DEIXA O ZAMBELÊ FICAR... As Contribuições das Salas de

Propaganda
TIRA! BOTA! DEIXA O ZAMBELÊ FICAR...
As Contribuições das Salas de Apoio Pedagógico Para a Inclusão Escolar
Selene Maria Penaforte Silveira
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará
Coordenadora do Curso de Pedagogia da FA7
Rita Vieira de Figueiredo
PhD em Psicopedagogia pela Universidade de Laval
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação da UFC
Atualmente, muitas são as formas de atendimento escolar do aluno com necessidades
educativas especiais. Podemos destacar, nesse processo, o papel das instituições especializadas e
ainda o atendimento nas classes especiais, apesar de muitas pesquisas (Alencar, 1995; Bueno, 1993;
Pato, 1993; Jannuzi, 1989; Ferrreira, 1989, Padilha, 1997) constatarem uma relativa fragilidade
nesse atendimento, principalmente no que se refere ao encaminhamento, critérios de permanência e
expectativa do professor quanto a esse aluno.
Paralelo às instituições e às classes especiais, surge o movimento pela integração e inclusão
do deficiente nas salas de aulas regulares. Apesar da resistência de alguns grupos defensores de
escolas e classes especiais, hoje, essa discussão se impõe em praticamente todos os segmentos
educacionais, apontando para uma mudança de paradigma no atendimento à pessoa com
necessidades educativas especiais.
Nesse processo, muitas questões estão sendo discutidas. Fatores como melhores formas de
atendimento à esse aluno, formação de professores, preparação da comunidade escolar, desempenho
cognitivo do aluno, adaptação curricular, ambiente físico da escola, enfim, diversas situações
relacionadas à permanência desse aluno dentro da sala de aula regular.
Nessa perspectiva, essa pesquisa consistiu em avaliar o trabalho desenvolvido pelas salas de apoio
pedagógico, seu papel no processo escolar do aluno com necessidades educativas especiais,
investigando a intervenção pedagógica e a inclusão da pessoa com necessidades especiais na rede
regular de ensino, visto ser esse tema de grande relevância sócio-educacional e que se constitui num
desafio para os educadores, teórica e praticamente.
O "Projeto Salas de Apoio Pedagógico" foi criado para oferecer aos alunos da Rede
Municipal de Ensino de Fortaleza, que apresentam dificuldades de aprendizagem ou deficiências,
atendimento pedagógico especializado, individual ou em pequenos grupos. Esse atendimento é feito
no horário oposto ao da sala de aula regular, duas ou três vezes por semana. O trabalho é
desenvolvido por professores previamente selecionados, devendo serem capazes de identificar e
analisar as situações relativas aos problemas de aprendizagem dos alunos, independente de suas
causas, e principalmente, a busca de soluções desses problemas, através de respostas pedagógicas
passíveis de serem desenvolvidas dentro da própria escola. Esse trabalho desenvolve-se a partir de
intervenções pedagógicas com produções de textos, jogos que ajudem no desenvolvimento do
raciocínio lógico-matemático e habilidades de leitura e escrita , bem como diversas atividades que
contemplem o universo de interesse dos alunos.
Tendo como objeto de estudo nessa pesquisa o papel das salas de apoio pedagógico no
processo de inclusão dos alunos com necessidades especiais, procurarei analisar a inclusão como
um fenômeno sócio-histórico, baseada principalmente na teoria da mediação cultural e no conceito
de zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1996) Consideramos, também pertinente nesse
embasamento, a discussão das diferentes possibilidades que a escola tem de trabalhar com os alunos
com necessidades educativas especiais, Boneti (1997); Mantoan (1997), Correia (1999); Coll (1995)
e Stainback ( 1999).
Nos propusemos, com essa pesquisa, verificar até que ponto as necessidades educativas
especiais dos alunos podem ser respondidas apenas dentro da sala de aula com a ajuda do professor
regente, ou qual a importância, dentro da escola, de outras atividades de suporte e apoio pedagógico
que facilitem e ajudem o aluno no seu processo de ensino e aprendizagem.
Neste sentido, essa pesquisa foi norteada por um questionamento básico:
• Qual o papel das salas de apoio: um elemento intermediário na superação da segregação ou
um elemento imprescindível no processo de inclusão?
