ensino de gramática

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ENSINO DE GRAMÁTICA: PARA QUÊ?
ENSINO DE GRAMÁTICA: PARA QUÊ?
The Grammar teaching: what’s the reason?
Alexandre Leidens¹; Paulo Marçal Mescka²
¹ Acadêmico do Curso de Letras – Língua Portuguesa, URI Erechim. E-mail: [email protected]
² Mestre em Língua Portuguesa, professor do Curso de Letras, URI Erechim.
Data do recebimento: 13/10/2014 - Data do aceite: 12/12/2014
RESUMO: O ensino de Língua Portuguesa vem sendo debatido há muitos
anos no Brasil. Isso se dá, principalmente, pela escola não atingir os resultados
esperados. Os professores, em sua maioria, priorizam o ensino de gramática
tradicional em suas aulas. Por essa razão, pesquisadores e linguistas têm se
dedicado em propor uma nova metodologia para o ensino de gramática, cuja
construção de conhecimento se dê pela observação e pela reflexão do aluno.
Assim sendo, além dos benefícios de ordem pragmática e cultural, o ensino de
gramática pode, também, desenvolver as habilidades cognitivas do estudante. A
metodologia do ensino, baseada em uma concepção analítico-reflexiva da gramática, sugere uma inversão das propostas do ensino tradicional, de tal forma
que, por meio de atividades subsidiadas pela concepção analítico-reflexiva, o
aluno desenvolva competências e habilidades como a autonomia intelectual,
coerência na formulação dos pensamentos, observação, questionamento e
formulação de conceitos acerca da língua, além da iniciação à ciência. Isso se
dará de modo que o mesmo consiga, a partir da indução do professor, construir
conhecimento, sem que lhe seja ofertado nada pronto. Dessa forma, este trabalho tem como objetivo demonstrar a validade do ensino de gramática a partir
de uma concepção reflexiva. O desenvolvimento consciente do aluno, assim
como sua capacidade de pensar coerentemente e a autonomia intelectual são
quesitos a serem desenvolvidos pela escola como um todo. Assim, o ensino
de gramática em uma concepção analítico-reflexiva se torna, além do mais,
uma prática interdisciplinar.
Palavras-chave: Ensino de Gramática. Análise. Reflexão.
ABSTRACT: The teaching of Portuguese language has been discussed for many
years in Brazil. This is primarily because the school has not achieved the expected
results. Teachers, mostly, prioritize the teaching of traditional grammar in their classes.
For this reason, researchers and linguists have been devoted to propose a new meth-
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odology for teaching grammar, whose construction of knowledge should be achieved
by observation, analysis and reflection by the student. Thus, besides the benefits of
pragmatic and cultural order, the teaching of grammar can also develop the cognitive
skills of the student. The teaching methodology, based on an analytical-reflective conception of grammar, suggests a reversal of the traditional teaching proposals, so that
through activities subsidized by the reflexive-analytical grammar, the student develops
skills and abilities such as some intellectual autonomy and coherence in the formulation of thoughts, observation, questioning and formulating concepts about language
and an introduction to science. This will be achieved in a way that the student can,
from the induction of the teacher, build knowledge, although anything done will be
offered. Therefore, this work aims to demonstrate the validity of grammar teaching
from a reflective perspective. Thus, the conscious development of the students as well
as their ability to think coherently and with intellectual autonomy are requirements
to be developed by the school as a whole. Consequently, the teaching of grammar in
a reflexive-analytical conception becomes, moreover, an interdisciplinary practice.
Keywords: Teaching Grammar. Analysis. Reflection.
Introdução
O panorama atual do ensino de Língua
Portuguesa, no Brasil, é de turbulências, indecisões e resultados insatisfatórios. Grande
parte dos alunos brasileiros sai da escola
sem ser proficiente na leitura e na escrita. A
metodologia do ensino de língua tem sido
meramente elucidativa, priorizando o trabalho com a gramática tradicional, baseada,
principalmente, na repetição mecânica de
informações exteriores ao conhecimento
que o aluno tem da língua. Dessa forma, o
estudante que poderia sair da escola com sua
competência comunicativa bem estruturada,
leitor competente e preparado para o exercício da cidadania, acaba por deixá-la mal
sabendo ler, compreender e interpretar textos.
