UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA - LICENCIATURA NÚMEROS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA, GEOMÉTRICA E ALGÉBRICA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO KATE FORMIGONI BOGOWICZ MARCON Santa Maria, RS, Brasil 2014 NÚMEROS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES UMA ABORDAGEM HISTÓRICA, GEOMÉTRICA E ALGÉBRICA KATE FORMIGONI BOGOWICZ MARCON Trabalho de Conclusão do Curso de Matemática - Licenciatura, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção de aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso-CCM1000. Orientador: Prof. Dr. Edson Sidney Figueiredo Santa Maria, RS, Brasil 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA - LICENCIATURA A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso. NÚMEROS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA, GEOMÉTRICA E ALGÉBRICA elaborado por Kate Formigoni Bogowicz Marcon como requisito parcial para obtenção da Graduação em Matemática - Licenciatura COMISSÃO EXAMINADORA: Edson Sidney Figueiredo, Dr. (UFSM) (Orientador) João Roberto Lazzarin, Dr. (UFSM) Márcio Luís Miotto, Dr. (UFSM) Santa Maria, 02 de dezembro de 2014 RESUMO Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Graduação em Matemática - Licenciatura Universidade Federal de Santa Maria NÚMEROS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES UMA ABORDAGEM HISTÓRICA, GEOMÉTRICA E ALGÉBRICA AUTORA: KATE FORMIGONI BOGOWICZ MARCON ORIENTADOR: EDSON SIDNEY FIGUEIREDO Data e Local da Apresentação: Santa Maria, 02 de dezembro de 2014. Números Transcendentes? Algébricos? Que bichos são esses? Como diria o matemático grego Pitágoras tudo é número. Temos os números naturais, os inteiros, racionais, irracionais, primos, perfeitos e até imaginários! Em virtude de pouca (ou nenhuma) abordagem sobre números algébricos e transcendentes para alunos do Ensino Médio e até mesmo para alunos da graduação em Matemática, o presente trabalho busca apresentar e discutir a intrigante classicação dos números reais em números algébricos e transcendentes no seu contexto histórico, geométrico e algébrico. Além disso, mostrar a importância destes números ao ajudar na solução dos três problemas clássicos da geometria: quadratura do círculo, trissecção do ângulo e a duplicação do cubo. Palavras-chave: Números Construtíveis, Números Algébricos, Números Transcendentes. ABSTRACT Completion of Course Work Undergraduate Program in Mathematics - License Federal University of Santa Maria NUMBERS ALBEBRAIC AND TRANSCENDENT AN HISTORICAL APPROACH, GEOMETRIC AND ALGEBRAIC AUTHOR: KATE FORMIGONI BOGOWICZ MARCON SUPERVISOR: EDSON SIDNEY FIGUEIREDO Date and Place of Presentation: Santa Maria, December 2, 2014. Transcendent numbers? Algebraic? What are these bugs? How would say the Greek mathematician Pythagoras everything is number. We have the natural numbers, integers, rational, irrational, prime, perfect and even imaginary! Because little (or no) approach to algebraic and transcendental numbers for high school students and even for undergraduate students in mathematics, this work seeks to present and discuss the intriguing classication of real numbers in algebraic and transcendental numbers in historical, geometric and algebraic context. Also, show the importance of these numbers to help solve three classical problems of geometry: squaring the circle, trisection of the angle and doubling the cube. Keywords: Constructible Numbers, Algebraic Numbers, Transcendent Numbers. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO 9 1 OS NÚMEROS CONSTRUTÍVEIS 13 2 OS NÚMEROS ALGÉBRICOS 21 3 OS NÚMEROS TRANSCENDENTES 25 3.1 O Número 3.2 O Número e π . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.3 A Não Enumerabilidade dos Números Transcendentes . . . . . . . . . . . . 36 4 OS TRÊS PROBLEMAS CLÁSSICOS 42 4.1 Quadratura do Círculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 4.2 Trissecção do Ângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4.3 Duplicação do Cubo 47 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONSIDERAÇÕES FINAIS 49 REFERÊNCIAS 50 INTRODUÇÃO Ao estudarmos a História da Matemática, percebemos que as teorias que estão sistematizadas atualmente, resultaram das necessidades humanas. Apesar de identicarmos, nos registros históricos, algumas divergências em relação as datas e ao encadeamento da formalização dos conceitos durante o processo de descoberta e divulgação, é indiscutível que tais teorias foram desenvolvidas com a colaboração de diversas pessoas. Tal armação pode ser ilustrada com o exemplo dos três problemas clássicos da geometria: a trissecção do ângulo, a quadratura do círculo e a duplicação do cubo. Estes três problemas que resistiram aos melhores geômetras gregos, passaram pela história trazendo uma innidade de estudos que ajudaram a promover avanços para a Matemática, pois: a procura constante de soluções para os três problemas durante tanto tempo forneceu descobertas espantosamente frutíferas, às vezes achadas por sorte pura e que lançaram luz sobre tópicos bem distantes. (YATES, 1971, p. 5 apud CARVALHO p.2) Na tentativa de efetuar a trissecção do ângulo, Hípias de Élis (460 - 400 a.C.), lósofo sosta, sistematizou uma curva que foi denominada quadratriz. Ela recebeu esse nome por que também resolveria o problema da quadratura do círculo caso essa curva fosse construtível com régua sem marcas e compasso. Já por volta de 180 a.C., Diócles (240 - 180 a.C.) produziu a curva chamada cissóide, com a qual foi possível realizar a duplicação do cubo, porém, também não era construtível com régua não graduada e compasso. Entretanto, muitos matemáticos gregos passaram sem proporcionar soluções. Somente no século XIX, os estudiosos provaram que as soluções não foram encontradas anteriormente, simplesmente porque estas construções não são possíveis utilizando apenas régua e compasso. Diferentemente do exemplo anterior, o desenvolvimento das ciências ao longo dos tempos como um todo, em especial a Matemática, esteve ligado às necessidades da vida em sociedade, visto que: Vivemos em um mundo altamente dependente da Matemática e ela está em tudo à nossa volta. (GARBI, 2009, p.1) Esse fato também pode ser observado quando analisamos a organização dos números ao longo da história. Eles começaram a ser usados a partir do momento em que existiu a necessidade de contar coisas e objetos. Essa necessidade fez com que o homem desenvolvesse símbolos no intuito de expressar inúmeras situações. No decorrer dos tempos, diversos sistemas de numeração foram criados em todo o mundo, sendo os mais antigos originários do Egito, Suméria e Babilônia. Podemos também citar outros sistemas de numeração conhecidos, como o Chinês, o Maia, o Grego, o Romano e o Indo-Arábico. O homem criou situações interessantes na contagem de seus objetos, dos animais, etc. Quando levava seu rebanho para a pastagem ele relacionava uma pedra a cada animal e, no momento em que ele recolhia os animais, fazia a relação inversa. Caso sobrasse alguma pedra, signicava que faltava algum animal. Na busca por algo mais concreto, 7 que representasse de uma forma mais simples tais situações, o homem elaborou símbolos (números) e os relacionou a determinadas quantidades. Segundo Niven (1984), os números mais simples são classicados como naturais e representados pela letra N. Fazem parte desse grupo os números inteiros positivos usados para contar: 1, 2, 3, etc. Devido haver necessidade de representar outras medidas, principalmente na geometria, foram introduzidas as frações como naturais. 1 2 5 , , , 2 3 4 etc..., ou seja, razões de números Com o início do período do renascimento ocorreu uma expansão comercial que aumentou a circulação de dinheiro, obrigando os comerciantes a expressarem situações envolvendo seus lucros e prejuízos. A maneira que eles encontraram para resolver tais problemas foi utilizar os símbolos + (mais) e − (menos). Utilizando essa nova simbologia, o método de contagem adquiriu técnicas operatórias capazes de expressar qualquer situação envolvendo números positivos e negativos. Surgiu, então, um novo conjunto numérico representado pela letra Z, formado pelos números positivos (naturais) e seus respectivos opostos, passando a ser escrito da seguinte forma: Z = {..., −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, ...}. Ao usarmos razões de números inteiros, esses números formam uma classe chamados números racionais e representados pela letra Q. Ao observarem que as frações não eram sucientes para atender as necessidades da Geometria, tornou-se necessário estabelecer outra classe de números: os irracionais. Os irracionais são denidos como números que não podem ser expressos como a razão entre dois números inteiros. A união dos conjuntos dos números racionais e irracionais formam o conjunto dos números reais, representado pela letra R. Dentro deste contexto estão os números algébricos e transcendentes. Resultado de uma contradição (construtíveis e não construtíveis), estes números singulares, com características diferentes dos demais, mudaram a história e a classicação dos números. Em virtude de não se abordar números algébricos e transcendentes para os alunos do Ensino Médio e, até mesmo, para alunos de graduação em Matemática, neste instrumento de estudo abordaremos esta classicação dos números Reais. O presente trabalho irá discutir o processo de sistematização desses números e qual a sua importância para os conteúdos matemáticos, fundamentado através de conceitos, demonstrações e da história da evolução Matemática com uma abordagem atualizada de suas aplicações. Para isso, a seguir apresentaremos o referencial bibliográco com abordagem histórica e conceitual essenciais para a caracterização dos números algébricos e transcendentes. 