CAPÍTULO 17 Comportamento Animal, Interações Ecológicas e Conservação Kleber Del-Claro1 & Helena Maura Torezan-Silingardi2 Introdução Os programas para a conservação da biodiversidade, surgidos em um passado recente, têm se preocupado principalmente com levantamentos de diversidade de espécies, com os mecanismos intrínsecos ou de funcionamento dos ecossistemas e com a preservação da variação genética dentro das populações. Entretanto, estas prioridades têm se modificado recentemente e tomado um novo rumo. Esta nova direção segue no sentido do estabelecimento de uma visão mais ampla e integrada da biodiversidade. Trata-se de olhar a biodiversidade não apenas como freqüências e abundâncias relativas de espécies, mas como conjuntos de interações. A esta tentativa de retratar a biodiversidade como conjuntos integrados de organismos se denominou “biodiversidade interativa” (interaction biodiversity, sensu Thompson, 1997), um assunto de muito interesse atual (Figura 1). Para os etólogos modernos, especialmente para os ecólogos comportamentais, estudos de ecologia de interações, voltados para a compreensão do impacto das relações entre organismos sobre a biodiversidade das comunidades e ecossistemas que integram, representam um novo e estimulante desafio. A solução dos novos problemas que se apresentam passa pelo redescobrimento do estudo do comportamento animal e da história natural, utilizados agora como ferramentas básicas para a compreensão de interações e biodiversidade, com aplicação direta em programas de conservação. 1. Universidade Federal de Uberlândia – Instituto de Biologia, Laboratório de Ecologia Comportamental e de Interações. 2. Universidade de São Paulo – PG Entomologia, Departamento de Botânica – FFCLRP. 2 Essências em Biologia da Conservação Ecossistema Comunidades C2 Populações C1 sp1 C3 C4 Cn sp2 sp3 spn Biodiversidade interativa Conjuntos integrados de indivíduos, populações e espécies. Freqüências Abundâncias Números e listas Caracterização tradicional da biodiversidade Figura 1 A visão de biodiversidade que se pretende estabelecer atualmente utiliza as ferramentas preexistentes, tradicionais, capazes de quantificar e qualificar as populações naturais. No entanto, procura entender essas mesmas populações a partir das ligações de interdependência existentes entre seus componentes, a “Biodiversidade Interativa”. Definindo comportamento animal O termo “etologia” surgiu por volta de 1750 em publicações da Academia Francesa de Ciências, porém, com um uso mais geral para descrição de histórias de vida. A utilização do termo em seu sentido atual, para descrever e estudar o comportamento animal e humano, só veio a ocorrer em 1950, através de publicações de Niko Tinbergen, Oskar Heinroth e Charles Whitman (veja Genaro, 2003, para uma visão mais abrangente da história do pensamento etológico). Para melhor compreensão da importância das ferramentas da etologia nos estudos de biodiversidade é muito pertinente que se tenha um bom entendimento de que animais tomam decisões o tempo todo. Do que, como, quando e onde se alimentar, por exemplo. Os animais apresentam, portanto, mecanismos cognitivos e perceptuais que os auxiliam em suas decisões diárias, que podem representar vida ou morte, maior ou menor reprodução, aumento ou diminuição em seu valor adaptativo. É muito importante que tenhamos consciência de que muitos dos comportamentos que um animal executa são imperceptíveis ao nosso universo sensorial. Podem ser muito rápidos ou muito lentos, podem envolver a liberação de odores ou sons, os quais não somos capazes de perceber. Assim sendo, uma boa e simples definição para comportamento animal poderia ser “tudo aquilo que um animal faz ou deixa de fazer”, segundo a percepção humana (veja Del-Claro, 2002; Del-Claro & Prezoto, 2003). Comportamento Animal, Interações Ecológicas e Conservação 3 A ecologia comportamental é uma vertente da etologia, derivada principalmente dos estudos de Niko Timbergen, Karl Von Frish e Konrad Lorenz entre 1950 e 1970. Em vez de se restringir apenas às causas do comportamento, ou como o comportamento ocorre, a ecologia comportamental se preocupa em decifrar através de observação e de experimentação as causas evolutivas dos comportamentos. Ou seja, por que determinado comportamento evoluiu e como interfere no valor adaptativo da espécie em questão. Como nenhum organismo vive independente de todos os outros a sua volta, a ecologia comportamental se apresenta com uma excelente ferramenta para o estudo de interações ecológicas (Del-Claro & Oliveira, 2003; Del-Claro, 2004). O comportamento e as interações ecológicas: uma base para a conservação Pelo menos três