A tempestade se aproxima

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C APÍTULO 1
A
tempestade
se aproxima
Imediatamente após tomar o poder, Hitler começa
a reconstruir a máquina de guerra com o objetivo
de reverter a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial.
Ele estava determinado a não ver a Alemanha
novamente no lado dos perdedores.
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A
TEMPESTADE
SE
APROXIMA
RENDIÇÃO EM MUNIQUE
s nuvens tempestuosas da guerra pareciam estar se formando sobre a Europa quando o
primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain retornou de Munique em 30 de
setembro de 1938, após tensas negociações diplomáticas com o ditador da Alemanha nazista,
Adolf Hitler.
Chamberlain buscava a paz, mas o povo britânico temia tanto um fracasso que houve uma
corrida desesperada por máscaras de gás fabricadas em massa nas linhas de produção. O medo
de ataques à base de gás, que já haviam ocorrido na Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e
1918, era grande, assim como o temor de ataques aéreos alemães.
A
À direita: Hitler é o
destaque em um dos
famosos comícios do
Partido Nazista, em
Nuremberg. Realizados
todos os anos, os
comícios eram
os principais
eventos do
calendário político
nazista. Adeptos
do partido e
milhares de alemães
comuns rumavam
para Nuremberg
anualmente para ouvir
os espetaculares e
hipnotizantes discursos
do führer
A
TEMPESTADE
SE
APROXIMA
Um sistema de alarme antiaéreo foi preparado para o caso de bombardeiros alemães
tentarem atacar cidades britânicas, e planos para a evacuação de crianças dos grandes centros
urbanos em direção à segurança do interior foram propostos. Meio milhão de homens e
mulheres, em clima de resistência e apreensão, voluntariaram-se para servir na ARP (Air Raid
Precautions, ou “Prevenção contra ataques aéreos”). O dito popular da época era “os
bombardeiros sempre conseguirão passar”, e tanto civis como militares acreditavam nisso.
Assim também pensava o ex-primeiro-ministro Stanley Baldwin, que foi substituído por
Chamberlain em 1937.
Chamberlain não escondeu do público a natureza macabra da crise. Antes de partir
para Munique, em uma transmissão pela rádio BBC, disse a seus ouvintes: “Como é
horrível, fantástico e inacreditável o fato de que devemos cavar trincheiras e
experimentar máscaras de gás por conta de uma disputa em um país distante, entre
povos sobre os quais nada sabemos”.
Os “povos sobre os quais nada sabemos” eram os tchecos, cuja República havia sido
criada somente 20 anos antes, após o término da Primeira Guerra Mundial, em 1918; e
os alemães, os inimigos derrotados naquele mesmo ano por Grã-Bretanha, França e seus
aliados. A disputa envolvia a região dos Sudetos, que fazia parte da Tchecoslováquia,
mas que foi reivindicada por Hitler sob a alegação de que a população, que em sua
maioria falava o idioma alemão, estava sendo perseguida.
Ao retornar, Chamberlain contou aos repórteres que o esperavam no aeroporto de
Heston que suas negociações com Hitler haviam sido bem-sucedidas. A Grã-Bretanha
e a Alemanha, disse ele, haviam concordado em “nunca se enfrentar em uma guerra
novamente”. Isso, afirmava o primeiro-ministro, significava “paz para nossos tempos” e
“paz com honra”, não somente para a Grã-Bretanha, mas também para toda a Europa.
Da noite para o dia, parecia que a tensão havia sido apaziguada. O alívio foi intenso,
a reação foi de admiração. O acordo de Chamberlain com Hitler salvou as aparências e
livrou a Europa de sua segunda guerra na mesma geração.
Mas nem todos estavam convencidos. Alguns membros do Parlamento classificaram o
Acordo de Munique como uma “submissão a Hitler”. O primeiro-ministro francês
Edouard Daladier, que esteve com Chamberlain em Munique, examinou a multidão
entusiasmada que o recebeu de volta em Paris e fez uma observação: “Tolos malditos!”.
Esses céticos já haviam percebido a verdade por trás do Acordo de Munique.
Para quem quisesse ver, as evidências já estavam ali. Em Munique, a abordagem de
Hitler não fora conciliatória, mas ameaçadora. Ele havia alertado a Grã-Bretanha e a
França de que uma nova guerra seria inevitável, a menos que conseguissem convencer o
governo da Tchecoslováquia a ceder os Sudetos ao Terceiro Reich. Essa, dizia ele, era sua
“última reivindicação territorial na Europa”, e significava que três milhões de tchecos
estariam em território alemão. Em troca, Hitler seria responsável por garantir a
independência ao que sobrasse da Tchecoslováquia, e prometeu que não haveria guerra.