Dentro do princípio de inclusão, podemos dizer que escola inclusiva é aquela que educa
todos os alunos dentro da sala de aula regular. Nos diversos conceitos de inclusão encontrados na
literatura, existem os que defendem que a inclusão do aluno com necessidades especiais deve ser
feita, sempre que necessário, com a ajuda e o suporte pedagógico para o atendimento das
especificidades de cada aluno. Referendando o exposto, nos reportamos a Correia (1999, p. 33)
quando afirma que:
Segundo vários autores, inclusão significa atender o aluno com necessidades
educativas especiais, incluindo aquele com necessidades especiais severas, na classe
regular com o apoio dos serviços de educação especial (Boatwrigth, 1993; Alper &
Ryndak, 1992). Isto quer dizer que o princípio da inclusão engloba a prestação de os
serviços educacionais apropriados para toda criança com necessidades educativas
especiais, incluindo as severas, na classe regular.
O destaque que merece ser feito é em relação ao tipo de suporte que a escola pode oferecer,
devendo ser de caráter eminentemente pedagógico, relacionando-se apenas às respostas
educacionais que a escola tem o dever de oferecer a toda e qualquer criança. Podemos dizer que se
encontra, nesse aspecto, a grande diferença entre os conceitos de inclusão e de integração, quando
ao incluir um aluno com deficiência na sala de aula regular, a escola deve criar todas as condições e
estruturas pedagógicas possíveis para atender as necessidades, também pedagógicas, desses alunos,
enquanto que na integração o atendimento ao aluno poderá ser feito no meio menos restritivo
possível, incluindo as classes especiais.
Nosso objeto de estudo, ou seja, as salas de apoio pedagógico, colocam-se como uma
modalidade de inclusão com suporte, justificada como uma necessidade de se atender, sempre que
necessário, a determinados casos em que a sala de aula regular, por uma série de motivos1, encontre
dificuldades em dar a resposta educacional mais adequada para o aluno. Nesse caso, esse suporte
intenciona complementar o atendimento feito na sala de aula regular, proporcionando ajudas
pedagógicas que se mostraram ineficazes de serem realizadas na classe.
Metodologia
Para realização desse estudo, optamos pela pesquisa qualitativa onde os registros
sistemáticos foram feitos através da observação direta dentro das salas de apoio pedagógico e das
salas de aula regulares e entrevistas2 semi-estruturadas realizadas com as professoras de cada classe.
As entrevistas foram realizadas individualmente, seguindo um roteiro de perguntas previamente
planejadas. A partir do material coletado, optamos por construir um conjunto de categorias
descritivas resultantes das respostas obtidas nas entrevistas e das observações acontecidas dentro
das salas de apoio e das salas de aula.
A pesquisa realizou-se em duas escolas públicas municipais que contam com salas de apoio
pedagógico. A escolha dessas duas salas foi intencional, por elas serem consideradas pela equipe de
1
Alunos com deficiências, crianças hiperativas, salas numerosas, formação do professor, desconhecimento na área de
educação especial, dentre outros, são motivos alegados pela escola e pelo professor para justificar a necessidade da sala
de apoio.
2
Pela impossibilidade de apresentação de todos os dados coletados, daremos ênfase, nesse trabalho, aos resultados
obtidos e analisados a partir das entrevistas.
educação especial da Secretaria de Educação, espaços onde o trabalho vinha sendo desenvolvido de
forma relevante e, ainda, pela boa aceitação pela comunidade escolar.
A partir da identificação dos alunos inclusos nessas escolas e acompanhados pelas suas salas
de apoio, procurei analisar a dinâmica pedagógica destes sujeitos e, sobretudo, identificar a visão
que a escola, mais especificamente as professoras, tinham do processo de inclusão. Para isso,
entrevistei e observei o trabalho desenvolvido pelas duas professoras das salas de apoio pedagógico
e as cinco professoras das salas de aula regulares que tinham em suas classes alunos atendidos pelas
salas de apoio e que foram observados nessa pesquisa. Para complementação de informações foram
entrevistados também os diretores das escolas observadas bem como a supervisora escolar.
Inicialmente foram feitas as observações dentro da sala de apoio, onde me dirigia, em média
três a quatro vezes por semana em turnos alternados, ora pela manhã, ora pela tarde. No total foram
realizadas em torno de 10 observações nas salas de aula que tinham crianças incluídas e que
freqüentavam, em média, dois atendimentos por semana na sala de apoio.
Foram feitas cerca de seis observações em cada sala de aula que tinham crianças com
necessidades especiais incluídas, em turnos alternados dependendo do horário de aula dos alunos.
