Comitê Internacional da Cruz Vermelha

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COMITÊ
INTERNACIONAL DA
CRUZ VERMELHA
1949
REVISÃO DAS CONVENÇÕES DE GENEBRA
HENRIQUE GOMES
LUCAS COTOSCK
ARTHUR BARRETO
CARLOS AZEVEDO
LAÍS FRANCO
LUIZA NAZARÉ
BELO HORIZONTE
MAIO DE 2016
SUMÁRIO
Apresentação ......................................................................................................................................... 3
1.
2.
3.
A guerra e o direito ....................................................................................................................... 4
1.1
O conceito de guerra justa ...................................................................................................... 4
1.2
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha ............................................................................ 6
1.3
As Convenções de Genebra ..................................................................................................... 9
Contexto político.......................................................................................................................... 11
2.1
A Primeira Guerra Mundial e os “Vinte Anos de Crise ....................................................... 12
2.2
A Guerra Civil Espanhola ..................................................................................................... 13
2.3
A Segunda Guerra Mundial .................................................................................................. 15
2.4
A política internacional no pós-guerra ................................................................................. 16
2.5
A Guerra Civil Chinesa ......................................................................................................... 18
2.6
A Guerra Árabe-Israelense ................................................................................................... 19
2.7
A Independência da Indochina .............................................................................................. 20
Questões jurídicas ....................................................................................................................... 21
3.1 As fontes no Direito Internacional .............................................................................................. 21
3.2 Direito dos Tratados ................................................................................................................... 24
3.3 Direitos humanos x soberania estatal ......................................................................................... 27
4.
Direito internacional humanitário ............................................................................................. 33
4.1 Teoria geral ................................................................................................................................. 33
4.2 Proteção dos feridos, enfermos e náufragos das forças armadas em campo de batalha ........... 35
4.3 Tratamento dos prisioneiros de guerra ....................................................................................... 38
4.3 Proteção dos civis em tempo de guerra ...................................................................................... 41
5. Posicionamentos .............................................................................................................................. 42
5.1 Argentina ..................................................................................................................................... 42
5.2 Áustria ......................................................................................................................................... 43
5.3 Austrália ...................................................................................................................................... 43
5.4 Birmânia ...................................................................................................................................... 44
5.5 Brasil ........................................................................................................................................... 44
5.6 Canadá ........................................................................................................................................ 45
5.7 China ........................................................................................................................................... 46
5.8 Cuba ............................................................................................................................................ 46
5.9 Egito ............................................................................................................................................ 47
5.10 El Salvador ................................................................................................................................ 47
5.11 Espanha ..................................................................................................................................... 48
1
5.12 Estados Unidos da América ...................................................................................................... 48
5.13 França ....................................................................................................................................... 49
5.14 Irã .............................................................................................................................................. 50
5.15 Israel ......................................................................................................................................... 50
5.16 Itália .......................................................................................................................................... 51
5.17 Líbano ....................................................................................................................................... 51
5.18 México ....................................................................................................................................... 52
5.19 Noruega ..................................................................................................................................... 53
5.20 Organização das Nações Unidas (membro observador) .......................................................... 53
5.21 Países Baixos ............................................................................................................................ 53
5.22 Reino Unido de Grã-Bretanha e Irlanda do Norte ................................................................... 54
5.23 Santa Sé ..................................................................................................................................... 54
5.24 Síria ........................................................................................................................................... 55
5.25 Suíça .......................................................................................................................................... 55
5.26 Turquia ...................................................................................................................................... 56
5.27 União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ............................................................................ 56
6. Bibliografia ...................................................................................................................................... 58
2
Apresentação
Saudações, senhoras e senhores delegados do Comitê Internacional da Cruz Vermelha
do TEMAS 12 - Direitos Humanos!
É com muito prazer que estamos aqui para apresentar este guia de estudos, que irá
provê-los com os conhecimentos essenciais a serem abordados durante as discussões da
simulação da Conferência Diplomática de 1949 para a revisão das Convenções de Genebra.
O guia está dividido em cinco partes. A primeira abordará os conhecimentos teóricos
acerca do conceito de guerra justa e da regulamentação da guerra pelo direito. Também
introduzirá a Cruz Vermelha, explicando suas funções e como ela se constitui. Por último,
explicará o que são as Convenções de Genebra, quais as suas funções, sua evolução histórica
e a efetividade de seus preceitos. A segunda parte irá focar no contexto histórico e político do
pós-Segunda Guerra Mundial em 1949, estabelecendo um panorama do contexto político
(bem como do surgimento dele) em que se passa a Conferência e discutindo como esses
fatores de médio prazo influenciaram nas discussões da conferência em questão.