1 Como diria Jean Dieudonné , creio que não é possível compreender as Matemáticas de hoje se não se tiver pelo menos uma ideia sumária de sua história. 1 Jean Alexandre Eugene Dieudonné (1906 - 1992), matemático francês e membro do Grupo de estudos Bourbaki. Considerado como o matemático enciclopédico, contribuiu para muitas áreas da Matemática como análise funcional, a teoria de anéis e teoria de grupos de matriz sobre um corpo nito. 8 No capítulo 1 abordaremos os números construtíveis pois são importantes para compreender o tema dos capítulos seguintes. Nos capítulos 2, 3 e 4 serão apresentados e discutidos o conjunto dos números algébricos, dos números transcendentes, bem como, as soluções para os três problemas clássicos da geometria. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO A escola fundada por Pitágoras de Samos (586 - 500 a.C.), por volta de 540 a.C. esteve voltada ao estudo da losoa, das ciências naturais e da Matemática. Apesar de seu comportamento místico-religioso (regida por estranhos rituais e procedimentos), desenvolveu muitos estudos matemáticos de qualidade e, segundo Garbi (2009), os pitagóricos foram os primeiros a demonstrarem rigorosamente e a enxergar a Matemática como algo abstrato, acima da realidade física. Sua presença no mundo físico era percebida nos céus e na Terra. Acreditavam que o mundo era feito de números e consideravam Deus o Grande Geômetra do Universo. Em algum momento deste período, os matemáticos, ao fazerem suas demonstrações, chegaram à conclusão de que alguns princípios básicos deveriam ser admitidos sem prova. Estes princípios são chamados de axiomas. É provável que tenha surgido nesse mesmo período a ideia de demonstrar teoremas de forma indireta, conhecido como Método de Redução ao Absurdo ou Prova por Contradição. Uma das descobertas foi feita por Hipasus de Metaponto (ca. 445 a.C.). Utilizando o método por contradição, ao estudar qual deveria ser a medida da diagonal de um quadrado de lado 1 e supondo que ela pudesse ser expressa pela relação de dois inteiros, chegou a um absurdo, signicando que existia outra classe de números com características diferentes dos que já haviam sido encontrados. A gura (1) ilustra o cálculo através do teorema de Pitágoras: Figura 1: Medida da Diagonal 10 A raiz de dois não pode ser representada pela razão de números inteiros, os únicos que os pitagóricos conheciam. Estes números foram classicados como irracionais, também conhecidos como incomensuráveis: Outra forma de se referir a uma relação entre grandezas que não possa ser expressa por um número racional é dizer que as duas grandezas não admitem uma unidade comum de medida, ou seja, elas são incomensuráveis. (GARBI, 2009, p. 36) Isso causou um forte impacto para os estudiosos da época porque, até então, todas as demonstrações dos teoremas que envolviam proporções e semelhanças sugeria que, dados dois segmentos, duas áreas ou dois volumes quaisquer, sempre existia entre suas medidas uma relação que poderia ser representada por meio de números inteiros. A descoberta de casos em que isso não era verdade exigia que novas provas fossem feitas, mas o problema maior era que ninguém sabia como fazer estas demonstrações. Apenas um século depois, com a teoria das proporções desenvolvida por Eudóxio 2 de Cnidos (408 - 355 a.C.) e encontrada no livro V de Euclides , encontrou-se a solução para o problema das grandezas incomensuráveis. Esta teoria arma que um segmento de reta não pode ser comparado a uma área, mas duas razões podem ser comparadas entre si, ou seja, c a < ⇔ a.d < b.c. b d x basta conhecer os números racionais menores números racionais maiores do que x (aproximação Para conhecer um número irracional do que x (aproximação por falta) e os por excesso). Por esse processo, podemos obter aproximações para um número irracional √ com um erro tão pequeno quanto se queira. Assim, um segmento de comprimento exemplo, e de comprimento 1 2, por podem ser comparados, em termos de razão, desde que: √ √ 2 1 > ⇔ 2.1 > 1.1 1 1 √ e √ 2 2 < ⇔ 2.1 < 2.1 1 1 Assim, o problema de comprimentos irracionais foi resolvido, no sentido que se pode comparar os segmentos de qualquer comprimento, sejam eles racionais ou irracionais. Uma restrição que lançou grandes desaos aos geômetras foi que, nas construções geométricas somente dois instrumentos seriam permitidos: a régua não graduada e o compasso. Isso não signica que eles não usavam outros recursos, pois, se assim fosse, não teriam descoberto outras soluções. Mas o que é uma construção com régua não graduada e compasso? 2 O livro V de Euclides faz parte de uma coleção conhecida como Os Elementos de Euclides. Neste acervo constam 13 livros num total de 465 proposições organizadas como um conjunto de princípios iniciais, denições, axiomas e postulados de que derivam todas as outras proposições. 11 ...uma construção geométrica com régua, sem marcas, e compasso: é um conjunto de um número nito de operações e traçado de retas e circunferências, por . meio das quais são encontrados os elementos que resolvem o problema proposto. (GARBI, 2009, pg. 42). Essa limitação gerou problemas que, na época e com tais restrições, não foram encontradas soluções, como é o caso dos três problemas clássicos: a trissecção do ângulo, a quadratura do círculo e a duplicação do cubo. Mesmo assim, porém, estabeleceram muitas contribuições para o desenvolvimento matemático. Em suas tentativas de quadrar o círculo, por exemplo, Hipócrates (470 - 410 a.C.), da ilha jônia de Quios, foi capaz de encontrar as áreas de lunas (guras delimitadas por linhas curvas), as quais se pode construir, com régua e compasso, quadrados de mesma área. Hipócrates foi o primeiro matemático da história a calcular rigorosamente áreas das lunas. Neste caso, a área de S é dada pela soma da área das lunas L1 e L2 . Observe a gura (2): Figura 2: Lunas A área total destas lunas é a área do triângulo semicírculos cujos diâmetros são os catetos igual à hipotenusa ABC somada com as áreas dos dois b e c, menos a área do semicírculo de diâmetro a. Porém, a soma das áreas dos semicírculos sobre os catetos é igual à área do semicírculo sobre a hipotenusa (teorema de Pitágoras). Por meio da quadratriz, sistematizada por Hípias, pode-se dividir qualquer ângulo em qualquer número de partes iguais. Esta descoberta seria perfeita se não fosse por um detalhe: innitos pontos da quadratriz podem ser construídos com régua e compasso, mas outros innitos pontos não podem e, mesmo que pudessem, seria necessário um número innito de operações. Isso contraria a denição de uma construção geométrica com régua não graduada e compasso, como vimos anteriormente. Mas a principal contribuição para este trabalho foi providenciada por Pierre Lau- 12 rent Wantzel (1814-1848), engenheiro e matemático francês, que, usando a álgebra, demonstrou teoremas que possibilitaram o m de uma busca que durou 23 séculos. Wantzel mostrou que um elemento de uma gura geométrica é construtível com régua não graduada e compasso se, e somente se, os números que o denem derivam dos dados do problema através de uma quantidade nita de operações de soma, subtração, multiplicação, divisão e extração de raízes quadradas. (GARBI, 2009) Como consequência da descoberta de Wantzel, concluiu-se que todos os números construtíveis são algébricos, sendo que um número é algébrico quando ele é solução de equações algébricas com coecientes inteiros, podendo ser racional ou irracional. Assim, os números reais podem ser classicados não apenas como racionais e irracionais, mas também em outras duas categorias: números algébricos e números transcendentes. (NIVEN, 1984) Com essa fundamentação, apresentaremos a teoria dos números algébricos e transcendentes e como ela possibilitou aos matemáticos resolver os três problemas geométricos clássicos. Além disso, mostraremos que tais construções são impossíveis de serem realizadas usando apenas régua não graduada e compasso. Capítulo 1 OS NÚMEROS CONSTRUTÍVEIS Como vimos anteriormente, uma restrição que lançou grandes desaos aos geômetras foi que, nas construções geométricas somente dois instrumentos seriam permitidos: a régua não graduada e o compasso. As construções geométricas feitas com régua não graduada e compasso consistem em repetir, um número nito de vezes, as seguintes operações básicas (Garbi, 2007): 1) Traçar a reta que une dois pontos dados; 2) Traçar a circunferência com centro e raio dados. Nessas construções, um ponto só pode ser obtido como intersecção de duas retas, de duas circunferências ou de uma reta com uma circuferência. Analiticamente, a intersecção entre duas retas corresponde à solução de Ax + By + C = 0 e A0 x + B 0 y + C 0 = 0 que são equações do primeiro grau em x e y . A solução deste sistema mostrará x e y como o quociente entre duas expressões contendo produtos, somas e subtrações de termos em que aparecem os parâmetros A, B , C , A0 , B 0 e C 0. A intersecção entre uma reta e uma circunferência corresponde à solução de um sistema formado por uma equação do primeiro grau e uma do segundo grau. Os valores de x e y serão expressos por meio de operações de adição, subtração, multiplicação, di- visão e extração de raízes quadradas aplicadas a termos formados pelos parâmetros que caracterizam aquelas linhas. Da mesma maneira, a intersecção entre duas circunferências se expressa algebricamente por meio destas operações efetuadas sobre os parâmetros das duas curvas. Assim, se um elemento de uma gura é construtível com régua sem marcas e compasso, os números que o denem derivam dos dados do problema através de uma quantidade nita de operações de adição, subtração, multiplicação, divisão e extração de raízes quadradas, sendo a recíproca, verdadeira. No que segue, consideraremos: 14 Denição 1.1. Um número real α diz-se construtível se dado um segmento de comprimento 1 (uma unidade de medida), é possível construir, com um número nito de operações, um segmento de comprimento |α|. Veremos agora algumas propriedades dos números construtíveis, considerando que o conjunto dos números construtíveis é um subconjunto dos números reais contendo uma origem e uma unidade estabelecida. Proposição 1.1. Dados dois números a e b construtíveis, então a + b também é construtível. Prova: 1. Sobre uma reta A e B, tal que r marcar o ponto O correspondente ao número 0. Construir os pontos med (OA) = a e med (OB) = b. 2. Construir uma reta s 3. Escolher um ponto C ∈s segmento paralela a r. e traçar o segmento de reta OC . Em seguida, traçar o CB . 