Os dados foram colhidos através de registros escritos tendo sido priorizados alguns aspectos básicos
como: ambiente físico, ação pedagógica, natureza dos conteúdos e metodologia de ensino, material
utilizado, relacionamento professor x aluno e aluno x aluno.
A seguir, os resultados dessa pesquisa serão apresentados e discutidos a partir das seguintes
categorias de análise: o contexto da prática educativa, a inclusão na visão das escolas, a mudança da
prática pedagógica a partir da presença do aluno com deficiência e dificuldade de aprendizagem na
sala de aula regular, contribuições da sala de apoio para a aprendizagem e desenvolvimento dos
alunos.
O contexto da prática educativa
Nas análises feitas no contexto da prática educativa, destacamos alguns aspectos básicos de
observações, sempre levando em conta os espaços das salas de apoio e das salas de aula os quais
serão parcialmente descritos.
Ao analisarmos as condições de ensino-aprendizagem das salas de aula observadas
percebemos que a metodologia preferencial das professoras é basicamente formada de aulas
expositivas, com ênfase na transmissão verbal e no uso do quadro de giz. Em geral, boa parte da
aula é usada com atividades no quadro negro que costumam ser demoradas, visto que as crianças
primeiro copiam e depois tentam resolver, nem sempre conseguindo ir até o final. As crianças com
necessidades especiais observadas apresentam, dentro da sala de aula, praticamente o mesmo
comportamento dos demais alunos, podendo, além das dificuldades de aprendizagem, apresentarem
também comportamentos comuns aos outros alunos, que necessariamente não se constituem como
características intrínsecas à dificuldade ou deficiência apresentada tais como: timidez, indisciplina,
falta de atenção, desinteresse etc. Os conteúdos trabalhados em sala de aula enfatizam basicamente
as atividades referentes aos livros adotados oficialmente pela escola e, nas atividades de raciocínio
lógico-matemático, predominam exercícios de iniciação ao cálculo das quatro operações sempre
trabalhados através de continhas e problemas expostos no quadro.
Dentro das observações feitas na sala de aula regular, foi possível constatar que as atividades
desenvolvidas ainda estão longe de se aproximarem da real necessidade de apropriação do saber
sistematizado. Observamos que a postura do professor na sala de aula, via de regra, não é crítica.
Não possui uma atitude de investigação voltada para o aumento ou descoberta do conhecimento
científico, não consegue fazer com que o conhecimento se torne instrumento de soluções de
problemas, não dá condições ao aluno de problematizar o próprio conhecimento diante da realidade.
Essa problematização, como postura pedagógica, é necessária para que se possa reconstruir
criticamente o conhecimento, dentro de um contexto histórico. Na maioria das salas observadas, as
atividades em grupo dificilmente eram desenvolvidas ou, quando muito, os alunos organizavam-se
em grupos onde os trabalhos acabavam por acontecer individualmente. As professoras parecem não
acreditar no trabalho de grupo como um recurso facilitador da aprendizagem, onde a interação e
diferença de níveis podem contribuir significativamente, para o desenvolvimento das funções
cognitivas. Essa estratégia de trabalho favoreceria não só crianças "normais" mas, sobretudo, as
crianças "especiais".
Observamos que, no geral, as crianças com necessidades educativas especiais se integram
sem maiores problemas tanto na sala de aula quanto na escola. Estudam, brincam, correm, e brigam
como os demais. Ou seja, independente das suas dificuldades, usufruem o mesmo contexto escolar
de todos os alunos, com todas as vantagens, fragilidades e limitações pedagógicas pertinentes ao
processo escolar. Todas essas reflexões ganham peso e maior importância quando nos referimos às
crianças com problemas de aprendizagem ou com algum tipo de limitação sensorial, física ou
mental. Essas crianças, em especial, precisarão de professores que creiam nas suas capacidades de
aprendizagem por mais limitadas que elas sejam, que acreditem que a escola existe para servi-las e
que deve se adaptar as suas necessidades, propondo atividades que favoreçam o seu
desenvolvimento. Professores que vejam nas dificuldades dos alunos possibilidades de desafios
profissionais, onde a partir desses desafios eles poderão enriquecer a sua prática.
