C APÍTULO 1 A tempestade se aproxima Imediatamente após tomar o poder, Hitler começa a reconstruir a máquina de guerra com o objetivo de reverter a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial. Ele estava determinado a não ver a Alemanha novamente no lado dos perdedores. 10 A TEMPESTADE SE APROXIMA RENDIÇÃO EM MUNIQUE s nuvens tempestuosas da guerra pareciam estar se formando sobre a Europa quando o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain retornou de Munique em 30 de setembro de 1938, após tensas negociações diplomáticas com o ditador da Alemanha nazista, Adolf Hitler. Chamberlain buscava a paz, mas o povo britânico temia tanto um fracasso que houve uma corrida desesperada por máscaras de gás fabricadas em massa nas linhas de produção. O medo de ataques à base de gás, que já haviam ocorrido na Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, era grande, assim como o temor de ataques aéreos alemães. A À direita: Hitler é o destaque em um dos famosos comícios do Partido Nazista, em Nuremberg. Realizados todos os anos, os comícios eram os principais eventos do calendário político nazista. Adeptos do partido e milhares de alemães comuns rumavam para Nuremberg anualmente para ouvir os espetaculares e hipnotizantes discursos do führer A TEMPESTADE SE APROXIMA Um sistema de alarme antiaéreo foi preparado para o caso de bombardeiros alemães tentarem atacar cidades britânicas, e planos para a evacuação de crianças dos grandes centros urbanos em direção à segurança do interior foram propostos. Meio milhão de homens e mulheres, em clima de resistência e apreensão, voluntariaram-se para servir na ARP (Air Raid Precautions, ou “Prevenção contra ataques aéreos”). O dito popular da época era “os bombardeiros sempre conseguirão passar”, e tanto civis como militares acreditavam nisso. Assim também pensava o ex-primeiro-ministro Stanley Baldwin, que foi substituído por Chamberlain em 1937. Chamberlain não escondeu do público a natureza macabra da crise. Antes de partir para Munique, em uma transmissão pela rádio BBC, disse a seus ouvintes: “Como é horrível, fantástico e inacreditável o fato de que devemos cavar trincheiras e experimentar máscaras de gás por conta de uma disputa em um país distante, entre povos sobre os quais nada sabemos”. Os “povos sobre os quais nada sabemos” eram os tchecos, cuja República havia sido criada somente 20 anos antes, após o término da Primeira Guerra Mundial, em 1918; e os alemães, os inimigos derrotados naquele mesmo ano por Grã-Bretanha, França e seus aliados. A disputa envolvia a região dos Sudetos, que fazia parte da Tchecoslováquia, mas que foi reivindicada por Hitler sob a alegação de que a população, que em sua maioria falava o idioma alemão, estava sendo perseguida. Ao retornar, Chamberlain contou aos repórteres que o esperavam no aeroporto de Heston que suas negociações com Hitler haviam sido bem-sucedidas. A Grã-Bretanha e a Alemanha, disse ele, haviam concordado em “nunca se enfrentar em uma guerra novamente”. Isso, afirmava o primeiro-ministro, significava “paz para nossos tempos” e “paz com honra”, não somente para a Grã-Bretanha, mas também para toda a Europa. Da noite para o dia, parecia que a tensão havia sido apaziguada. O alívio foi intenso, a reação foi de admiração. O acordo de Chamberlain com Hitler salvou as aparências e livrou a Europa de sua segunda guerra na mesma geração. Mas nem todos estavam convencidos. Alguns membros do Parlamento classificaram o Acordo de Munique como uma “submissão a Hitler”. O primeiro-ministro francês Edouard Daladier, que esteve com Chamberlain em Munique, examinou a multidão entusiasmada que o recebeu de volta em Paris e fez uma observação: “Tolos malditos!”