Os tchecos ficaram chocados. Eles não haviam sido consultados quanto à possibilidade
de seu novo país ser dividido e estavam dispostos a lutar. O moral estava alto no exército,
que era composto de um milhão de indivíduos. Os soldados estavam bem equipados com
armamentos modernos desenvolvidos na sofisticada fábrica de Brno, e acreditavam que
poderiam contar com a ajuda da Grã-Bretanha e da França caso os nazistas atacassem.
Estavam errados. Em 1938, Grã-Bretanha e França preferiram acalmar Hitler e
ceder às exigências. O presidente tcheco Eduard Benes não teve escolha senão seguir o
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”Como é horrível,
fantástico e inacreditável
o fato de que devemos
cavar trincheiras e
experimentar máscaras
de gás por conta de
uma disputa em um
país distante, entre
povos sobre os quais
nada sabemos”
Neville Chamberlain em
uma transmissão ao povo
britânico, em 1938
12
A
TEMPESTADE
SE
APROXIMA
exemplo. Como logo ficaria provado, a Tchecoslováquia seria a primeira nação a ser engolida
pelos nazistas, mas não a última.
Nesse momento, no entanto, Neville Chamberlain vivia uma fase de alta popularidade.
Até o rei George VI aprovava a política de apaziguamento e, apesar dos avisos dados pelos
membros que se opunham, o Parlamento apoiou o primeiro-ministro com muito
entusiasmo. Naquela época, ceder a Hitler parecia ser a coisa certa a fazer a fim de evitar um
conflito que envolveria toda a Europa, e para o qual a Grã-Bretanha não estava preparada,
não tinha condições de arcar com os custos e ainda não tinha vontade de lutar. A grande e
temerosa sombra lançada pela Primeira Guerra Mundial influenciou muito o povo britânico,
cujas lembranças do massacre ainda eram bem vivas. Somente isso bastava para tornar uma
HITLER
Hitler passou de agitador sem teto a líder supremo
da Alemanha em pouco mais de uma década
O fato de que um homem como Adolf Hitler
conseguiu se tornar chanceler da Alemanha ainda é um
dos exemplos mais surpreendentes de ascensão ao poder.
Hitler nasceu na cidade de Braunau, Áustria, em 1889,
filho de pais de classe média baixa. Na escola, era tido
como uma criança arrogante e preguiçosa que não
aceitava a disciplina convencional, de forma que chega a
ser irônico que, depois de anos morando em albergues e
fazendo bicos como operário, Hitler tenha constatado que
a vida no exército alemão durante a Primeira Guerra
Mundial foi sua experiência mais importante e
engrandecedora. Hitler saboreava a guerra. Foi
condecorado duas vezes por bravura com a Cruz de Ferro
e, quando a Alemanha finalmente foi derrotada pelos
Aliados em 1918, ele tomou como missão pessoal vingar a
derrota de seu país adotivo.
Para isso, ele se tornou um político e combinou o
acentuado nacionalismo, o desprezo pela democracia e o
ódio violento contra judeus, comunistas e socialistas em
uma coerente plataforma política. Os termos punitivos do
Tratado de Versalhes após a derrota da Alemanha na
Primeira Guerra Mundial e a dura crise econômica das
décadas de 1920 e 1930 deixaram os alemães pobres ou
desempregados, e com pouca esperança de que o novo
governo democrático resolvesse os problemas da nação.
Conforme as políticas alemãs tornavam-se cada vez
mais violentas, o Partido Nazista de Hitler era visto por
muitos como a única organização capaz de desafiar o
poderoso Partido Comunista. Esse levante social e político
deu a Hitler (que, em outras circunstâncias, padeceria na
política) uma audiência pronta para sua ideologia. Depois
que o Partido Nazista conquistou a maioria dos votos nas
eleições, Hitler foi relutantemente apontado como
chanceler pelo idoso presidente Paul Von Hindenburg em
30 de janeiro de 1933. Hindenburg, no entanto, faleceu
em 1934, e depois disso Hitler aproveitou todas as
oportunidades para aniquilar a oposição à sua ditadura na
Alemanha e estender o poder alemão pela Europa.