De fato, indicadores de educação (Inep,
ENEM, Prova Brasil) denotam uma lacuna
imensa do estudante brasileiro no que tange à
leitura e à escrita. A partir desses resultados,
muitos debates e discussões são travados
quanto à eficácia do ensino de Língua Portuguesa na escola, sobretudo quanto à metodologia e ao conteúdo a ser ensinado. Nesse
110
sentido, os maiores questionamentos se concentram na concepção tradicional de ensino
de língua que preenche, invariavelmente,
a maioria de seu tempo com a gramática,
geralmente, prescritiva.
Os Parâmetros Curriculares enfatizam:
O estudo gramatical aparece nos planos
curriculares de Português, desde as séries
iniciais, sem que os alunos, até as séries
finais do Ensino Médio, dominem a nomenclatura. Estaria a falha nos alunos?
Será que a gramática que se ensina faz
sentido para aqueles que sabem gramática porque são falantes nativos? A
confissão entre norma e gramaticalidade
é o grande problema da gramática ensinada pela escola. O que deveria ser um
exercício para o falar/escrever/ler melhor
se transforma em uma camisa de força
incompreensível (PCN, 2000, p. 16).
Sobre o ensino tradicional de gramática,
como visto acima, é consensual que sua
metodologia não é adequada, pois centrado
na gramática normativa e prescritiva, apenas
impõe regras aos alunos, além de inúmeras
exceções, sem que, necessariamente, façam
sentido para eles. Sob essa perspectiva, o
estudante se distancia da Língua Portuguesa,
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caindo no abismo do senso comum de que
português é difícil, e mesmo sendo falante
nativo, não conhece a língua que fala. Isso
só adiciona argumentos aos defensores da
abolição do ensino de gramática na escola.
Deveras, o descontentamento dos alunos com a Língua Portuguesa é notório, ao
mesmo tempo em que há grandes avanços
da ciência da linguagem; todavia, esses possíveis benefícios para o ensino de português
são, geralmente, deixados de lado. O ensino
tradicional, dessa maneira, resiste à implantação de uma forma inovadora de ensino
de gramática. Sob o mesmo ponto de vista,
Marcos Bagno tem uma forte opinião:
Ensinar a gramática tradicional – tal
como cristalizada nas gramáticas normativas e em boa parte dos livros didáticos disponíveis no mercado editorial
– transmitindo sem análise crítica as
classificações e definições [...], é um ato
de desonestidade intelectual – por mais
duras que essas palavras possam parecer
– ou no mínimo de ingenuidade teórica –
igualmente imperdoável para quem tem a
responsabilidade de educar. Afinal, todo
professor de português na ativa hoje, em
pleno III milênio, teve algum contato,
ainda que superficial e fragmentado,
com a ciência linguística, com a crítica
dos métodos tradicionais, com a crítica
da GT (BAGNO, 2001, p. 64).
Como se percebe no excerto acima, não
há razão para a insistência no ensino tradicional de gramática. Há, sim, uma tendência
à mudança, tanto por pesquisas direcionadas
a propostas didático-metodológicas do ensino
de gramática, como pelos avanços das várias
vertentes da ciência da língua. No entanto, o
problema só aumenta se houver resistência
dos professores em adequar suas aulas a uma
nova concepção de ensino, mesmo tendo
acesso aos avanços da linguística.