. Esses céticos já haviam percebido a verdade por trás do Acordo de Munique. Para quem quisesse ver, as evidências já estavam ali. Em Munique, a abordagem de Hitler não fora conciliatória, mas ameaçadora. Ele havia alertado a Grã-Bretanha e a França de que uma nova guerra seria inevitável, a menos que conseguissem convencer o governo da Tchecoslováquia a ceder os Sudetos ao Terceiro Reich. Essa, dizia ele, era sua “última reivindicação territorial na Europa”, e significava que três milhões de tchecos estariam em território alemão. Em troca, Hitler seria responsável por garantir a independência ao que sobrasse da Tchecoslováquia, e prometeu que não haveria guerra. Os tchecos ficaram chocados. Eles não haviam sido consultados quanto à possibilidade de seu novo país ser dividido e estavam dispostos a lutar. O moral estava alto no exército, que era composto de um milhão de indivíduos. Os soldados estavam bem equipados com armamentos modernos desenvolvidos na sofisticada fábrica de Brno, e acreditavam que poderiam contar com a ajuda da Grã-Bretanha e da França caso os nazistas atacassem. Estavam errados. Em 1938, Grã-Bretanha e França preferiram acalmar Hitler e ceder às exigências. O presidente tcheco Eduard Benes não teve escolha senão seguir o 11 ”Como é horrível, fantástico e inacreditável o fato de que devemos cavar trincheiras e experimentar máscaras de gás por conta de uma disputa em um país distante, entre povos sobre os quais nada sabemos” Neville Chamberlain em uma transmissão ao povo britânico, em 1938 12 A TEMPESTADE SE APROXIMA exemplo. Como logo ficaria provado, a Tchecoslováquia seria a primeira nação a ser engolida pelos nazistas, mas não a última. Nesse momento, no entanto, Neville Chamberlain vivia uma fase de alta popularidade. Até o rei George VI aprovava a política de apaziguamento e, apesar dos avisos dados pelos membros que se opunham, o Parlamento apoiou o primeiro-ministro com muito entusiasmo. Naquela época, ceder a Hitler parecia ser a coisa certa a fazer a fim de evitar um conflito que envolveria toda a Europa, e para o qual a Grã-Bretanha não estava preparada, não tinha condições de arcar com os custos e ainda não tinha vontade de lutar. A grande e temerosa sombra lançada pela Primeira Guerra Mundial influenciou muito o povo britânico, cujas lembranças do massacre ainda eram bem vivas. Somente isso bastava para tornar uma HITLER Hitler passou de agitador sem teto a líder supremo da Alemanha em pouco mais de uma década O fato de que um homem como Adolf Hitler conseguiu se tornar chanceler da Alemanha ainda é um dos exemplos mais surpreendentes de ascensão ao poder. Hitler nasceu na cidade de Braunau, Áustria, em 1889, filho de pais de classe média baixa. Na escola, era tido como uma criança arrogante e preguiçosa que não aceitava a disciplina convencional, de forma que chega a ser irônico que, depois de anos morando em albergues e fazendo bicos como operário, Hitler tenha constatado que a vida no exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial foi sua experiência mais importante e engrandecedora. Hitler saboreava a guerra. Foi condecorado duas vezes por bravura com a Cruz de Ferro e, quando a Alemanha finalmente foi derrotada pelos Aliados em 1918, ele tomou como missão pessoal vingar a derrota de seu país adotivo. Para isso, ele se tornou um político e combinou o acentuado nacionalismo, o desprezo pela democracia e o ódio violento contra judeus, comunistas e socialistas em uma coerente plataforma política. Os termos punitivos do Tratado de Versalhes após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e a dura crise econômica das décadas de 1920 e 1930 deixaram os alemães pobres ou desempregados, e com pouca esperança de que o novo governo democrático resolvesse os problemas da nação. Conforme as políticas alemãs tornavam-se cada vez mais violentas, o Partido Nazista de Hitler era visto por muitos como a única organização capaz de desafiar o poderoso Partido Comunista. Esse levante social e político deu a Hitler (que, em outras circunstâncias, padeceria na política) uma audiência pronta para sua ideologia. Depois que o Partido Nazista conquistou a maioria dos votos nas eleições, Hitler foi relutantemente apontado como chanceler pelo idoso presidente Paul Von Hindenburg em 30 de janeiro de 1933. Hindenburg, no entanto, faleceu em 1934, e depois disso Hitler aproveitou todas as oportunidades para aniquilar a oposição à sua ditadura na Alemanha