níveis tróficos interagem nas comunidades que estabeleceram sua base na dependência de plantas vivas: as próprias plantas, os herbívoros e os inimigos naturais desses herbívoros (Price et al., 1980). Estudos atuais, principalmente alguns desenvolvidos nas últimas duas décadas, têm cada vez mais demonstrado que a compreensão do papel do terceiro nível trófico é essencial para o entendimento não somente das interações entre insetos e plantas, mas das comunidades como um todo (Thompson, 1994). Nesse sentido, a ecologia comportamental tem sido uma importante aliada não apenas dos estudos de comunidades, mas também de populações. Estudos clássicos relatam grande variedade de sistemas interativos, incluindo herbivoria (Lawton & McNeill, 1979; Price et al., 1980), mutualismos (Gilbert, 1980), predação, dispersão de sementes (Heithaus et al., 1980), polinização (Horwitz & Schemske, 1988) e competição (Price et al., 1986). Todos esses estudos ressaltam o caráter multiespecífico das diferentes interações que retratam, apontando para a relevância dos efeitos produzidos por essas relações sobre uma terceira espécie ou sobre o terceiro nível trófico. Mais do que isso, estes estudos chamam a nossa atenção para a necessidade de uma análise mais aprofundada das interações entre plantas e animais no contexto da visualização das comunidades em sua totalidade, assim como do impacto dessas relações sobre a diversidade. Independentemente da complexidade intrínseca das interações multitróficas, uma das principais metas da ecologia de comunidades é identificar através de diferentes níveis tróficos quais populações são limitadas pela disponibilidade de recursos (forças “base-topo” nas pirâmides tróficas) e quais são limitadas pelo consumo e pressão exercida pelos níveis tróficos superiores (veja forças “topobase” em Price et al., 1980; Price, 2002; Marquis & Braker, 1994). A ecologia de comunidades procura entender também como a regulação trófica varia, tanto em uma escala espacial local quanto globalmente (veja Thompson, 2002; Dyer & Coley, 2002, e citações). 4 Essências em Biologia da Conservação Assim sendo, a frente que se abre para exemplificar a importância de estudos de história natural e comportamento animal na ecologia de interações e a dimensão do impacto que estes estudos podem ter sobre a conservação da biodiversidade, é enorme. Explorar estas questões através de exemplos, talvez seja o melhor caminho a se seguir aqui. Interações multitróficas: um exemplo com formigas, plantas e herbívoros O primeiro passo no sentido de entender uma interação multitrófica é sem dúvida conhecer a história natural, senão de todas, ao menos das principais espécies envolvidas no sistema. Há mais de dez anos a relação entre um homóptero (Guayaquila xiphias, Membracidae), sua planta hospedeira (Didymopanax vinosum, Araliaceae) e os principais animais associados diretamente tem sido investigada na vegetação de cerrado (Del-Claro & Oliveira, 1993, 1996, 1999, 2000). Homópteros são animais fitófagos, sugadores de plantas. Atualmente estão integrados à ordem Hemíptera e fazem parte desse táxon cigarras, cigarrinhas, afídeos, pulgões e membracídeos. Guayaquila xiphias é um membracídeo cujas fezes são líquidas, expelidas na forma de gotículas que constituem um exsudado composto por água, sais minerais, açúcares, lipídeos e alguns aminoácidos (Del-Claro & Oliveira, 1993). Este tipo de composto é energeticamente muito rico, sendo interessante fonte de alimento para animais, principalmente formigas. Em muitos habitats, formigas representam a maior parte da fauna de artrópodos encontrada sobre a vegetação e estudos recentes têm mostrado que a abundância de relações entre formigas e plantas é especialmente marcante na região tropical (Schupp & Feener, 1991; Oliveira & Oliveira-Filho, 1991; Fonseca & Ganade, 1996). Davidson et al. (2003) mostraram experimentalmente que grande quantidade do suprimento alimentar obtido pelas formigas tropicais vem diretamente de alimentos líquidos de origem animal e vegetal. Em Didymopanax vinosum as formigas que sobem nas plantas coletam ativamente o exsudado produzido por G. xiphias. A primeira etapa de investigação dessa interação revelou que pelo menos 21 espécies diferentes de formigas usavam o exsudado desses hemípteros no cerrado. Algumas espécies mantinham o atendimento ao longo de todo o dia e à noite, enquanto outras eram apenas diurnas ou apenas noturnas, havendo uma espécie exclusivamente crepuscular (Del-Claro & Oliveira, 1999). Assim, devido à enorme plasticidade comportamental encontrada nos Formicidae, nenhum dos agrupamentos de G. xiphias estudado foi visto em momento algum sem uma