Villacorta e cols Peptídeo natriurético tipo B no diagnóstico de ICC Arq Bras Cardiol Artigo Original 2002; 79: 564-8. Valor do Peptídeo Natriurético do Tipo B no Diagnóstico de Insuficiência Cardíaca Congestiva em Pacientes Atendidos com Dispnéia na Unidade de Emergência Humberto Villacorta, Adriana Duarte, Neison Marques Duarte, Ângela Carrano, Evandro Tinoco Mesquita, Hans J. F. Dohmann, Francisco Eduardo G. Ferreira Rio de Janeiro, RJ Objetivo - Avaliar a utilidade da dosagem do peptídeo natriurético do tipo B (BNP) no diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) em pacientes, com dispnéia aguda, atendidos na unidade de emergência com dispnéia. Métodos - Estudados 70 pacientes, de abril a julho de 2001. A idade média foi de 72±16 anos e 33 (47%) eram do sexo masculino. O BNP foi medido em todos os pacientes no momento da chegada. O médico emergencista emitiu um diagnóstico provisório, de forma cega aos valores de BNP. Um cardiologista, de forma retrospectiva e cega, emitiu um diagnóstico definitivo como causa da dispnéia que foi considerada padrão-ouro para a avaliação do desempenho diagnóstico do BNP. Resultados - A concentração plasmática de BNP foi maior nos pacientes com diagnóstico definitivo de ICC (n=36) que naqueles com outros diagnósticos (990± 550 vs 80±67pg/mL, p<0,0001). Utilizando como corte um valor de 200pg/mL, o BNP apresentou sensibilidade de 100%, especificidade de 97,1%, valor preditivo positivo de 97,3% e valor preditivo negativo de 100%. A área sob a curva ROC foi de 0,99. A aplicação do BNP teria potencialmente corrigido os 16 casos em que houve discordância entre o diagnostico provisório e o definitivo. Conclusão - A dosagem de BNP é útil no diagnóstico de ICC em pacientes atendidos com dispnéia na unidade de emergência. Palavras-chave: insuficiência cardíaca, peptídeos natriuréticos, emergências médicas Hospital Pró-Cardíaco - Unidade de Emergência Correspondência: Humberto Villacorta - Rua Raimundo Correa, 23/601 - 22040-040 – Rio de Janeiro, RJ - E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 19/11/01 Aceito em 4/3/02 Tradicionalmente, o diagnóstico da insuficiência cardíaca congestiva é feito com base na presença de determinados sinais e sintomas, caracterizando uma síndrome clínica. Em pacientes crônicos, ambulatoriais, nos quais a riqueza de sinais físicos é grande, o diagnóstico das descompensações cardíacas não é difícil. Entretanto, em pacientes idosos, com elevada taxa de comorbidades, que chegam à unidade de emergência com dispnéia aguda, o diagnóstico nem sempre é fácil. Sinais e sintomas, nesses casos, podem não ser específicos o suficiente para fazer um diagnóstico rápido e acurado 1. A ecocardiografia, embora seja um bom método para o diagnóstico de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, pode não refletir uma condição aguda 2. Além disso, com o envelhecimento da população, é cada vez mais comum a insuficiência cardíaca congestiva, predominantemente diastólica, e, portanto, a presença de função sistólica preservada não afasta insuficiência cardíaca congestiva. Recentemente, foi descoberto um neuro-hormônio chamado peptídeo natriurético cerebral ou peptídeo natriurético do tipo B (conhecido pela sigla BNP, de Brain Natriuretic Peptide). Este peptídeo foi identificado, inicialmente, em cérebro de macacos, sendo liberado em humanos, principalmente, pelos ventrículos cardíacos, em resposta a uma sobrecarga de pressão ou volume. Promovem diurese e vasodilatação, estando aumentados em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, guardando nítida relação com a classe funcional da New York Heart Association (NYHA) 3-7. O objetivo deste trabalho foi avaliar o papel do peptídeo natriurético cerebral como marcador bioquímico de insuficiência cardíaca congestiva em