A
TEMPESTADE
SE
APROXIMA
nova guerra algo impensável, e tanto o povo britânico quanto a imprensa nacional
apoiavam Chamberlain. O jornal The Times, que encabeçou as aclamações dirigidas ao
primeiro-ministro, chegou a afirmar que o desmembramento da Tchecoslováquia havia sido,
de alguma forma, um bom serviço prestado à humanidade.
Os críticos, no entanto, não foram silenciados. Winston Churchill, um forte e insistente
oponente da política de apaziguamento, rotulado como “instigador da guerra” devido a suas
ideias enérgicas, dirigiu-se à Câmara dos Comuns dizendo que o Acordo de Munique era
uma “total e absoluta derrota”. Sua declaração foi recebida com zombaria, mas Churchill não
estava sozinho. Na França, o primeiro-ministro Daladier estava convencido de que a guerra
era inevitável, e não tinha ilusões de que a decisão de permitir que a Tchecoslováquia caísse
vítima das ambições nazistas tinha sido nobre. A ovação que recebeu em Paris após retornar
de Munique o surpreendeu: ele esperava ser completamente vaiado.
Depois de assegurar a submissão da Grã-Bretanha e da França, Adolf Hitler não perdeu
tempo. Em menos de uma semana, no dia 5 de outubro de 1938, o presidente Eduard Benes
renunciou e as tropas alemãs marcharam em direção aos Sudetos. Menos de seis meses
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Acima: soldados
alemães executam
civis em Brno, Morávia,
em 1942. Mais de
300 mil tchecos
morreram durante a
ocupação. Mas esses
números não se
comparam aos horrores
cometidos após a
invasão da Polônia e da
União Soviética, quando
milhões de inocentes
foram massacrados
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A
TEMPESTADE
SE
APROXIMA
À esquerda: personificação
do arquétipo “superior”
ariano – adotado
pela ideologia racista de
Hitler – participa de um
comício nazista
Acima: comício do Partido
Nazista, uma oportunidade
para demonstrações de
poder e para anunciar
trechos importantes da
legislação nazista,
incluindo as famosas “Leis
de Nuremberg”, de 1935
depois, em 15 de março de 1939, Hitler cinicamente quebrou sua palavra e invadiu o resto
da Tchecoslováquia. Em abril, o país deixou de existir – foi desmembrado e absorvido pelo
império de Hitler. Grã-Bretanha e França nada fizeram e, por causa da relutância de ambas
em lutar, Hitler conquistou territórios, recursos e tesouros sem sequer disparar um tiro.
O erro fundamental na abordagem de Neville Chamberlain era aparente. Ele assumiu
que Hitler era um homem honrado e que era possível confiar nos acordos feitos com os
nazistas. Ficou provado que ele estava completamente errado. E os Sudetos também não
eram a “última reivindicação territorial” de Hitler, como ele afirmara. Apenas alguns dias
depois da conferência em Munique, ficou claro que Hitler estava de olho na Polônia, onde o
“Corredor Polonês”, uma estreita faixa de terra que garantia aos poloneses um acesso ao mar,
A
TEMPESTADE
SE
APROXIMA
15
separava a Prússia Oriental do resto da Alemanha. Para prejuízo dos alemães, o corredor
havia sido concedido à Polônia no fim da Primeira Guerra Mundial. Agora, Hitler o queria
de volta.
Com a ocupação alemã concluída na Tchecoslováquia, e com outro país pequeno, a
Polônia, sob ameaça, nem mesmo Neville Chamberlain tinha outra escolha a não ser aceitar
que a política de apaziguamento havia falhado. Em 31 de março de 1939, Grã-Bretanha e
França prometeram ajudar a Polônia se os nazistas atacassem, mas a credibilidade das duas
nações estava em baixa. Depois de se safar com tantas promessas quebradas após a
conferência em Munique, Hitler não tinha motivos para acreditar que Grã-Bretanha e
França levariam a sério suas promessas mais do que ele próprio levou.
A ESTRADA ALEMÃ PARA A GUERRA
m 1939, Hitler voltou sua atenção para a Polônia e para a conquista de todo o Leste
Europeu. Enquanto isso, Grã-Bretanha e França redobravam tardiamente seus
preparativos para uma guerra que, a essa altura, já não podiam evitar. Aos poucos, a
população dos dois países percebeu que a situação de paz era frágil e que duraria somente
mais alguns meses. Em breve, pais de família trocariam suas casas pela desconhecida vida de
soldado, enquanto suas esposas teriam que enfrentar sozinhas e da melhor maneira possível
as dificuldades, até que elas mesmas fossem absorvidas pelo esforço de guerra. Palavras como
“blecaute”, “racionamento” e “blitz” logo ficariam populares na Grã-Bretanha, e a França
teria de enfrentar a máquina de guerra nazista que se encaminhava para suas fronteiras.