4. Traçar um segmento de reta passando por A e paralelo a OC , determinando o ponto D ∈ s. 5. Traçar um segmento de reta passando por D e paralelo a CB , determinando o ponto E ∈ r. Figura 1.1: Construção do segmento med (OA) = med (CD) = med (BE) = a. Então, med (OE) = E ∈ r corresponde ao número a + b. Desta forma temos : b + a = a + b. O ponto a+b 15 Proposição 1.2. Seja a um número construtível, então −a também é construtível. Prova: r marcar o ponto O med (OA) = a. 1. Sobre uma reta A, tal que 2. Construir uma reta s 3. Escolher um ponto B ∈s segmento paralela a correspondente ao número 0. Construir o ponto r. AB . e traçar o segmento de reta Em seguida, traçar o BO. 4. Traçar um segmento de reta passando por O e paralelo a AB , determinando o ponto C ∈ s. 5. Traçar um segmento de reta passando por C e paralelo a BO, determinando o ponto D ∈ r. Figura 1.2: Construção do segmento −a med (OA) = med (CB) = med (DO) = a. D ∈ r corresponde ao número −a. Desta forma temos : O ponto Proposição 1.3. Dados dois números a e b construtíveis com a > 1 e b > 1, então a.b também é construtível. Prova: 1. Sobre uma reta r marcar o ponto pondente ao número med (OB) = b. 1. O correspondente ao número Construir os pontos A∈r e B ∈ r, tal 0 e o ponto I corresque med (OA) = a e 16 2. Construir uma reta s, 3. Escolher um ponto C∈s passando por O, formando com e traçar o segmento IC . r um ângulo agudo. Em seguida, traçar o segmento CB . 4. Traçar um segmento de reta passando por nando o ponto e paralelo ao segmento determi- D e paralelo ao segmento CB , determinando E ∈ r. Figura 1.3: Construção do segmento Desta forma temos : o que nos dá IC , D ∈ s. 5. Traçar o segmento de reta passando por o ponto A a.b OB 1 b OI = , ou seja, = , OA OE a med (OE) E ∈ r corresponde ao número a.b. 4OBC ∼ 4OED. Então, med (OE) = a.b. O ponto Proposição 1.4. Dado a construtível, então 1 também é construtível (sendo a > 1). a Prova: 1. Sobre uma reta r marcar o ponto O respondente ao número 1. Construir o ponto 2. Construir uma reta s, 3. Escolher um ponto B ∈s segmento passando por 0 e o ponto I med (OA) = a. correspondente ao número O, A ∈ r, tal que cor- formando com r um ângulo agudo. e traçar o segmento de reta AB . Em seguida, traçar o BI . 4. Traçar um segmento de reta passando por I e paralelo a AB , determinando o ponto C ∈ s. 5. Traçar um segmento de reta passando por D ∈ r. C e paralelo a BI , determinando o ponto 17 Figura 1.4: Construção do segmento 4OIC ∼ 4OAB . a 1 ou seja, = , 1 med (OD) 1 D ∈ r corresponde ao número . a 1 a Desta forma temos que Então, OA OI = , OI OD O ponto o que nos dá med (OD) = 1 . a √ Proposição 1.5. Dado a construtível, então a também é construtível (sendo a > 0). Prova: r marcar o ponto O correspondente ao número 0. Construir o ponto med (OA) = a. A partir de A, construir o ponto B , tal que med (OB) = 1. Sobre uma reta A, tal a+1 que 2. Traçar uma semi-circunferência com centro no ponto médio de OB , passando por O. 3. Traçar por A um segmento de reta perpendicular a circunferência o ponto OB , determinando na semi- C. Desta forma temos que o 4OBC é retângulo em C. Usando as relações métricas no triângulo retângulo, temos que: (med (AC))2 = med (OA) .med (AB) =⇒ (med (AC))2 = a.1 =⇒ med (AC) = √ a. Como as construções descritas anteriormente foram feitas a partir de uma origem 0 e de uma unidade, utilizando apenas régua não graduada e compasso, temos como consequência imediata que também são construtíveis os números: 3+1 = 4 1 + 1 = 2; 2 + 1 = 3; e assim sucessivamente. Logo, todos os números naturais são construtíveis, 18 Figura 1.5: Construção do segmento assim como os simétricos √ a −1, −2, −3, etc, e portanto, são construtíveis todos os números inteiros. Concluímos também, que são construtíveis todos os quocientes de inteiros, ou seja, todos os números racionais e por último, vimos que se número √ a, a é construtível, então o que pode ser irracional, também é construtível. Com as propriedades vistas anteriormente, podemos observar que o conjunto dos números construtíveis constitui um corpo em R. Mas, o que é um corpo? Vejamos: Denição 1.2. Um conjunto X é chamado de corpo quando podem ser denidas duas operações, adição (+) e multiplicação (.), satisfazendo: 1. Adição (a) Associatividade - ∀x, y, z ∈ X , tem-se (x + y) + z = x + (y + z). (b) Comutatividade - ∀x, y ∈ X , tem-se x + y = y + x. (c) Elemento Neutro - ∃ 0 ∈ X | x + 0 = x, ∀x ∈ X . (d) Simétrico - ∀x ∈ X , ∃ (−x) ∈ X | x + (−x) = 0. 2. Multiplicação (a) Associatividade - ∀x, y, z ∈ X , tem-se (x.y).z = x.(y.z). (b) Comutatividade - ∀x, y ∈ X , tem-se x.y = y.x. (c) Elemento Neutro - ∃ 1 ∈ X | x.1 = x, ∀x ∈ X . (d) Inverso Multiplicativo - ∀x ∈ X , x 6= 0, ∃ x−1 ∃ X | x.x−1 = 1. 3. Distributividade ∀x, y, z ∈ X , tem-se x.(y + z) = x.y + x.z . 19 Proposição 1.6. O conjunto dos números construtíveis constitui um corpo em R. Um fato que podemos explicitar neste momento e que usaremos no próximo capítulo é que: Proposição 1.7. O conjunto dos números racionais Q também constitui um corpo. Relacionaremos agora o conceito de número construtível com a existência de certas extensões de corpos. Assim, a seguir, introduziremos o conceito de extensão quadrática de um corpo. Denição 1.3. Seja F um corpo. Chamamos de extensão quadrática de F denotada por √ F[ k], o conjunto assim denido √ √ F[ k] = {a + b k | a, b ∈ F}, onde se k ∈ F e √ k∈ / F. A partir deste momento consideraremos o corpoF como sendo os racionais, isto é, F = Q. √ Proposição 1.8. O conjunto Q[ k] constitui um corpo em R. Isso mostra que, começando com uma unidade e usando régua não graduada e √ Q[ k]. Podemos ir √ √ um pouco mais longe e usar o corpo Q[ k], digamos Q[ 2], em vez de Q. Para vários k , √ √ √ √ temos o corpo Q[ 2][ k], que escreveremos mais concisamente Q[ 2, k]. Por exemplo, √ √ √ √ Q[ 2, 3] são os números da forma a + b 3 onde a, b pertencem a Q[ 2]. Observe que √ √ √ / Q[ 2]. 3 ∈ Q[ 2] enquanto que 3 ∈ compasso, podemos construir qualquer número pertencente ao corpo Para estender quadraticamente este corpo, escolhemos qualquer um de seus ele- p √ √ 1 + 2 ou 5 − 2 2 podem √ de Q[ 2]. O processo pode ser mentos, cuja raiz quadrada não pertença ao corpo. Assim, ser escolhidos para a extensão quadrática, por exemplo, continuado, obtendo assim um novo corpo. Portanto, em geral, após n passos teremos um corpo que denotaremos por p p p Q[ k1 , k2 , ..., kn ], ki , com 1 < i < n, p √ √ Q[ k1 , k2 , ..., ki−1 ]. onde os números na extensão são tais que nenhum deles é um quadrado perfeito Teorema 1.1. Um número α é construtível se, e somente se, p p p α ∈ Q[ k1 , k2 , ..., kn ]. 20 Prova: Faremos apenas a implicação contrária, usando indução sobre n, já que a implicação é imediata. n = 0 então α ∈ Q e portanto, construtível. Suponha que a armação se verique para um dado n. Queremos ver se vericará para n + 1. p √ √ p √ kn+1 ]. Como Q[ k1 , ..., kn , kn+1 ] é uma extensão quaSeja α ∈ Q[ k1 , ..., p √ √ drática de Q[ k1 , ..., kn ], α pode ser escrito da forma an + bn kn+1 , com an , bn , √ √ kn+1 ∈ Q[ k1 , ..., kn ]. Por hipótese de indução, an , bn são construtíveis e, pela Prop posição 1.6, conclui-se que α = an + bn kn+1 também é construtível, como se queria Se demonstrar. Em GONÇALVES (2007), o leitor pode aprofundar este conceito com a teoria de extensão de corpos. Exemplo 1.1. Vejamos a que corpo pertence o número construtível √ 2+ sr q √ 3 + 7 + 5. √ O número 7 + 5 pertence a um corpo Q1 . O número 3 + p 7+ √ 5 pertence a um Q2 . rq p √ O número 3 + 7 + 5 pertence a um Q4 (duas raízes quadradas de um número de um Q2 ). √ Se somássemos a esse número de um Q4 , por exemplo, 2 que está em Q0 ou 5 √ que está em Q1 , e portanto, em Q4 , o resultado continuaria em Q4 . Mas 2 não está em qualquer dos corpos pelos quais passamos. Portanto, o número em estudo pertence a um Q5 . Essa discussão inicial sobre números construtíveis é importante para a continuação do desenvolvimento deste trabalho, pois, o conjunto dos números construtíveis é um subconjunto dos números algébricos, como veremos a seguir. Capítulo 2 OS NÚMEROS ALGÉBRICOS A teoria dos números algébricos, de acordo com Stewart e Tall (1973 apud SILVEIRA, p. 19), teve sua origem, em grande parte, devido aos estudos da teoria dos números nos séculos XVII, XVIII e XIX. Segundo Endler (2012), a teoria dos números, que é na verdade a teoria dos números racionais e inteiros, está principalmente relacionada à resolução de equações diofantinas, que são equações que possuem como soluções números naturais. Estas equações receberam esse nome em homenagem a Diofanto (250 a.C. ˘ 298 a.C.) que, ao estudar os números em si, também escreveu um importante tratado sobre equações polinomiais cujas soluções eram números fracionários. O matemático francês Pierre de Fermat (1601 ˘ 1665), no século XVII, interessado pela tradução latina de Aritmética, de Diofanto, contribuiu para a fundamentação da moderna teoria dos