Valor do Conhecimento: uma abordagem sociológica do mercado ST09 – Empresas, Mercados e Sociedade Maurício Reinert Universidade Estadual de Maringá - UEM Resumo As pesquisas em SE têm impulsionado a busca por maneiras alternativas à Teoria Econômica para explicar o mercado. Para diversos bens, o mercado funciona conforme apresentado pelos economistas, entretanto para outros isso não ocorre. Além disso, aspectos considerados pelos economistas exógenos ao mercado podem influenciá-lo. Um desses componentes deixados de fora são os significados. No intuito de colaborar para essa discussão sobre o mercado é apresentada a seguinte questão de pesquisa: Como o significado atribuído ao conhecimento influencia o seu valor? O conhecimento tem impacto no desenvolvimento econômico. Cada vez mais ele vem sendo tratado como um bem que pode ser transacionado no mercado. Neste mercado os aspectos simbólicos e culturais adquirem importância central, visto que, por causa das suas características, o valor do conhecimento é difícil de precisar, o que dificulta a aplicação da lógica do preço. O valor econômico de um bem não está descolado do seu valor social. Portanto, para se compreender o valor econômico do conhecimento é preciso compreender qual seu valor social, qual o significado subjetivo que tem para um grupo social. O conhecimento é gerado num contexto histórico, social e institucional, e o seu valor atribuído nesse contexto. Ele decorre do significado do conhecimento para a sociedade. Portanto é preciso compreender esse significado para se compreender o mercado do conhecimento. Introdução O Mercado tem ocupado cada vez mais espaço na vida de todos. Este conceito abstrato que está entre os fundamentos do mainstream do pensamento econômico dos séculos XX e XXI torna-se concreto para as pessoas comuns nas relações de troca do dia-a-dia e por intermédio das notícias na imprensa e dos comentaristas econômicos, cada vez mais presentes e valorizados. Para os economistas do mainstream o Mercado tem a capacidade de regular as transações por meio do preço, sem que seja necessária uma regulação externa, seja do Estado seja de qualquer outra instituição (SATZ, 2010). A crise de 2008 trouxe um desafio para esse pressuposto, pois se o Mercado é capaz de se regular como foi possível ocorrer uma crise dessa magnitude (DAVIS, 2009)? As críticas ao pensamento econômico do mainstream não são novas, mas se acirraram com a situação atual. Uma das criticas que tem se fortalecido é a de que a forma com que os economistas encaram o mercado precisa ser repensada. A Filosofia Política, a Ciência Política e a Sociologia, entre outras, tem apresentado alternativas a visão econômica (ZELIZER, 2011; SATZ, 2010; MARTES, 2009; GRAÇA, 2009; FLIGSTEIN, 2001). As pesquisas em Sociologia Econômica (SE) têm crescido, impulsionando a busca por maneiras alternativas de explicar o funcionamento do Mercado. Para diversos bens e serviços o mercado pode funcionar conforme apresentado pelos economistas, entretanto, para outros, isso não ocorre seja por questões sociais (SATZ, 2010), seja por características próprias dos bens transacionados (KARPIK, 2010). Além disso, aspectos considerados pelos economistas exógenos ao mercado podem influenciá-lo, bem como os seus resultados (SWEDBERG, 2005). Mesmo a Nova Economia Institucional e a Economia Comportamental assumem o comportamento econômico dentro de pressupostos racionalistas que pouco são encontrados na realidade empírica. Um desses componentes que os economistas deixam fora do mercado são os significados (SMELSER; SWEDBERG, 2005). Na perspectiva econômica, o ator econômico é racional, no sentido da racionalidade instrumental weberiana (WEBER, 2000). A racionalidade substantiva, aquela orientada por valores é esquecida, e com ela os significados. Os significados para os economistas são decorrentes das preferências associadas a preço e quantidade, enquanto na sociologia econômica os significados precisam ser compreendidos a partir do contexto social em que o indivíduo está inserido (SMELSER; SWEDBERG, 2005). Eles são socialmente construídos (BERGER e LUCKMANN, 1997). Existem diversos mercados que o mainstream da economia procura explicar a partir da sua perspectiva, mas que tem recebido críticas. Em alguns as críticas tem um fundamento moral, tais como, no mercado de órgãos, no trabalho infantil (SATZ, 2010) ou na regulamentação de publicidade para alimentos infantis (PAIN e REINERT, 2013), em outros a crítica está na dificuldade do estabelecimento de preços dos objetos transacionados, como por exemplo, o mercado de vinho ou o de artes (KARPIK, 2010). Um mercado que tem interessado a Teoria Economia, mas que possui características que podem atrair críticas, tanto na questão moral quanto em relação ao estabelecimento de