Desde que Hitler assumiu o poder na Alemanha, em 1933, uma segunda guerra mundial na
Europa parecia possível. Sua ideologia nazista glamorizava a guerra,
retratando-a como o teste supremo do vigor de uma nação. Ele estava
determinado a criar uma nação de guerreiros que faria da Alemanha a
maior força militar da Europa, e que daria a ele a possibilidade de rasgar
os tratados de paz assinados depois da Primeira Guerra Mundial. Ele se
recusou a fazer parte do Tratado de Versalhes de 1919, cujos principais
termos incluíam a rendição de todas as colônias alemãs à Liga das
Nações, o pagamento de reparações, a desmilitarização e ocupação por
15 anos da Renânia, a proibição da união entre Alemanha e Áustria, e
uma cláusula que culpava os alemães pelo início da guerra. O exército
alemão seria limitado a 100 mil homens e não poderia utilizar
tanques, artilharia pesada, aeronaves e dirigíveis. A marinha estaria
limitada a embarcações abaixo de 10 mil toneladas e não poderia ter
submarinos nem uma divisão aérea. Hitler queria destruir o
humilhante tratado e erguer um novo império alemão. Para ele, era
irrelevante se esses objetivos seriam alcançados por meios pacíficos
ou pelo uso da força.
O povo alemão não demorou a sentir os efeitos do desejo de
Hitler em reconstruir o exército. O serviço militar obrigatório foi
introduzido em 1935. Os jovens deviam passar um ano nas forças
armadas, seguido por um período nas frentes de trabalho
nacionais. A responsabilidade de completar a educação da
juventude alemã não era mais da escola, mas sim do exército.
E
Abaixo: propaganda
nazista encorajava os
jovens alemães a se
alistar em nome
da pátria
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A
TEMPESTADE
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APROXIMA
A ideologia nazista era martelada na cabeça dos jovens com a intenção de criar o soldado político
que saberia como usar suas armas e que entenderia por que estava destinado a lutar por sua pátria.
Enquanto isso, em desacato aos termos do Tratado de Versalhes, a Alemanha
secretamente se rearmava. Hitler não demorou a colocar seu exército em ação. Em 1936,
novamente em desacato ao tratado, ele enviou soldados alemães de volta à região da
Renânia. Como britânicos e franceses não reagiram, Hitler não hesitou em atacar de novo. Dois
anos depois, em 1938, o exército alemão marchou até a Áustria e incorporou todo o país ao
Reich nazista, concluindo assim a Anschluss, a proibida união entre Áustria e Alemanha.
Grã-Bretanha e França observavam esses movimentos com inquietação crescente. Mas
enquanto Hitler reformava o exército, a marinha e a aeronáutica, e preparava seu povo para a
guerra, os dois países pouco faziam para detê-lo. O pacifismo havia ganhado muita força na
Grã-Bretanha depois da carnificina da Primeira Guerra Mundial, que vitimou quase um milhão de
ANEXAÇÃO DA ÁUSTRIA
A
TEMPESTADE
SE
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17
À esquerda: tropas
alemãs são saudadas
pelos locais enquanto
marcham em solo
austríaco, em 1938.
Com a ocupação, Hitler
realizou um de seus
principais desejos: a
recriação da
“Anschluss”, ou
unificação entre
Áustria e Alemanha,
proibida pelo Tratado
de Versalhes
soldados do país e de suas colônias. A França, por sua vez, havia perdido 1,3 milhão de homens. O
esforço de ambos para domar os nazistas era dificultado ainda mais pela falta de apoio americano.
Os EUA haviam lutado ao lado deles contra os alemães nos últimos meses da Primeira Guerra
Mundial, mas depois adotaram uma política de isolacionismo e neutralidade, e não tinham interesse
em se envolver novamente de forma ativa nos eventos da Europa.
OS ALIADOS NO LIMITE
m total contraste com a Alemanha nazista, o governo britânico, liderado desde 1937 por
Neville Chamberlain, do Partido Conservador, considerava a corrida armamentista um
gasto desnecessário. Um rearmamento elevaria os impostos e colocaria em risco as chances da
atual administração nas próximas eleições. Ao mesmo tempo, o Partido Trabalhista condenava
as ações da Alemanha nazista e da Itália fascista, especialmente o envolvimento de ambas na
Guerra Civil Espanhola (1936-1939), na qual prestaram ajuda ao general Francisco Franco.