Em relação às observações feitas na sala de apoio percebemos a preocupação das
professoras em desenvolver atividades que envolvam sempre letras, sílabas e palavras. As
atividades eram feitas ora em pequenos grupos, ora individualmente. Alguns jogos e materiais
pedagógicos usados poderiam ser mais bem explorados e ir além das atividades que elas
planejavam. Podemos considerar que as professoras das duas salas observadas demonstravam um
grande envolvimento com o trabalho. Mostraram-se interessadas pelos alunos, conhecem suas
histórias de vida, mantém, na medida do possível, contato freqüente com a família das crianças. É
possível dizer que elas desenvolvem um importante vínculo afetivo com as crianças, e que esse
fator, de alguma forma contribui para a melhoria do processo de aprendizagem. Pudemos constatar,
através das falas tanto das professoras da sala de aula, como das professoras das salas de apoio, que
quase a totalidade dos alunos atendidos apresentam algumas melhoras na sua aprendizagem,
especialmente aqueles que não trazem nenhuma deficiência neurológica. Elas destacam inclusive
que as crianças melhoram não só no rendimento escolar como também no comportamento e
disciplina. Quanto a essas melhoras, as professoras das salas de aula costumam atribuir o êxito dos
alunos muito mais as condições favoráveis de trabalho do que as qualidades pessoais da professora
da sala de apoio. Buscando analisar os fatores que proporcionam a aprendizagem das crianças
atendidas pela sala de apoio, destacamos alguns aspectos (maior proximidade com a criança,
material pedagógico diversificado, número de crianças atendidas, dentre outros), que se relacionam
muito mais à organização e condições de trabalho pedagógico realizado na sala de apoio do que a
métodos e conteúdos diferenciados. De certa forma, a melhoria na aprendizagem dessas crianças,
deveria levar a escola a uma reflexão crítica e profunda sobre quais os fatores que contribuíram para
a sua não aprendizagem dentro da sala de aula. Na verdade, o êxito observado em algumas situações
de aprendizagem na sala de apoio, não deve se constituir um privilégio dessa sala ou da professora
da sala, visto que constatamos que os procedimentos pedagógicos trabalhados seriam perfeitamente
possíveis e passíveis de acontecer dentro da sala de aula regular, executados pela professora da sala
de aula regular. Da mesma forma, constatamos ainda que, em algumas situações, a sala de apoio
mostrou-se limitada ou impossibilitada de atender as necessidades pedagógicas de alguns alunos
exatamente porque em determinados momentos não buscou recursos e práticas significativas de
intervenções pedagógicas. As crianças encaminhadas para a sala de apoio assim como todas as
crianças que dentro da escola não se adaptam a ela, tanto podem ter essa oportunidade de interagir
com o saber, como também, poderão aumentar substancialmente a parcela de excluídos sociais, se a
escola não lhes possibilitar a oportunidade de saberes significativos através de uma intervenção
pedagógica conseqüente, adequada e de qualidade.
A inclusão na visão das escolas
Todas as professoras das salas observadas se mostraram favoráveis à inclusão dos alunos
deficientes no ensino regular. Vejamos suas falas:
No começo, eu estranhei muito (...) eu acho que é um trabalho bom porque ajuda a
criança a se desenvolver, porque eu acho que na APAE onde eles só têm contato com
crianças com problemas, eles não têm um desenvolvimento. Acho que a tendência é
piorar mais porque eles querem sempre imitar. (...) eu acho que essa proposta deveria
ser implantada em todas as escolas.
Nas observações feitas na prática, essas posições, às vezes, se mostram contraditórias,
quando, no dia a dia da escola, as professoras estão sempre colocando em destaque os aspectos mais
difíceis para se trabalhar com essas crianças. É interessante notar que todas as professoras
questionadas concordam que deve haver inclusão dos alunos deficientes na escola. No entanto, no
dia a dia elas se queixam da diferença de níveis encontrados em suas salas de aula, achando que o
ideal seria trabalhar com uma sala de aula homogênea, onde todas as crianças apresentassem o
mesmo nível de desenvolvimento. Percebemos que, via de regra, as professoras não vêem a
heterogeneidade como um fator de maiores possibilidades de aprendizagem, de trocas
significativas, que proporciona, à criança, o contato com os diversos tipos de saberes e culturas. Ao
contrário delas, acreditamos que, a partir de trocas diferenciadas e significativas, a criança ampliará
suas chances de se apropriar com mais qualidade do saber sistematizado. Sobre esse assunto,
concordamos com Boneti (1999, p. 2) quando diz que:
A pedagogia da inclusão não só aceita, mas valoriza a diferença porque entende que é
na diferença que crescemos, nos afirmamos e nos constituímos como sujeitos. Na
pedagogia da inclusão, a aprendizagem cooperativa emerge em detrimento a
competição, porque se privilegia o espaço coletivo da aprendizagem.
