paula final - PUC Campinas

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Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
PROCESSOS FOTOGRÁFICOS E POÉTICOS: UTILIZAÇÃO DO
PRINCÍPIO DE REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA NA FOTOGRAFIA
A PARTIR DE FOX TALBOT
Paula de Almeida Anjos
Paula Cristina Somenzari Almozara
Faculdade de Artes Visuais
Centro de Linguagem e Comunicação
[email protected]
Produção e Pesquisa em Arte
Centro de Linguagem e Comunicação
[email protected]
Resumo: Trata-se de uma pesquisa sobre processos artísticos fundamentados no conceito de reprodutibilidade técnica utilizando matriz negativopositivo e câmera escura, a partir dos experimentos
de Fox Talbot (1800-1877), um dos pioneiros da fotografia moderna. Pretende colaborar com as pesquisas da área, apresentando processos históricos
reestruturados para materiais e procedimentos experimentais contemporâneos.
por uma caixa portátil, e o orifício, por lentes
simples, num esquema que serviu de modelo
para as primeiras câmeras fotográficas.” [1]
Palavras-chave: Arte, fotografia, técnica
Área do Conhecimento: Letras, Lingüística e Artes
– Artes Plásticas.
1. INTRODUÇÃO
Em uma perspectiva histórica, pensar a fotografia é
estabelecer alguns antecedentes que a conectam às
pesquisas de astrônomos, filósofos, pensadores,
artistas e cientistas que, em épocas remotas, aventuraram-se a entender os mecanismos da visão, da
representação e da projeção de imagens.
Nesse contexto, um dos dispositivos emblemáticos
da aventura humana no desenvolvimento de aparatos que culminaram com a revolução fotográfica é a
denominada câmara escura ou câmara obscura.
Trata-se de um equipamento que simula os mecanismos da visão e do olho humano na captação de
imagens e sabe-se que os princípios óticos de projeção de imagens pela câmara escura são conhecidos desde a antiguidade clássica. O aparato em si
constituí-se por uma caixa (câmara) cujo interior
escuro impede a refração da luz, fazendo com que o
feixe luminoso entre por um minúsculo orifício. Os
raios luminosos incidem, dessa maneira, sobre o
fundo da caixa onde a imagem é projetada invertida,
vertical e horizontalmente. (Figura 1)
“A câmara escura era formada originalmente
por um quarto sem nenhuma luz, com um orifício numa das paredes que permitia projetar,
na parede oposta, uma determinada imagem
na posição invertida. O quarto foi substituído
Figura 1: Ilustração do livro 'De Radio Astronomica Et
Geometrico', de Gemma-Frisius, Antwerp, 1545, leaf
3). Fonte: http://www.precinemahistory.net/1400.htm
No texto de Wolfgang Lefèvre [2], observamos as
implicações científicas e artísticas dos mecanismos
de projeção de imagens:
“The hey-day of the optical camera obscura
was between 1600 and 1800. Its significance
for astronomical observation, particularly sun
observation, for the understanding of the eye,
and for the science of optics may even be limited to the first half of the 17th century. Its employment for painting, which one can reasonably assume but not prove for this century, is
well documented for the subsequent 18th century. The vedute of Bernardo Bellotto, known
as Canaletto (1722-1780), may be the most
famous paintings produced with the aid of a
camera obscura. 18th-century treatises on
painting, particularly when dealing with the
aesthetic of colours, show the deep impact of
the camera on artistic judgments and opinions. By the end of this century, however, the
decline of the optical camera obscura had al-
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ready begun. Finally, with the emergence and
development of photography in the 19th century, the camera obscura was “morally” downgraded to a mere forerunner of the modern
camera. And the camera obscuras of the 18th
and 19th centuries that survived were practically downgraded to the status of items of historical museums. The periodical revivals and
renaissances that the camera obscura enjoys
among professional as well as amateur photographers concern the simple pinhole camera, not the optical camera obscura.”
Como afirma Lefèvre, os mecanismos básicos de
captação da imagem para a fotografia acabaram por
suplantar o uso da câmara para as artes.