Infelizmente, o Partido Trabalhista estava tão dividido quanto às medidas a serem tomadas para
frear o avanço de Hitler que foi impossível apresentar uma política alternativa coerente.
Muitos membros de alto escalão do governo britânico e do Partido Conservador admiravam
os nazistas. Eles aprovavam o fato de Hitler ter reerguido a economia alemã, destruída pela
Primeira Guerra Mundial. Acolhiam positivamente o espírito nacionalista que ele havia
incutido em seu povo. A maioria também estava mais inclinada a apoiar Hitler do que ficar do
lado da Rússia comunista e de seu líder, o ditador Josef Stalin. Este útimo parecia um alvo
muito mais importante que Hitler, cujos discursos mostravam um compromisso pessoal em
travar uma cruzada contra a “ameaça vermelha” vinda do leste. Se afrontar Hitler, fosse na
Espanha, na Áustria ou na Tchecoslováquia, significava “ir para a cama” com os russos
comunistas, então, para a elite governante britânica, a resistência não era uma opção.
E
Stalin parecia um alvo
muito mais importante…
Se afrontar Hitler, fosse
na Espanha, na Áustria
ou na Tchecoslováquia,
significava “ir para a
cama” com os russos
comunistas, então, para
a elite governante
britânica, a resistência
não era uma opção
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A
TEMPESTADE
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APROXIMA
Esse medo e desconfiança em relação à União Soviética prejudicariam a única chance dos
Aliados em se unirem com possibilidades de conter o avanço da Alemanha nazista. A atitude
complacente do governo britânico foi reforçada pelo fato de a Grã-Bretanha estar mais
preocupada em manter seu império do que com a crise no continente europeu. Além disso, com
os efeitos econômicos causados pela Primeira Guerra Mundial e pela Grande Depressão
Americana dos anos 1930, a Grã-Bretanha não podia arcar com mais uma guerra.
À direita: na esteira
das negociações entre
Grã-Bretanha, França e
União Soviética, e entre
Alemanha e URSS, o
ministro do Exterior da
Alemanha, Joachim Von
Ribbentrop, teve
cuidado em nutrir
uma boa relação
com o Japão
PREVENÇÃO CONTRA ATAQUES AÉREOS
Crianças britânicas se preparam para os horrores
da guerra: treinamento com máscaras de gás em 1939
Durante a crise de Munique, o medo da guerra, representado
pelos esquadrões de bombardeiros alemães, tomava conta do
povo e das autoridades britânicas. Nesse período, as medidas
de prevenção contra ataques aéreos foram levadas a sério pela
primeira vez. As lições aprendidas durante a Primeira Guerra
Mundial mostravam que, na próxima guerra, os civis estariam
na linha de frente e sob ataque aéreo. Por isso, não foi surpresa
o pânico instalado pelas previsões de baixas entre civis após os
primeiros ataques alemães: seriam quase 2 milhões de mortos
e feridos. Da noite para o dia, esses números espantosos
fizeram com que meio milhão de pessoas integrassem
voluntariamente a Comissão de Prevenção Contra Ataques
Aéreos. Trincheiras foram cavadas em parques públicos e
38 milhões de máscaras contra gases foram distribuídas. Ao
usá-las, as pessoas sentiam realmente o medo da guerra e
tinham a impressão de que a morte estava próxima. Como
resultado, a população apressou-se em lavrar testamentos e a
taxa de união matrimonial aumentou em cinco vezes.
A
TEMPESTADE
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19
Os britânicos queriam
evitar a guerra, mas era
a França que tinha mais
motivos para temer
outro mergulho nesse
abismo, pois estava claro
que qualquer novo
conflito seria travado,
como na Primeira
Guerra Mundial, em
solo francês
À esquerda: veranistas
britânicos relaxam
durante aquele que seria
o último verão de paz dos
próximos seis anos.