e estender o poder alemão pela Europa. A TEMPESTADE SE APROXIMA nova guerra algo impensável, e tanto o povo britânico quanto a imprensa nacional apoiavam Chamberlain. O jornal The Times, que encabeçou as aclamações dirigidas ao primeiro-ministro, chegou a afirmar que o desmembramento da Tchecoslováquia havia sido, de alguma forma, um bom serviço prestado à humanidade. Os críticos, no entanto, não foram silenciados. Winston Churchill, um forte e insistente oponente da política de apaziguamento, rotulado como “instigador da guerra” devido a suas ideias enérgicas, dirigiu-se à Câmara dos Comuns dizendo que o Acordo de Munique era uma “total e absoluta derrota”. Sua declaração foi recebida com zombaria, mas Churchill não estava sozinho. Na França, o primeiro-ministro Daladier estava convencido de que a guerra era inevitável, e não tinha ilusões de que a decisão de permitir que a Tchecoslováquia caísse vítima das ambições nazistas tinha sido nobre. A ovação que recebeu em Paris após retornar de Munique o surpreendeu: ele esperava ser completamente vaiado. Depois de assegurar a submissão da Grã-Bretanha e da França, Adolf Hitler não perdeu tempo. Em menos de uma semana, no dia 5 de outubro de 1938, o presidente Eduard Benes renunciou e as tropas alemãs marcharam em direção aos Sudetos. Menos de seis meses 13 Acima: soldados alemães executam civis em Brno, Morávia, em 1942. Mais de 300 mil tchecos morreram durante a ocupação. Mas esses números não se comparam aos horrores cometidos após a invasão da Polônia e da União Soviética, quando milhões de inocentes foram massacrados 14 A TEMPESTADE SE APROXIMA À esquerda: personificação do arquétipo “superior” ariano – adotado pela ideologia racista de Hitler – participa de um comício nazista Acima: comício do Partido Nazista, uma oportunidade para demonstrações de poder e para anunciar trechos importantes da legislação nazista, incluindo as famosas “Leis de Nuremberg”, de 1935 depois, em 15 de março de 1939, Hitler cinicamente quebrou sua palavra e invadiu o resto da Tchecoslováquia. Em abril, o país deixou de existir – foi desmembrado e absorvido pelo império de Hitler. Grã-Bretanha e França nada fizeram e, por causa da relutância de ambas em lutar, Hitler conquistou territórios, recursos e tesouros sem sequer disparar um tiro. O erro fundamental na abordagem de Neville Chamberlain era aparente. Ele assumiu que Hitler era um homem honrado e que era possível confiar nos acordos feitos com os nazistas. Ficou provado que ele estava completamente errado. E os Sudetos também não eram a “última reivindicação territorial” de Hitler, como ele afirmara. Apenas alguns dias depois da conferência em Munique, ficou claro que Hitler estava de olho na Polônia, onde o “Corredor Polonês”, uma estreita faixa de terra que garantia aos poloneses um acesso ao mar, A TEMPESTADE SE APROXIMA 15 separava a Prússia Oriental do resto da Alemanha. Para prejuízo dos alemães, o corredor havia sido concedido à Polônia no fim da Primeira Guerra Mundial. Agora, Hitler o queria de volta. Com a ocupação alemã concluída na Tchecoslováquia, e com outro país pequeno, a Polônia, sob ameaça, nem mesmo Neville Chamberlain tinha outra escolha a não ser aceitar que a política de apaziguamento havia falhado. Em 31 de março de 1939, Grã-Bretanha e França prometeram ajudar a Polônia se os nazistas atacassem, mas a credibilidade das duas nações estava em baixa. Depois de se safar com tantas promessas quebradas após a conferência em Munique, Hitler não tinha motivos para acreditar que Grã-Bretanha e França levariam a sério suas promessas mais do que ele próprio levou. A ESTRADA ALEMÃ PARA A GUERRA m 1939, Hitler voltou sua atenção para a Polônia e para a conquista de todo o Leste Europeu. Enquanto isso, Grã-Bretanha e França redobravam tardiamente seus preparativos para uma guerra que, a essa altura, já não podiam evitar. Aos poucos, a população dos dois países percebeu que a situação de paz era frágil e que duraria somente mais alguns meses. Em breve, pais de família trocariam suas casas pela desconhecida vida de soldado, enquanto