Os tópicos três e quatro do guia irão apresentar conceitos basilares de Direito
Internacional Público e Direito Internacional Humanitário, servindo de instrução para o
debate de ideias e na produção de documentos durante o comitê. No tópico quinto estarão os
posicionamentos, que incluem uma síntese da política interna e externa dos respectivos países
durante o período abordado. Por fim, um breve anexo – de leitura facultativa, que será
entregue aos senhores posteriormente – discute as relações entre obras específicas da primeira
metade do século XX e a simbologia da guerra e do Estado.
Esperamos que tanto este guia de estudos quanto o guia de regras sejam úteis e
proporcionem o conhecimento necessário para compreender a proposta do comitê, que
trabalha com uma dialética político-jurídica. Igualmente contamos com a colaboração de cada
um dos senhores na realização de uma pesquisa particular que permita expandir seus
conhecimentos e consolidar as posições de cada delegação, bem como imergir no contexto
histórico da Conferência.
Uma boa simulação a todos!
Atenciosamente,
Diretores do CICV
TEMAS 12 – Direitos Humanos
3
1. A guerra e o direito
1.1 O conceito de guerra justa
A guerra é um fenômeno que transpassa limites físicos, temporais, e, às vezes,
inclusive morais. Em qualquer parte do mundo e, em qualquer período histórico, o conflito e a
violência se fazem presentes, ainda que em maior ou menor intensidade. A guerra molda
fronteiras, distribui o poder entre atores globais e muda os rumos da história. Devido a sua
importância, diversos pensadores forneceram suas próprias interpretações acerca do fenômeno
e seus elementos, tais como a sua natureza e finalidade. Dentre essas discussões, cabe destacar
a questão moral dos conflitos armados e a teoria de uma guerra justa.
A moralidade da guerra é um assunto que vem sendo debatido desde a Antiguidade
clássica e, desse debate, se origina o direito de guerra, um conjunto de regras que visa regular
o conflito armado. Tal direito, por sua vez, se divide em dois ramos distintos, o primeiro
chamado jus ad bellum (direito à guerra), relativo às causas e à legitimidade dos Estados
lutarem entre si, e o segundo denominado jus in bello (direito na guerra), concernente às
condutas permitidas e proibidas entre as partes beligerantes no campo de batalha (WALZER,
2006). Enquanto o primeiro visa os Estados, estipulando as condições em que o recurso à
força pelas entidades estatais é permitido ou proibido, o segundo visa os indivíduos, atuando
como forma de proteção de seus direitos fundamentais em situação de hostilidade (DEYRA,
2001). Ainda que independentes, tais acepções são complementares e a observância de ambas
é necessária para que uma guerra possa ser configurada como justa.
O conceito de guerra justa se contrapõe ao de guerra total, isto é, um conflito sem
restrições de nenhum tipo e em que tudo é permitido durante a condução do combate
(OXFORD, 2015). Essa ideia de conflito desimpedido foi a que perdurou durante o período
clássico. Discordando desse posicionamento, a escolástica medieval buscou uma definição de
guerra justa através de uma abordagem teológico-política. Para Santo Agostinho, as guerras
justas decorrem da injustiça do adversário, pois os bons não lutam contra os bons. Elas
buscam, na realidade, atingir a paz e evitar que se consuma uma injustiça. São as defensivas,
ou as que emanam da vontade de Deus (MATTOS, 1964). São Tomás de Aquino, partindo da
mesma linha de pensamento de Agostinho de Hipona, argumenta que nem toda guerra é
pecado, e estabelece três condições para que o conflito seja justo: (a) ser declarado por
autoridade legítima, (b) possuir causa justa e (c) ter intenção dos participantes em promover o
4
bem e evitar o mal (AQUINO, 1990). As duas primeiras condições dizem respeito ao jus ad
bellum enquanto a terceira se relaciona com o jus in bello.
Na Modernidade, as justificativas para a legitimidade das guerras deixaram de se
situar em um plano meramente moral, passando, a partir de então, a se basear no direito das
gentes e no direito natural. Nesse período, graças ao surgimento dos conceitos de ―soberania‖
e ―Estado-nação‖, o direito internacional sofreu considerável evolução, tornando-se um ramo
autônomo da ciência jurídica. Os primeiros grandes expoentes internacionalistas foram os
membros da Escola Espanhola de Direito das Gentes, em que se destaca Francisco de Vitória.