números, grande parte através de enunciados e notas escritos nas margens do seu exemplar desta tradução. Muitos dos teoremas enunciados por Fermat se mostraram verdadeiros posteriormente como, por exemplo, o chamado último teorema de Fermat. Esse teorema arma a não existência de inteiros positivos x, y , z e n, onde n > 2, tais que xn + y n = z n . Ao escrever o enunciado na margem do seu exemplar do livro de Diofanto, ele arma ter encontrado uma demonstração para esse fato, mas não foi possível explicitá-la ali devido a pequenez da margem. Isto chamou a atenção de muitos matemáticos, os quais, tentaram demonstrar tal teorema. O interesse pela demonstraçao tornou-se ainda maior quando Paul Wolfskehl, em 1908, ofertou uma quantia signicativa para a Academia de Ciências de Gottingen para que fosse dado como prêmio para a primeira pessoa a demonstrar completamente o último teorema de Fermat. A busca pela demonstração do último teorema de Fermat impulsionou outros estudos matemáticos avançando para a teoria dos números algébricos que, atualmente, tem-se mostrado importante com aplicações não somente na Teoria dos Números, mas também na Teoria dos Grupos, na Geometria Algébrica, na Topologia e na Análise. Essas relações importantes levaram à prova nal do último Teorema de Fermat, estabelecendo-o 22 denitivamente como um teorema. Mas anal, o que é um número algébrico? Denição 2.1. Qualquer solução de uma equação polinomial da forma an xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0 = 0 onde os coecientes an , an−1 , ..., a1 , a0 são inteiros, é chamado de número algébrico. Ou seja, um número real é algébrico quando for um zero de um polinômio (expressão algébrica composta por mais de dois termos) de coecentes inteiros. O matemático e engenheiro francês Pierre Wantzel, usando a álgebra, trouxe muitas contribuições que ajudaram a mostrar que todos os números construtíveis são algébricos, como veremos a seguir: √ √ √ Teorema 2.1. Seja α ∈ Q[ k1 , k2 , ..., kn ], então α é raiz de uma equação polinomial com coecientes inteiros cujo grau é uma potência de 2. Como consequência do Teorema 1.1 e do Teorema 2.1 temos que: Teorema 2.2. Todos os números construtíveis são algébricos. A seguir, temos alguns exemplos de números algébricos: Exemplo 2.1. Seja a ∈ Z, então a é um número algébrico, pois a é solução da equação x − a = 0, a qual é do tipo xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0 = 0, para n = 1 e a0 = −a. √ Exemplo 2.2. 5 é um número algébrico, já que é solução de x2 − 5 = 0. q √ Exemplo 2.3. 2 + 3 é um número algébrico, uma vez que é solução de uma equação do tipo xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0 = 0. Para obtermos essa equação precisamos aplicar duas quadraturas. Aplicando a primeira quadratura, temos q x= 2+ √ q √ 2 √ 3 ⇒ x = 2+ 3 ⇒ x2 = 2 + 3 2 Para eliminar o radical que restou, aplicamos outra quadratura: x2 = 2 + ⇒ x2 − 2 = ⇒ √ 3 √ 3 2 √ 2 x2 − 2 = 3 ⇒ x4 − 4x2 + 4 = 3 ⇒ x4 − 4x2 + 1 = 0 23 Assim, x4 − 4x2 + 1 = 0 é a equação procurada. √ Exemplo 2.4. Todo número da forma b, com b ∈ N, é um número algébrico. De fato, √ x= √ 2 b ⇒ x = b ⇒ x2 = b ⇒ x2 − b = 0 2 e esta última é uma equação do tipo xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0 = 0, para n = 2 e a0 = −b. √ Exemplo 2.5. Para cada a ∈ Z, o número complexo i a é um número algébrico, pois é solução da equação x2 + a = 0. p q Exemplo 2.6. Qualquer número racional α = , é algébrico porque α é a raiz da equação qx − p = 0. No conjunto dos números algébricos encontram-se todos os números racionais que vimos serem construtíveis. No entanto, existem números construtíveis que não são raci- √ onais. Um exemplo disso seria o número algébrico (solução da equação 2 x − 2 = 0), 2 que, embora seja construtível e portanto, não é um número racional e sim um número irracional. Como os números construtíveis são algébricos, uma maneira de diferenciar os números algébricos construtíveis dos não construtíveis é através do teorema a seguir proposto por Wantzel: Teorema 2.3. Se nenhuma das raízes de uma equação do terceiro grau com coecientes racionais é racional, então nenhuma delas é construtível. Prova: Supondo que a equação x3 + ax2 + bx + c + 0, com a, b e c contidos no conjuntos dos construtíveis racionais Q, tenha uma ou mais raízes construtíveis pertencentes aos corpos √ √ √ Q[ k1 , k2 , ..., ki ] com 1 ≤ i ≤ n pois, por hipótese, elas não são racionais. √ Seja m o menor inteiro tal que alguma das raízes do tipo r1 = p + q w pertença p √ √ √ √ √ √ a um Q[ k1 , k2 , ..., km ], com p, q e w em Q[ k1 , k2 , ..., km−1 ] mas w não. √ 3 2 Substituindo r1 = p + q w em x + ax + bx + c + 0 temos: √ 3 √ 2 √ p + q w + a p + q w + b p + q w + c = 0. Desenvolvendo-se os produtos, tem-se: √ p3 + ap2 + 3pq 2 w + aq 2 w + bp + c + w 3p2 q + q 3 w + 2apq + bq = 0. 24 Fazendo (p3 + ap2 + 3pq 2 w + aq 2 w + bp + c) = s e (3p2 q + q 3 w + 2apq + bq) = t temos √ s + t w = 0. t √ −s . t Mas s e t são números que estão em p √ √ Q[ k1 , k2 , ..., km−1 ] pois a, b e c são racionais e p e q estão naquele corpo. O mesmo √ ocorre com w, o que contradiz a hipótese. Logo, t = 0 implicando que s = 0. √ 3 2 Agora, substituindo o número p − q w no polinômio x + ax + bx + c e fazendo as √ √ multiplicações, teremos o número s−t w . Como s = 0 e t = 0, signica que r2 = p−q w também é raíz desta equação. Como a soma das três raízes é −a, podemos considerar que √ √ a terceira raiz será r3 = −a − (p + q w) − (p − q w) = − (a + p + q). Como p e q estão em Se for diferente de zero, então w= p p p Q[ k1 , k2 , ..., km−1 ] e a é racional, r3 está em p p p Q[ k1 , k2 , ..., km−1 ], m é o menor inteiro para o qual uma √ √ √ Q[ k1 , k2 , ..., km ]. o que é um absurdo pois contraria a hipótese de que das raízes da equação de terceiro grau está em Como vimos, todos os números construtíveis são algébricos, mas através do teorema anterior podemos constatar que o contrário não é verdade, ou seja, nem todo número algébrico é construtível, como é o caso do número √ 3 5 que é raiz da equação portanto, algébrico. As raízes racionais possíveis seriam 1 1 , − , 5 5 5 e −5, x3 − 5 e mas nenhuma delas satisfaz a equação, pois, usando o resultado demonstrado por Wantzel, a condição necessária para que as três raízes de uma equação de terceiro grau de coecientes racionais seja construtível é que pelo menos uma delas seja racional. Através do Teorema 2.1 obtemos uma caracterização para os números construtíveis √ dentro dos números algébricos, ou seja, podemos dizer que e o grau do polinômio sobre Q é uma potência de 2. 2 é construtível e algébrico Já o número algébrico, não é construtível, pois o grau do polinômio sobre Q √ 3 2, que também é é uma potência de 3. Após conhecermos esta classe de números onde alguns números podem ser construídos, usando apenas régua não graduada e compasso, e outros não, discutiremos, a seguir, uma outra classe dos números reais onde não encontramos nenhum construtível: os números transcendentes. Capítulo 3 OS NÚMEROS TRANSCENDENTES De acordo com o dicionário a palavra transcendente pode ser entendida como adjetivo e signica algo que excele em seu gênero; superior: espírito transcendente. Para a losoa, signica algo fora do alcance da ação ou do conhecimento. Segundo certos lósofos, o real é transcendente ao pensamento. No contexto matemático, um número é transcendente quando não é raiz de uma equação algébrica de coecientes inteiros, ou seja: Denição 3.1. Um número é transcendente quando ele não é algébrico. Sobre estes números disse o matemático Leonhard Euler (1707 - 1783): Eles transcendem o poder dos métodos algébricos. Euler morreu sem conseguir provar sua conjectura, mas a designação dos nomes em números algébricos e transcendentes foi dada por ele. Até 1844, porém, ninguém sabia se existiam números transcendentes. Nesse ano, o matemático francês Joseph Liouville (1809-1882) construiu números não algébricos e demonstrou um teorema que tem como consequência que números irracionais algébricos não podem ser bem aproximados por racionais, isto é, ao procurar aproximações de números algébricos por racionais, ele teve que escolher esses números com denominadores muito grandes. Dizer que um número irracional α pode ser aproximado com qualquer grau dese- jado de precisão por um número racional signica que pode-se encontrar uma sequência αm = pm ∈ Q, pm , qm ∈ Z, qm 6= 0, qm p1 p2 , , ... q1 q2 pm αm = → α. qm ou seja, denominadores cada vez maiores tais que de números racionais com Usando a forma decimal podemos obter valores aproximados de um número irra- √ 2 = 1, 41421356.... Os números 1; 1, 4; 1, 41; 1, 414; 1, 4142; 1, 41421; 1, 414213; 1, 4142135; 1, 41421356;..., formam uma sequência de aproximações, cional, como por exemplo, 26 √ cada vez mais precisas de 2 : 1 14 141 1414 14142 141421 1414213 14142135 , , , , , , , , ... 