
da propriedade.” (GAMA, 2007, p.46).
Pode-se verificar que, o constituinte de 1946 foi mais direto e corajoso,
considerando o bem-estar social como um requisito necessário para a garantia da
propriedade. Esta Constituição buscava a livre iniciativa, abrindo o Estado para o
mercado internacional. Protegia-se a iniciativa privada e o trabalhador. Tratava-se de
uma Constituição Neoliberal.
Analisando-se a Constituição de 1967, verifica-se que esta foi a primeira a
tratar da função social da propriedade como um princípio de fundamentação da ordem
econômica e social, apesar de não qualificá-la como um direito fundamental de todo
cidadão. (GAMA, 2007). Acrescente-se, por bem, que tratava-se de uma constituição
intervencionista, da mesma forma que as Constituições de 1937 e 1942, conforme
explicado linhas acima, além de possuir o agravante do seu período de vigência, pois o
Brasil passava por uma época ditatorial, quando a economia estava sujeita aos desígnios
dos militares.
Com o intuito de que a propriedade também fosse exercida pelos não
proprietários, foi na Constituição “Ditatorial” de 1967 que foi assegurada a propriedade
com sua função social. Por outro lado, na CF/67 a idéia da função social da propriedade
só abrange a Ordem Econômica, ferindo totalmente o caráter de unidade da
Constituição.
Por fim, cumpre destacar a atual Constituição da República Federativa do
Brasil, datada de outubro de 1988. A função social da propriedade é um tema de suma
15
importância para os dias atuais, e a referida Constituição veio para enfatizar e melhorar,
algo que já estava querendo ser embutido no ordenamento jurídico.
A referida Constituição “incluiu a propriedade e a função social da
propriedade no rol dos direitos e garantias fundamentais.” (GAMA, 2007, p.47).
Observa-se, desta forma, que o instituto em questão e sua função social passaram a fazer
parte das cláusulas pétreas da Carta Magna. O constituinte de 1988 deu maior atenção
ao instituto, “prevendo condições para o seu atendimento e estabelecendo as sanções
pertinentes, em caso de descumprimento dessas normas.” (GAMA, 2007, p.47).
A função social da propriedade prevista da Constituição de 1934 até antes
do advento da Constituição de 1988, representava uma mera norma programática,
enquanto que, com a promulgação da Constituição Cidadã, passou a ter um caráter
normativo auto-aplicável. (GAMA, 2007).
A função social da propriedade não está presente somente no artigo 5º da
Constituição do Brasil. Existem outros dispositivos constitucionais que retratam este
princípio, de forma a atribuí-lo a força normativa acima referida.
Apesar de recente proteção jurídica no ordenamento brasileiro, a função
social da propriedade recebeu contribuições significativas da Igreja medieval e sua
doutrina. Nas palavras de Telga de Araújo, citado por Lucas Hayne Dantas Barreto:
Desde Santo Ambrósio, propugnando por uma sociedade mais
justa com a propriedade comum, ou Santo Agostinho,
condenando o abuso do homem em relação aos bens dados por
Deus, e Santo Tomás de Aquino, que vê na propriedade um
direito natural que deve ser exercido com vistas ao bonum
commune, até aos sumos pontífices que afinal estabeleceram as
diretrizes do pensamento católico sobre a propriedade, sempre
em todas as oportunidades, a Igreja apreciou a questão
objetivando humanizar o tratamento legislativo e político do
problema. (grifo no original) (BARRETO, 2007, P.3).
Nesta esteira, Luciano Lima Figueiredo acrescenta que, “a própria Igreja
Católica inicia a defender necessidade de um exercício mais solidário deste direito, o
qual deveria beneficiar os proprietários e a coletividade (não-proprietário).”
(FIGUEIREDO, 2007a, p.168).
A Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, em 1891, foi a pioneira a
tratar da questão da função social acima referida. Nesta época começou-se a discutir
acerca da contribuição ao bem comum, a partir do uso da propriedade. (BARRETO,
2007). Outras Encíclicas ainda podem ser citadas como defensoras da função social da
16
propriedade, tais como, a Mater et Magistra, do Papa João XXIII, em 1961, e a
Quadragesimo anno, de 1931. (FIGUEIREDO, 2007a).