Segundo Vitória, em linhas gerais, "a única causa justa para fazer a guerra é a violação
do direito" (VITORIA apud MATTOS, 1964, p. 107). Ainda de tal maneira, aponta o teólogo,
uma guerra justa se tornará injusta se dela resultarem calamidades muito maiores das
decorrentes da violação do direito; nem tudo é permitido ao combatente. É necessário
distinguir os inocentes daqueles que não o são, ou seja, os que atuam diretamente no combate
(MATTOS, 1964).
O pensamento de Vitória e seus discípulos teve notável influência no direito
internacional público como um todo, e suas ideias ajudaram a delinear os princípios básicos
do direito humanitário. O conceito hispânico de inocentes transformou-se em nãocombatentes, que deveriam estar a salvo dos efeitos nefastos da beligerância (MATTOS,
1964).
É na obra de Hugo Grócio que a teoria da guerra justa foi interpretada por uma
perspectiva do direito internacional. O autor discorre sobre a guerra de legítima defesa e as
ações permitidas na mesma, reforçando que o uso da moderação é um dever a ser seguido
pelas partes para evitar o sofrimento desnecessário, além de proibir qualquer ato que não
almeja proteger um direito nem dar fim à guerra (GRÓCIO, 2001). Não obstante, o jurista
holandês discorda da distinção de combatentes e não-combatentes proposta pela Escola
Espanhola, argumentando que na condução da batalha podem ser mortos não só aqueles que
pegam em armas, mas todos aqueles que estão dentro dos limites do inimigo. Porém, ele
mesmo reconhece que agir assim é contrário ao direito natural (MATTOS, 1964). O
desenvolvimento do pensamento jurídico internacional depois de Grócio levou à noção de que
justos eram os conflitos autorizados pelo direito internacional.
5
Com a criação da ONU em 1945, o jus ad bellum acabou se tornando um conceito
obsoleto, pois o uso da força foi proibido pela Carta das Nações Unidas, salvo quando
autorizado pelo Conselho de Segurança e em situação de legítima defesa. A doutrina da
guerra justa mudou seu foco do jus ad bellum para o jus in bello, pois, ainda que a guerra não
seja permitida, a ocorrência de inúmeros conflitos de grande proporção faz com que seja
necessária uma maior regulação (DETTER, 2000). Logo, o jus in bello ainda se faz presente,
e com considerável desenvolvimento, graças à atuação do Comitê Internacional da Cruz
Vermelha (CICV)1.
1.2 O Comitê Internacional da Cruz Vermelha
Em 1859, tropas francesas e austríacas se enfrentavam no norte da Itália, no que ficou
conhecido como a Batalha de Solferino: o mais sangrento confronto ocorrido em solo europeu
desde Waterloo (ICRC, 2014). Henry Dunant, um empresário suíço que estava na região a
negócios, testemunhou o caos e o sofrimento dos soldados feridos. Ele, então, mobilizou os
cidadãos locais para ajudar os combatentes caídos, independentemente de sua nacionalidade.
Posteriormente, Dunant publicou o livro Lembrança de Solferino, através do qual são
feitos relatos da batalha. Dunant clamava por melhores cuidados para os combatentes, dando
início a uma campanha pessoal para amparar pessoas em tempos de crise. Seus dois principais
objetivos eram a criação de um documento internacional com força de lei que obrigasse os
exércitos a cuidar de seus feridos e de uma sociedade nacional que fornecesse ajuda aos
serviços médicos militares (ICRC, 2010).
Em 1863, Henry Dunant se reuniu em Genebra com um grupo de mais quatro pessoas.
Tal encontro deu início às atividades do Comitê Internacional e Permanente de Socorro aos
feridos Militares, conhecido na época como Comitê dos Cinco ou Comitê de Genebra. Mais
tarde, a partir do ano de 1876, este se tornaria o Comitê Internacional da Cruz Vermelha
(ICRC, 2015).
O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, como foi
posteriormente denominado, também conhecido como Cruz Vermelha Internacional, é uma
organização de caráter humanitário que tem como missão promover assistência em situações
de emergência. No entender de Antônio Patriota, assistência humanitária seria as ações
1
ICRC em inglês, CICR em francês.
6
tomadas em prol da condição humana das pessoas, aplicando-se tanto a desastres sociais
provocados pelo homem como pela natureza (PATRIOTA, 1998). Essa assistência é feita pelo
Movimento Internacional através de serviços hospitalares e envio de mantimentos. A
neutralidade da Cruz Vermelha é garantida pelas normas de direito internacional humanitário
e os locais marcados com seus emblemas oficiais são invioláveis (STURGES, 1957). A Cruz
Vermelha Internacional é composta por três órgãos: (1) as sociedades nacionais, (2) a liga de
sociedades e (3) o comitê internacional (DEYRA, 2001).