Algumas professoras enfatizaram a necessidade da inclusão por uma questão social
entendendo que não deve ser cobrado do aluno um rendimento maior em relação a conteúdo,
argumentando que, para a criança com dificuldades ou deficiências ter rendimento na
aprendizagem, ela também teria que ser melhor preparada para trabalhar com elas. Para elas, é
improvável que a escola possa proporcionar avanços cognitivos nos alunos com necessidades
educativas especiais. Sobre isso, concordamos com Vygotsky (1196, p. 237) quando diz que:
A cultura e o meio ambiente refazem uma pessoa não apenas por lhe oferecer
determinado conhecimento, mas pela transformação da própria estrutura de seus
processos psicológicos, pelo desenvolvimento nela de determinadas técnicas para usar
suas próprias capacidades.
Outro aspecto observado foi a necessidade demonstrada pelo professo de participar de
cursos que lhes assegurem conteúdos voltados para a área médica e terapêutica, contemplando
conhecimentos sobre conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências, bem como métodos e
técnicas específicas para a aprendizagem escolar desses alunos. De certa forma, essa postura os
distancia da adequada preparação para o trabalho com a diferença e a diversidade que passa pela
compreensão de fundamentos e conhecimentos científicos dos problemas pedagógicos.
Constatamos que mesmo dizendo acreditarem e defenderem a inclusão, as professoras ainda
têm um discurso pessimista em relação ao seu próprio trabalho na sala de aula com o aluno que
apresenta deficiência ou dificuldades de aprendizagem. Para as duas professoras da sala de apoio, a
inclusão é vista como uma coisa importante e positiva para o aluno. Para elas, essa visão se
consolidou a partir do trabalho nessa sala, pela oportunidade que tiveram de conviver e atender às
crianças, como também de discutir, estudar e fazer cursos na área da educação especial. Isso fica
claro na seguinte fala:
Antes desse trabalho eu não acreditava muito não, até porque eu não conhecia, mas
agora, depois dos cursos e de toda essa experiência com a sala de apoio eu acredito e
vejo que é melhor para o aluno, ele aprende mais convivendo com as crianças ditas
normais, eu vejo como uma coisa muito positiva.
Elas acham também que as professoras das salas de aula precisam de um maior suporte para
desenvolver um trabalho com mais competência questionando a formação, a qualidade da
intervenção pedagógica desenvolvida com o aluno. Talvez a professora em destaque tenha
levantado essas questões por perceber que a inclusão não acontece só pelo fato da escola ter aberto
as sua portas para receber esses alunos. Entendemos que a prática deve estar lhe mostrando que,
para que esse processo seja bem sucedido, é necessário uma mudança de paradigmas envolvendo a
todos os profissionais que fazem a escola.
Em relação aos diretores entrevistados, constatamos que um deles se mostrou mais favorável
que o outro que insistia em destacar sempre as dificuldades encontradas nesse processo. Esse diretor
parece estar mais preocupada com os problemas de comportamento que esses alunos possam vir a
ter na escola. Pelo seu depoimento, é possível perceber que na sua visão, aluno deficiente é “aluno
danado”, que tem problemas, e com isso o trabalho das professoras será mais difícil. Vygotsky
(1989), em seus estudos sobre defectologia, diz que a escola tem como dever não só adaptar-se e
preparar-se para atender as deficiências das crianças, mas sobretudo lutar contra elas e supera-las.
Numa escola inclusiva, é preciso rever os papéis dos diretores e coordenadores, deixando eles de
serem meros burocratas, fiscalizadores, para serem líderes pedagógicos, que estejam sempre perto
dos professores, orientando e participando do dia a dia das salas de aulas.
As falas das entrevistas indicaram a necessidade que a escola sente de buscar uma maior
capacitação para o professor. Percebemos que, mesmo se colocando a favor da inclusão, a escola
ainda sente necessidade de contar com uma educação "especial" para atender as crianças com
necessidades educativas especiais. Os relatos demonstraram ainda existir, por parte dos educadores,
muitos questionamentos, restrições, mitos e crenças quanto à inserção e escolarização desses
alunos. Depreende-se, ainda, que o êxito da inclusão depende sobretudo de mudanças na prática
pedagógica do professor.
A mudança da prática pedagógica a partir da presença do aluno com deficiência e dificuldade de
aprendizagem na sala de aula regular
Indagadas sobre como a presença do aluno com deficiência e dificuldades de aprendizagem
na sala de aula mudou a sua forma de trabalhar, ou seja, a sua prática pedagógica, observamos,
através das suas falas que, para elas, ainda parece confuso como deve ser a forma de trabalhar com
esse aluno.