No entanto, esse declínio e quase esquecimento da
câmara escura usada para o desenho e pintura começa hoje em dia a ter sua importância revista na
história da arte. Essa questão é enfaticamente evidenciada na pesquisa e no livro publicado pelo artista britânico David Hockney, "O Conhecimento Secreto, redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes
mestres".
Hockney [3], nascido em 1937, um dos mais importantes artistas britânicos, empenhou-se em uma
pesquisa sobre as técnicas de trabalho dos grandes
mestres, descobrindo, nesse sentido, o uso ostensivo da câmara escura por artistas como Vermeer
(1632-1675), Holbein (c.1497-1543), e Ingres (17801867):
“Fica perfeitamente claro que alguns artistas
usaram a óptica diretamente e outros não,
embora após 1500 quase todos pareçam ter
sido influenciados pelas tonalidades, sombreado e cores encontradas nas projeções ópticas”
Na câmara escura para desenho, a imagem é capturada pela abertura frontal da estrutura da caixa, passando pela lente (Figura 2, A), sendo projetada em
um espelho (Figura 2, M), que reflete a cena sobre
um vidro translúcido (Figura 2, N) onde está colocada também uma folha translúcida, ou papel fino, de
modo que o artista possa enxergar a projeção e realizar o traçado/desenho sobre o papel.
Figura 2: Ilustração sobre o funcionamento da câmara
obscura utilizada para desenho. Fonte:
http://etc.usf.edu/clipart/27900/27919/camera_obscu_2
7919.htm
A grande revolução causada pela invenção da fotografia foi na verdade, não o mecanismo/aparato de
captação, que já era conhecido, mas sim a criação
de um suporte químico sobre o qual a imagem projetada pudesse ser fixada sem precisar que o artista
realizasse um desenho manual sobre o suporte.
Nesse contexto, temos as primeiras experimentações fotográficas no século XIX, quando uma profusão de descobrimentos e invenções aconteceram
quase que simultaneamente em diversas partes do
mundo.
2. FOX TALBOT E A REVOLUÇÃO MODERNA DA
REPRODUTIBILIDADE
TÉCNICA
DA
FOTOGRAFIA
Fox Talbot (Melbury, Dorset, 11 de fevereiro de
1800-17 de setembro de 1877), escritor e cientista
inglês, foi um dos pioneiros da fotografia na Inglaterra e reconhecido como o primeiro a desenvolver o
processo de reprodutibilidade da imagem fotográfica
a partir de negativo/positivo.
O interesse pelo trabalho de Fox Talbot reside em
diversos fatores, entre eles o de Talbot ter desenvolvido câmeras compactas e processos que levaram
em conta técnicas de reprodução com matriz negativo/positivo (Figura 3).
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Figura 3: Fox Talbot. Two delicate plant fronds. Photogenic drawing negative, likely 1839. 22.8 x 18.3 cm.
Schaaf 2007. Fonte:
http://foxtalbot.dmu.ac.uk/resources/ferns.html
A fotografia, da qual Talbot foi um dos precursores,
constitui-se como uma força material expressiva que
fundamenta muitos processos da arte contemporânea. Desde sua invenção no século XIX até hoje,
diversas técnicas, materiais, equipamentos colaboraram e atuaram de modo significativo para a determinação de projetos artísticos referenciais para a
arte. Charlotte Cotton [4] em seu livro “A fotografia
como arte contemporânea” afirma a retomada de
certos processos do século XIX na arte contemporânea.
Nas empreitadas realizadas por Talbot observamos
uma fase inicial que consiste em pesquisas para
determinar uma forma de se obter uma matriz fotográfica. Portanto, a calotipia aparece como um processo que resulta como um de seus primeiros experimentos e que apresenta-se como o que chamamos
de “provas de contato”. No caso, Talbot utilizou como matriz folhas de plantas, rendas, pequenos caules, objetos que eram colocados sobre o papel que
estava impregnado com uma substância fotossensível e esse conjunto (matriz-papel) era exposto à
luz solar.
Suas “matrizes” iniciais foram constituídas, assim,
por objetos e elementos do cotidiano encontrados e
disponíveis para serem utilizados no bloqueio da
ação da luz solar sobre o suporte (papel) sensibili-
zado. No local onde a luz era bloqueada pelo objeto,
a emulsão não ficava fixada no suporte e esse poderia ser lavado facilmente, de modo que a imagem se
formava em negativo. Por sua vez, essa imagem em
negativo também poderia ser vista como uma matriz, que colocada novamente sobre um suporte sensível e, com o mesmo processo de exposição à luz,
geraria o positivo da imagem.