formiga associada, podendo haver então um grande benefício aos hemípteros decorrente da presença das formigas: proteção contra a ação de predadores e parasitóides. Investigar a ocorrência ou não deste benefício seria o passo seguinte no estudo dessa interação. Comportamento Animal, Interações Ecológicas e Conservação 5 Através de uma bateria de experimentos de campo, conseguiu-se demonstrar que as formigas protegiam efetivamente os hemípteros contra a ação de inimigos naturais (ao menos 15 espécies de aranhas, um micro-himenóptero parasitóide, uma lagarta de mosca, mantódeos e outros; Del-Claro & Oliveira, 2000). Entretanto, os resultados revelaram também que esse benefício poderia depender de fatores físicos e bióticos do ambiente, ou seja, a relação apresentava resultados condicionais (Bronstein, 1994). Variações climáticas ao longo do tempo afetavam as populações de inimigos naturais dos membracídeos, tornando o benefício da associação positivo para os homópteros em anos mais frios, com menor número de predadores no campo. Por outro lado, em anos mais quentes, apenas formigas com comportamento muito agressivo foram eficazes na remoção ou predação de inimigos naturais de G. xiphias (Del-Claro & Oliveira, 2000). Esses resultados ressaltaram a importância de conhecimentos básicos da biologia, da história natural e do comportamento das espécies relacionadas para uma melhor compreensão da dinâmica de populações envolvida no sistema. Pois bem, os membracídeos seriam então protegidos pelas formigas, seus agrupamentos poderiam crescer sobre as plantas hospedeiras, alimentando mais formigas, que protegeriam mais membracídeos, que sugariam mais e mais a planta hospedeira. Esta relação de retroalimentação poderia dizima as populações da Araliaceae hospedeira. Mas não é o que acontece, o comportamento das formigas traz outros reflexos para a interação. Nos trópicos, muitas das espécies de formigas que sobem nas plantas para se alimentar de néctar extrafloral e/ou de exsudado de hemípteros (Carrol & Janzen, 1973) predam ocasionalmente os herbívoros que encontram, obtendo assim um suplemento protéico adicional (Del-Claro et al., 1996). No caso estudado, formigas associadas ao membracídeo podiam beneficiar a planta hospedeira através da remoção de tripes (Thysanoptera) do meristema apical. Experimentos de campo revelaram que, com a exclusão de formigas das plantas hospedeiras, a densidade de tripes atacando o meristema apical das plantas aumentava significativamente, podendo levar à morte o meristema apical e, em alguns casos, o vegetal como um todo. Plantas infestadas por G. xiphias e visitadas por formigas apresentaram seus meristemas mais íntegros e desenvolveram inflorescências, enquanto as atacadas por tripes não produziram flores. Também a remoção de coleópteros Chrysomelidae da planta pelas formigas diminuía significativamente a herbivoria foliar. Assim sendo, esta Araliaceae do cerrado, D. vinosum, pode aumentar seu valor adaptativo através do aumento na diversidade de formigas em suas folhas e ramos. Atraídas pelo exsudato de um herbívoro, que ocorre em baixas densidades e, portanto, prejudica pouco a planta hospedeira, as formigas podem beneficiar o produtor indiretamente. Podemos concluir então que, como indivíduos de D. vinosum com formigas foram menos atacados por tripes e coleópteros, herbívoros mutualistas de formigas beneficiam 6 Essências em Biologia da Conservação suas plantas hospedeiras de modo indireto? Ainda não, pois os herbívoros também podem se comportar de modo diverso. O comportamento dos herbívoros também pode influenciar drasticamente as relações ecológicas nas comunidades naturais. No sistema investigado, borboletas Lycaenidae podem ser atraídas pela presença de formigas, ovipondo preferencialmente nas plantas infestadas por membracídeos associados a formigas. Suas lagartas produzem secreções glandulares que alimentam e apaziguam as formigas, passando a ser atendidas por elas. Fato que ocorre de modo similar ao que acontece com muitos hemípteros. O problema é que essas lagartas se alimentam de botões florais e podem comprometer toda a reprodução da planta hospedeira (Figura 2, veja Del-Claro & Oliveira, 1999, 2000; Oliveira & Del-Claro, 2004). Ao menos 21 espécies de formigas Micro-himenópteros parasitóides e outros predadores Uma espécie de herbívoro (Guayquila xiphias) Ao menos 15 espécies de aranhas podem predar o membracídeo Tripes e outros herbívoros Lycaenidae H P&P Didymopanax vinosum (Uma só espécie de planta) Figura 2 A relação entre uma única espécie de planta no cerrado com um herbívoro pode agregar 21 espécies diferentes de formigas. No sistema funcional, eixo