Eu achava que tinha que ser diferente porque quando eles estiverem lá na frente, ele não vai
conseguir fazer, porque ele não tá entendendo o que eu tô querendo naquela questão, ele não tá
naquele nível de aprendizagem; então eu acho que as atividades para eles tem que ser diferente,
mesmo que fosse a mesma atividade, mas no nível dele.
Observamos que as professoras, de um modo geral, consideram que o trabalho com crianças
com necessidades especiais requer atividades e procedimentos também especiais. Parece que elas
não entendem que muitos desses procedimentos são possíveis de acontecer dentro da sala de aula e
que podem ser realizados por elas. Mesmo assim, a professora Ana, em sua fala, intui que se buscar
novas formas de atuação pedagógica com os alunos, eles podem "dar a resposta". O problema
parece se situar também no fato de que as professoras não se sentem em condições de trabalhar com
os diferentes níveis e ritmos encontrados numa sala de aula e, com isso, é pertinente pensar que
todos têm que aprender ao mesmo tempo e da mesma forma, o conteúdo que ela repassa.
Em relação às dificuldades sentidas e demonstradas pelas professoras, entendemos que um
dos determinantes é a falta de um planejamento mais individualizado para esses alunos, Esses
planejamentos, são feitos, via de regra, de forma assistemática e informal, contribuindo para realçar
as dificuldades apresentadas não só pelas professoras das salas de aula, mas também pelas
professoras das salas de apoio pedagógico.
Já as professoras das salas de apoio, perguntadas sobre qual seria a diferença entre o trabalho
pedagógico desenvolvido com as crianças ditas normais e com as deficientes, nos deram respostas
diferentes das professoras das salas de aula, como podemos observar a seguir:
Não, eu não sinto a diferença. Eu atendo poucas crianças com deficiência, mas
realmente a gente tem que dá mais atenção, o trabalho é mais repetitivo, mais lento, mas
em termos de ser uma criança que dá trabalho, que é indisciplinada, eu não vejo
diferença.
A professora coloca em destaque a questão da disciplina e do comportamento, que ela
entende não ter muita diferença entre a criança “normal” e a criança "especial". Entendemos que
isto ocorre porque existe um mito entre as professoras de que as crianças especiais "vão dar muito
trabalho" e que elas já tem "muitos meninos danados na sala". Aliás, elas costumam usar esses
argumentos para não recebe-las em suas salas. Essa prerrogativa de certa forma tem sido discutida
nas escolas pesquisadas e, a partir da entrada de crianças com necessidades especiais, o que se tem
concluído é que a diferença em termos de comportamento e disciplina não chega a ser significativa
a ponto de comprometer a entrada e permanência dessas crianças na escola. Vimos que a presença
da criança com necessidades educativas especiais na sala de aula, em muito pouco alterou a ação
pedagógica do professor, inclusive no que diz respeito ao uso de recursos e materiais didáticos
diferenciados. Podemos dizer que poucas mudanças foram de fato efetivadas e que, de um modo
geral, as professoras não tem grandes expectativas quanto à aprendizagem desses alunos, vendo na
sala de apoio o espaço na escola onde eles têm alguma chance de desenvolvimento, sobretudo em se
tratando de alunos com deficiências.
Quanto à relação entre as professoras das salas de aula e as professoras das salas de apoio, as
entrevistadas foram unânimes em destacar a intensidade e a qualidade dessa interação. Pelas falas
expostas, é possível perceber a necessidade que as professoras demonstraram de destacar a
importância do trabalho desenvolvido pelas professoras da sala de apoio, assim como as professoras
das salas de apoio também colocaram com muita ênfase a aceitação do seu trabalho pelas
professoras das salas de aula. Em nenhum momento foi questionado qualquer aspecto dificultador
dessas relações. Nos depoimentos das professoras, vimos que, para elas, o fato de conversar sobre
os alunos, receber sugestões de atividades a serem trabalhadas ou a troca de materiais pedagógicos,
parece ser suficiente para se considerar uma relação de troca satisfatória. Pelo que ficou
demonstrado nos depoimentos, vemos que, no dia a dia da escola, as professoras não se ressentem
pela falta de planejamento, orientação e acompanhamento mais sistematizado, como uma forma de
melhorar a qualidade das intervenções pedagógicas desenvolvidas com os alunos. Isso ocorre apesar
de todas as professoras, durante as entrevistas, se queixarem da falta de participação em mais cursos
de formação, seminários etc. Apesar da escola e das professoras ainda não terem dado o devido
destaque a esses aspectos, consideramos que a orientação e o acompanhamento são elementos
imprescindíveis para um trabalho de qualidade e que a sua ausência contribui para dificultar o
desafio da proposta de inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais nas salas de aula
do ensino regular.