1 10 100 1000 10000 100000 1000000 10000000 Nesta sequência de aproximação racional utilizamos denominadores 10, 102 , 103 ,.... No entanto, demonstra-se que todo número irracional pode ser aproximado por um número racional de denominador arbitrário (NIVEN, 1984). Os primeiros números transcendentes conhecidos foram apresentados em 1851 por Liouville. O primeiro número a ter sua transcendência demonstrada foi o número ∞ X 10−k! = 0, 1100010000000000000000010000... k=1 e passou a ser chamado de constante de Liouville. Este número deveria satisfazer a equação x6 −76x3 −190x+21 = 0, mas, através do avanço dos métodos computacionais, constatouse que, por uma margem de erro extremamente pequena, o número de Liouville não satisfaz esta equação. A ideia de Liouville para construir números transcendentes foi ecaz: encontrar uma propriedade que fosse satisfeita por todos os números algébricos. Depois, bastava construir um número que não satiszesse tal propriedade. Vejamos alguns pontos importantes sobre a construção deste conhecimento por Liouville: Denição 3.2. Um número algébrico α é de grau n se ele for raiz de uma equação polinomial com coecientes inteiros de grau n e não existir nenhum polinômio com coecientes inteiros, de grau menor que n, que contenha α como uma de suas raízes. Por exemplo, os números racionais coincidem com os números algébricos de grau 1, pois qualquer número racional α = p q é raiz da equação n > 1 não pode √ 2 é irracional. inteiros, e portanto, um número algébrico de grau o grau de √ 2 é 2, pois não pode ser 1, visto que qx − p = 0, com p, q 6= 0 ser racional. Note que Denição 3.3. Um número real α é aproximável na ordem n por racionais se existirem uma constante real c > 0 e uma sequência mdc(pk , qk ) = 1, tais que: q de racionais distintos, com qk > 0 e p k α − < c . qk qkn Nesta denição temos que a sequência xado um pk qk {qk } dos denominadores é ilimitada. De fato, na desigualdade acima, podemos escrever: |qα − pk | < c q n−1 . 27 Uma vez que q denominador {pk } assume apenas valores inteiros, pode-se concluir que para um xo, existe somente um número nito de possíveis numeradores para a sequência de racionais. Assim, a sequência qk contrário, uma vez que {qk } dos denominadores é ilimitada. Se fosse o só assume valores inteiros, teríamos um número nito de possí- veis denominadores. Para cada denominador xo teríamos um número nito de possíveis numeradores distintos e uma vez que pk qk é uma sequência de racionais, deveria repetir, o que vai contra a hipótese de que os elementos são todos distintos. Logo, a sequência {qk } dos denominadores é ilimitada. Com estas denições, podemos compreender a demonstração do Teorema de Liou- ville: pm ∈ Q, com qm 1 > n+1 para m qm Teorema 3.1. Se α é um número algébrico real de grau n > 1 e se αm = pm , qm ∈ Z, qm 6= 0 é uma sequência tal que αm sucientemente grande. p m → α, então α − qm Prova: α Seja um número algébrico de grau n > 1, então α é raiz de f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 onde ai ∈ Z, para i = 0, 1, ..., n e an 6= 0. Consideremos uma sequência de números racionais Assim, podemos observar que a sequência que lim m→∞ am 1 + m bm 10 = lim m→∞ αm = am βm = bm am 1 + m bm 10 tal que converge para βm → α. α, uma vez am 1 + lim = α + 0 = α. m→∞ bm 10m Isso garante a existência de uma sequência de números escritos na forma com α, p, q ∈ Z e q 6= 0, pois αm = sendo com denominadores cada vez maiores, que também convirja para am 1 am 10m 1 bm am .10m + bm + m = . m + m. = ∈ Q, bm 10 bm 10 10 bm bm .10m (am .10m + bm ) ∈ Z Temos que Fazendo αm → α de qm > M . p ∈ Q, q e (bm .10m ) ∈ Z − {0}. lim bm .10m = ∞. m→∞ am .10m + bm pm = , m bm .10 qm temos pm ∈ Q, qm M > 0, existe αm = tal forma que, qualquer que seja com pm , qm ∈ Z, qm 6= 0 um valor de m∈N e tal que 28 Como f (α) = 0, então n n−1 2 1 f (αm ) = f (αm ) − f (α) = (an αm + an−1 αm + ... + a2 αm + a1 α m + a0 ) −(an αn + an−1 αn−1 + ... + a2 α2 + a1 α1 + a0 ). Dividindo por (αm − α) em ambos os lados da equação obtemos: 2 n−1 n − α2 ) − αn−1 ) an .(αm − αn ) f (α) a1 .(αm − α) a2 .(αm an−1 .(αm = + + ... + + . αm − α αm − α αm − α αm − α αm − α Fatorando n − αn αm temos: n n−1 n−2 1 n−3 2 2 1 αm − αn = (αm − α).(αm + αm .α + αm .α + ... + αm .αn−3 + αm .αn−2 + αn−1 ). Portanto, n − αn αm n−1 n−2 1 n−3 2 2 1 = αm + αm .α + αm .α + ... + αm .αn−3 + αm .αn−2 + αn−1 . αm − α Dessa última igualdade temos que: αm − α =1 αm − α 2 αm − α2 (αm − α).(αm + α) = = (αm + α) αm − α αm − α 3 2 − α3 + αm .α + α2 ) αm (αm − α).(αm 2 = = (αm + αm .α + α2 ) αm − α αm − α . . . n−4 2 n−1 n−2 n−3 .α + ... + αm .αn−3 + αn−2 ) − αn−1 (αm − α).(αm + αm .α + αm αm = αm − α αm − α n−2 n−3 n−4 2 = αm + αm .α + αm .α + ... + αm .αn−3 + αn−2 . Utilizando esses resultados, obtemos para 2 n−1 n f (α) a1 .(αm − α) a2 .(αm − α2 ) an−1 .(αm − αn−1 ) an .(αm − αn ) = + + ... + + , αm − α αm − α αm − α αm − α αm − α a seguinte igualdade: f (α) 2 n−1 + αm .α + α2 ) + ... + an .(αm + ... + αn−1 ). = a1 + a2 .(αm + α) + a3 .(αm αm − α Como αm → α, temos que para m sucientemente grande, | αm − α |< 1. 29 | αm | − | α |<| αm − α | e como | αm − α |< 1, podemos escrever | αm | − | α |<| αm −α |< 1 o que nos dá | αm | − | α |< 1 ou ainda, | αm |<| α | +1. Observemos então que Usando a desigualdade triangular temos: | αm + α |6| αm | + | α |<| α | +1+ | α | +1 < 2. | α | +2 = 2.(| α | +1) ou seja, | αm + α |< 2.(| α | +1). Da mesma forma 2 + αm .α + α2 | 6 | αm |2 + | αm | . | α | + | α |2 | αm < (| α | +1)2 + (| α | +1) . (| α | +1) + (| α | +1)2 = 3. (| α | +1)2 ou seja, 2 | αm + αm .α + α2 |< 3. (| α | +1)2 . Analogamente 3 2 | αm + αm .α + αm .α2 + α3 | < | αm |3 + | αm |2 . | α | + | αm | . | αm |2 + | αm |3 < (| α | +1)3 + (| α | +1)2 . (| α | +1) + (| α | +1) . (| α | +1)2 + (| α | +1)3 = 4. (| α | +1)3 ou seja, 3 2 | αm + αm .α + αm .α2 + α3 |< 4. (| α | +1)3 . Utilizando o mesmo raciocínio, por indução matemática, podemos escrever n−1 | αm + ... + αn−1 | 6 | αm |n−1 +...+ | α |n−1 < (| α | +1)n−1 + ... + (| α | +1)n−1 = n. (| α | +1)n−1 . Voltando à expressão f (αm ) 2 n−1 = a1 + a2 .(αm + α) + a3 .(αm + αm .α + α2 ) + ... + an .(αm + ... + αn−1 ), αm − α temos que: f (αm ) 2 2 n−1 n−1 = a1 + a2 .(αm + α) + a3 .(αm + α .α + α ) + ... + a .(α + ... + α ) . m n m αm − α 30 Aplicando as desigualdades acima, temos: f (αm ) 2 n−1 . αm − α < | a1 | +2. | a2 | . (| α | +1)+3. | a3 | . (| α | +1) +...+n. | an | . (| α | +1) Como α é xo e fazendo M =| a1 | +2. | a2 | . (| α | +1) + 3. | a3 | . (| α | +1)2 + ... + n. | an | . (| α | +1)n−1 podemos escrever f (αm ) αm − α < M, sendo M uma constante. Como f (αm ) αm − α < M, então: | f (αm ) | < M | αm − α | | f (αm ) | < M. | αm − α | | f (αm ) | M | αm − α | > Seja agora, um valor para maior do que Como m xo sucientemente grande tal que em αm = M. qm > M Da igualdade Como . então | αm − α | > | αm − α |=| α − αm | pm qm | f (αm ) | . qm temos | α − αm | > f (x) = an xn an−1 xn−1 + ... + a2 x2 + a1 x1 + a0 , | f (αm ) | | f (αm ) | > . M qm então 2 1 n n−1 + a1 αm + a0 | . | f (αm ) |=| an αm an−1 αm + ... + a2 αm pm , temos: qm n n−1 2 1 pm pm pm pm | f (αm ) |=| an + an−1 + ... + a2 + a1 + a0 | . qm qm qm qm Tomando αm = | f (αm ) |=| an | f (αm ) |=| seja pnm pn−1 p2m p1m m + a + ... + a + a + a0 | . n−1 2 1 n n−1 2 1 qm qm qm qm n−1 n−2 2 n−1 1 n an pnm + an−1 qm pm + ... + a2 qm p m + a1 q m pm + a0 qm |. n qm 31 O número racional fatorar (x − αm ) de f (x) αm = pm qm não pode ser raiz de f (x) = 0 pois se fosse poderíamos α (que é um número algébrico n. Portanto, f (αm ) 6= 0. e neste caso uma equação de grau menor do que de grau n) satisfaria Analisando agora o numerador de | f (αm ) |=| n n−1 1 n−2 2 n−1 p m + a0 q m p m + a1 q m + ... + a2 qm an pnm + an−1 qm pm | n qm temos que ele é um número inteiro, e deve ser maior ou igual a 1. Assim, | f (αm ) |> Então, de 1 . n qm | αm − α | > | f (αm ) | qm | αm − α | > 1 1 1 1 . | f (αm ) | > . n = n+1 , ou seja, qm qm q m qm | αm − α | > e | f (αm ) |> 1 n qm temos: 1 pm 1 1 . | f (αm ) | > n+1 ⇒| αm − | > n+1 . qm qm qm qm Denição 3.4. Diz-se que um número real α é um número de Liouville quando α= ∞ X ak , k! 10 k=1 onde ak é um algarismo qualquer de 1 a 9. Ou seja: α = a1 .10−1! + a2 .10−2! + a3 .10−3! + ... + am .10−m! + am+1 .10−(m+1)! + ... α = 0, 1.a1 + 0, 01.a2 + 0, 000001.a3 + ... α = 0, a1 a2 000a3 00000000000000000a4 000... onde os algarismos iguais a ak ocorrem nas casas decimais 1, 2, 6, 24, 120, 720, ... ou seja, nas casas decimais 1!, 2!, 3!, 4!, ... . Teorema 3.2. Todo número de Liouville é transcendente. Prova: α até am .10−m! . −1! Sendo assim, temos: αm = a1 .10 + a2 .10−2! + a3 .10−3! + ... + am .10−m! . −(m+1)! Então | α − αm |= am+1 .10 + am+2 .10−(m+2)! + am+3 .10−(m+3)! + ... −(m+1)! Como 1 ≤ am+1 ≤ 9, podemos concluir que | α − αm |< 10.10 . Supomos agora, que α seja um número algébrico de grau n, para algum n > 1. Consideremos a fração decimal nita tomando apenas os termos de 32 Fazendo um m ∈ N, pm pm = αm = m! , temos que αm → α e pelo Teorema de Liouville, existirá qm 10 tal que |α− 1 pm | > n+1 . qm qm Assim, | α − αm | > 1 (10m! )n+1 ou seja, | α − αm | > para m sucientemente grande. De | α − αm |< 10.10−(m+1)! 1 10(n+1).m! e 1 10(n+1).m! 1 10(n+1).m! < Essa última desigualdade implica em m 10(n+1).m! < 10.10−(m+1)! = ou seja, valores de 1 <| α − αm |, temos 101 1 = (m+1)!−1 , (m+1)! 10 10 1 10(m+1)!−1 (n + 1).m! > (m + 1)! − 1, para todos os sucientemente grandes. Esta desigualdade não é verdadeira para qualquer valor de m maior que n. Se fosse, teríamos: n.m! + m! > (m + 1).m! − 1 ⇔ n.m! + m! > m.m! + m! − 1 ⇔ n.m! > m.m! − 1 ⇔ n.m! − m.m! > −1 ⇔ m.m! − n.m! < 1 ⇔ (m − n).m! < 1 ⇔ Para qualquer m = n + k , k ∈ N, k ≥ 1, temos: (m − n).m! = (n + k − n).(n + k)! = k.(n + k)! Como n>1 e k ≥ 1, então k.