pacientes com dispnéia atendidos em uma unidade de emergência. Métodos De abril a julho de 2001, foram incluídos 70 pacientes consecutivos atendidos em uma unidade de emergência com queixa principal de dispnéia. Foram excluídos os pa- Arq Bras Cardiol, volume 79 (nº 6), 564-8, 2002 564 Arq Bras Cardiol 2002; 79: 564-8. cientes com causa clara para a dispnéia, como estenose de traquéia ou tamponamento cardíaco. Aqueles com síndromes coronarianas agudas foram incluídos no estudo, desde que a principal manifestação do quadro fosse a dispnéia. Além do exame clínico, todos os pacientes foram submetidos a exames laboratoriais; radiografia de tórax e o ecocardiograma bidimensional com Doppler feito na sua maioria. Conforme a necessidade, outros exames específicos foram realizados para a confirmação do diagnóstico. Após o atendimento inicial, os médicos emergencistas eram solicitados a assinalar, em um formulário, o provável diagnóstico, de forma cega aos valores de peptídeo natriurético cerebral. O diagnóstico foi posteriormente confrontado com o diagnóstico final, feito de forma retrospectiva e cega aos valores de peptídeo natriurético cerebral, por um cardiologista, após análise de todos os dados do prontuário e exames complementares. Foram levados em conta, para o diagnóstico final, os critérios de Boston (diagnóstico definitivo de insuficiência cardíaca congestiva >8 pontos), dados evolutivos (melhora da dispnéia com diuréticos e vasodilatadores, medidas hemodinâmicas invasivas, etc.) e dados de exames complementares. Pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e outro diagnóstico concomitante (por exemplo, sepse descompensando insuficiência cardíaca congestiva) foram incluídos no grupo de insuficiência cardíaca congestiva, já que o objetivo era avaliar a acurácia do método para o diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Bioética do Hospital, com consentimento pós-informado por escrito. Utilizou-se para a dosagem de peptídeo natriurético cerebral um teste de beira de leito, cujo resultado é obtido em aproximadamente 15min. Foi colhida uma amostra de 5ml de sangue, em tubos contendo EDTA potássico (1mg/ml de sangue). A coleta foi feita por técnicos treinados e o material levado imediatamente para o laboratório, e analisado em seguida. No início do protocolo, por questões logísticas, algumas amostras não foram analisadas imediatamente após a coleta. Nesses casos, o plasma foi separado e congelado e a análise foi realizada em até três dias, procedimento este que sabidamente não interfere nos resultados. A dosagem de peptídeo natriurético cerebral foi feita através da técnica de imunofluorescência, utilizando-se o teste Triage B-Type Natriuretic Peptide test (Biosite Diagnostics Inc., San Diego, California). Os valores de peptídeo natriurético cerebral foram comparados entre grupos utilizando-se o teste t de Students e a análise de variâncias (ANOVA). Foram determinados a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo do peptídeo natriurético cerebral em relação ao diagnóstico da insuficiência cardíaca congestiva. Estabeleceram-se, ainda, as razões de verossimilhança positiva e negativa, as quais determinam o poder de um exame em fornecer a probabilidade pós-teste, a partir de uma determinada probabilidade pré-teste. Utilizou-se a curva ROC (Receiving Operating Curve) para estabelecer o valor de corte com melhor sensibilidade e especificidade. A acurácia geral do peptídeo natriurético cerebral foi determinada pela Villacorta e cols Peptídeo natriurético tipo B no diagnóstico de ICC área sob a curva (quanto mais próximo do valor 1, maior a acurácia). Valores de p<0,05, bicaudal, foram considerados estatisticamente significativos. Resultados A tabela I apresenta as características basais dos pacientes. Em 15 (21%) casos, este