O verão de 1939
foi especialmente
quente e ensolarado,
oportunidade boa para
a população esquecer
acontecimentos em
países longínquos e
“sobre os quais
nada sabemos”
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A
TEMPESTADE
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APROXIMA
À esquerda: Hitler
(sentado) e Chamberlain
(último à direita) em
Munique, em setembro de
1938. O ditador alemão
foi mais inteligente
que o envelhecido
primeiro-ministro
da Inglaterra
À direita: alemães e
austríacos que residiam
em Londres formam
fila em frente a uma
agência de viagens da
Regent St., com medo
de não conseguirem
sair com segurança
do país antes de a
guerra começar
O astuto Stalin
percebeu que, se
estava difícil concluir
um pacto para
combater os alemães,
ele não teria escolha
senão entrar em
acordo com o
próprio Hitler
Os britânicos queriam evitar a guerra, mas era a França que tinha mais motivos para temer
outro mergulho nesse abismo, pois estava claro que qualquer novo conflito seria
travado, como na Primeira Guerra Mundial, em solo francês. População, políticos e exército
torciam e acreditavam que a Linha Maginot, uma série de edificações de defesa junto à fronteira
franco-alemã, impediria uma invasão nazista. Em vez de penar para conter a Alemanha, que aos
poucos conquistava mais e mais territórios europeus, a França escolheu uma política cautelosa,
confiante de que seus 400 mil soldados na Linha Maginot seriam suficientes para deter um
ataque alemão.
Na primavera de 1939, tropas alemãs conquistavam o que sobrara da Tchecoslováquia.
Britânicos e franceses procuravam desesperadamente um aliado que fosse capaz de ajudá-los a
deter a marcha constante de Hitler. Como em um golpe de sorte, a União Soviética, inimiga
ideológica da Alemanha nazista, estava disposta a relançar a aliança da Primeira Guerra
Mundial formada por Grã-Bretanha, Rússia e França. Os soviéticos estavam tão preocupados
com o crescente poderio alemão quanto os Aliados, de forma que o ministro do Exterior
Maxim Litvinov propôs um pacto de ajuda militar a Grã-Bretanha e França. Ambas, embora
A
TEMPESTADE
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APROXIMA
21
A GUERRA NA ESPANHA
Antes do início da Segunda Guerra Mundial, em 3 de setembro
de 1939, a Europa já havia presenciado uma amostra dos
terríveis acontecimentos que viriam a seguir. Em 19 de julho de
1936, a guerra civil foi deflagrada na Espanha. O governo
republicano de esquerda foi atacado e deposto pelo Exército
Nacionalista Espanhol, liderado pelo general Franco, com o
auxílio da Força Aérea da Alemanha, a Luftwaffe, que teve sua
chance de praticar técnicas de bombardeio contra civis.
Em 26 de abril de 1937, a indefesa cidade de Guernica, no
País Basco, foi bombardeada pelos alemães da Legião Condor.
Dezoito aviões passaram mais de uma hora jogando bombas
em civis. A cidade foi reduzida a um horripilante cenário de
ruínas e fumaça. Os nacionalistas negaram que o ataque aéreo
havia acontecido e jogaram a culpa nos republicanos, mas a
opinião mundial não acreditou. A cidade virou uma espécie de
mártir da tirania nacionalista. O cinismo demonstrado por
italianos e alemães ao utilizarem a Espanha como campo de
testes para suas forças armadas serviu apenas para aumentar o
medo dos civis em relação a outra guerra na Europa. Enquanto
A notória Legião Condor, que fez chover
bombas em civis desprotegidos na Espanha
Itália e Alemanha intervinham em solo espanhol,
Grã-Bretanha e França permaneciam paradas,
encorajando Hitler e Mussolini – o ditador italiano
fascista – a pensarem que seus planos de conquistar
territórios e aumentar seus exércitos encontrariam
pouca resistência no futuro.
interessadas em conquistar aliados contra a Alemanha, a princípio não sabiam como
responder. Polônia e Romênia, países que britânicos e franceses esperavam proteger da
dominação nazista, temiam a União Soviética. Convencer Stalin a ajudá-los a garantir sua
soberania deixaria a população de ambos os países ao mesmo tempo tranquilizada e agitada. O
astuto ditador percebeu que os Aliados eram incapazes de deixar de lado suas reservas com
relação à URSS e decidiu que, se estava difícil concluir um pacto para combater os alemães, ele
não teria escolha senão entrar em acordo com o próprio Hitler.