preços é o mercado do conhecimento. A noção de que o conhecimento tem um impacto importante no desenvolvimento econômico não é nova (SCHUMPETER, [1934] 2011; ARBIX, 2010), e a sua importância em nossa sociedade e nas organizações vem sendo reforçada a cada dia. Cada vez mais ele vem sendo tratado como um bem que pode ser transacionado no mercado (SHUMAR, 1997). É fundamental entender como é construído e estruturado esse mercado para se poder compreender melhor o seu impacto. O mercado do conhecimento é amplo, ele abrange aspectos diferentes que vão desde a privatização da educação até a discussão sobre a regulamentação das patentes e as inovações. Neste mercado os aspectos simbólicos e culturais adquirem importância central, visto que, por causa das suas características, o conhecimento pode ser tratado como um bem singular, ou seja, um bem cujo valor é difícil de precisar e por isso a lógica do preço, tal qual aplicada pelo mainstream da economia, tem dificuldade de ser aplicada (KARPIK, 2010). O valor econômico, o quanto um indivíduo está disposto a pagar por um bem (bens e serviços) não está descolado do seu valor social, o quanto às pessoas de um grupo percebem algo como valioso (ASPERS; BECKERT, 2011). Em virtude disso, para se compreender o valor econômico do conhecimento é preciso compreender qual seu valor social, ou seja, qual o significado subjetivo que o conhecimento tem para um determinado grupo social. O conhecimento não é gerado em um vácuo social, ele é construído dentro de um contexto histórico, social e institucional (FOURCADE, 2009). Neste mesmo sentido o conhecimento possui um valor que lhe é atribuído dentro deste mesmo contexto (KOGUT, 2008). Esse valor decorre do significado do conhecimento para a sociedade. Portanto é preciso compreender esse significado para se compreender o mercado do conhecimento. É a esse valor e a esse significado que o preço do conhecimento no mercado estará atrelado. Para a SE o estabelecimento de preços vai além do valor econômico (BECKERT, 2011). É no intuito de colaborar para uma melhor compreensão do mercado a partir de influências não econômicas que é proposto o seguinte problema de pesquisa: Como o significado atribuído ao conhecimento influencia o seu valor? O artigo se propõe a trazer duas contribuições principais. Primeiro, apresenta uma visão alternativa à teoria econômica na análise do mercado, em especial para a análise do conhecimento, o qual tem sido foco da análise econômica, tanto na área de educação quanto na inovação. E por fim, traz o conceito de valor, em seu sentido sociológico, para dentro do mercado, justamente o que a análise econômica tenta evitar a partir da sua perspectiva racional. É nessa contraposição entre teoria econômica e sociologia econômica que o artigo apresenta uma nova perspectiva para se olhar o conhecimento a partir do mercado. Atribuição de Valor e o Preço das Coisas Adam Smith, no livro Riqueza das Nações (SMITH, 2008), já discutia questões relacionadas ao valor e preço dos bens. Smith apresenta conceitos e faz distinções que serão a base da Teoria Economia Moderna. Para ele é o trabalho que dá o valor de todas as coisas, “o trabalho, portanto, é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias”(p.33). Faz-se necessário observar que ele não distingue valor e preço, um seria traduzível no outro. Entretanto, mais adiante, ele faz uma distinção é fundamental, qual seja, a diferença entre preço real e preço nominal dos bens. O preço real é o seu valor em trabalho, já o preço nominal é o seu valor em dinheiro. Frente a impossibilidade objetiva da medida do preço real das mercadorias, o preço nominal é mais utilizado. Uma segunda distinção importante é entre preço natural e preço de mercado dos bens. O preço natural é o quanto essa mercadoria custa, ou seja, seu valor, já o preço de mercado é dado pela relação entre oferta e demanda. É essa relação que continua a ser a base da Teoria Econômica (VARIAN, 2000). Com o desenvolvimento do conceito de preferências e de utilidade marginal, a Teoria Econômica procura explicar a escolha das pessoas (HAUSMAN, 2012), e ao mesmo tempo retira dos bens o seu valor econômico intrínseco (ASPERS; BECKERT, 2011). A Teoria da Utilidade Marginal explica as escolhas não pelo valor, ou preço, natural, mas pelas preferências, as quais são exógenas e préexistentes. Dessa forma, o preço natural é substituído pelo preço de mercado, ou seja, pela relação oferta demanda (ASPERS; BECKERT, 2011). Aspers e Beckert (2011) propõem que para a compreensão do valor econômico dos bens é preciso explicar ao mesmo tempo como ele é constituído socialmente e como é resultado das relações de mercado, e que ele é inseparável do significado que esse bem possui. Eles apresentam três distinções que são importantes para