Eficiência do Uso da Radiação por Híbridos de Milho (Zea mays L.) Cultivados sob Condições de Crescimento Ótimas MARCELO AGUIAR ABRITTA; ROGÉRIO LORENÇONI; LEONARDO CIRILO DA SILVA SOARES; CARLOS RODRIGUES PEREIRA; CARLOS ALBERTO PINTO DA ROSA; DURVAL DOURADO NETO Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Departamento de Produção Vegetal, Av. Pádua Dias, 11, CEP:13418-900, Caixa Postal 9, Piracicaba, SP Palavras-chave: eficiência; uso; radiação; milho Revisão bibliográfica O crescimento da população mundial coloca grande pressão sobre os ecossistemas agrícolas, por meio da demanda associada de alimento e energia. Os ecossistemas, em termos termodinâmicos, são máquinas supridas por energia externa, sendo sua fonte principal o sol, produzindo energia em forma utilizável pelo homem. Praticamente toda a matriz energética do mundo é proveniente do processo fotossintético, desde os combustíveis fósseis até os biocombustíveis, além do próprio alimento. Quando a entrada de energia de um ecossistema é exatamente igual à saída, o estado de equilíbrio existente é um caso especial da primeira lei da termodinâmica. A segunda lei também é relevante, e implica que todo processo espontâneo, físico ou químico, que produza energia utilizável em trabalho mecânico, deve ser acompanhado pela perda de calor. Nenhum sistema biológico pode quebrar ou fugir desta lei, o calor produzido pela respiração celular é um componente inevitável do metabolismo, sendo o custo pago pela natureza para se criar ordem biológica a partir do caos físico no ambiente de plantas e animais (MONTEITH, 1972). Dividindo a energia útil de um processo termodinâmico pelo total de energia envolvido podemos ter uma idéia de sua eficiência, este processo está bem difundido na análise do fluxo de energia em ecossistemas. A eficiência com que um estande de plantas produz matéria seca pode ser definida como a razão em que energia química é armazenada em fotoassimilados e a energia radiante é absorvida pelo dossel (MONTEITH, 1972). A interceptação da luz, temperatura e a respiração são parâmetros que influenciam diretamente o rendimento das culturas. O conhecimento dos seus efeitos é requerido em processos de simulação de crescimento de plantas (BERNINGER, 1994). Segundo Stewart et al., (2003), a maneira como a radiação fotossinteticamente ativa é interceptada pelo dossel das plantas é fundamental para a fotossíntese e consequentemente para a produção da cultura. A interceptação da radiação fotossinteticamente ativa é primeiramente determinada pelo índice de área foliar (IAF) (BONHOMME, 2000; LINDQUIST; MORTENSEN, 1999; MUCHOW, 1988) e pelo índice de eficiência de interceptação da radiação ou coeficiente de extinção de luz (k) (LIZASO et al., 2003), sendo esses os principais fatores que determinam a interceptação e o nível de atenuação da radiação no dossel (SHIBLES; WEBER, 1965). Além da qualidade e quantidade de radiação absorvida, deve-se considerar que a conversão da radiação absorvida em matéria seca depende da fotossíntese, que varia conforme a espécie, temperatura do ar e a fração de carbono fixado consumido na respiração (GALLAGHER; BISCOE, 1978). A quantidade de carbono fixado gasto na respiração pode alterar-se em função da composição química do órgão vegetal produzido. A biossíntese de compostos ricos em proteínas, lipídios, ou lignina exigem muito mais energia por unidade de peso seco produzido do que os componentes com baixas concentrações desses produtos XXVIII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, 2010, Goiânia: Associação Brasileira de Milho e Sorgo. CD-Rom 166 (PENNING DE VRIES; BUNTING; VAN LAAR, 1974; MCDERMITT; LOOMIS, 1981). A produtividade potencial da cultura de milho depende da genética, do fotoperíodo, da temperatura e da radiação solar. Outras interações como as características físico-hídricas do solo definem a produtividade atingível (ORESKES; SHRADER-FRECHETTE; BELITZ, 1994). Experimentos realizados para determinar o crescimento das plantas também podem ser usados para determinar o valor estimado da eficiência de uso da radiação (EUR). O crescimento pode ser determinado usando a absorção liquida de CO2, o