Ao mesmo tempo que conversava com os Aliados, Stalin negociava secretamente com os
nazistas. Para invadir a Polônia, a Alemanha precisava ter certeza de que a URSS não ajudaria os
poloneses. Stalin, por sua vez, via a destruição da nação polonesa como uma ótima oportunidade
para consolidar a posição soviética no Mar Báltico. Os dois ditadores rapidamente assinaram um
pacto secreto, em 22 de agosto de 1939, com intenções de repartir o Leste Europeu. Eles
dividiriam a Polônia ao meio, e então a Rússia poderia estender seu domínio sobre Letônia,
Estônia, Lituânia e Finlândia. Com o fim da Polônia, Hitler estaria livre para lançar uma guerra
contra a França sem se preocupar com uma intervenção soviética.
Antes que a tinta do acordo entre nazistas e soviéticos secasse, Hitler, confiante de que os
Aliados manteriam distância do conflito, ordenou o início da invasão à Polônia. O acordo foi
anunciado ao mundo em 23 de agosto de 1939. A opinião pública entrou em choque. Afinal,
Grã-Bretanha e França ainda negociavam um tratado com a URSS. Naquela época, honra ainda
valia alguma coisa, e ela havia sido cinicamente transgredida. Com um único golpe, parecia que a
situação política mundial havia sido virada de cabeça para baixo.
Hitler preparou a invasão à Polônia com a crueldade de sempre. Vários prisioneiros de
campos de concentração nazistas foram assassinados. Seus corpos foram vestidos com uniformes
do exército polonês e jogados próximos a uma estação de rádio na cidade alemã de Gleiwitz,
perto da fronteira com a Polônia. O mundo estava novamente em guerra.
C APÍTULO 13
O Brasil vai
à guerra
Por Roberto Muylaert e Paulo Levy
O presidente americano Franklin Delano Roosevelt
(ao lado do motorista) visita Getúlio Vargas
(atrás, segurando uma bengala), presidente do Brasil,
na base aérea de Parnamirim, em 1943.
Apesar de ainda não terem demonstrado isso
abertamente, os nazistas também estavam de olho na
América do Sul, e nosso país tinha grande importância
estratégica tanto para os Aliados quanto para o Eixo
184
O BRASIL
VAI
À
GUERRA
O ESTADO NOVO DE GETÚLIO VARGAS
om exceção de quem viveu à época, pouco se sabe, nos dias de hoje, do impacto da Segunda
Guerra Mundial no dia a dia do povo brasileiro. A maioria dos livros de história costuma
restringir a participação do Brasil às batalhas na Itália ao lado dos americanos. Contudo, a decisão
de Getúlio Vargas sobre que lado o país deveria assumir no conflito, o dos Aliados ou o dos países
do Eixo, não foi tomada de um dia para o outro, mas sim construída em um processo político lento
e tortuoso, iniciado anos antes do conflito estourar na Europa, em 1939.
Em novembro de 1930, após perder as eleições para Júlio Prestes, Getúlio Vargas foi alçado ao
poder pela Junta Militar Provisória, que depôs o presidente Washington Luís 22 dias antes do
término do mandato. Nomeado Chefe Provisório da República (os revolucionários não aceitavam o
título de Presidente), Getúlio logo baixou um decreto que suspendia as garantias da Constituição
de 1891 e confirmava a dissolução do Congresso Nacional. Começava a ditadura Vargas.
Getúlio demorou a definir o rumo ideológico de seu governo. Como ditador de um país de
dimensões continentais na América do Sul, Vargas nutria grande admiração pelos regimes
ditatoriais da Europa. Por essa razão, em 1931, recebeu Italo Balbo, jovem comandante da aviação
italiana e um dos mais truculentos seguidores do líder fascista Benito Mussolini, no Palácio do
Catete. O encontro, tratado com grande festividade, aproximou Vargas de Mussolini em uma
parceria que vigoraria pelos 11 anos seguintes.
Em paralelo, a idolatria por Hitler crescia na Alemanha e entre aliados importantes do governo
brasileiro, que fazia vista grossa para as atividades do Partido Nazista no país. A seção fundada em
1928 em Timbó, Santa Catarina, amealhava legalmente seguidores na comunidade germânica.
A simpatia pela causa nazifascista era tamanha que chegou à constituição brasileira promulgada por
Vargas em 1934.
Preocupado com o avanço do nazismo na América Latina, em 1936, o presidente americano
Franklin Delano Roosevelt estendeu sua política de boa vizinhança e visitou Getúlio no Rio de
Janeiro. A empatia entre os dois foi imediata.
No ano seguinte, ameaçado por um falso plano comunista para tomada do poder, Vargas
implantou um novo regime político,
o Estado Novo, caracterizado pela
centralização, pelo nacionalismo,
anticomunismo e por um irrestrito
autoritarismo. Em paralelo,
construía-se a parceria com os
americanos em troca de certos
benefícios econômicos.