Contribuições da sala de apoio para a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos
Nos depoimentos das professoras sobre as contribuições da sala de apoio, elas foram
unânimes em destacar o seu papel, sendo apontada em determinadas falas como a “redentora” da
aprendizagem dos alunos que não conseguem acompanhar os conteúdos trabalhados dentro da sala
de aula. Elas também destacam as condições materiais oferecidas pela sala de apoio e a
possibilidade de se fazer um trabalho melhor pelo fato das professoras da sala de apoio trabalharem
com um número reduzido de alunos, em cada atendimento. Algumas delas demonstraram vontade
de trabalhar na sala de apoio, achando que lá elas teriam muito mais chances de fazer um bom
trabalho. Percebe-se que elas acham que o trabalho da sala de apoio proporciona maiores
possibilidades de se conseguir resultados devido as melhores condições de material e de trabalho,
como também pelo fato das professoras das salas de apoio "viverem saindo para fazer curso".
Isso reforça a necessidade que as professoras sentem de buscar soluções fora da sala de aula
e em outros profissionais, como também do desejo de se apropriarem de métodos e técnicas que
elas acreditam que sejam diferenciados para esse trabalho. A esse respeito, Giné e Ruiz (in Coll,
Palacios e Marchesi, 1995, p.304) nos diz que o professor que trabalha com crianças com
necessidades educativas especiais deve
preparar diferentes materiais; organizar a classe de forma que seja possível aprender
com diferentes ritmos e de diferentes maneiras, predispondo-se a flexibilizar seu
tratamento com os alunos e a captar a melhor maneira de comunicar-se com cada um
deles, para ajustar e modificar sua intervenção facilitadora da aprendizagem e do
crescimento pessoal.
Entendemos que deve existir por parte do professor, essa possibilidade de adequações na
classe, visando conhecer as relações entre as condições de sua sala de aula e a sua intervenção,
assim como os fatores que influenciam na aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. Para um
dos diretores entrevistados os pais estão bastante satisfeitos e agradecidos pela oportunidade de
colocarem seus filhos numa escola perto de casa. Entendemos que este é um bom argumento em
defesa da inclusão, ou seja, a possibilidade do aluno deficiente freqüentar a escola do seu bairro,
sem necessidade de se deslocar para escolas especiais, em geral, distantes das suas casas.
Na percepção do professor da sala de apoio, o trabalho desenvolvido pode realmente dar
grandes contribuições na aprendizagem dos alunos que apresentam dificuldades. Vêem o seu
trabalho como difícil, porém, privilegiado dentro do contexto geral da escola, especialmente em
relação a ação docente desenvolvida dentro da sala de aula. Consideram que as condições
favoráveis e o trabalho com pequenos grupos são determinantes para o progresso dos alunos.
Apontam o aspecto da afetividade e proximidade com o aluno como importante no processo de
aprendizagem, visto que o fato de elas trabalharem com pequenos grupos, permite-lhes dedicar
"mais atenção" ao aluno e, assim, ensinar melhor. O relacionamento com a família também é
destacado, sendo esses um dos fatores que ela atribui como facilitador da aprendizagem.
Outro aspecto a se considerar é o fato de que, na medida em que a professora da sala de
apoio se aproxima mais dos alunos, desenvolve intimidade com eles, começa a perceber também
que eles não são tão incapazes quanto se pensa, que cada um tem potencialidades e possibilidades
de aprendizagem. Esse aspecto leva a professora a investir na criança, até pela própria expectativa
depositada nela. Diferentemente, às vezes, do professor da sala de aula, que considera o aluno com
deficiência e dificuldades de aprendizagens incapazes, com poucas chances de aprendizagem,
resultando por não se esforçar para mudar a condição desses alunos. Podemos dizer que as
condições favoráveis do trabalho desenvolvido pela sala de apoio, de certa forma contribui para a
boa aceitação desse trabalho pelos profissionais da escola.