total de matéria seca da parte aérea e/ou o total de matéria seca (incluindo as raízes). No entanto, o crescimento é mais comumente determinado pelo acúmulo de matéria seca da parte aérea, pois a amostragem destrutiva da parte aérea para determinar a absorção de CO2 ao longo do tempo é mais fácil (SINCLAIR; MUCHOW, 1999). As determinações do crescimento de plantas considerando a massa de matéria seca total, incluindo as raízes, são muito mais precisas, pois levam em conta todas as estruturas formadas durante o desenvolvimento da planta. De acordo com Assunção et al., 2008, estudos que levam em conta a variação da eficiência de uso da radiação solar, durante o desenvolvimento de uma cultura, considerando-se a massa seca total (incluindo as raízes) são raros. Modelos baseados na EUR têm sido amplamente utilizados para prever a produtividade dos cultivos, mas poucos estudos têm considerado a variação da EUR durante o desenvolvimento da cultura, considerando a matéria seca total, incluindo as raízes (CONFALONE; NAVARRO, 1999). Valores de EUR para os híbridos estudados foram determinados também por Romano (2005), com populações de 64000 plantas por hectare e considerando-se apenas a matéria seca da parte aérea. Os valores obtidos para os híbridos BRS 1001, BRS 1010 e BRS 3003 foram respectivamente 3,87, 3,83 e 3,73 g MS.MJ-1 de RFA absorvida. Lövenstein et al (1995) cita um valor médio de eficiência de assimilação (Ea), para plantas de metabolismo C4, de 9 g CO2.MJ-1 de RFA absorvida. O objetivo deste trabalho é comparar as determinações de EUR a uma nova abordagem para determinar a eficiência de assimilação de dióxido de carbono, buscando comparar os valores obtidos para a fitomassa seca de toda a planta, como também apenas da parte aérea. Material e Métodos O experimento foi conduzido na área experimental do Departamento de Produção Vegetal da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", da Universidade de São Paulo em Piracicaba-SP (22o42' S; 47o38' O; 546 m), na safra 2003/2004. A semeadura foi realizada no dia 20 de setembro de 2003, a emergência ocorreu em 27 de setembro. Adotou-se o espaçamento de 0,8 m entre fileiras de plantas, com população de 70000 plantas por hectare. Foram utilizados três genótipos de milho: (i) BRS 1001, (ii) BRS 1010 e (iii) BRS 3003 sob condições ótimas de cultivo. O delineamento experimental foi em blocos inteiramente casualizados, com três tratamentos e quatro repetições. As parcelas experimentais possuíam 10 m de comprimento e 4 m de largura. A adubação de base foi realizada no sulco de semeadura, onde foram utilizadas as seguintes doses de 30 kg.ha-1 de N, 40 kg.ha-1 de K2O e 80 kg.ha-1 de P2O5. Na adubação de cobertura, realizada quando as plantas apresentavam quatro folhas expandidas, foram aplicados 90 kg.ha-1 de N. O espaçamento utilizado foi de 0,8 m entre linhas de plantas e 0,18 m entre plantas, perfazendo uma população de 70.000 plantas por hectare. O controle de pragas e doenças foi efetuado durante todo o ciclo, evitando a pressão sobre a produção que seria alcançada sob as condições ambientais presentes. XXVIII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, 2010, Goiânia: Associação Brasileira de Milho e Sorgo. CD-Rom 167 As variáveis analisadas foram: massa de matéria seca de raiz, colmo, folha, semente, folha bandeira, pendão, estilo-estigma, palha, espiga e grão. Foram realizadas 24 coletas durante todo o ciclo de desenvolvimento da planta. As coletas foram realizadas respectivamente nos dias: 1, 3, 6, 9, 12, 13, 14, 17, 20, 24, 28, 33, 39, 47, 54, 61, 68, 76, 81, 87, 104, 116, 129 e 143 após a emergência. O material coletado foi secado até peso constante, utilizando o método padrão de estufa, sendo pesado em balança com precisão de 0,1 g.. Durante a condução do experimento foram coletados dados diários de: (i) radiação global (MJ.m2.dia-1); insolação (I, h.dia-1); precipitação pluvial (P, mm. dia-1), umidade relativa (UR, %), velocidade do vento máxima (Vmax, m.s-1), velocidade do vento mínima (Vmin, m.s-1), temperatura máxima (Tmax, oC), temperatura mínima (Tmin, oC), temperatura média (Tmed, o C) e evaporação (E, mm). A relação entre