suas esposas teriam que enfrentar sozinhas e da melhor maneira possível as dificuldades, até que elas mesmas fossem absorvidas pelo esforço de guerra. Palavras como “blecaute”, “racionamento” e “blitz” logo ficariam populares na Grã-Bretanha, e a França teria de enfrentar a máquina de guerra nazista que se encaminhava para suas fronteiras. Desde que Hitler assumiu o poder na Alemanha, em 1933, uma segunda guerra mundial na Europa parecia possível. Sua ideologia nazista glamorizava a guerra, retratando-a como o teste supremo do vigor de uma nação. Ele estava determinado a criar uma nação de guerreiros que faria da Alemanha a maior força militar da Europa, e que daria a ele a possibilidade de rasgar os tratados de paz assinados depois da Primeira Guerra Mundial. Ele se recusou a fazer parte do Tratado de Versalhes de 1919, cujos principais termos incluíam a rendição de todas as colônias alemãs à Liga das Nações, o pagamento de reparações, a desmilitarização e ocupação por 15 anos da Renânia, a proibição da união entre Alemanha e Áustria, e uma cláusula que culpava os alemães pelo início da guerra. O exército alemão seria limitado a 100 mil homens e não poderia utilizar tanques, artilharia pesada, aeronaves e dirigíveis. A marinha estaria limitada a embarcações abaixo de 10 mil toneladas e não poderia ter submarinos nem uma divisão aérea. Hitler queria destruir o humilhante tratado e erguer um novo império alemão. Para ele, era irrelevante se esses objetivos seriam alcançados por meios pacíficos ou pelo uso da força. O povo alemão não demorou a sentir os efeitos do desejo de Hitler em reconstruir o exército. O serviço militar obrigatório foi introduzido em 1935. Os jovens deviam passar um ano nas forças armadas, seguido por um período nas frentes de trabalho nacionais. A responsabilidade de completar a educação da juventude alemã não era mais da escola, mas sim do exército. E Abaixo: propaganda nazista encorajava os jovens alemães a se alistar em nome da pátria 16 A TEMPESTADE SE APROXIMA A ideologia nazista era martelada na cabeça dos jovens com a intenção de criar o soldado político que saberia como usar suas armas e que entenderia por que estava destinado a lutar por sua pátria. Enquanto isso, em desacato aos termos do Tratado de Versalhes, a Alemanha secretamente se rearmava. Hitler não demorou a colocar seu exército em ação. Em 1936, novamente em desacato ao tratado, ele enviou soldados alemães de volta à região da Renânia. Como britânicos e franceses não reagiram, Hitler não hesitou em atacar de novo. Dois anos depois, em 1938, o exército alemão marchou até a Áustria e incorporou todo o país ao Reich nazista, concluindo assim a Anschluss, a proibida união entre Áustria e Alemanha. Grã-Bretanha e França observavam esses movimentos com inquietação crescente. Mas enquanto Hitler reformava o exército, a marinha e a aeronáutica, e preparava seu povo para a guerra, os dois países pouco faziam para detê-lo. O pacifismo havia ganhado muita força na Grã-Bretanha depois da carnificina da Primeira Guerra Mundial, que vitimou quase um milhão de ANEXAÇÃO DA ÁUSTRIA A TEMPESTADE SE APROXIMA 17 À esquerda: tropas alemãs são saudadas pelos locais enquanto marcham em solo austríaco, em 1938. Com a ocupação, Hitler realizou um de seus principais desejos: a recriação da “Anschluss”, ou unificação entre Áustria e Alemanha, proibida pelo Tratado de Versalhes soldados do país e de suas colônias. A França, por sua vez, havia perdido 1,3 milhão de homens. O esforço de ambos para domar os nazistas era dificultado ainda mais pela falta de apoio americano. Os EUA haviam lutado ao lado deles contra os alemães nos últimos meses da Primeira Guerra Mundial, mas depois adotaram uma política de isolacionismo e neutralidade, e não tinham interesse em se envolver novamente de forma ativa nos eventos da Europa. OS ALIADOS NO LIMITE m total contraste com a Alemanha nazista, o governo britânico, liderado desde 1937 por Neville Chamberlain, do Partido Conservador, considerava a corrida armamentista um gasto desnecessário. Um rearmamento elevaria os