essa compreensão. A primeira é a distinção entre valor de uso e valor de investimento. O valor de uso refere-se a satisfação de uma necessidade a partir das necessidade de um bem, já o valor de investimento refere-se a uma expectativa de auferir retornos monetários a partir desse bem. A segunda distinção é entre o valor individual e valor relacional. O primeiro refere-se à satisfação que o comprador busca pra si ao adquirir um bem, já o relacional está associado ao outro, seja na compra de um presente ou ao se comprar algo visando o status associado a esse produto. Por fim, a distinção entre valor funcional e simbólico. O valor funcional possibilita ao comprador utilizá-lo para a transformação da realidade física. O valor simbólico vai além dos efeitos físicos. Em geral um bem possui ambos os valores, todavia eles analiticamente independentes. Além dessas distinções, o valor econômico também está relacionado com a legitimidade social. Smith (2002), analisando os leilões, destaca a legitimidade como aspecto fundamental para a compreensão da construção social do valor econômico dos bens. Os leilões são considerados pelos economistas um mecanismo de mercado, que apesar de alguns problemas, seguem os pressupostos da Teoria Econômica (VARIAN, 2000). Segundo Smith (2002), muitas vezes a escolha pelos leilões não decorre da possibilidade de auferir melhores preços na venda de um bem, mas na legitimidade que advém da percepção de que o preço alcançado foi justo, e que o processo foi transparente. Essa busca por legitimidade influência o valor econômico do bem, pois seu vendedor poderia alcançar preços melhores caso opta-se por uma venda direta a um comprador, mas perderia a legitimidade proporcionada pelos leilões. Mercado do Conhecimento: uma abordagem sociológica A importância do papel que o conhecimento possui na Teoria Econômica não pode ser menosprezada. Hayek (1945) já discutia a importância do conhecimento na Teoria Econômica. Schumpeter ([1934] 2011) evidencia novamente essa importância, agora destacada no papel do empreendedor. Se no início a relação precisava ser reforçada dentro da Teoria Econômica, subtítulo da introdução do relatório do Banco Mundial “Building Knowledge Economies” (WORLD BANK, 2007) não deixa dúvida que o conhecimento não pode ser descolado da Teoria Econômica, especialmente a sua influência na ação econômica, “Conhecimento: coração e mente do desenvolvimento econômico”(p.xiii). Esse relatório destaca a importância do conhecimento, desde o sistema educacional até a inovação, no desenvolvimento econômico dos países. E por trás, sempre os pressupostos da Teoria Econômica sustentando as análises. A Sociologia também destaca ao conhecimento nas suas análises, mas o foco é no contexto social da produção do conhecimento, especialmente a partir da Sociologia do Conhecimento e da Sociologia da Ciência (BOUDON, 1995). Os seus impactos na esfera econômica não são aprofundados. Uma exceção é Bourdieu (2011) que discorre sobre diferentes formas de capital e a possibilidade de conversão entre os diferentes capitais. Ele argumenta que, por exemplo, que o capital cultural, o qual engloba o conceito de conhecimento, pode transformar-se em capital econômico por meio de formas de qualificação educacional. Apesar dessa possibilidade de conversão, o conhecimento ainda está alocado numa esfera fora do mercado. A análise que Bourdieu (1998) faz do sistema educacional francês não inclui claramente a noção de educação privada, apesar das contribuições para a compreensão da relação entre o diploma e o mercado de trabalho. Atualmente, cada vez mais o conhecimento acaba sendo transacionado no mercado. O primeiro exemplo é o mercado das inovações, no qual idéias, pesquisas e patentes acabam adquirindo um valor econômico. O outro é o caso do sistema educacional brasileiro, no qual, uma parte significativa das escolas é privada, e a tendência é de crescimento desse setor, seja no ensino básico, médio ou superior. A Teoria Econômica vai usar suas ferramentas na análise desses mercados, todavia deixa de lado o contexto social na análise. A Sociologia tem as ferramentas necessárias para incluir na análise dos mercados as relações, os significados e a legitimidade. Referências ARBIX, G. et al. Inovação: estratégia de sete países. Brasília: ADBI, 2010. ASPERS, P.; BECKERT, J. Value in Markets. BECKERT, J.; ASPERS, P. In.: The Worth of Goods: valuation and pricing in the economy. New York: Oxford University Press, 2011. BECKERT, J. Where do prices come from? Sociological approaches to price formation. Socio-Economic Review. v.9, n.4, 2011. BERGER, P. L., LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1997. BOUDON, R. Conhecimento. In.: BOUDON, R. Tratado de Sociologia. 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