Além disso, há, também, outro equívoco
comum no ensino tradicional, que adiciona
PERSPECTIVA, Erechim. v. 38, n.144, p. 109-119, dezembro/2014
subsídios para uma imagem negativa da
Língua Portuguesa, é a propensão em se distinguir os usos da língua em certo ou errado,
bem como a valorização da modalidade de
prestígio, desconsiderando e desvalorizando
todas as outras variedades, e, por conseguinte, apoiando o preconceito linguístico. Nesse
sentido, Bagno (2013) alerta para que se
tenha cuidado ao alegar erro no português.
Pois, tudo o que a gramática normativa afirma
ser um erro é um fenômeno com uma explicação perfeitamente plausível. Além do mais,
o mesmo autor ressalta que a escola deve
respeitar a variedade linguística das pessoas,
sem discriminá-las por isso. Outrossim, é
importante, também, que a escola tenha em
mente que “[...] todo o falante nativo de uma
língua é um usuário competente dessa língua,
por isso ele SABE essa língua. Entre os 3
ou 4 anos de idade, uma criança já domina
integralmente a gramática de sua língua”
(BAGNO, 2013, p. 166).
Muitos estudiosos defendem a total
abolição do ensino de gramática da escola,
argumentando que para se desenvolver a
competência comunicativa do aluno não é
preciso que ele saiba, por exemplo, o que
é um verbo, substantivo, ou uma oração
subordinada, muito menos que decore listas
de regras, recheadas de exceções. Assim
sendo, tornar-se-ia mais produtivo que se
trabalhasse unicamente com leitura, análise,
interpretação e escritura de textos nas aulas
de Língua Portuguesa.
Em meio a toda essa discussão está o
professor que, muitas vezes, não sabe qual o
melhor caminho a seguir. Podendo estar ele,
também, internalizando concepções equivocadas sobre o ensino de português.
Em pesquisa realizada com professores do
Ensino Fundamental da rede pública estadual
de Erechim e região, Mescka e Rocha (2011)
constataram que 91% dos professores entrevistados usam prioritariamente a gramática
como instrumento de trabalho, além de que
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Alexandre Leidens - Paulo Marçal Mescka
o ensino de regras gramaticais toma conta da
maior parte do tempo das suas aulas. Além
do mais, a maioria dos sujeitos pesquisados
relatou acreditar que a finalidade do ensino
de gramática está em falar e escrever corretamente, de maneira que o aluno seja bem
aceito na sociedade, bem como supõe que o
trabalho com a gramática se fundamenta no
aprimoramento do desempenho linguístico
dos alunos. Em suma, pode-se afirmar que
a maioria dos professores crê que ensinando
regras gramaticais estão ensinando os alunos
a ler, escrever e falar melhor.
Percebe-se, assim, que o ensino de gramática precisa ser reformulado, de forma a
fazer sentido, tanto para professores quanto
para estudantes. Assim, este trabalho tem
como objetivo demonstrar a validade do ensino de gramática a partir de uma concepção
reflexiva.
A Gramática Analítico-Reflexiva
A concepção do docente sobre o que seja
gramática e como pode se dar seu ensino
influi diretamente na qualidade da aula que
ministra (POSSENTI, 1996). Dessa forma, o
principal agente responsável pelo ensino de
língua é o professor, de modo que sua atualização é primordial para a revitalização das
aulas. Assim, com a capacitação e comprometimento por parte dos professores, poderse-á fazer, no ensino de Língua Portuguesa,
uma reestruturação quanto à sua metodologia, aproveitando as inúmeras possibilidades
oferecidas pela língua, as capacidades que o
aluno já tem, além dos estudos já realizados
sobre o assunto.
Convém citar que existem, hoje, muitos
autores debruçados em apresentar alternativas científicas para o ensino de gramática.
É nesse contexto que a gramática analíticoreflexiva ganha força, propiciando melhorias
consideráveis quanto ao desenvolvimento
112
dos processos mentais do aluno, e sobretudo,
apresentando justificativas convincentes.
Tudo isso se dá a partir das pesquisas realizadas por inúmeros estudiosos com o intuito
de fazer uma reestruturação da metodologia
do ensino de gramática.