impostos e colocaria em risco as chances da atual administração nas próximas eleições. Ao mesmo tempo, o Partido Trabalhista condenava as ações da Alemanha nazista e da Itália fascista, especialmente o envolvimento de ambas na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), na qual prestaram ajuda ao general Francisco Franco. Infelizmente, o Partido Trabalhista estava tão dividido quanto às medidas a serem tomadas para frear o avanço de Hitler que foi impossível apresentar uma política alternativa coerente. Muitos membros de alto escalão do governo britânico e do Partido Conservador admiravam os nazistas. Eles aprovavam o fato de Hitler ter reerguido a economia alemã, destruída pela Primeira Guerra Mundial. Acolhiam positivamente o espírito nacionalista que ele havia incutido em seu povo. A maioria também estava mais inclinada a apoiar Hitler do que ficar do lado da Rússia comunista e de seu líder, o ditador Josef Stalin. Este útimo parecia um alvo muito mais importante que Hitler, cujos discursos mostravam um compromisso pessoal em travar uma cruzada contra a “ameaça vermelha” vinda do leste. Se afrontar Hitler, fosse na Espanha, na Áustria ou na Tchecoslováquia, significava “ir para a cama” com os russos comunistas, então, para a elite governante britânica, a resistência não era uma opção. E Stalin parecia um alvo muito mais importante… Se afrontar Hitler, fosse na Espanha, na Áustria ou na Tchecoslováquia, significava “ir para a cama” com os russos comunistas, então, para a elite governante britânica, a resistência não era uma opção 18 A TEMPESTADE SE APROXIMA Esse medo e desconfiança em relação à União Soviética prejudicariam a única chance dos Aliados em se unirem com possibilidades de conter o avanço da Alemanha nazista. A atitude complacente do governo britânico foi reforçada pelo fato de a Grã-Bretanha estar mais preocupada em manter seu império do que com a crise no continente europeu. Além disso, com os efeitos econômicos causados pela Primeira Guerra Mundial e pela Grande Depressão Americana dos anos 1930, a Grã-Bretanha não podia arcar com mais uma guerra. À direita: na esteira das negociações entre Grã-Bretanha, França e União Soviética, e entre Alemanha e URSS, o ministro do Exterior da Alemanha, Joachim Von Ribbentrop, teve cuidado em nutrir uma boa relação com o Japão PREVENÇÃO CONTRA ATAQUES AÉREOS Crianças britânicas se preparam para os horrores da guerra: treinamento com máscaras de gás em 1939 Durante a crise de Munique, o medo da guerra, representado pelos esquadrões de bombardeiros alemães, tomava conta do povo e das autoridades britânicas. Nesse período, as medidas de prevenção contra ataques aéreos foram levadas a sério pela primeira vez. As lições aprendidas durante a Primeira Guerra Mundial mostravam que, na próxima guerra, os civis estariam na linha de frente e sob ataque aéreo. Por isso, não foi surpresa o pânico instalado pelas previsões de baixas entre civis após os primeiros ataques alemães: seriam quase 2 milhões de mortos e feridos. Da noite para o dia, esses números espantosos fizeram com que meio milhão de pessoas integrassem voluntariamente a Comissão de Prevenção Contra Ataques Aéreos. Trincheiras foram cavadas em parques públicos e 38 milhões de máscaras contra gases foram distribuídas. Ao usá-las, as pessoas sentiam realmente o medo da guerra e tinham a impressão de que a morte estava próxima. Como resultado, a população apressou-se em lavrar testamentos e a taxa de união matrimonial aumentou em cinco vezes. A TEMPESTADE SE APROXIMA 19 Os britânicos queriam evitar a guerra, mas era a França que tinha mais motivos para temer outro mergulho nesse abismo, pois estava claro que qualquer novo conflito seria travado, como na Primeira Guerra Mundial, em solo francês À esquerda: veranistas britânicos relaxam durante aquele que seria o último verão de paz dos próximos seis anos. O verão de 1939 foi especialmente quente e ensolarado, oportunidade boa para a população esquecer acontecimentos em países longínquos e “sobre os quais nada sabemos” 20 A TEMPESTADE SE APROXIMA À esquerda: Hitler (sentado) e Chamberlain (último à direita) em Munique, em setembro de 1938. O ditador alemão foi mais inteligente que o envelhecido primeiro-ministro da Inglaterra À direita: alemães e austríacos que residiam em Londres formam fila em frente a uma agência de viagens da Regent St., com medo de não conseguirem sair com segurança do país antes de a guerra começar O astuto Stalin percebeu que, se estava difícil concluir um pacto para combater os alemães, ele não teria escolha senão entrar em acordo com o próprio Hitler Os britânicos queriam evitar a guerra, mas era a França que tinha mais motivos para temer outro mergulho nesse abismo, pois estava claro que qualquer novo conflito seria travado, como na Primeira Guerra Mundial, em solo francês. População, políticos e exército torciam e acreditavam que a Linha Maginot, uma série de edificações de defesa junto à fronteira franco-alemã, impediria uma invasão nazista. Em vez de penar para conter a Alemanha, que aos poucos conquistava mais e mais territórios europeus, a França escolheu uma política cautelosa, confiante de que seus 400 mil soldados na Linha Maginot seriam suficientes para deter um ataque alemão. Na primavera de 1939, tropas alemãs conquistavam o que sobrara da Tchecoslováquia. Britânicos e franceses procuravam desesperadamente um aliado que fosse capaz de ajudá-los a deter a marcha constante de Hitler. Como em um golpe de sorte, a União Soviética, inimiga ideológica da Alemanha nazista, estava disposta a relançar a aliança da Primeira Guerra Mundial formada por Grã-Bretanha, Rússia e França. Os soviéticos estavam tão preocupados com o crescente poderio alemão quanto os Aliados, de forma que o ministro do Exterior Maxim Litvinov propôs um pacto de ajuda militar a Grã-Bretanha e França. Ambas, embora A TEMPESTADE SE APROXIMA 21 A GUERRA NA ESPANHA Antes do início da Segunda Guerra Mundial, em 3 de setembro de 1939, a Europa já havia presenciado uma amostra dos terríveis acontecimentos que viriam a seguir. Em 19 de julho de 1936, a guerra civil foi deflagrada na Espanha. O governo republicano de esquerda foi atacado e deposto pelo Exército Nacionalista Espanhol, liderado pelo general Franco, com o auxílio da Força Aérea da Alemanha, a Luftwaffe, que teve sua chance de praticar técnicas de bombardeio contra civis. Em 26 de abril de 1937, a indefesa cidade de Guernica, no País Basco, foi bombardeada pelos alemães da Legião Condor. Dezoito aviões passaram mais de uma hora jogando bombas em civis. A cidade foi reduzida a um horripilante cenário de ruínas e fumaça. Os nacionalistas negaram que o ataque aéreo havia acontecido e jogaram a culpa nos republicanos, mas a opinião mundial não acreditou. A cidade virou uma espécie de mártir da tirania nacionalista. O cinismo demonstrado por italianos e alemães ao utilizarem a Espanha como campo de testes para suas forças armadas serviu apenas para aumentar o medo dos civis em relação a outra guerra na Europa. Enquanto A notória Legião Condor, que fez chover bombas em civis desprotegidos na Espanha Itália e Alemanha intervinham em solo espanhol, Grã-Bretanha e França permaneciam paradas, encorajando Hitler e Mussolini – o ditador italiano fascista – a pensarem que seus planos de conquistar territórios e aumentar seus exércitos encontrariam pouca resistência no futuro. interessadas em conquistar aliados contra a Alemanha, a princípio não sabiam como responder. Polônia e Romênia, países que britânicos e franceses esperavam proteger da dominação nazista, temiam a União Soviética. Convencer Stalin a ajudá-los a garantir sua soberania deixaria a população de ambos os países ao mesmo tempo tranquilizada e agitada. O astuto ditador percebeu que os Aliados eram incapazes de deixar de lado suas reservas com relação à URSS e decidiu que, se estava difícil concluir um pacto para combater os alemães, ele não teria escolha senão entrar em acordo com o próprio Hitler. Ao mesmo tempo que conversava com os Aliados, Stalin negociava secretamente com os nazistas. Para invadir a Polônia, a Alemanha precisava ter certeza de que a URSS não