central, as formigas se alimentam do exsudado dos hemípteros e podem beneficiar os membracídeos, protegendo-os contra a ação de predadores (15 espécies de aranhas) e parasitas (P&P). Herbívoros (H) podem prejudicar a planta sensivelmente, as formigas podem removê-los (Tripes, Coleópteros), beneficiando a planta hospedeira da interação. Porém, alguns herbívoros mutualistas, como lagartas de Lycaenidae, podem se associar às formigas, aumentando os danos causados à planta hospedeira. A conservação da biodiversidade depende da compreensão de sistemas multitróficos complexos e do comportamento dos animais relacionados. Comportamento Animal, Interações Ecológicas e Conservação 7 Este exemplo ilustra bem a grande diversidade de fauna que pode se associar a uma única espécie vegetal (pelo menos um hemíptero, 21 espécies de formigas, 15 espécies de aranhas, um díptero, um micro-himenóptero parasitóde, um coleóptero, uma borboleta), assim como ilustra a grande quantidade de vieses que podem advir do comportamento dos organismos interagentes. Esta relação multitrófica ressalta a importância de estudos detalhados de campo para uma melhor compreensão das comunidades naturais e dos mecanismos envolvidos em sua manutenção. Deixa claro também a importância das ferramentas da ecologia comportamental para estudos das comunidades, voltados à conservação. Um exemplo em polinização: abelhas introduzidas, uma ameaça à nossa biodiversidade A polinização por abelhas é predominante tanto no cerrado lato sensu quanto em florestas neotropicais de maneira geral (Oliveira & Gibbs, 2000), assim como na maioria dos ambientes terrestres (Renner, 1998). Na região do Cerrado lato sensu encontramos poucas interações de polinização muito específicas, a maior parte envolve guildas de plantas, em que uma espécie tem suas flores morfológica e funcionalmente capazes de oferecer recursos para uma variedade de visitantes e polinizadores (Oliveira & Gibbs, 2000). Torezan-Silingardi & Del-Claro (1998) observaram Campomanesia pubescens (Myrtaceae) num fragmento de cerrado paulista, essa “cerejinha do cerrado” tem flores generalistas, com estigma único e puntiforme, muitas anteras com deiscência longitudinal e pólen pulverulento. As flores eram visitadas por abelhas indígenas Eulaema nigrita (mamangavas), que coletavam o pólen por vibração (buzz pollination ou buzz collecting). Este fato peculiar levou os pesquisadores a investigarem a biologia reprodutiva e a polinização da espécie. Por que abelhas nativas fariam buzz pollination em plantas que têm anteras com deiscência longitudinal? O esperado nesse tipo de antera seria a coleta por raspagem, a coleta por vibração seria mais observada em plantas com antera poricida (Buchmann, 1983; Proença, 1992). Os resultados revelaram que os principais visitantes das flores eram as abelhas introduzidas Apis mellifera (abelha Europa), com mais de 90% das visitas, as quais não polinizavam. As flores visitadas por essas abelhas raramente frutificavam, enquanto a maior parte das flores visitadas por E. nigrita formavam frutos sadios. O que estaria havendo? A resposta foi simples e preocupante. O tamanho de Apis mellifera e seu comportamento durante a coleta de pólen a impediam de contatar os estigmas florais em C. pubescens, assim, a principal coletora de pólen dessas mirtáceas era uma pilhadora, uma ladra de pólen, que em nada contribuía para a reprodução da planta com a qual interagia. A. mellifera é uma abelha introduzida, portanto, 8 Essências em Biologia da Conservação não tem ainda uma longa história de vida com as plantas nativas do cerrado. Além de ser uma coletora muito eficiente de pólen, a presença massiva de A. mellifera nos arbustos de C. pubescens inibia a visitação da mamangava E. nigrita. Com base na revisão bibliográfica e nas análises do comportamento de E. nigrita, os autores concluíram que a coleta de pólen por vibração foi uma opção interessante para rapidamente retirar o restante dos grãos de pólen deixados nas anteras pelas abelhas européias. Abelhas sociais que vivem em colônias numerosas, como as Apis mellifera, são capazes de rapidamente recrutar um grande número de companheiras para utilizar eficazmente as plantas que ofereçam um recurso interessante a ser explorado, como o pólen, para o quê elas desenvolvem métodos eficientes de coleta (Westerkamp, 1991), podendo até excluir espécies competidoras. A. mellifera tende a permanecer forrageando em uma árvore por mais tempo que outras abelhas (Aizen & Feinsinger, 1994a), esse comportamento elevará a taxa de autopolinização nas espécies autocompatíveis e poderá promover uma queda na frutificação nessas espécies assim