Os anos passaram e o nazismo
cresceu. No início de 1939, Lutero
Vargas, filho mais velho de Getúlio,
apaixonou-se por uma jovem e
bela alemã, Ingeborg ten Haeff,
durante um jantar em Berlim.
Visto com reservas pelo
Alto-Comando alemão, o
namoro
improvável
da
germânica de sangue ariano
C
Abaixo, à direita:
além de diplomática, a
visita de Italo Balbo trazia
consigo uma intenção
nitidamente comercial.
Mussolini enviou o
aviador italiano ao
Brasil com a missão de
vender os 14 aviões
Savoia-Marchetti S55.
Três deles se acidentaram
no caminho e não
concluíram o trajeto, mas
a transação foi realizada
com os 11 restantes no
estilo comercial mais
puro: o escambo.
Aproveitando-se do
excesso de estoque de
grãos que estragava nos
depósitos brasileiros, em
decorrência da queda dos
preços no mercado
internacional, Getúlio
trocou os modernos
aviões por milhares de
sacas de café.
O BRASIL
VAI
À
GUERRA
185
À esquerda: na visita ao
Rio de Janeiro, em 1936,
Roosevelt ficou
encantado com a
personalidade e o charme
de Getúlio. Dona Darcy
Vargas, mulher do
ditador brasileiro, está de
chapéu preto, e Maria
Cecilia Fontes aparece de
branco. Com seu marido
E. G. Fontes, ela foi
anfitriã do presidente
americano por algumas
horas em sua
sofisticada residência
no Alto da Gávea.
com o latin lover brasileiro resistiu. Em 1o de setembro do mesmo ano, tropas de Hitler invadiram a
Polônia. O governo Vargas não demorou a declarar sua neutralidade diante do conflito.
Em maio de 1940, Mussolini, em uma demonstração de simpatia e lealdade para com Getúlio,
informou às autoridades brasileiras que a fase mais violenta da guerra estava por começar, e mandou
seu filho Bruno buscar Lutero na Alemanha, pilotando um avião militar de seu país, para levá-lo ao
Rio de Janeiro. Inge, como era chamada, veio em seguida de navio, casou-se com Lutero e foi morar
no Palácio da Guanabara, fato que gerou inúmeras especulações.
Oscilando entre os países do Eixo e os Aliados, o regime de Vargas tolerou durante anos as
atividades do Partido Nazista no Brasil, que continuou em funcionamento até a entrada do país na
guerra ao lado dos americanos, em 1942.
MOTIVAÇÕES, BOMBARDEIO E BOA VIZINHANÇA
nquanto o regime de Getúlio Vargas flertava com os países do Eixo, o Brasil registrava sua
primeira baixa na Segunda Guerra Mundial: José Francisco Fraga, conferente do navio
mercante Taubaté. Fraga morreu quando a embarcação foi atacada por um avião da Luftwaffe
próximo à costa do Egito, em 22 de março de 1941. Segundo relatos do comandante Mario
Fonseca Tinoco, o ataque não cessou mesmo com a bandeira brasileira claramente visível e com o
içamento às pressas de uma bandeira branca no mastro principal. Treze tripulantes ficaram feridos.
Em 13 de junho do mesmo ano, outro navio mercante, o Siqueira Campos, foi parado por um
submarino alemão próximo ao arquipélago do Cabo Verde. A embarcação só foi liberada depois de
ser vistoriada e de ter os documentos fotografados.
Em 14 de agosto de 1941, ainda com os Estados Unidos fora da guerra, o primeiro-ministro
britânico Winston Churchill e o presidente americano Franklin Delano Roosevelt emitiram a
Carta do Atlântico na chamada Conferência do Atlântico (sob o codinome “Riviera”), a bordo do
HSM Prince of Wales ancorado em Argentia, província canadense de Terra Nova. O documento
com apenas oito diretrizes trazia consigo algumas intenções e a criação de uma visão de mundo
E
A idolatria por Hitler
crescia na Alemanha
e entre aliados
importantes do
governo brasileiro, que
fazia vista grossa para
as atividades do Partido
Nazista no país. A seção
fundada em 1928 em
Timbó, Santa Catarina,
amealhava seguidores
na comunidade
germânica. A simpatia
pela causa nazifascista
era tamanha que
chegou à constituição
brasileira promulgada
por Vargas em 1934
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