(n + k)! ≥ 1.2 > 1, o que é uma contradição. Logo α é um número transcendente. Vejamos alguns números transcendentes: 33 3.1 O Número O número e e que vale, aproximadamente, 2, 718281828459... é um dos números mais frequentemente usados como base de um sistema de logaritmos chamados de logaritmos naturais. (O logaritmo de um número y na base a é o expoente Por volta do século XVIII, Euler provou que o número x tal que ax = y ). e é irracional ao estudar a série innita em que esse número pode ser decomposto. Ele mostrou que o mesmo acontece com e2 e com outras potências inteiras, o que o fez pensar que eram números √ √ 2 ou 5 7 se √ √ tornavam racionais quando elevados a certas potências inteiras, e 2 + 3 2 que é raíz 6 4 3 2 de uma equação algébrica de coecientes inteiros x − 6x − 4x + 12x − 24x − 4 = 0. Isso o fez supor que a irracionalidade do número e era mais profunda do que as outras diferentes de todos até então estudados, pois, os outros irracionais como irracionalidades até então conhecidas e que os números reais estariam divididos em duas classes: a dos que são raízes de equações algébricas de coecientes inteiros e a dos que não são (GARBI, 2007). e não se trata de uma fração decimal periódica e é um número irracional p de dois inteiros transcendente. Isto signica que não pode ser obtido como quociente e = q e que não existe um polinômio P (x) com coecientes inteiros que se anule para x = e. O número Falar que um número é transcendente é fácil, mas, provar de fato que é um número transcendente, não é uma tarefa trivial. Conforme dito anteriormente, Liouville foi o primeiro matemático a conseguir um número transcendente e, nas duas décadas seguintes, pouca coisa foi acrescentada à teoria dos números transcendentes. Mas, em 1873, os estudos do matemático francês Charles Hermite (1822 - 1901) sobre as funcões contínuas algébricas o levaram a estabelecer a transcendência do número e e. Mais ainda, provou que elevado a qualquer número algébrico continua a ser transcendente. Este número tornou-se importante por surgir espontaneamente em várias questões básicas, sendo impossível evitá-lo. No Cálculo Diferencial e Integral, por exemplo, que estuda a variação das grandezas, um tipo de variação encontrada é aquela em que o crescimento ou decrescimento da grandeza em cada instante é proporcional ao valor da grandeza naquele instante. Ocorre, também, em questões que envolvem juros, crescimento populacional de pessoas ou de bactérias, desintegração radioativa, etc... . Em fenômenos desta natureza, o número e aparece de maneira natural e insubsti- tuível. Para ilustrarmos como ele aparece, vamos supor que seja emprestado a alguém a quantia de 1 real a juros de 100% ao ano. Ao nal do ano, o devedor pagaria 2 reais: 1 que tomou emprestado e 1 de juros. Mas isso não seria justo, pois, o correto é que fosse pago o número e de reais. Ou seja, se o cliente pagar seis meses depois do empréstimo o ador deveria receber 1+ 1 2 1+ 1 2 reais. Isso quer dizer que o cliente, nesta ocasião, estava com reais e cou com esse dinheiro mais seis meses, à taxa de 100% ao ano. Logo, deveria 34 pagar 1 1 1+ + 2 2 2 1 1 1 1 1+ = 1+ × 1+ = 1+ 2 2 2 2 reais no m do ano. Isto daria 2,25 reais mas, mesmo assim, não seria justo. n de partes iguais, transcorrido o 1 1 ano , o capital emprestado estaria valendo 1 + reais. No m do primeiro período de n n 2 1 ano 1 segundo período de , teria 1+ reais e assim por diante. No m do ano o ador n n n 1 deveria receber 1+ . Como é possível fazer esse raciocínio para todo n, segue-se que n Se dividíssemos o ano num número arbitrário o justo e exato valor que deveria ser pago pelo valor emprestado seria n 1 = e reais. lim 1 + n−→∞ n Outro número transcendente importante e muito utilizado é o números 3.2 O Número O número π π. π é conhecido, ou como a área de um círculo de raio 1, ou como o comprimento de uma circunferência de diâmetro igual a 1. Nos tempos antigos não havia uma notação padronizada para representar a razão entre a circunferência e o diâmetro. Euler, a princípio usava p ou c mas, a partir de 1737, π. Desde Arquimedes, que obteve o valor π ∼ = 3, 1416, matemáticos procuram calcular π com precisão cada vez maior. O inglês Willian Shanks calculou π com 707 algarismos passou a adotar sistematicamente o símbolo decimais exatos em 1873. Em 1947, descobriu-se que o cálculo de Shanks errava já com 527 algarismos. A partir disso, π foi calculado com 808 algarismos decimais exatos com auxílio de uma máquina manual. Com a vinda dos computadores, em 1967, na França, π foi calculado com 500.000 algarismos decimais exatos e, em 1984, nos Estados Unidos, com mais de dez milhões algarismos exatos. Uma razão prática para o uso do número π com o máximo de algarismos exatos possíveis é quando os computadores, como toda máquina, precisam ser testados contra possíveis defeitos antes de começar a funcionar e uma maneira de fazer isso é mandar o computador calcular alguns milhares de dígitos de π e comparar o resultado obtido com o que já se conhece. Na prática, não é preciso conhecer o valor de π com tantas casas decimais. Na maio- ria das aplicações, um valor aproximado com quatro casas decimais é suciente. Como, por exemplo, para os cálculos envolvendo projetos de construções, cálculo de comprimentos, desenhos, áreas e volumes. Desde a concretização dos números irracionais suspeitou-se que o número π era um 35 deles. Euler acreditava na irracionalidade de π, mas quem provou isso foi seu conterrâneo Lambert, em 1761. Pouco depois, como vimos anteriormente, Euler conjecturou que π também seria transcendente, ou seja, não poderia ser raiz de uma equação algébrica com coecientes inteiros. Este fato foi demonstrado em 1882 por Ferdinand Lindemann (1852 - 1939). Baseando-se no que fora feito por Hermite, ele provou que os números algébricos formam um corpo e que o produto de um número algébrico não nulo por um transcendente eπi + 1 = 0 concluiu que eπi πi é algébrico pois e = −1 e −1 é algébrico já que é raiz da equação x + 1 = 0. Logo, πi é πi transcendente porque se fosse algébrico e seria transcendente pois e elevado a qualquer número algébrico não nulo é transcendente. Se πi é transcendente então π não pode ser 2 algébrico pois i é algébrico (é solução da equação x + 1 = 0) e o produto πi também seria algébrico. Portanto, π é transcendente. O número π surge em várias situações como, por exemplo: π 1 1 1 + − + ... = ; - Leibniz notou que 1 − 3 5 7 4 é sempre transcendente. Assim, usando a equação de Euler, - Euler provou que a soma dos inversos dos quadrados de todos os números naturais 2 é igual a π 6 ; - A área da região plana compreendida entre o eixo das abscissas e o gráco da função 2 y = e−x é igual a √ π; - A probabilidade para que dois números naturais, escolhidos ao acaso, sejam primos entre si é de 6 . π2 Após a exibição do primeiro número transcendente vários matemáticos devotaram algum tempo tentando mostrar que certos números, assim como π e e, eram ou não trans- cendentes. Vejamos mais alguns: 1929 - GELFOND - SCHNEIDER Teorema 3.3. Sejam a 6= 0 e b 6= 1 algébricos e b não racional, então ab é transcendente. eπ = 23, 140692632779269006... √ 2 2 = 2, 6651441426902251887... a constante de Gelfond-Schneider 1961 - MAHLER 0, 1234567891011121314... a constante de Champernowne 1997 - DURVENEY, NISHIOKA ∞ P 1 2s n=1 Fn 36 ∞ P 1 s n=1 F2n−1 para todos inteiro e s≥1 onde, Fn é o n-ésimo número de Fibonacci (F1 = F2 = 1 Fn = Fn−1 + Fn−2 ) . 2003 - SMITH - MARGOLIUS −1 tan 1 2 .π −1 = 0, 14758361765043327417... a constante de Ploue. 2003 - SONDOW S= ∞ 1 P = 1, 61111492580837673611..., n=1 an onde a1 = 1 e an = nan−1 é uma sequência recorrente conhecida como exponencial fatorial. Convém destacar que existe ainda uma série de números como, por exemplo, e.π , π 3.3 e , e π 2,2 e + π, entre outros, sobre os quais nada se conhece acerca de sua natureza. A Não Enumerabilidade dos Números Transcendentes Uma consequência natural do que foi explorado até este ponto é de que nenhum número transcendente é construtível. Mas, um fato curioso e talvez, não tão óbvio, é de que o conjunto dos números transcendentes possui a mesma cardinalidade (mesmo número de elementos) do que o conjunto dos números reais, onde está classicado. Em 1874, depois de serem exibidos os primeiros números transcendentes por Liouville, George Cantor (1845 - 1918) usou sua teoria dos números cardinais transnitos para provar a existência de números transcendentes sem exibir um só desses números, mostrando também, que a `maioria' dos números reais é transcendente. Esta comprovação é feita através da denição de enumerabilidade para conjuntos. Para a construção do conceito de enumerabilidade, vejamos: Seja S um conjunto qualquer de uma coleção de objetos bem denidos e distinguí- veis. Esse conjunto S pode ser nito ou innito. Tomemos, por exemplo, o conjunto dos números naturais primos menores do que 10. Assim, o conjunto S = {2, 3, 5, 7} . S seria: 37 Agora, se tomarmos o conjunto de todos os números naturais teríamos: S = {1, 2, 3, 4, 5, 6, 7...} . Assim, por denição, um conjunto innito se diz podem ser escritos em forma de uma sequência enumerável a1 , a2 , a3 , a4 ..., se os seus elementos de modo que qualquer elemento do conjunto seja um termo da sequência. O conjunto dos números naturais pares pode ser escrito como 2, 4, 6, 8, 10, ... onde seu n-ésimo termo seria 2n. No entanto, para provar-se a enumerabilidade de um conjunto não é necessário que conheçamos uma fórmula especíca para o n-ésimo termo de uma sequência. O conjunto dos números primos 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, ... é enumerável mas não conhecemos uma fórmula especíca como uma máquina de produzir este tipo de número tão utilizado. A partir desse conceito podemos ver algumas denicões e alguns resultados preliminares que trazem suporte para a demonstração de existência dada por Cantor que nos permite comparar a quantidade de números transcendentes com a de números algébricos. Denição 3.3.1. Um conjunto A é dito enumerável se existir uma função injetiva f : A −→ N. ou seja, se os seus elementos podem ser dispostos em uma sequência (permitindo repetições). Exemplo 3.3.0.1. Seja [0, 1]∩Q, os números racionais em [0, 1]. Este conjunto é enumerável pois, se agruparmos estes números de acordo com os denominadores comuns, estes podem ser ordenados da seguinte maneira: 0, 1, 1 2 3 1 1 2 1 2 3 1 2 3 4 1 , , , , , , , , , , , ... 