Nos dias atuais, o que se percebe é que o princípio da função social da
propriedade demonstra claramente a constitucionalização do direito civil, questão tão
difundida e discutida entre os operadores do Direito. (FIGUEIREDO, 2007b). Percebese, assim, que a função social da propriedade vem alcançando um lugar de destaque nas
discussões jurídicas atuais.
O constituinte de 1988 deixou para traz a óptica do ter, para preocupar-se
com o ser. (FIGUEIREDO, 2007b). Por outro lado, segundo Máriton Silva Lima, o ser e
o ter devem caminhar a par, no sentido de darem uma maior segurança e sustentação ao
homem, permitindo-lhe chegar à sabedoria plena. (LIMA, 2007).
Considerando-se que o Código Civil Brasileiro de 1916 (CC/16) dispunha
em seu texto legal a óptica do ter, e tendo em vista que a CF/88 foi promulgada ainda na
vigência deste, houve um clamor no sentido de elaborar um novo diploma legal. Este
clamor, de fato, contribuiu para a elaboração do Código Civil de 2002. (FIGUEIREDO,
2007b). Sendo assim, pode-se inserir do atual Código Civil a idéia do ser, tornando
eficaz a idéia da socialização dos direitos.
Na Carta Constitucional de 1988, a propriedade é vista como um direito
fundamental ao cidadão, haja vista que o instituto está disposto no artigo 5º do referido
diploma, tratado como uma cláusula pétrea no ordenamento jurídico nacional.
Da leitura da atual Constituição Brasileira, pode-se inferir que a função
social da propriedade, além de ser tratada no capítulo “Da Ordem Econômica”, também
está tratada no artigo 5º, como direito fundamental ao cidadão, conforme explanado
acima.2
A partir do momento que a função social da propriedade é colocada no
artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, já está generalizando para
outros institutos. Então, verifica-se que se trata de um princípio, e como tal, também se
aplica a outras modalidades de propriedade.
O que se percebe, na verdade, é que ao mesmo tempo em que o Estado
garante o direito de propriedade, condiciona o mesmo à uma função social. Acontece
2Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII – é garantido o
direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; [...]. (sem grifo no
original).
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que a idéia de propriedade não pode ser limitada a um direito. É imprescindível que
exista a função social, para uma efetiva aplicação do direito de propriedade.
Saliente-se, ainda, importante definição de propriedade no contexto da atual
Constituição Brasileira, segundo o jurista Paulo Luiz Netto Lôbo:
A concepção de propriedade que se desprende da Constituição, é
mais ampla que o tradicional domínio sobre coisas corpóreas,
principalmente imóveis, que os códigos civis ainda alimentam.
Coenvolve a própria atividade econômica, abrangendo o
controle empresarial, o domínio sobre ativos mobiliários, a
propriedade de marcas, patentes, franquias, biotecnologias e
outras propriedades intelectuais. [...] (LÔBO, 2007, p.11).
Pelas colocações acima citadas, pode-se inferir que a propriedade, com a
evolução da sociedade e com as necessidades do ser humano, adquiriu uma ampla
concepção, englobando não só os bens palpáveis, como também os bens advindos do
intelecto humano, gerando assim a propriedade intelectual.
Nesta esteira, deduz-se a existência de uma função social das propriedades,
pois o instituto da propriedade engloba não só a rural e a urbana. A partir do momento
que a CF/88 destaca a função social da propriedade em mais de um artigo de forma
ampla, está abrangendo o conceito do referido instituto e suas diversas conotações do
âmbito de um Direito Civil Constitucional.
Inicialmente, com o surgimento da propriedade, a sua conotação era plural e
temporária. (RIZZARDO, 2004). A partir deste momento, o homem iniciou com a
apropriação de utensílios de sobrevivência, no intuito de suprir as necessidades da
família. Logo em seguida, evoluiu para a apropriação de bens imóveis, ainda que
temporária, com o intuito de alojar de forma una a sua família. A noção de coletividade
como característica da propriedade não deixava de existir. (FIGUEIREDO, 2007a).
Logo a propriedade imóvel com características do nomadismo deixou de
existir, para dar lugar à propriedade privada. Neste contexto, o homem passou a fixar-se
em um local apenas, configurando a privatização da propriedade. (FIGUEIREDO,
2007a).