a radiação interceptada e a assimilação de dióxido de carbono pela cultura foi determinada por duas metodologias distintas. Utilizando-se a variação de matéria seca e radiação interceptada entre os períodos de coleta, chegando-se à eficiência de assimilação (Ea), através da adaptação da metodologia proposta por Lövenstein et al (1995). Assim como, através da metodologia proposta por Muchow & Sinclair (1994), utilizando-se a fitomassa seca acumulada e a radiação fotossinteticamente interceptada acumulada até o período. A relação entre a radiação interceptada e a assimilação foi feita levando-se em conta a matéria seca da planta toda, como também apenas a parte aérea. A variação da massa de matéria seca das plantas nos intervalos amostrados foi calculada utilizando-se a seguinte equação (Eq. 1): Equação 1, variação de MS total: Onde é a variação da matéria seca total da cultura, no intervalo considerado, em kg.ha-1. Para o cálculo da respiração da cultura e radiação interceptada pelo dossel, a variação de massa e índice de área foliar foi considerada linear entre os intervalos de amostragem. O carboidrato consumido na respiração dos diferentes órgãos vegetais foi calculado pelas equações subsequentes (Equações 2, 3, 4, 5, 6 e 7), adaptadas de Lövenstein et al (1995): Equação 2, respiração de manutenção foliar: Equação 3, respiração de manutenção do caule: Equação 4, respiração de manutenção radicular: Equação 5, respiração de manutenção dos órgãos reprodutivos: Equação 6, temperatura de correção para a respiração de manutenção: Equação 7, respiração de manutenção do intervalo considerado: Os valores de matéria seca são representados em kg.ha-1, os coeficientes de manutenção para cada órgão em kg CH2O.kg-1 MS.d-1, os valores de respiração independentes em kg.ha-1.d-1 e a Respiração de manutenção em kg.ha-1, para o período analisado. XXVIII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, 2010, Goiânia: Associação Brasileira de Milho e Sorgo. CD-Rom 168 O fator de conversão de carboidratos para quilogramas de matéria seca foi calculado de acordo com o custo de conversão para cada órgão da planta, levando-se em conta sua composição bromatológica, de acordo com os fatores propostos para cultura do milho e a metodologia proposta por Lövenstein et al (1995), podendo ser observada na Equação 8. Equação 8, fator de conversão de carboidratos para quilogramas de matéria seca: O fator de conversão é representado em g MS.g-1 CH2O, assim como os fatores utilizados para cada órgão. A respiração de crescimento da cultura foi calculada por meio da variação da massa de matéria seca e do fator de conversão de matéria seca obtido para o intervalo entre as amostras, como pode ser observado na Equação 9 (Lövenstein et al 1995). Equação 8, respiração de crescimento: Os valores de respiração de crescimento são representados em kg.ha-1. A assimilação bruta de dióxido de carbono pela cultura foi obtida através da Equação 10, adaptada de Lövenstein et al (1995), para o cálculo da assimilação através dos valores de respiração obtidos. Equação 10, assimilação bruta de dióxido de carbono: Onde 1,466 está representado em kg CO2.kg-1 CH2O, em g.planta-1, 70 em plantas.kg.ha-1.1000 g-1, 0,699 em kg MS.kg-1 CH2O e em kg CO2.ha-1, o cálculo da assimilação líquida é realizado da mesma maneira, levando-se em conta apenas a respiração de crescimento. Para calcular a radiação interceptada pelo dossel foi utilizado o somatório da radiação global no período entre às análises (Equação 11), convertido para radiação fotossinteticamente ativa (Equação 12). Foram considerados também os dados da cultura como o IAFm (Equação 13), coeficiente de extinção (k) e albedo (ρc) encontrados na Equação 14 (Lövenstein et al 1995). Equação 11, radiação global em J.dia.ha-1: Equação 12, radiação fotossinteticamente ativa em J.dia.ha-1: Equação 13, índice de área foliar médio em m2 folha.m-2 solo: Equação 14, radiação interceptada pela cultura Os valores de coeficiente de extinção utilizados foram obtidos para os três híbridos estudados por Romano (2005). Foram utilizados valores médios para a fase vegetativa e reprodutiva, estes valores podem ser observados