2 3 3 4 4 4 5 5 5 5 6 O fato de que = = não tem importância . Podemos omitir qualquer número 2 4 6 que esteja na sequência de tal forma que cada racional em [0, 1] seja obtido de uma única forma. Analogamente, pode-se obter uma sequência de números racionais nos intervalos [-1,0], [1,2], [-2,1] e assim, sucessivamente. 38 Teorema 3.3.1. Uma união enumerável de conjuntos enumeráveis é enumerável. Prova: Sejam A1 = {a11 ; a12 ...}, ..., An = {an1 ; an2 , ...}, ... conjuntos enumeráveis, e sejaA = S An . Usaremos agora, o método da diagonal de Cantor para obter uma enumeração para n∈Z os elementos do conjunto A. O método baseia-se no seguinte diagrama: a11 a12 −→ a13 ↓ % . a21 a22 a23 . % a31 a32 a33 ↓ % . a41 a42 a43 . % . . . . . . . . . . . . % . % . . . . a14 −→ . a24 % a34 . a44 % . . . . . . ... ... ... ... ... ... ... ... . . . {a11 , a21 , a12 , a13 , a22 , a31 , ...} de maneira os elementos do conjunto A estejam na lista. Sendo f (n) o n-ésimo termo, f : A −→ N, donde segue a enumerabilidade de A. Assim, podemos formar uma sequência que todos temos que Exemplo 3.3.0.2. O conjunto dos números racionais Q é enumerável. Se tomarmos S1 , S2 , S3 , S4 ,..., tais que S1 S2 S3 S4 a11 a12 −→ a13 ↓ % . a21 a22 a23 . % a31 a32 a33 ↓ % . a41 a42 a43 . % .. . .. . .. . .. . .. . % . % . .. . a14 −→ . a24 % a34 . a44 % .. . .. . ... ... ... ... ... ... ... ... e Si = {aij }, i, j ≥ 1 basta tomá-los como os conjuntos formados pelos números racionais nos intervalos [-1,0], [1,2], [-2,1],... Provaremos a seguir que o conjunto dos números algébricos é enumerável, antes porém, precisamos da seguinte denição: 39 Denição 3.3.2. Seja p(x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 um polinômio não constante com coecientes inteiros. Denimos a altura deste polinômio como sendo o número natural |p| = |an | + |an−1 | + ... + |a0 | + n. Note que não existe equação de altura seria 1. A altura mínima seria 2, pois p(x) = x | p |=| 1 | +1 = 2. Teorema 3.3.2. O conjunto dos números algébricos é enumerável. Prova: Na denição anterior, da altura de um polinômio, observamos que envolve não só os coecientes mas também o grau de p(x). Dado um número inteiro qualquer existe somente um número nito de polinômios que tem como altura este número dado. Consideremos {Pn }, Pn é o conjunto de todos os polinômios com coecientes inteiros e com altura igual a n. Seja também a família de conjuntos {An } como An = { raízes complexas de p(x) | p(x) ∈ Pn } e note que os elementos de An são então, a família de conjuntos onde números algébricos. j ∈ N, Pj terá um número nito de elementos. Como um polinômio máximo n raízes complexas, pelo Teorema Fundamental da Álgebra, Se xarmos um de grau Aj n possui no também é nito. A= S An . Observe que os elementos de A são algébricos. Assim, pelo Ten∈Z orema 3, podemos armar que A é enumerável. O conjunto A também coincide com o Seja conjunto de todos os números algébricos. De fato, sendo g(x) com coecientes inteiros. A este polinômio está associado uma única altura, logo g(x) ∈ Pk para algum k ∈ N. Assim, pela denição da família {An }, temos que α ∈ Ak e, consequentemente α ∈ A. Dessa forma o conjunto A que α α um número algébrico, sabemos é raiz de algum polinômio nada mais é do que o conjunto de todos os números algébricos. Portanto, o conjunto dos números algébricos é enumerável. Teorema 3.3.3. O conjunto R dos números reais é não enumerável. Prova: Suponhamos por absurdo que o conjunto dos números reais seja enumerável. Dessa forma qualquer subconjunto de R também seria enumerável. Consideremos B = {x ∈ R | 0 < x 6 1}. Como estamos supondo B enumerável, então o con- junto vamos listar todos os seus elementos usando a forma decimal innita dos números pertencentes a B: 40 b1 b2 b3 b4 = 0, β11 β12 β13 β14 ... = 0, β21 β212 β23 β24 ... = 0, β31 β32 β33 β34 ... = 0, β41 β42 β43 β44 ... . . . bn = 0, βn1 βn2 βn3 βn4 ... . . . onde βij B . Considere γj ∈ {0, 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9} − {βij }. Observe é o j-ésimo algarismo após a vírgula do i-ésimo elemento de γ = 0, γ1 γ2 γ3 γ4 ..., onde que γ 6= bj para todo j pois γ e bj diferem na j-ésima casa decimal. Deste fato podemos concluir que γ não está na lista, o que é um absurdo pois γ ∈ B . Logo B é não enumerável. Como B ⊂ R é não enumerável segue que o conjunto dos números reais é não enumerável. agora o número Teorema 3.3.4. O conjunto dos números reais transcendentes é não enumerável. Prova: Sejam os conjuntos A A = {x ∈ R | x é Podemos dizer que absurdo, que T e T tais que: algébrico} R = A ∪ T. e T = {x ∈ R | x Sabemos que A é transcendente}. é enumerável. Vamos supor, por também é enumerável. Teríamos assim que R = A∪T como sendo uma união enumerável de conjuntos enumeráveis. Logo concluímos que o conjuntos dos números reais R é enumerável, o que é um absurdo. Portanto o conjunto de todos os números transcendentes reais é não enumerável. Segundo Niven (1984), como um subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável e como o conjunto dos números reais transcendentes não é enumerável, conclui-se que existem mais números transcendentes do que algébricos. A explicação lógica para esta conclusão é de que os números algébricos podem ser apresentados como termos de um sequência innita, mas existem números transcendentes a mais para uma representação sequencial. Através do desenvolvimento desta teoria por Cantor, podemos construir números transcendentes da seguinte forma: Consideremos todos os números algébricos em sua representação decimal innita, ou seja, ao invés de considerar 2,1 vamos considerar 2,099999... . Como vimos anteriormente, o conjunto dos números algébricos é enumerável. Então, podemos fazer uma 41 lista, A = {x1 , x2 , x3 , x4 , ...}, com todos os algébricos. Seja decimal innita, onde a7 , da oitava casa decimal de a10 t1 = 0, 123456a7 a8 a9 a10 an ... um número em representação é diferente da sétima casa decimal de x2 diferente da décima casa a8 6= 9, a9 diferente da nona casa decimal de x4 e x4 6= 9, e assim por e a7 6= 9, a8 diferente decimal de x3 e a9 6= 9, x1 e diante. Assim, t1 não termina em uma série innita de noves e é diferente de todos os xi da lista. Portanto t1 não está na lista que contém todos os algébricos. Logo t1 é transcendente. Sejam agora t2 = 0, 234567a7 a8 a9 a10 ... t3 = 0, 345678a7 a8 a9 a10 ... t4 = 0, 456789a7 a8 a9 a10 ... t5 = 0, 987654a7 a8 a9 a10 ... t6 = 0, 876543a7 a8 a9 a10 ... t7 = 0, 765432a7 a8 a9 a10 ... t8 = 0, 654321a7 a8 a9 a10 ... t9 = 0, 543210a7 a8 a9 a10 ... t10 = 0, 012345a7 a8 a9 a10 ... t11 = 0, 001234a7 a8 a9 a10 ... t12 = 0, 000234a7 a8 a9 a10 ... com a7 , a8 , a9 , ..., da mesma maneira como construídos em t1 . Assim temos 12 números transcendentes diferentes e além destes podemos construir innitos números transcendentes. Pronto! Através deste desenvolvimento podemos constatar a resolução dos três problemas clássicos da Matemática mencionados anteriormente: a quadratura do círculo, a trissecção do ângulo e a duplicação do cubo. Capítulo 4 OS TRÊS PROBLEMAS CLÁSSICOS Os séculos V e IV a.C. constituíram um grande período da Matemática no mundo grego através da ação de importantes matemáticos e lósofos como Arquitas de Tarento, Demócrito na Trácia, Hipias de Elis, Hipócrates de Quios, Anaxágoras de Claxomenae e Zenão de Elea. Nesta época, surgiram os três problemas clássicos da Matemática grega já citados: a trissecação do ângulo, a quadratura do círculo e a duplicação do cubo. Como vimos anteriormente, estes problemas estimularam o pensamento dos matemáticos ao longo de dois milênios, até que provou-se, através do desenvolvimento da álgebra, que não podiam ser resolvidos utilizando apenas régua não graduada e compasso. A seguir, serão apresentados um esboço e a resolução para cada um destes problemas. 4.1 Quadratura do Círculo Considerado o mais famoso dos três problemas, consiste em construir um quadrado com a mesma área de um círculo dado. Ao conhecermos a história da Matemática podemos perceber que a ação de quadrar (transformar uma gura em um quadrado de mesma área) é bem antiga, pois os gregos já sabiam quadrar vários polígonos. Para realizar a quadratura de um retângulo dado, por exemplo, pode ser feito o seguinte procedimento: 1. Seja ABCD o retângulo dado. Faça uma circunferência com centro em 2. Prolongue o segmento AD 3. Determine o ponto médio D interceptando a circunferência em um ponto M do segmento 4. Faça uma circunferência com centro M AN . e raio AM . e raio N. CD. 43 5. Trace a perpendicular a AM por D e marque o ponto E na intersecção com a circunferência maior. 6. Construa um quadrado sobre o segmento retângulo DE . Este quadrado terá a mesma área do ABCD. Figura 4.1: Quadratura de um Retângulo Justicativa: a área do retângulo é dada por: Aretângulo = AD.DC = AD.DN Da gura, temos: AD = AM + M D DN = M N − M D = AM − M D Assim: Aretângulo = AD.DN = (AM + M D).(AM − M D) = (AM )2 − (M D)2 Do triângulo retângulo M DE , temos que: (M E)2 = (M D)2 + (DE)2 Mas M E = AM , logo: (AM )2 = (M D)2 + (DE)2 44 (DE)2 = (AM )2 + (M D)2 Como a área do quadrado DEF G é dada por (DE)2 temos que Aretângulo = Aquadrado Para a quadratura de um triângulo, primeiro o transformamos em um retângulo e depois procedemos como na construção acima. 1. Seja ABC o triângulo dado. Trace sua altura CK e encontre o ponto médio M deste segmento. Figura 4.2: Quadratura de um Triângulo - Parte 1 2. Construa o retângulo ABDI AB ABC . com base possui mesma área que o triângulo passando por M. Este retângulo Construído o quadrado com a mesma área do triângulo dado, temos: Justicativa: a área do triângulo é dada por: Atriângulo = b.h AB.CK = = AB.HK = Aretângulo 2 2 Agora, como vimos anteriormente na quadratura do retângulo, fazemos: Aretângulo = ID.DB = ID.DN Da gura, temos: ID = IH + HD DN = HN − HD = IH − HD ABDI 45 Figura 4.3: Quadratura de um Triângulo - Parte 2 Assim: Aretângulo = ID.DB = (IH + HD).