Digitado III.A.33

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III.A.33-00698
Entrevista sobre projeto para Embaixada Argentina, anos 20: “Fala a O Jornal o Sr.
Lucio Costa, vencedor...”
O palácio da Embaixada Argentina
Fala a O JORNAL o Sr. Lucio Costa, vencedor do concurso de projetos
estabelecido pelo governo argentino:
O futuro palácio da Embaixada Argentina será uma obra arquitetônica que
ao seu valor intrínseco juntará o de representar um momento de cordialidade e de
aproximação artística extremamente valioso, entre a grande República do Prata e o
nosso país.
A lembrança do governo argentino de confiar aos arquitetos brasileiros a
tarefa de da confecção dos planos do monumento tem uma significação muito
lisonjeira e gentil. Foi vencedor do concurso estabelecido o arquiteto Lucio Costa,
que apesar de jovem conta já com algumas obras de calor em sua carreira
profissional.
Ouvimos o sr. Lucio Costa sobre os dois projetos que apresentou, ambos
premiados.
– Em primeiro lugar, – disse-nos ele, – devo louvar a atitude simpática do
governo argentino querendo que o palácio da sua embaixada seja obra de um
brasileiro e para isso organizando um concurso agora julgado pelo sr. embaixador
Mora y Araujo e pelos arquitetos Raul E. Fitte, presidente da Sociedade Central de
Arquitetos de Buenos Aires e Sebastian Ghigliazzi, diretor geral de arquitetura no
Ministéro de Obras Públicas da Argentina.
O número de trabalhos apresentados bem mostra o interesse que entre nós
despertou tão importante certame, onde tive o prazer de ver premiados os dois
projetos com que concorri.
Resultado esse que – dado o reconhecido valor dos demais concorrentes –
deve ser atribuído talvez exclusivamente à circunstância de ter eu podido trabalhar
com inteira calma, longe do atropelo e da atividade das construções – longe, muito
longe de toda essa barafunda absorvente e absurda em que todos nós queimamos
as nossas pobres vidas sem o tempo sequer de pensar um momento – um
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momento parar e olhar para trás.
NO CORAÇÃO DE MINAS
– Tive a felicidade de estar não em Petrópolis ou Caxambu – mas
veraneando á minha moda em pleno coração do Brasil – no interior de Minas – na
calma recolhida do maravilhoso Caraça – e na beleza única da nossa mais
interessante cidade – Ouro Preto.
E é isso um detalhe curioso que merece ser anotado – porque uma das
coisas gostosas da arquitetura é precisamente a história de como os projetos
nascem – como a idéia surge – se cristaliza e se transforma em realidade.
O famoso convento colonial do Caraça acha-se perdido a uma altitude de
1.400 metros – cercado de montanhas e longe do primeiro povoado duas horas de
viagem por uma boa estrada, obra da formidável capacidade realizadora do
reverendo padre Jeronymo de Castro, atual superior do convento.
SÍMBOLO DE UNIÃO
Pois foi nesse lugar ideal de repouso – prosseguiu sorrindo o sr. Lucio Costa
– cercado da fidalga hospitalidade do superior e demais padres e irmãos que
esbocei os meus projetos – indo depois traçá-los em Ouro Preto – o que consegui
graças à boa vontade dos drs. Domingos Fleury da Rocha, atual diretor da Escola
de Minas, e Paulo Magalhães, que tudo facilitaram para o bom êxito dos meus
trabalhos.
Tive então ocasião de apreciar as esplêndidas instalações dessa escola de
engenharia e a orientação prática e inteligente do seu ensino.
E, assim, essas circunstâncias do acaso não só facilitaram o meu trabalho
mas concorreram para tornar ainda mais expressivo o gesto da Argentina fazendo
com que o palácio da sua embaixada se torne um verdadeiro símbolo de união
entre os dois países, pois além de ser criação de um arquiteto brasileiro – foi
idealizado num convento cheio de tradições de nossa terra e traçado na mais
brasileira de todas as cidades do Brasil.
O RENASCIMENTO ESPANHOL
Trabalhei a minha composição com elementos do renascimento espanhol –
elementos de várias fases da renascença devidamente refundidos e amoldados a
uma forma nova de expressão – procurando conservar no conjunto a fisionomia de
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nossa própria arquitetura tradicional.
E se assim escolhi foi por julgá-lo o único estilo capaz de conciliar com
relação à forma – as três condições essenciais
ao problema, a saber: 1ª ,
adaptação perfeita ao ambiente onde deve ser construído – o Rio; 2ª. , traço de
parentesco quanto à origem, raça e tradições com a nação a ser representada –
Argentina; 3ª. , distinção e riqueza de linhas próprias ao fim a que se destina o
edifício – embaixada.
Os demais estilos – com exceção do renascimento italiano – não satisfazem
simultaneamente essas três condições.
O ACORDO COM O AMBIENTE
– Assim, – continuou o sr. Lucio Costa – os estilos franceses – do
renascimento ao Luis XVI, já perfeitamente adaptados à fisionomia de Buenos Aires
– no Rio, dadas as nossas condições de clima, de cor e de paisagens, destoam em
absoluto, e deviam ser banidos por completo.
Da mesma maneira o Elisabeth, o Tudor e os demais estilos ingleses em
geral, bem como qualquer forma inspirada no gótico.
São mentiras ridículas – falsos cenários que desafinam com o ambiente.
E quanto aos estilos puramente clássicos – o neo-grego, etc. – são frios
demais, demasiado severos, deixando sempre a impressão de casa bancária – de
museu.
Finalmente, os estilos francamente modernos – como tive ocasião de ver
ultimamente na Europa muita coisa interessante – são, mesmo quando adaptadas
com moderação as idéias de Le Corbusier, arriscados.
Pode ser gosto do momento, questão de moda, parecer amanhã ridículo,
extravagante, intolerável, como por exemplo hoje nos parece o “art nouveau” de
1900. Estamos perto demais, não podemos ainda julgá-lo.
O CAMINHO INVERSO DE COLOMBO
– E assim pareceu-me, – disse, terminando, o arquiteto sr. Lucio Costa, –
pouco prudente aplicá-lo a uma construção de caráter definitivo, um edifício que
precisa estar bem não só hoje, mas amanhã e sempre.
Razão porque fiz viagem contrária aos nossos descobridores do século XVI e
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fui buscar na velha península ibérica – berço comum – os elementos essenciais ao
estilo – aquele mesmo estilo que em outros tempos possuimos e que agora já não
mais temos.
E assim procedendo, dado o resultado do julgamento, creio ter acertado.
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