A gramática é um conhecimento que,
aparentemente, não tem aplicação prática
tão evidente, de modo que se pode viver e
trabalhar em inúmeras funções sem que se
saiba questões de teoria gramatical; todavia,
conhecer alguns pontos dessa ciência é visto
como questão sine qua non para a formação
do jovem cidadão. Além do mais, estar ciente
de aspectos básicos de teoria gramatical é
importante para que o indivíduo mantenha
uma comunicação razoável no contexto em
que está inserido, social e culturalmente.
Logo, pontos primordiais de teoria gramatical podem estar ligados à comunicação e à
vida sociocultural do indivíduo. Em suma,
conclui-se que o conhecimento linguístico
faz parte da preservação cultural da língua,
bem como da cultura de um povo.
Corrobora Travaglia (2011, p. 97):
[...] conhecimentos teóricos sobre a
língua que usamos, sua estrutura, seu
modo de funcionar, suas variedades, sua
história, sua função de expressão da nossa cultura, fazem com que o estudo sobre
a mesma tenha implicações nas questões
ligadas à nacionalidade, orgulho e amorpróprio nacional e preservação cultural.
Outrossim, além do teor cultural, a gramática é uma ciência tão nobre quanto qualquer
outra; está diretamente ligada ao ser humano
e, dessa forma, presente em todas as ações e
esferas da linguagem. Por este motivo, constitui-se uma ciência tanto quanto a química, a
física ou a biologia. Porquanto, extinguem-se
as razões para manter a gramática distante
dos alunos na escola.
Apesar de não ter aplicação prática tão
evidente, como já dito, alguns conhecimenPERSPECTIVA, Erechim. v. 38, n.144, p. 109-119, dezembro/2014
ENSINO DE GRAMÁTICA: PARA QUÊ?
tos teóricos sobre a língua têm aplicações
práticas imediatas que, por muitas vezes,
passam despercebidas por grande parte dos
seus usuários. Utilizar-se-á para definir tais
aplicações, exemplos de Travaglia (2011),
que relata alguns desses conhecimentos
teóricos sobre a língua, tais como a ordem
alfabética, que é basilar para qualquer atividade de arquivamento, bem como consultas
em dicionários, entre outras atividades. As
flexões com que as palavras aparecem nos
dicionários também são essenciais para a
utilização destes meios de consulta. Destarte,
conforme apresentado pelo autor, pode-se
concluir que conhecimentos teóricos sobre a
língua viva são essenciais para que seus usuários consigam se comunicar, com eficiência,
em um código comum a todas as pessoas.
O ensino de gramática, além disso, deve
estar incluso na esfera dos estudos em prol
da alfabetização científica do aluno. Perini
(2010) defende que, em pleno século XXI,
é inadmissível que não se tenha em foco a
formação científica na escola. Entende-se
ciência, segundo o mesmo autor, como um
método de obter conhecimentos e resultados, e não um corpo de conhecimentos e
resultados já prontos. Logo, a gramática se
classifica como uma disciplina científica,
pois tem a finalidade de estudar, descrever e
explicar fenômenos linguísticos. Neste caso,
a ciência da linguagem tem fonte inesgotável
de material a ser estudado por meio da língua.
Sob essa perspectiva, os benefícios da
formação científica a partir da linguagem são
muitos. O primeiro benefício é o desenvolvimento da capacidade de pensar do aluno,
de sorte que:
Não basta aprender ciência, é essencial
também fazer um pouco de ciência.
Isso faz da disciplina científica não
apenas uma fonte de informações sobre
o mundo, mas um campo de treino do
pensamento independente, da observa-
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ção isenta e cuidadosa, do respeito aos
fatos – habilidades preciosas, cada vez
mais necessárias, mas que brilham pela
ausência no ensino tradicional de gramática (PERINI, 2010, p. 39).