(IH − HD) = (IH)2 − (HD)2 Do triângulo retângulo HDE , temos que: (HE)2 = (HD)2 + (DE)2 Mas HE = IH ,(raio) logo: (IH)2 = (HD)2 + (DE)2 (DE)2 = (IH)2 + (HD)2 Como a área do quadrado DEF G é dada por (DE)2 Aretângulo = Aquadrado Assim, Atriângulo = Aretângulo = Aquadrado Portanto, por transitividade, Atriângulo = Aquadrado temos que 46 Dos três famosos problemas da Antiguidade, o da trissecção do ângulo é destacadamente o mais popular entre os não iniciados em Matemática dos Estados Unidos hoje em dia. Todos os anos os jornais de Matemática e os membros da . classe dos professores de Matemática do país recebem muitas comunicações dos trisseccionadores de ângulos e não é raro ler-se em jornais que alguém nalmente resolveu o evasivo problema. (EVES, 1997, p. 136 apud SOUSA, 2001, p.14). Para demonstrar que é possível quadrar qualquer polígono, como observamos nos exemplos anteriores, basta mostrar que um polígono de um polígono equivalente de n−1 n lados pode ser transformado em lados. Assim, para os matemáticos, pela lógica, como era possível quadrar qualquer polígono, seria natural tentar realizar esta atividade com a mais simples das guras curvilínias: o círculo (MEES, 1999). Vejamos: dado um círculo de raio um quadrado, de lado ainda, x x, π π e π.r2 . Então pretende-se construir √ x2 = π.r2 . Portanto x = π.r2 , ou sua área é com área igual, ou seja, é a média geométrica entre Como r, a r2 . é um número transcendente e, portanto, não construtível, não pode ser expresso por meio de um número nito de operações racionais e raízes quadradas. A partir deste fato, mostra-se a impossibilidade da quadratura do círculo recorrendo apenas ao compasso e à régua não graduada. 4.2 Trissecção do Ângulo A Trissecção do ângulo consiste em dividir um ângulo em três ângulos congruentes. Ele surgiu na mesma época da quadratura do círculo, por volta de 428 a.C., provavelmente, nas tentativas de construir um polígono regular de nove lados, pois, para a construção desta gura em particular é necessário trissectar um ângulo de 120◦ . Outra possibilidade, é a de que tenha surgido como uma extensão da atividade relativamente fácil e possível, com régua não graduada e compasso, de dividir um ângulo em duas partes iguais. Apesar de parecer um enunciado simples, não é um problema de simples solução. Esse fato tem levado muitos a não aceitarem a prova de sua impossibilidade: . O professor no Departamento de Matemática da Universidade de Princeton, John Conway, em janeiro de 2000, respondeu a uma questão no grupo de discussão da Internet Geometry College, colocada por uma pessoa anônima. Ela não aceita a prova da impossibilidade da trissecção do ângulo e considera que a Matemática e as tecnologias ainda não evoluíram ao ponto de possibilitar tal trissecção. Mas a impossibilidade deste problema depende da teoria das equações cúbicas, 47 Os Pitagóricos mostraram que a diagonal de um quadrado é o lado de um outro quadrado com o dobro da área do primeiro. Isto provavelmente sugere o problema . da duplicação do cubo, isto é, encontrar a aresta de um cubo com o dobro do volume de um cubo dado. (SOUSA, 2001, p. 46). ou seja, de conceitos algébricos desenvolvidos ao longo de vários séculos. Estes conceitos foram usados pelo matemático Wantzel, através do Teorema (2.2), mostrando não ser possível dividir um ângulo em três partes iguais. Uma particularidade do problema da trissecção do ângulo, é de que, alguns ângulos particulares, como, por exemplo, os de 360o e 90o , podem ser trissectados recorrendo a uma régua não graduada e a um compasso, pois recaem em equações do terceiro grau com raízes racionais. Mas, no caso geral, é impossível dividir um ângulo em três partes iguais. Mostrado um ângulo para o qual a trissecção é impossível, ca demonstrada a inexistência de um método geral para se efetuar a trissecção de um ângulo qualquer com régua e compasso (GARBI, 2007, p.377). Vejamos uma dessas impossibilidades: Se a trissecção de um ângulo genérico fosse sempre possível, poderíamos trissectar um ângulo de 60◦ , que equivale construir um ângulo de 20◦ . Porém, se um ângulo é θ = 20◦ cos 60 = 4 cos3 20 − 3 cos 20, construtivel com régua e compasso, seu cosseno também é. Entretanto fazendo na formula geométrica cos(3θ) = 4 cos3 θ − 3 cos θ temos 1 = 4 cos3 20 − 3 cos 20. Assim, por construção, cos 20◦ será raiz do polinômio ou ainda, 2 8x3 − 6x − 1 de grau 3, que é irredutível sobre o conjunto dos números racionais. Portanto, ◦ pelo Teorema 2.3, cos 20 não é construtível com régua e compasso e, por conseqüência, ◦ o ângulo de 20 também não é. 4.3 Duplicação do Cubo Este terceiro problema consiste em, dado um cubo, construir, com régua sem mar- cas e compasso, o lado de outro cubo cujo volume seja o dobro do volume do primeiro, ou seja, x3 = 2a3 . Ele também é conhecido como Problema de Delos ou Problema Deliano (GARBI, 2007), pois, teria surgido na ilha jônia de Delos, onde um altar em forma de cubo cava na entrada do oráculo de Apolo. Esta lenda (existem outras) diz que uma epidemia assolou a cidade de Atenas. Ao consultarem o oráculo sobre esse assunto, a resposta foi que a doença deixaria a cidade somente se fosse construído um novo altar com o dobro do seu volume. Pedreiros e arquitetos cometeram um erro ao construírem um novo altar dobrando-se cada uma das dimensões do altar antigo, tornando o volume oito vezes maior. Os matemáticos gregos, ao verem a insatisfação do oráculo, estudaram o problema e perceberam que 48 deveriam multiplicar o lado do cubo por √ 3 2 e não duplicar o lado (MEES, 1999, p.12). Lendas à parte, como os geômetras da época tinham o conhecimento que para duplicar um quadrado (no sentido de área) bastava apenas considerar para o lado do quadrado que se queria obter, a diagonal do quadrado original, seria natural para eles duplicar guras sólidas, começando pelo cubo. Mas, não foi como o esperado, pois na época, não conseguiram resolver este desao. O teorema 2.3, permite resolver o problema da duplicação do cubo, pois, dado um cubo de aresta a, o seu volume é com aresta √ 3 x = a. 2 x, a3 . Para duplicar este cubo queremos obter um outro, com o dobro do volume, ou seja 2a3 . Obtém-se, então, . De fato, uma vez que a é construtível, devemos descobrir se x3 = 2a3 . √ 3 2 é também um número construtível. Pelo critério de construtibilidade basta vericar se um polinômio irredutível de grau n 2 Assim, com coecientes construtíveis. Mas, √ 3 2 √ 3 2 é raiz de é raíz do polinômio p(x) = x3 − 2, que é irredutível sobre os racionais. Desta forma, temos que o número √ 3 2 não pode ser construído, e consequentemente, não é possível fazer a duplicação do cubo com régua não graduada e compasso. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Matemática possui vários ramos em que é possível especializar-se, sendo a Teoria dos Números, um deles. Este, por sua vez, também possui várias ramicações dentro do próprio assunto como a teoria dos números algébricos e transcendentes apresentados de forma rápida neste trabalho. Não há dúvidas de que a busca pela solução dos problemas geométricos clássicos, envolvendo construções geométricas feitas apenas com régua e compasso, contribuíram signicativamente para o desenvolvimento da Matemática. Essa contribuição possibilitou a criação e o aprimoramento dos conceitos básicos referente à estrutura da álgebra aliada à geometria com uma grande relevância para esta formação em Matemática - Licenciatura. A teoria dos números algébricos e transcendentes não faz parte do currículo do curso de licenciatura em Matemática nesta universidade e, por tradição, ensina-se apenas a classicar os números reais em racionais e irracionais cando desconhecido a classicação em números transcendentes e algébricos, que também é importante no estudo da Álgebra e da Teoria de Números. Através do presente trabalho espero despertar o interesse de colegas acadêmicos e até mesmo professores do ensino médio que procuram aumentar o conhecimento. Desta maneira, será possível, até mesmo, repassar a seus alunos todos estes fatos interessantes desta teoria, a qual propicia o desenvolvimento da Matemática em muitas áreas de sua aplicação. Através da execução de construções básicas realizadas neste instrumento de estudo, vimos que todo número é obtido a partir de adição, subtração, multiplicação, divisão e extração de raízes quadradas de números construtíveis é construtível. Em conjunto com este conhecimento, sugerimos que a discussão sobre quais medidas de segmentos são construtíveis utilizando apenas régua e compasso pode ser abordada em sala de aula utilizando o software Geogebra como ferramenta didática, pois, é um software livre e de fácil manipulação. Vale ressaltar, ainda, que o presente trabalho constitui ponto de partida para novas propostas que poderão ser analisadas e discutidas. REFERÊNCIAS CARVALHO, João Pitombeira de. Os três problemas clássicos da Matemática grega. Rio de Janeiro: PUC. Disponível em http://www.bienasbm.ufba.br/M20.pdf. Acesso em 12 de agosto de 2014. Teoria dos corpos. ENDLER, Otto. Rio de Janeiro: Instituto de Matemática Pura e Aplicada, 2012. FIGUEIREDO, Djairo Guedes. Números irracionais e transcendentes. Rio de Ja- neiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 2002. A rainha das ciências. São Paulo: Livraria da Física, 2007. GARBI, Gilberto. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2008. GONÇALVES, Adilson. IFRAH, Georges. Os números: história de uma grande invensão. Estella Maria de Freitas Sensa (trad.). LIMA, Elon Lages. MEES, Jociane. Introdução a Álgebra. 5a ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2007. 9a ed. São Paulo: Globo, 1998. Meu professor de Matemática. 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