foi o primeiro episódio de dispnéia. Dos 55 (79%) que já haviam apresentado o sintoma antes, 45 (81%) tinham um diagnóstico prévio para a dispnéia. Cinqüenta (71%) apresentavam dispnéia de repouso. A tabela II mostra a freqüência de sinais e sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca congestiva encontrados nesta população. Em relação aos medicamentos, 21 (30%) pacientes estavam em uso de furosemida, 16 (23%) de digoxina, 24 (34%) de inibidores da enzima de conversão e 17 (24%) de betabloqueadores, sendo que, destes, apenas 5 (7%) estavam em uso de carvedilol. O diagnóstico final foi insuficiência cardíaca congestiva em 36 (51,4%) dos casos. Destes, 21 (58%) apresentavam a doença arterial coronariana como a principal causa da insuficiência cardíaca congestiva. Cinco (14%) estavam em Tabela I - Características basais dos 70 pacientes Características Idade (anos) Sexo masculino Insuficiência cardíaca congestiva prévia DPOC prévia Insuficiência renal prévia Hipertensão arterial sistêmica Doença arterial coronariana Infarto do miocárdio prévio Revascularização miocárdica prévia Angioplastia percutânea coronariana prévia Fibrilação atrial crônica Bloqueio completo do ramo esquerdo Pressão arterial média (mmHg) Freqüência cardíaca (bpm) Sódio sérico (mEq/L) Potássio sérico (mEq/L) Uréia (mg/dL) Creatinina (mg/dL) Proteína C reativa titulada (mmol/L) BNP (pg/mL) Resultados 72,4 ± 15,9 33 (47%) 26 (37%) 31 (44%) 6 (8,6%) 36 (51%) 30 (42,8%) 18 (25,7%) 14 (20%) 7 (10%) 8 (11%) 14 (20%) 106 ± 23 89,2 ± 18,3 139,9 ± 5 4,2 ± 0,6 54 ± 25,2 1,18 ± 0,5 3,6 ± 5,8 548 ± 625 DPOC- doença pulmonar obstrutiva crônica. Tabela II - Sinais e sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca congestiva na população estudada (N=70) Sinais e sintomas Dispnéia de repouso Ortopnéia Dispnéia paroxística noturna Edema de membros inferiores Estertores pulmonares Sibilos Pressão venosa jugular elevada Terceira bulha N (%) 50 18 16 18 57 13 19 11 (71%) (25%) (22,8%) (25,7%) (81,4%) (18,5%) (27%) (15,7%) 565 Villacorta e cols Peptídeo natriurético tipo B no diagnóstico de ICC Arq Bras Cardiol 2002; 79: 564-8. classe funcional II da NYHA, cinco em classe III e 26 (72%) em classe IV. Os níveis de peptídeo natriurético cerebral para as classes II, III e IV foram, respectivamente, 182±106, 544±324 e 994±675pg/mL (p=0,02). Cinqüenta e quatro (77%) pacientes apresentavam ecocardiogramas de boa qualidade para a análise de função ventricular, sendo que 6 (11%) apresentavam disfunção sistólica do ventrículo esquerdo sem sinais de exacerbação aguda da insuficiência cardíaca congestiva (apresentavam disfunção de ventrículo esquerdo, mas o diagnóstico para o episódio atual de dispnéia foi bronquite, por exemplo). Em 34 (48,6%) pacientes, outros diagnósticos, que não insuficiência cardíaca congestiva, foram estabelecidos, como causa da dispnéia. Conforme a figura 1, os valores de peptídeo natriurético cerebral foram significativamente mais altos, quando o diagnóstico final foi insuficiência cardíaca congestiva, comparado a outros diagnósticos (990±550pg/ml vs 80±67pg/ ml, p<0,0001). Nos indivíduos com disfunção de ventrículo esquerdo, sem exacerbação da insuficiência cardíaca congestiva, os níveis de peptídeo natriurético cerebral foram 91±58pg/mL (variou de 22,5 a 196pg/mL). Os valores de peptídeo natriurético cerebral, de acordo com o diagnóstico final, encontram-se na tabela III. Nos pacientes com diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva por disfunção sistólica de ventrículo esquerdo (n=20), os níveis de peptídeo natriurético cerebral estavam mais elevados que naqueles com insuficiência cardíaca congestiva e função sistólica preservada (1.180±641 vs 753±437pg/mL, p=0,03) (fig. 2). Vale ressaltar que houve Fig. 1 - Valores de BNP em pacientes com diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva descompensada e em pacientes com outros diagnósticos que não insuficiência cardíaca congestiva. ICC - insuficiência cardíaca congestiva. p = 0,03 p<0,0001 Disfunção sistólica FSP Outros Fig. 2 - Valores de BNP em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva devido à disfunção sistólica de ventrículo esquerdo (n=20), em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e função sistólica preservada (FSP [n=16]) e em pacientes com outros diagnósticos como causa da dispnéia (n=34). elevação significativa do peptídeo natriurético cerebral nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e função sistólica preservada (n=16) em comparação aos pacientes com outros diagnósticos, que não insuficiência cardíaca congestiva (753±436 vs 80±67, p<0,0001). Pacientes admitidos (n=56) apresentaram valores de peptídeo natriurético cerebral significativamente maiores que pacientes não admitidos (674±638 vs 41,6±54, p<0,001). A curva ROC mostrou que um ponto de corte de 200pg/mL foi o que melhor discriminou os pacientes em que a insuficiência cardíaca congestiva tenha sido a causa da dispnéia. Utilizando-se este valor, obtivemos sensibilidade de 100%, especificidade de 97%, valor preditivo positivo de 97,3%, e valor preditivo negativo de 100%. As razões de verossimilhança positiva e negativa foram, respectivamente, 33 e 0. A acurácia geral do peptídeo natriurético cerebral foi muito boa (área sob a curva de 0,99). Nove (13%) pacientes diagnosticados inicialmente como tendo insuficiência cardíaca congestiva descompensada tiveram outro diagnóstico final, como causa da dispnéia. Os valores de peptídeo natriurético cerebral nesses pacientes foram 62,6±42pg/mL. Inversamente, em sete (10%) pacientes apontados, inicialmente, como tendo outro diagnóstico, o diagnóstico final foi insuficiência cardíaca congestiva. Os valores de peptídeo natriurético cerebral nestes casos foram de 1.102±684pg/mL. Se um corte de peptídeo natriurético cerebral de 200pg/mL fosse aplicado nesses 16 casos, todos os diagnósticos errados teriam sido corrigidos. Discussão Tabela III - Valores do peptídeo natriurético do tipo B de acordo com o diagnóstico final Diagnóstico Insuficiência cardíaca descompensada Infecção respiratória Doença pulmonar obstrutiva crônica Pânico, ansiedade ou depressão Embolia pulmonar 566 N 36 19 7 5 3 BNP (pg/ml) 990 ± 80 ± 99,9 ± 24,9 ± 158 ± 550 52,4 90,5 36 70 O sistema peptídico natriurético é composto por três peptídeos - o tipo A (ANP, liberado pelos átrios), o tipo B (BNP, liberado pelos ventrículos) e o tipo C (CNP, liberado por células endoteliais). O peptídeo natriurético cerebral, por ser liberado diretamente pelos ventrículos, é o que apresenta melhor acurácia no manuseio de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva 6,7. Assim, como o ANP, ele Arq Bras Cardiol 2002; 79: 564-8. promove diurese, natriurese, vasodilatação periférica, inibição do sistema renina angiotensina e inibição da atividade simpática. Ele é um peptídeo formado por 32 aminoácidos, dos quais 17 são comuns a todos os peptídeos. A análise da seqüência de ácidos nucléicos do gene responsável pela produção de peptídeo natriurético cerebral, contém a seqüência desestabilizadora tatttat, sugerindo que o turnover do RNA mensageiro do peptídeo natriurético cerebral seja alto e, portanto, sintetizado em salvas (diferentemente do ANP, que é produzido e depois armazenado em grânulos nos átrios) 8. Isto, somado ao fato de o peptídeo natriurético cerebral apresentar meia vida curta, de apenas 22min 6, sugere que ele seja um hormônio de emergência do coração, refletindo o momento atual de sobrecarga ventricular. Interessantemente, o peptídeo natriurético cerebral guarda estreita relação com a classe funcional e com