Foram explorados, desse modo, nesta pesquisa,
certos procedimentos técnicos que atualizaram os
materiais antigos e tóxicos usados por Talbot, com
incursões a partir de processos atóxicos e com materiais acessíveis e contemporâneos, ampliando as
possibilidades de se realizar as experimentações
com transferências fotográficas.
A reflexão teórica introdutória esteve conectada ao
processo de experimentação criativa e colaborou
para o entendimento das questões histórico-técnicas
tradicionais ligadas aos antecedentes da imagem
fotográfica, permitindo entender quais procedimentos e materiais existentes hoje poderiam ser usados
em substituição aos antigos, mantendo o conceito e
a essência dos elementos envolvidos no processo.
A produção experimental configura-se primeiramente em uma prática técnica que tem como ponto inicial o uso de papéis sensibilizados para serem utilizados como suportes e foto sensíveis gerando imagens por meio de negativos de "contato" produzidos
digitalmente. Em segundo lugar, temos a construção
de uma câmera escura para a captação de imagens,
para estudar e demonstrar como é o funcionamento
da câmara, utilizando de processos híbridos que se
caracterizam por uma expansão de limites da reprodução fotográfica.
3. PROCESSOS E EXPERIMENTAÇÕES
Na pesquisa prática foi desenvolvida uma busca por
processos que pudessem se assemelhar aos de
Talbot, com a intenção de dialogar com certos procedimentos de reprodução e não necessariamente a
de reproduzir fielmente os processos por ele utilizados, o que seria inviável do ponto de vista de toxidade e acessibilidade a certos químicos.
Na primeira experiência fizemos um teste dos possíveis agentes químicos disponíveis e que poderiam
servir para a sensibilização do papel. Neste sentido,
os testes focaram as provas de contato e não a captação de imagens pela câmera, buscando uma aproximação com as primeiras experiências de Talbot.
À nossa disposição tínhamos então a emulsão serigráfica e o sensibilizante de bicromato de amônia
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utilizado na realização de matrizes de serigrafia .
Pensamos que esse material poderia ser diretamen2
te aplicado sobre o papel , pois a emulsão não é
absorvida pelas fibras, ficando em sua superfície,. A
própria cor da emulsão e a adição do sensibilizante
(que também é colorido) já seriam suficientes, de
acordo com nossas suposições, para criar o contraste entre da folha de papel e a imagem revelada.
Nesse primeiro momento de testes nosso interesse
foi determinar as seguintes questões: se a emulsão,
de fato, criaria uma imagem plausível sobre o papel,
se seria possível fazer a revelação com água corrente, se a imagem ficaria nítida o suficiente para ser
usada posteriormente como matriz.
Utilizamos então uma matriz feita a partir de uma
impressão laser em preto e branco sobre uma transparência com a imagem de uma folhagem. A matriz
tem a função de bloquear a incidência da luz sobre o
papel sensibilizado, pois o que nos interessava era a
verificação do uso desses componentes materiais e
químicos na criação da imagem fotossensível. O
resultado, que se aproxima muito das imagens criadas por Talbot no início de suas pesquisas (Figura
3), pode ser verificado na Figura 4.
A segunda etapa das experimentações práticas foi a
realização de um protótipo da câmera "ratoeira" de
Talbot, evocando não seu uso específico como câmera fotográfica, mas verificando seu potencial de
captação e projeção de imagem como câmera escura. Neste sentido, o processo de produção foi feito a
partir de referência visual da “câmera ratoeira” da
Figura 5. Em princípio, também a opção foi por trabalhar com materiais acessíveis e reciclados encontrados nos ateliers da Faculdade de Artes Visuais. O
corpo da câmera tem como base o uso de papelão
panamá de 3 mm e pontos de reforço e apoio com
pequenos pedaços de madeira, conforme a Figura
6.