Sob o mesmo ponto de vista, a alfabetização científica é baseada em um ensino
reflexivo, que desenvolve o raciocínio lógicocientífico do aluno. Segundo Vieira (2013):
A partir dos objetivos centrais do ensino
de Língua Portuguesa, deve-se promover
o raciocínio lógico-científico do aluno,
com base em atividades reflexivas, para
que ele desenvolva o conhecimento [...]
de modo a fazer opções linguísticas
conscientes na produção de textos orais
e escritos (VIEIRA apud. BRANDÃO;
VIEIRA, 2013, p. 101).
A alfabetização científica, dessa forma,
servirá como subsídio para a independência
intelectual do indivíduo. Todo esse contexto
coloca o ensino de gramática e o professor
de Língua Portuguesa como corresponsáveis pelo desenvolvimento dos processos
mentais do aluno. Assim sendo, é inegável
a relevância de um trabalho centrado na alfabetização científica e baseado na análise e
reflexão. Contudo, para que haja a reelaboração da
metodologia do ensino de gramática, é preciso que os professores estejam engajados em
uma proposta que trabalhe para a formação
do estudante, que o faça pensar, refletir e
analisar sua própria língua. Sendo assim, a
abordagem da gramática reflexiva valoriza o
conhecimento que o aluno já tem da língua
que fala e trabalha para alargar os horizontes
de domínios linguísticos do mesmo. Luiz
Carlos Travaglia (2009) descreve o ensino
de língua em uma concepção reflexiva, com
uma finalidade de ampliar a capacidade de
uso da língua do estudante, de tal forma que
desenvolva a sua competência comunicativa. Tudo isso se dará com a utilização de
113
Alexandre Leidens - Paulo Marçal Mescka
textos nas diferentes situações de interação
comunicativa.
Soares define a gramática reflexiva da
seguinte forma:
A gramática reflexiva [...] é uma gramática em explicitação, que surge da reflexão
com base no conhecimento intuitivo dos
mecanismos da língua e será usada para
o domínio consciente de uma língua que
o aluno já domina inconscientemente
(SOARES, 1979, apud. TRAVAGLIA,
2009).
Travaglia (2009), por sua vez, acrescenta
que a reflexão pode se dar, também, sobre
recursos que o aluno ainda não domina inconscientemente, auxiliando-o na aquisição
de novas habilidades linguísticas, de maneira
a se realizar um ensino produtivo, deixando
a simples descrição de fatos linguísticos para
trás. Nesse sentido, a gramática estará a favor
da competência comunicativa do aluno, pois
ele adicionará usos e formas linguísticas ao
seu cotidiano. Isso tudo por meio de uma
metodologia que leve em conta as alternativas
científicas para o ensino de gramática.
A aula de Língua Portuguesa, para isso,
deve se basear, principalmente, em uma
condição dialógica, de tal maneira que a
interação aconteça de forma natural. Essa
interação deixa aberta a possibilidade do
estudante questionar, sugerir soluções ou
hipóteses, sempre aceitando e relevando a
posição de outrem, pois, o dialogismo, além
de tudo, é a realidade essencial da língua.
Assim sendo,
Quando a aula se estrutura em forma
de diálogo, há parceria, colaboração e
negociação, respeito à opinião do outro,
no lugar de imposição com base nas
relações hierárquicas que existem entre
professor e aluno. O diálogo se institui na
situação didática quando o professor leva
em consideração as respostas dos alunos
para fazer novas perguntas que adensem
114
a reflexão (KLEIMAN, SEPULVEDA,
2014, p. 18)
Ademais, o ensino de gramática analíticoreflexiva desenvolve outras habilidades do
estudante, que não estão, necessariamente,
ligadas ao ensino de língua materna, no
entanto, serão essenciais para a formação de
um cidadão. Tal ensino se dará através de
atividades que abordem aspectos gramaticais,
colocando o aluno frente a diversas “situações-problema”, em que terá de responder a
indagações a partir da observação e análise
da Língua Portuguesa. Essas indagações continuam gradativamente, até o momento em
que o estudante consiga formular conceitos
baseados em sua própria análise. Em suma,
o trabalho se dá a partir da metodologia do
uso-reflexão-uso. Para que o aluno consiga
responder, terá de moldar hipóteses que, observando e analisando o uso da língua, podem
se confirmar ou não. O professor Luiz Carlos
Travaglia (2009, p. 143-144) salienta:
Esse tipo de atividade aparece em alguns livros didáticos, que buscam uma
inovação do ensino de gramática pela
mudança metodológica: ao invés de,
por meio de aulas expositivas, se dar a
teoria gramatical pronta para o aluno,
constroem-se atividades que o levem a
redescobrir fatos já estabelecidos pelos
linguistas em seus estudos. Seria portanto uma reflexão mais voltada para a
explicitação de elementos de natureza
predominantemente estrutural da língua.