as modificações da pressão capilar pulmonar durante o tratamento dos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva descompensada, com um decréscimo médio de 33pg/mL/h nas primeiras 24h de tratamento 9. Quando seus valores não caem com o tratamento, isso indica mau prognóstico 10. Recentemente, seu valor prognóstico também foi constatado em pacientes com síndromes coronarianas agudas 11. Neste trabalho demonstramos que a dosagem de peptídeo natriurético cerebral pode ser útil no diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva em pacientes atendidos com dispnéia na unidade de emergência. Esta é a primeira publicação nacional neste campo. Somente um estudo avaliou anteriormente a utilidade do peptídeo natriurético cerebral no diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva em ambientes de emergência. Nesse estudo, Dao e cols. 12 avaliaram 250 pacientes com dispnéia, usando um protocolo semelhante ao nosso. Os níveis de peptídeo natriurético cerebral nos pacientes, cujo diagnóstico final foi insuficiência cardíaca congestiva, foram significativamente maiores que naqueles com outros diagnósticos (1.076±138 vs 38±4pg/mL). Utilizando um corte de 80pg/mL, o peptídeo natriurético cerebral foi um preditor acurado para o diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva (valor preditivo positivo de 95%) e apresentou excelente acurácia para afastar o diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva (valor preditivo negativo de 98%). A acurácia geral do peptídeo natriurético cerebral (área sob a curva) foi de 0,97. Interessante notar que a acurácia do peptídeo natriurético cerebral foi maior que a acurácia dos emergencistas, os quais utilizaram apenas a abordagem convencional (área sob a curva de 0,88). A utilização do peptídeo natriurético cerebral nos cortes sugeridos neste trabalho teriam corrigido 29 de 30 diagnósticos trocados pelo emergencista. Outros autores avaliaram a utilidade de peptídeo natriurético cerebral em ambientes de atendimento primário 13-15. Davis e cols. 14 mediram o peptídeo natriurético cerebral e o fator natriurético atrial em 52 pacientes com dispnéia e observaram que o peptídeo natriurético cerebral foi mais acurado que a fração de ejeção e que o ANP em predizer o diagnóstico final de insuficiência cardíaca congestiva. Nossos achados são muito similares aos de Dao e cols.12 Villacorta e cols Peptídeo natriurético tipo B no diagnóstico de ICC e confirmam a utilidade do peptídeo natriurético cerebral neste cenário. Analisados em conjunto, estes dados são de grande impacto, pois raras vezes encontramos na prática clínica um método com sensibilidade e especificidade tão boas ao mesmo tempo. Em nosso trabalho, no entanto, o valor de corte com maior acurácia foi de 200pg/mL, que é superior ao sugerido por Dao e cols. 12. Acreditamos que a diferença encontrada esteja relacionada às características da nossa população. É sabido que a acurácia diagnóstica de um método vai depender da prevalência da doença na população estudada e também da gravidade nesta doença. Em nossa amostra, a prevalência de insuficiência cardíaca congestiva foi maior que a encontrada no estudo de Dao e cols. 12 (51,4% vs 38,8%, p=0,07). Nossa população também apresenta alguns achados sugestivos de maior gravidade. Por exemplo, a média de idade de nossos pacientes foi superior (72,4±15,9 vs 63±0,9 anos, p<0,001). Como os valores de peptídeo natriurético cerebral guardam relação com a idade 6, é possível que os valores de peptídeo natriurético cerebral, na população como um todo, tenham sido mais elevados em nosso estudo, o que jogaria o nível do corte para um valor mais alto. Outro achado que sugere maior gravidade, é a taxa de admissão. Enquanto no estudo de Dao e cols. 12 56,8% dos pacientes não foram admitidos no