como nas auto-incompatíveis. Por essas informações e sabendo ser A. mellifera uma abelha com comportamento muito agressivo que inibe a visitação de muitas espécies de abelhas nativas nas plantas do cerrado, Torezan-Silingardi & Del-Claro (1998) sugerem que este inseto introduzido nas Américas, dado seu comportamento e sua capacidade competitiva, pode estar colocando em risco de extinção não apenas espécies animais nativas, mas também muitas espécies vegetais, que terminam por ter seus polinizadores legítimos perdidos pela exclusão competitiva. Polinização e fragmentos vegetais Quando observamos as relações de polinização em áreas descontínuas, devemos ter em mente que o tamanho, o entorno e a história de cada fragmento os tornam únicos, sujeitos a pressões de seleção que vão direcionar a manutenção e o desenvolvimento de suas espécies. Perturbações causadas por eventos naturais, como geadas, fogo, secas prolongadas ou chuvas excessivas, ou pelas interações com a fauna local podem alterar as condições ambientais que determinarão um desenvolvimento diferenciado das espécies, quando comparado com o que ocorre em outras áreas próximas e preservadas (Araújo et al., 1997). Cyanella lutea (Tecophilaeaceae), uma espécie herbácea perene, polinizada pelo mecanismo de coleta por vibração, teve sua frutificação significativamente reduzida quando foram comparados pequenos fragmentos distantes de outros maiores com fragmentos maiores ou mais próximos de outros (Donaldson et al., 2002). A influência antrópica também deve ser considerada, pois pode afetar o entorno com atividade agropecuária, muitas vezes com uso de adubação química Comportamento Animal, Interações Ecológicas e Conservação 9 ou orgânica, herbicidas ou inseticidas, ou pela presença de granjas, rodovias e habitações (Donaldson et al., 2002). O interior do fragmento pode sofrer influência antrópica pelo tipo de ocupação anterior da área ou pelo tipo de manutenção realizada, como a abertura de trilhas, visitação constante e a preparação de aceiros contra queimadas. O conjunto de todos esses eventos moldará o histórico de cada fragmento, que muitas vezes pode influenciar as espécies polinizadoras mais intensamente até que o tamanho total do fragmento (Donaldson et al., 2002). A presença de corredores ecológicos unindo fragmentos próximos pode facilitar o fluxo de animais e o transporte de pólen entre diferentes áreas, o que auxilia a reprodução cruzada da fauna e da flora. A fragmentação de ambientes pode levar a mudanças nas taxas de polinização, frutificação e herbivoria observadas em populações próximas da mesma espécie (Donaldson et al., 2002; Renner, 1998). A má qualidade do pólen que chega à superfície estigmática, oriundo da mesma planta ou de plantas próximas possivelmente aparentadas, pode ser uma conseqüência da polinização efetuada por insetos como as abelhas, restritas a um único fragmento (Aizen & Feinsinger, 1994b). Tanto plantas quanto animais podem ser afetados de modos distintos pelas pressões do meio. Assim, podemos ter as populações de uma determinada espécie se desenvolvendo diferentemente, mesmo se considerarmos áreas próximas. Considerações finais Etologia, ecologia comportamental e biologia da conservação são disciplinas com abordagens muito amplas e interdisciplinares. Atualmente, um dos maiores problemas que afetam a conservação da biodiversidade é a fragmentação de habitats. Como um exemplo adicional, na Mata Atlântica de baixada, no Estado do Rio de Janeiro, habitat do mico-leão-dourado, restam apenas 2% da cobertura original, pulverizada em fragmentos quase todos menores que 100 ha (RuizMiranda et al., 2003). As interações entre herbívoros, polinizadores, dispersores de sementes e plantas foram e continuam sendo muito afetadas nesse sistema, o qual oferece um campo muito interessante do ponto de vista da conservação, ainda relativamente inexplorado. Tentar entender como o comportamento de um inseto herbívoro pode, em última análise, afetar a vida de um primata em seu habitat natural, aumentando ou diminuindo seu valor adaptativo, é um grande desafio. A nós cabe salientar que nos sistemas naturais os resultados condicionais, variáveis no tempo e espaço, dependentes do comportamento dos animais associados, são fundamentais para nossa compreensão do real valor das relações ecológicas sobre a biodiversidade e sua conservação. 10 Essências em Biologia da Conservação Agradecimentos Agradecemos aos editores do livro pelo convite para compor este capítulo, ao CNPq (Processo 522168/95-7) e à Fapemig (Processo CRA 073/2001), por apoiarem nossos projetos de pesquisa. 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