[...] tais atividades de gramática reflexiva
servem sobretudo aos objetivos de ensinar sobre como é a língua, de levar a
conhecer a instituição social que a língua
é e de ensinar a pensar.
Na mesma perspectiva, Perini (2002, p.
31) corrobora:
O estudo da gramática pode ser um instrumento para exercitar o raciocínio e a
observação; pode dar a oportunidade de
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ENSINO DE GRAMÁTICA: PARA QUÊ?
formular e testar hipóteses, e pode levar
à descoberta de fatias dessa admirável
e complexa estrutura que é a língua
natural. O aluno pode sentir que está
participando desse ato de descoberta,
através de sua contribuição à discussão,
ao argumento, à procura de novos exemplos e contraexemplos cruciais para a
testagem de uma hipótese dada.
Não obstante, o conceito final a que o
aluno chegará ao realizar essas atividades
não é de tão grande valor, desde que essa
conceituação seja coerente e tenha sido fruto
de análise e reflexão. Além disso, atividades
como essa, cuja conceituação fica a cargo
do caminho percorrido pela reflexão, pelo
pensar e analisar do aluno, poderão ter seus
resultados em disparidade com os manuais
de gramática ou livros didáticos. Todavia,
isso o fará perceber que, como sujeito pensante, poderá concordar ou discordar do que
está exposto nas gramáticas. Dessa maneira,
o aluno, inevitavelmente, será desafiado a
raciocinar e pensar de forma coerente, além
de fazer ciência, pelas novas descobertas
que estará fazendo. Essa é uma liberdade
que dificilmente o ensino tradicional daria
ao estudante.
Assim, Travaglia (2001), que desenvolve
muitas propostas acerca do ensino de gramática, argumenta:
É preciso deixar claro que, no tipo de
atividade que concretiza essa estratégia
de criação/formulação de teorias, não
interessa propriamente o resultado final,
isto é, a teoria que se formula; embora
seja conveniente para a própria formação adequada dos alunos, que a teoria
formulada por eles seja o mais coerente
possível, atendendo o máximo que se
puder aos princípios científicos. Todavia,
o fundamental é que os alunos percebam
que eles, como diz Perini (1978), “não
apenas podem ‘aprender’ gramática, mas
também ‘fazer’ gramática” (TRAVAGLIA, 2011, p. 148).
PERSPECTIVA, Erechim. v. 38, n.144, p. 109-119, dezembro/2014
Através desse tipo de atividade, as aulas
de gramática passam a ser um momento
de investigação da língua. Castilho e Elias
(2012) enfatizam que se inverte o jogo,
começando pela formulação de perguntas,
para as quais, professor e aluno buscam as
respostas. De fato, esses instantes são ferramentas, indubitavelmente eficazes, para
a autonomia do estudante, no que tange ao
seu pensar, à coerência nas suas conclusões.
Portanto, o ensino de gramática pode se caracterizar por desenvolver habilidades que
são multidisciplinares. Isso responsabiliza,
também, o ensino de gramática como alicerce
na formação do estudante em um todo, na sua
completude escolar.