hospital, em nosso estudo esta taxa foi de apenas 20% (p<0,0001). Destacamos, ainda, que 86% de nossos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva estavam em classe funcional III ou IV da NYHA, sendo que um corte mais alto seria mais acurado para discriminar esses pacientes. Ressaltamos, entretanto, que o corte de 80pg/mL é o mais adequado para o diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva numa população não selecionada ou em pacientes não hospitalizados, onde encontramos maior número de indivíduos em classe I ou II. Dois grandes estudos populacionais procuraram avaliar a utilidade do peptídeo natriurético cerebral no diagnóstico de disfunção sistólica de ventrículo esquerdo, numa população não selecionada. Um estudo escocês, realizado na cidade de Glasgow 16, avaliou 1.653 indivíduos e testou a acurácia do peptídeo natriurético cerebral em predizer a presença de disfunção sistólica de ventrículo esquerdo ao ecocardiograma. Valores de peptídeo natriurético cerebral abaixo de 18pg/mL mostraram um valor preditivo negativo de 97%. A acurácia avaliada pela área sob a curva (curva ROC) foi de 95%. Em um estudo ainda não publicado (Redfield M. Heart Failure Society of America. Fith Annual Meeting. Washington DC, EUA, setembro de 2001), em que se avaliaram 2.042 indivíduos na cidade de Omsted, EUA, a acurácia do peptídeo natriurético cerebral para detecção de disfunção sistólica foi boa (área sob a curva mostrou um intervalo de confiança de 95% de 0,85 a 0,97). Neste mesmo trabalho, avaliou-se também, pela primeira vez em um estudo populacional, a utilidade do peptídeo natriurético cerebral em detectar disfunção diastólica. A prevalência de disfunção diastólica na população como um todo foi de 6,7%, sendo que 80% desses eram assintomáticos. Utilizou-se como pa567 Villacorta e cols Peptídeo natriurético tipo B no diagnóstico de ICC Arq Bras Cardiol 2002; 79: 564-8. drão ouro para o diagnóstico, a presença de padrão pseudo-normal ou padrão restritivo (reversível e irreversível) ao ecocardiograma. A área sob a curva para o peptídeo natriurético cerebral em detectar disfunção diastólica foi de 0,79. Como limitações, este trabalho foi realizado em um único centro, referência em cardiologia em nossa cidade. Portanto, devemos ser cautelosos em generalizar nossos dados. É possível que, em hospitais gerais, o valor de corte com melhor acurácia para o diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva descompensada seja diferente do encontrado por nós. Um estudo multicêntrico chamado Brea- thing Not Properly in Congestive Heart Failure (BNPCHF) está em andamento e procura avaliar a utilidade do peptídeo natriurético cerebral em uma população mais ampla de pacientes. Concluímos que a dosagem de peptídeo natriurético cerebral é um método sensível e específico para o diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva em pacientes que chegam à unidade de emergência com dispnéia aguda, podendo trazer benefícios adicionais à abordagem convencional, no manuseio de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva descompensada. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Stevenson LW. The limited availability of physical signs for estimating hemodynamics in chronic heart failure. JAMA 1989; 261: 884-8. Deveraux RB, Liebson PR, Horan MJ. Recommendations concerning use of echocardiography in hypertension and general population research. Hypertension 1987; 9: 97-104. Dicstein K. Natriuretic peptides in detection of heart failure. Lancet 1998; 35: 3-4. Maeda K, Takayoshi T, Wada A, Hisanaga T, Kinoshita M. Plasma brain natriuretic peptide as a biochemical marker of high left ventricular end-diastolic pressure in patients with symptomatic left ventricular dysfunction. 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