Figura 5: William Fox Talbot's mousetrap camera, c
1835. Fonte: NMeM / Royal Photographic Society / Science & Society.
http://www.ssplprints.com/image/126914/william-foxtalbots-mousetrap-camera-c-1835
Figura 4: Experiência de sensibilização do papel com
emulsão fotossensível. À esquerda, temos a matriz
usada para bloquear a luz de modo que a imagem
pudesse ser fixada no papel. À direita, temos o resultado da imagem feita por meio de processo de fotossensibilização do papel.
1
A emulsão de serigrafia é usada para a realização de matrizes
serigráficas que são telas de nylon usadas no processo de impressão da imagem gravada quimicamente na matriz. Então a
emulsão é feita especialmente para endurecer quando sensibilizada por um agente fotossensível e exposta a luz. Imaginamos
que essas propriedades tinham relação com o processo químico
estabelecido pelos fotógrafos do século XIX, em especial Talbot.
2
Como o produto é um tipo de PVA (cola/emulsão), o insight foi
usar esse produto diretamente sobre o papel, uma vez que o
PVA também é base para certas tintas.
Figura 6: Protótipo baseado no desenho da câmera
ratoeira de 1835, de Talbot
A construção do protótipo da câmara escura trabalhou com a ideia de se manter a proporção das câmeras usadas por Talbot. O resultado final pode ser
observado na Figura 6 e nos detalhes da Figura 7,
em que são demonstrados os posicionamentos e
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detalhes das peças e materiais usados. A lente pode
ser invertida, para melhorar o foco, seu encaixe pode ser feito de ambos os lados no orifício.
negativo, dialogando com processos tradicionais de
foto sensibilização do suporte e tecnologia contemporânea no tratamento da matriz.
O grande desafio foi a reconstrução de processos
fotográficos históricos e a atualização desses processos para materiais contemporâneos. Optou-se,
neste sentido, pela utilização de materiais acessíveis
e de uso comum para a construção do protótipo e
experiências com o papel sensibilizado.
A pesquisa histórica e as experimentações desenvolvidas foram importantes para a determinação de
certos processos que poderão ter desdobramentos
poéticos futuros. Trata-se, portanto, de uma pesquisa que, com o passar do tempo, desencadeará possibilidades estéticas dentro de uma poética visual
ainda em maturação.
Figura 7: Protótipo da câmera ratoeira: (A) corpo da
câmera, (B) plástico translúcido onde a imagem é projetada, (C) encaixe e abertura para lente, (D) lente usada de uma lupa, (E) suporte para a lente feita em
cano de PVC.
4. CONCLUSÃO
Observou-se que, a partir das proporções usadas,
as imagens captadas pela câmera se formaram com
uma qualidade surpreendente se levarmos em conta
os materiais extremamente simples usados em sua
construção. Desse modo, o protótipo tem a capacidade de mostrar as imagens em lugares bastante
claros, pois um dos maiores problemas de visualização das imagens projetadas por esse tipo de câmera é a luz ambiente que dificulta a percepção nítida
da projeção sobre o vidro. Neste caso, mesmo em
um local iluminado, a qualidade se manteve (Figura
8).
O trabalho experimental pode ser caracterizado, assim, por duas vertentes:a primeira, a reconstrução
de uma câmara ratoeira que pode ter a função de
uma câmara escura, de modo a demonstrar didaticamente como a imagem é processada no interior
da caixa; a segunda, a pesquisa de materiais acessíveis que pudessem geram imagens a partir de um
Figura 8: Imagem projetada sobre o plástico translúcido da parte superior da caixa.
REFERÊNCIAS
[1] Zuanetti, R. et. al. (2002), Fotógrafo: o olhar, a
técnica e o trabalho, Rio de Janeiro, Ed. Senac
Nacional, p. 159.
[2] Lefèvre, W.(ed.) (2007), Inside the Camera
Obscura – Optics and Art under the Spell of the
Projected Image, Max Planck Institute for the
History of Science: p. 9-10, capturado online em:
13/05/2012 de <http://www.mpiwg-berlin.mpg.de/
Preprints/P333.pdf>.
[3] Hockney, D. H. (2001) O conhecimento secreto,
São Paulo, Cosac & Naify, p. 17.
[4] Cotton, C. (2010), A fotografia como arte cotemporânea, São Paulo, Martins Fontes
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