Para exemplificar o conteúdo referido,
segue uma sugestão de proposta didáticometodológica a partir de uma concepção
analítico-reflexiva. Esta proposta foi baseada
em sugestões didático-metodológicas de
Marquardt e Graef (1986), pioneiras nessa
metodologia de ensino.
Procedimento Metodológico para
o Estudo das Palavras Oxítonas
a) Introdução
O professor apresenta um conjunto de
palavras, incluindo casos de oxítonas acentuadas graficamente e não acentuadas, para
que os alunos distingam as palavras oxítonas,
paroxítonas e proparoxítonas.
Conjunto A
115
Alexandre Leidens - Paulo Marçal Mescka
O professor pede para que os estudantes observem as palavras do conjunto A.
Os alunos, provavelmente, formarão os
grupos:
B
C
D
b) Desenvolvimento
O professor apresenta o tema a ser investigado.
Provavelmente, os alunos formarão os seguintes conjuntos:
Oxítonas não acentuadas
Oxítonas acentuadas graficamente
Agora, formem novos grupos de palavras,
conforme as terminações das palavras oxítonas acentuadas.
Com as palavras do grupo D, formem dois
novos conjuntos, conforme apresentem ou
não acentuação gráfica.
116
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ENSINO DE GRAMÁTICA: PARA QUÊ?
O professor pede para os alunos observarem
como é a terminação das palavras oxítonas
acentuadas.
Espera-se que os alunos, observando as terminações das palavras, concluam que:
Esse exemplo de atividade, como percebido, não descarta as conceituações tradicionais, pois, a definição tradicional está
presente, no entanto, o que muda é a forma de
se chegar até ela. Primeiramente, nesse caso,
objetiva-se que os estudantes compreendam
um pouco melhor alguns conceitos no que
tange à acentuação de palavras oxítonas, além
de desenvolver sua capacidade de observação
e análise, de tal forma que consigam chegar
até a conceituação eles próprios, traçando um
caminho lógico para isso.
Para que se atinjam os objetivos estabelecidos, baseando-se nessa modalidade de
atividade, a condição precípua para isso é
a dialogicidade. O diálogo entre professor
e aluno deve acontecer e ser feito de forma
que os alunos precisem responder e realizar
as atividades. Todavia, os estudantes são
desafiados a fazer a atividade, sem ficar, de
forma alguma, estáticos, somente esperando
a explicação do docente. Dessa forma, eles
“constroem” o conteúdo da aula, junto com
o professor.
Partindo desse pressuposto, a atividade
inicia com os estudantes observando as
palavras dispostas no primeiro quadro. A
observação e a análise das palavras são o
cerne dessa atividade como um todo. O professor atua, basicamente, induzindo o aluno
à análise. O trabalho é simples, requer apenas
um pouco de atenção dos alunos para a sua
realização. Nesse sentido, qualquer aluno que
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observe, com atenção, as palavras dispostas
nos quadros consegue realizar a atividade.
Ademais, é importante reiterar que quem
realiza o trabalho e chega à conceituação são
os alunos, o professor apenas os induz a essa
conceituação.
A atividade segue, tornando-se cada vez
mais focada, visando apenas à definição da
acentuação das palavras oxítonas. No entanto, é possível que se faça uma atividade
semelhante para a definição da acentuação de
palavras paroxítonas ou proparoxítonas, desde que sejam realizadas algumas adequações
como a escolha das palavras e as induções
necessárias.
Em uma atividade como essa, além de
tudo, a conceituação ou definição relativa à
acentuação das palavras fará sentido para os
alunos, pois são eles quem as conceituarão.
Para isso, os mesmos terão que utilizar seu
raciocínio lógico-científico a partir da observação e da análise das palavras. Ainda, os
alunos conseguirão perceber o pensamento
gradativo e coerente que desenvolveram.