na Tabela 1. Tabela 1 – Coeficientes de extinção de luz para os três híbridos estudados. Fase BRS1001 BRS1010 BRS3003 Vegetativa 0,315 0,354 0,352 Reprodutiva 0,367 0,387 0,365 XXVIII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, 2010, Goiânia: Associação Brasileira de Milho e Sorgo. CD-Rom 169 A eficiência de assimilação de dióxido de carbono pela cultura é então obtida pela relação entre a assimilação e a radiação interceptada no período, conforme podemos observar na Equação 15 (Lövenstein et al 1995). Equação 15, eficiência de assimilação de dióxido de carbono: Para o cálculo da eficiência do uso da radiação, como proposto por Muchow & Sinclair (1994) utilizou-se o mesmo modelo de interceptação de radiação (Eq. 14), porém foram considerados os valores acumulados de radiação e matéria seca até o período analisado, como pode ser observado na Equação 16. Equação 16, eficiência do uso da radiação: Resultados e Discussão Tabela 2 – Ea e EUR médios para o híbrido BRS 1001, para o período vegetativo e reprodutivo. Planta Toda Parte aérea Ea Ea Ea EUR EUR Ea EUR EUR líquida líquida Período g CO2/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g ms/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g ms/MJ Veg. 10,08 9,10 8,17 3,73 8,42 7,46 6,77 3,09 Rep. 8,18 6,19 6,81 3,11 8,16 6,19 6,20 2,83 Tabela 3 - Ea e EUR médios para o híbrido BRS 1010, para o período vegetativo e reprodutivo. Veg. Rep. Planta Toda Parte aérea Ealíquida Ealíquida Ea EUR EUR Ea EUR EUR g CO2/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g ms/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g ms/MJ 11,30 10,17 9,52 4,35 9,55 8,45 7,82 3,57 13,52 9,53 9,00 4,11 12,74 8,80 8,28 3,78 Tabela 4 - Ea e EUR médios para o híbrido BRS 3003, para o período vegetativo e reprodutivo Planta Toda Ea Ealíquida EUR Parte aérea EUR Ea Ealíquida EUR EUR g CO2/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g ms/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g CO2/MJ g ms/MJ Veg. 11,70 10,60 9,08 4,15 10,00 8,92 7,67 3,50 Rep. 11,23 8,56 6,86 3,13 10,19 7,56 6,30 3,45 XXVIII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, 2010, Goiânia: Associação Brasileira de Milho e Sorgo. CD-Rom 170 Os valores médios de Ea e EUR calculados para a planta toda e para a parte aérea diferem pouco entre si durante a fase reprodutiva, fato que reflete a menor alocação de carboidratos para a raiz neste período, podemos observar este fato nas figuras 1, 2 e 3, que mostram as curvas de eficiência de assimilação utilizando-se a parte aérea e a planta toda para todo o ciclo. a b c Na Figura 1 podemos observar as eficiências de assimilação para todo o desenvolvimento da cultura para os híbridos BRS 1001 (a), BRS 1010 (b) e BRS 3003 (c), no eixo x temos os DAE e no eixo y a eficiência de assimilação, em g CO2.MJ-1. XXVIII Congresso Nacional de Milho e Sorgo, 2010, Goiânia: Associação Brasileira de Milho e Sorgo. CD-Rom 171 Conclusões As eficiências de uso da radiação encontradas nesta análise se apresentam próximas às obtidas na literatura, assim como as eficiências de assimilação se aproximam das citadas para plantas C4. Podemos observar diferenças significativas entre as eficiências, o que é advindo do fato da EUR considerar a fitomassa seca acumulada, não levando em conta a variação no período e a respiração de manutenção da cultura. Esta diferente abordagem pode oferecer uma idéia mais próxima da real eficiência do dossel em fixar dióxido de carbono. Pode-se concluir também que o uso apenas da fitomassa seca de parte aérea pode ser considerado mais problemático durante as primeiras fases de desenvolvimento da cultura, sendo este efeito minimizado durante a fase reprodutiva. Literatura Citada BERNINGER, F. Simulated irradiance and temperature estimates as a possible source of bias in the simulation of photosynthesis. Agricultural and Forest Meteorology, Amsterdam: Elsevier, n.71, v.1, p. 19-32, 1994. BONHOMME, R. Beware of comparing RUE values calculated from PAR vs. solar radiation or absorbed vs. intercepted radiation. Field Crops Research, Amsterdam, v 68, p. 247-252, 2000. 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