ajudaria os poloneses. Stalin, por sua vez, via a destruição da nação polonesa como uma ótima oportunidade para consolidar a posição soviética no Mar Báltico. Os dois ditadores rapidamente assinaram um pacto secreto, em 22 de agosto de 1939, com intenções de repartir o Leste Europeu. Eles dividiriam a Polônia ao meio, e então a Rússia poderia estender seu domínio sobre Letônia, Estônia, Lituânia e Finlândia. Com o fim da Polônia, Hitler estaria livre para lançar uma guerra contra a França sem se preocupar com uma intervenção soviética. Antes que a tinta do acordo entre nazistas e soviéticos secasse, Hitler, confiante de que os Aliados manteriam distância do conflito, ordenou o início da invasão à Polônia. O acordo foi anunciado ao mundo em 23 de agosto de 1939. A opinião pública entrou em choque. Afinal, Grã-Bretanha e França ainda negociavam um tratado com a URSS. Naquela época, honra ainda valia alguma coisa, e ela havia sido cinicamente transgredida. Com um único golpe, parecia que a situação política mundial havia sido virada de cabeça para baixo. Hitler preparou a invasão à Polônia com a crueldade de sempre. Vários prisioneiros de campos de concentração nazistas foram assassinados. Seus corpos foram vestidos com uniformes do exército polonês e jogados próximos a uma estação de rádio na cidade alemã de Gleiwitz, perto da fronteira com a Polônia. O mundo estava novamente em guerra. C APÍTULO 13 O Brasil vai à guerra Por Roberto Muylaert e Paulo Levy O presidente americano Franklin Delano Roosevelt (ao lado do motorista) visita Getúlio Vargas (atrás, segurando uma bengala), presidente do Brasil, na base aérea de Parnamirim, em 1943. Apesar de ainda não terem demonstrado isso abertamente, os nazistas também estavam de olho na América do Sul, e nosso país tinha grande importância estratégica tanto para os Aliados quanto para o Eixo 184 O BRASIL VAI À GUERRA O ESTADO NOVO DE GETÚLIO VARGAS om exceção de quem viveu à época, pouco se sabe, nos dias de hoje, do impacto da Segunda Guerra Mundial no dia a dia do povo brasileiro. A maioria dos livros de história costuma restringir a participação do Brasil às batalhas na Itália ao lado dos americanos. Contudo, a decisão de Getúlio Vargas sobre que lado o país deveria assumir no conflito, o dos Aliados ou o dos países do Eixo, não foi tomada de um dia para o outro, mas sim construída em um processo político lento e tortuoso, iniciado anos antes do conflito estourar na Europa, em 1939. Em novembro de 1930, após perder as eleições para Júlio Prestes, Getúlio Vargas foi alçado ao poder pela Junta Militar Provisória, que depôs o presidente Washington Luís 22 dias antes do término do mandato. Nomeado Chefe Provisório da República (os revolucionários não aceitavam o título de Presidente), Getúlio logo baixou um decreto que suspendia as garantias da Constituição de 1891 e confirmava a dissolução do Congresso Nacional. Começava a ditadura Vargas. Getúlio demorou a definir o rumo ideológico de seu governo. Como ditador de um país de dimensões continentais na América do Sul, Vargas nutria grande admiração pelos regimes ditatoriais da Europa. Por essa razão, em 1931, recebeu Italo Balbo, jovem comandante da aviação italiana e um dos mais truculentos seguidores do líder fascista Benito Mussolini, no Palácio do Catete. O encontro, tratado com grande festividade, aproximou Vargas de Mussolini em uma parceria que vigoraria pelos 11 anos seguintes. Em paralelo, a idolatria por Hitler crescia na Alemanha e entre aliados importantes do governo brasileiro, que fazia vista grossa para as atividades do Partido Nazista no país. A seção fundada em 1928 em Timbó, Santa Catarina, amealhava legalmente seguidores na comunidade germânica. A simpatia pela causa nazifascista era tamanha que chegou à constituição brasileira promulgada por Vargas em 1934. Preocupado com o avanço do nazismo na América Latina, em 1936, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt estendeu sua política de boa vizinhança e visitou Getúlio no Rio de Janeiro. A empatia entre os dois foi imediata. No ano seguinte, ameaçado