Considerações Finais
O trabalho do professor com a gramática
analítico-reflexiva é focado no desenvolvimento e na sistematização da linguagem
que o aluno já tem interiorizada. Assim,
ressalta-se a importância do reconhecimento
dos saberes que o aluno tem da língua. Como
já dito, ainda na infância, as crianças têm sua
gramática internalizada desenvolvida tal qual
um adulto. No entanto, cada aluno tem um
nível de desenvoltura na língua. Isso acarreta
uma série de observações acerca do ensino
de língua, de sorte que:
A escola não é mais o lugar da difusão
da informação. Assim, em vez de passar
aos alunos “pacotes acabados” sobre
a gramática do português, o professor
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Alexandre Leidens - Paulo Marçal Mescka
poderá transformar a aula de gramática
num momento de reflexão, de (re)descoberta das peculiaridades gramaticais de
sua língua (CASTILHO, 1990, p. 120).
A reflexão é necessária para o aprendizado, para a ciência e para o desenvolvimento
intelectual dos estudantes. Linguistas, professores e pesquisadores são unânimes ao enfatizar que é preciso reformular a metodologia
do ensino de gramática para que haja um
aproveitamento efetivo desse aprendizado.
Essa reformulação é, sem dúvida, baseada
em uma concepção analítico-reflexiva da
gramática.
Castilho defende o ensino da gramática
analítico-reflexiva enfaticamente, afirmando:
Agrupando os fenômenos linguísticos
num quadro dinâmico que vai da língua
falada para a língua escrita, do discurso
para a sintaxe, do texto para a oração
e desta para a palavra, poderão os professore resgatar o verdadeiro interesse
da reflexão gramatical para a formação
da capacidade de observar e do espírito
crítico de seus alunos, conduzindo-os
a considerar as propriedades da língua
numa forma integrada, não “deslocada”
do momento discursivo que as gerou
(CASTILHO, 1990, p. 133).
Como já é sabido, o valor da língua é
inestimável, ela é parte do ser humano, de
sua identidade cultural, histórica e social. É
pela língua que há a interação e o sentimento
de pertencimento a um grupo ou comunidade
(ANTUNES, 2007). Nesse sentido, quanto
maior for a segurança do aluno no que tange
à língua, bem como em sua competência comunicativa, melhor será sua desenvoltura nos
118
mais diversos setores da sociedade. Assim,
“[...] as condições de existência sociocultural são grandemente dependentes da língua;
assim, quanto mais domínio dos recursos
e mecanismos desta tiver, melhor a pessoa
se movimentará dentro desta sociedade e,
portanto, melhor qualidade de vida terá”
(TRAVAGLIA, 2001, p. 15).
Os desafios do mundo atual requerem
estudantes mais conectados, prontos, competentes e com uma capacidade comunicativa
bem desenvolvida. Uma das prerrogativas
mais importantes para o desenvolvimento de
qualquer função na sociedade atual é o domínio da comunicação. A expressividade, tanto
oral quanto escrita, tende a ser característica
determinante para se destacar no mercado
de trabalho, de maneira que o domínio da
linguagem nunca foi tão requisitado quanto
nos dias atuais. Subsidiando tudo isso está a
Língua Portuguesa. É nela que o falante deve
conseguir buscar recursos sempre que necessitar, podendo se adequar às mais variadas
situações de comunicação.
A formação do cidadão brasileiro perpassa, invariavelmente, pela escola. Essa tem o
dever de proporcionar ao aluno condições
para que haja um aprendizado efetivo, que
seja útil em sua vida. A partir disso, o ensino
de gramática em uma concepção analíticoreflexiva pode contribuir de forma eficaz para
o desenvolvimento do estudante, utilizando
uma proposta didático-metodológica que
seja realmente eficiente. O professor, dessa
forma, tem uma responsabilidade enorme no
que se refere à formação do aluno, devendo,
para enriquecer o ensino, rever e analisar
constantemente sua prática pedagógica.
PERSPECTIVA, Erechim. v. 38, n.144, p. 109-119, dezembro/2014
ENSINO DE GRAMÁTICA: PARA QUÊ?
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