Conclusões
Verificamos que esse trabalho se constitui em um dos possíveis caminhos no processo de
inclusão das pessoas com necessidades especiais na escola regular. No entanto, muito ainda há por
se fazer. É necessário e urgente transformações na organização e nas condições de trabalho na
escola, começando especialmente pela efetivação de programas de trabalho conjunto entre o
professor da sala de aula e equipes de apoio, onde as necessidades e especificidades dos alunos
possam ser contempladas.
As dificuldades constatadas se apresentam muito mais pela forma como o professor organiza
sua sala de aula e pela escolha dos conteúdos a serem trabalhados do que em necessidades concretas
de se retirar os alunos da sala de aula para receber o mesmo tipo de atendimento noutro espaço.
Sendo assim, a inclusão com sucesso só será possível quando a escola for capaz de se adequar com
recursos e metodologias que respondam competentemente às necessidades educacionais de todos os
alunos.
Partindo dessa premissa, o papel do professor de apoio, deve, na medida do possível, mudar
o foco de atendimento a um pequeno grupo de alunos para ser o daquele professor voltado para a
sala de aula regular, junto ao professor regente e a todos os alunos que dele necessite. Nesse
sentido, o seu trabalho estaria muito mais voltado para mudanças de estratégias pedagógicas e
organização de recursos necessários para uma boa intervenção pedagógica dentro da sala de aula do
que para atendimento vistos como especializados para apenas alguns alunos.
Mesmo valorizando o papel do professor de apoio, não podemos perder de vista que o
professor regente é a figura central e mais importante no processo ensino-aprendizagem. A sala de
apoio pedagógico, da forma como funciona, vem, de certa forma, substituindo o professor em
algumas limitações inerentes a sua formação.
Outro aspecto que não podemos deixar de destacar é que a sala de apoio também colabora
para a permanência na escola dos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem. No entanto,
as mudanças ocorridas nas escolas observadas, ainda não contribuíram o suficiente para o
verdadeiro processo de inclusão escolar. Esse processo exige uma mudança de paradigma, que
passa pela construção do projeto pedagógico da escola, a reformulação da prática pedagógica, bem
como pela formação e envolvimento de todos que fazem a instituição escolar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, M.L. Avaliação e Intervenção em Classes Especiais. Revista Ensaio, Fundação
Cesgranrio, vol. 02, 1995.
APRIMORAMENTO Institucional para a Escola Inclusiva. Pesquisa realizada pelo Laboratório de
Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade. São Paulo: UNICAMP, 1999.
BONETI, R.V.F. A escola como lugar de integração ou segregação das crianças portadoras de
deficiências intelectuais. Revista Educação em Questão, Natal, 1996.
_______.O papel da escola na inclusão social do deficiente mental. In. MANTOAN, Maria Teresa
Eglér et al. (orgs.) A integração de pessoas com deficiência. Contribuições para uma reflexão
sobre o tema. São Paulo: Memnon, 1997.
_______.Pedagogia da Inclusão. Trabalho publicado em Anais do Congresso: Convivendo com a
Diferença no III Milênio. Promoção Refazer. Outubro, 1999.
BUENO, J. G. S. Educação Especial Brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São
Paulo: EDUC, 1993.
CORREIA, L.M. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Portugal :
Porto Editora, 1999.
FERREIRA, J. R. A construção escolar da Deficiência Mental. São Paulo: editora UNIMEO, 1989.
GINÉ, C. E RUIZ, R. As adequações Curriculares e o Projeto de Educação do Centro Educacional.
In: CÉZAR COLL, JESÚS PALACIOS E ALVARO
JANUZZI. G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. Campinas: Editora Autores
Associados, 1992.
MANTOAN, M.T.E. Ser ou estar, eis a questão: explicando o déficit intelectual. Rio de Janeiro.
Editora WVA, 1997.
OLIVEIRA, M. K. Sobre diferenças individuais e diferenças culturais: o lugar da abordagem
histórico-cultural. In: AQUINO, J.G.(org.)Erro e Fracasso na Escola: alternativas teóricas e
práticas. São Paulo: Summus, 1997
PADILHA, A.M.L. Possibilidades de histórias ao contrário ou como desencaminhar um aluno da
classe especial. São Paulo, Plexus, 1997.
PATTO, M.H.S. A produção do fracasso escolar. São Paulo: Queiroz Editor, 1993.
PAULA, L.A.L. Ética, cidadania e educação especial. Revista Brasileira de Educação Especial, Nº
04, 1996
VYGOTSKY, Lev. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
_______.Estudos sobre a história do comportamento – Símios, homem primitivo e criança. L.S.
Vygotsky e A. R. Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
Download