Foi em Roma, que nasceu a idéia de propriedade como algo uno e absoluto.
Desta forma, a idéia inicial de pluralidade e coletividade da propriedade fica para traz,
dando origem a uma tentativa frustrada de unitariedade. Por outro lado, com o sistema
feudal, a propriedade passa a ser tratada de forma desmembrada, voltando para sua
forma inicial de pluralidade e coletividade. (FIGUEIREDO, 2007a).
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Desta forma, conforme dito linhas acima, a função social deve ser das
propriedades, e não da propriedade. Além das propriedades urbana e rural, a
Constituição do Brasil garante a propriedade sobre os bens incorpóreos, na qual se
encaixam a propriedade intelectual ou imaterial, como gênero, e as propriedades
industrial e autoral como espécies.
Corroborando com este entendimento, e acrescentando informações
relevantes para esta compreensão, encontram-se as palavras do professor Luciano Lima
Figueiredo, em artigo publicado na Revista dos Mestrandos em Direito Econômico pela
UFBA:
O próprio conhecimento humano, devidamente registrado,
passou a ser protegido como forma proprietária, possibilitando
ao seu titular exclusiva exploração por um dado lapso temporal
(monopólio).
É a propriedade imaterial ou intelectual, a qual ganha cada vez
mais espaço e importância, através da propriedade industrial
(patentes, modelos de utilidade, desenhos industriais, e marcas)
e autoral.
A pluralidade proprietária é reconhecida na própria ordem
constitucional vigente, no momento em esta tutela bens
incorpóreos, propriedade urbana, propriedade rural, e à
propriedade, genericamente mediante cláusula geral.
(FIGUEIREDO, 2007a, p. 165-166).
Por fim, impende demonstrar a concepção jurídica da propriedade, dentro de
uma análise atual, que se enquadra nos parâmetros evolutivos da sociedade e do
desenvolvimento econômico.
Segundo os esclarecimentos trazidos por Patrícia Aurélia Del Nero, acerca
da transição do conceito de propriedade como algo concreto para um conceito mais
amplo, incluindo assim os bens imateriais:
Com o advento da sociedade industrial e com o respectivo
desenvolvimento da produção, que passa a incluir o domínio das
técnicas sofisticadas, sobretudo a incorporação da própria
ciência como força diretamente envolvida nos processos de
criação e produção, a concepção jurídica ampliar-se-à, buscando
demarcar o campo de domínio do próprio conhecimento, e não
apenas das coisas em si, das mercadorias. (DEL NERO, 2004, p.
39).
Desta forma a idéia de propriedade era voltada única e exclusivamente para
a obtenção de bens corpóreos. Acontece que, com o desenvolvimento do ser humano, o
trabalho intelectual por este realizado, passou a ter uma maior valorização, destacando
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de forma precisa a propriedade de bens incorpóreos, já elencada no corpo
constitucional.
5 CONCLUSÕES
A propriedade, como instituto do Direito Civil Constitucional, merece um
estudo específico e detalhado no que tange a sua função social. Além disso, dando um
maior enfoque na propriedade intelectual, a partir deste estudo, algumas conclusões
podem ser retiradas.
A constitucionalização do Direito Civil é determinada, também, pela função
social da propriedade, pois a óptica do ter, presente nas constituições brasileiras, deixa
espaço para a óptica do ser. A atual ConstituiçãoA função social da propriedade passa a
ser um princípio assegurado constitucionalmente.
A partir da análise da função social da propriedade, dentro de um direito
Civil Constitucional, verifica-se a existência de uma função social das propriedades,
pois a propriedade engloba não só a rural e a urbana, como também a propriedade
intelectual ou imaterial, como gênero, e as propriedades industrial e autoral como
espécies.
Pôde-se observar, portanto, o estudo mais aprofundado no que diz respeito a
propriedade intelectual e sua função social, destacando, por bem, que não se trata de
função social da propriedade, pois o conceito deste instituto no ordenamento jurídico
pátrio é muito mais amplo do efetivamente era tratado anteriormente.
Com a evolução da normatização brasileira, bem como das constituições, a
função social da propriedade sofreu uma ampliação considerável. Para ser considerado
propriedade, não precisa ser o bem, tangível, tanto é que no próprio ordenamento
jurídico pode-se encontrar os chamados bens incorpóreos.
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20
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