por um falso plano comunista para tomada do poder, Vargas implantou um novo regime político, o Estado Novo, caracterizado pela centralização, pelo nacionalismo, anticomunismo e por um irrestrito autoritarismo. Em paralelo, construía-se a parceria com os americanos em troca de certos benefícios econômicos. Os anos passaram e o nazismo cresceu. No início de 1939, Lutero Vargas, filho mais velho de Getúlio, apaixonou-se por uma jovem e bela alemã, Ingeborg ten Haeff, durante um jantar em Berlim. Visto com reservas pelo Alto-Comando alemão, o namoro improvável da germânica de sangue ariano C Abaixo, à direita: além de diplomática, a visita de Italo Balbo trazia consigo uma intenção nitidamente comercial. Mussolini enviou o aviador italiano ao Brasil com a missão de vender os 14 aviões Savoia-Marchetti S55. Três deles se acidentaram no caminho e não concluíram o trajeto, mas a transação foi realizada com os 11 restantes no estilo comercial mais puro: o escambo. Aproveitando-se do excesso de estoque de grãos que estragava nos depósitos brasileiros, em decorrência da queda dos preços no mercado internacional, Getúlio trocou os modernos aviões por milhares de sacas de café. O BRASIL VAI À GUERRA 185 À esquerda: na visita ao Rio de Janeiro, em 1936, Roosevelt ficou encantado com a personalidade e o charme de Getúlio. Dona Darcy Vargas, mulher do ditador brasileiro, está de chapéu preto, e Maria Cecilia Fontes aparece de branco. Com seu marido E. G. Fontes, ela foi anfitriã do presidente americano por algumas horas em sua sofisticada residência no Alto da Gávea. com o latin lover brasileiro resistiu. Em 1o de setembro do mesmo ano, tropas de Hitler invadiram a Polônia. O governo Vargas não demorou a declarar sua neutralidade diante do conflito. Em maio de 1940, Mussolini, em uma demonstração de simpatia e lealdade para com Getúlio, informou às autoridades brasileiras que a fase mais violenta da guerra estava por começar, e mandou seu filho Bruno buscar Lutero na Alemanha, pilotando um avião militar de seu país, para levá-lo ao Rio de Janeiro. Inge, como era chamada, veio em seguida de navio, casou-se com Lutero e foi morar no Palácio da Guanabara, fato que gerou inúmeras especulações. Oscilando entre os países do Eixo e os Aliados, o regime de Vargas tolerou durante anos as atividades do Partido Nazista no Brasil, que continuou em funcionamento até a entrada do país na guerra ao lado dos americanos, em 1942. MOTIVAÇÕES, BOMBARDEIO E BOA VIZINHANÇA nquanto o regime de Getúlio Vargas flertava com os países do Eixo, o Brasil registrava sua primeira baixa na Segunda Guerra Mundial: José Francisco Fraga, conferente do navio mercante Taubaté. Fraga morreu quando a embarcação foi atacada por um avião da Luftwaffe próximo à costa do Egito, em 22 de março de 1941. Segundo relatos do comandante Mario Fonseca Tinoco, o ataque não cessou mesmo com a bandeira brasileira claramente visível e com o içamento às pressas de uma bandeira branca no mastro principal. Treze tripulantes ficaram feridos. Em 13 de junho do mesmo ano, outro navio mercante, o Siqueira Campos, foi parado por um submarino alemão próximo ao arquipélago do Cabo Verde. A embarcação só foi liberada depois de ser vistoriada e de ter os documentos fotografados. Em 14 de agosto de 1941, ainda com os Estados Unidos fora da guerra, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o presidente americano Franklin Delano Roosevelt emitiram a Carta do Atlântico na chamada Conferência do Atlântico (sob o codinome “Riviera”), a bordo do HSM Prince of Wales ancorado em Argentia, província canadense de Terra Nova. O documento com apenas oito diretrizes trazia consigo algumas intenções e a criação de uma visão de mundo E A idolatria por Hitler crescia na Alemanha e entre aliados importantes do governo brasileiro, que fazia vista grossa para as atividades do Partido Nazista no país. A seção fundada em 1928 em Timbó, Santa Catarina, amealhava seguidores na comunidade germânica. A simpatia pela causa nazifascista era tamanha que chegou à constituição brasileira promulgada por Vargas em 1934