As sociedades nacionais são organizações não governamentais (ONGs) que atuam no
país em que se encontram sediadas e cujo papel é definido legalmente pelas autoridades
locais. Suas atividades são realizadas por voluntários que prestam uma variedade de serviços
de bem-estar social, além de intervirem nos conflitos armados, fornecendo ajuda aos militares
doentes e feridos, prisioneiros de guerra, internados e refugiados (DEYRA, 2001). Algumas
das funções exercidas pelas sociedades nacionais extrapolam aquelas estipuladas pelo direito
internacional e o mandato do Movimento, o que propicia a expansão do campo de atuação das
mesmas.
A Liga de Sociedades da Cruz Vermelha é uma ONG internacional cuja função é
auxiliar na progressão da ação humanitária das sociedades nacionais (DEYRA, 2001).
Fundada em 1919, a experiência da recém-findada Primeira Guerra Mundial mostrou que as
sociedades nacionais deveriam cooperar mais estritamente, não apenas durante conflitos
armados, mas também em tempos de paz e em situações de desastre causadas pela natureza ou
pelo homem. A primeira tarefa da Liga foi auxiliar os países cujas populações mais sofreram
durante a Grande Guerra. Desde então, a organização tem realizado grande trabalho de ajuda
em tempo de paz quando calamidades levam à fome, à carência e à morte (NOBEL
INSTITUTE, 2014).
O Comitê é o órgão máximo da instituição, tendo como função monitorar a aplicação
das Convenções de Genebra em seus Estados-partes (PATRIOTA, 1998), e, por isso, tem
como principal foco as crises humanitárias provenientes de conflitos armados. É também
responsável por auxiliar nas atividades internas das sociedades nacionais e da Liga, provendo
recursos e coordenando missões; deliberar sobre os objetivos, estratégias e parâmetros que
guiam as atividades de cada membro da Cruz Vermelha Internacional; e representar o
Movimento em organismos internacionais.
7
O status legal do CICV é objeto de discussão doutrinária. Apesar de sua origem
privada, por ser uma instituição regida pelo código civil suíço, o CICV mantém relações com
diversos Estados e organismos internacionais, além de participar na produção e ser depositário
de instrumentos jurídicos em matéria de direito humanitário (DEYRA, 2001). Ademais, as
Convenções de Genebra têm garantido tratamento e funções especiais ao Comitê. Por conta
de tais fatores, muitos autores defendem que a Cruz Vermelha possui personalidade jurídica
internacional, configurando-se como uma organização internacional suis generis2 (SHAW,
2010). Entretanto, a doutrina clássica considera como sujeitos de direito internacional
somente os Estados, as organizações internacionais propriamente ditas e, em alguns casos, os
indivíduos. A personalidade jurídica do CICV ainda não é algo totalmente claro no ano de
1949.
O primeiro emblema oficial do movimento foi o de uma cruz vermelha sobre um
fundo branco, uma inversão de cores da bandeira suíça. Foi adotado já na primeira Convenção
de Genebra em 1864, assinada por países de maioria cristã. Na década seguinte o Império
Otomano viria a utilizar um emblema alternativo, de uma lua crescente vermelha, para
representar as nações islâmicas, que viria a ser oficializada na conferência diplomática de
1929, já após a desintegração do Império Otomano (KRIEGER, 2006). O terceiro e último
emblema oficialmente reconhecido é o leão e sol vermelhos, usado especificamente pela
Pérsia – atual Irã, que não se via representada por nenhum dos dois emblemas – e também
adotado nas Convenções de Genebra de 1929.
A problemática concernente aos emblemas é a de que, nas palavras do próprio CICV:
Infelizmente, os emblemas da cruz vermelha e crescente vermelho são às vezes
percebidos como tendo conotações religiosas, políticas e culturais. Isso tem afetado
o respeito pelos emblemas e diminuído a proteção que os emblemas oferecem às
vítimas e ao pessoal médico e humanitário3 (ICRC, 2006).
Diversas propostas de novos símbolos têm sido feitas desde os primórdios da Cruz
Vermelha Internacional, normalmente atreladas a ícones culturais dos países propositores. Há
de se destacar a Estrela de Davi Vermelha (Magen David Adom), organização aos moldes da
Cruz Vermelha criada em 1930 no atual território de Israel. Apesar de sua atuação, não é
2
Do latim, ―único em seu gênero‖.
Tradução
livre.
O
texto
original
encontra-se
no
seguinte
https://www.icrc.org/eng/resources/documents/faq/emblem-questions-answers-281005.htm#header.
3
link:
8
considerada parte da Liga de Sociedades e seu emblema não é reconhecido pelo Comitê, ainda
que isso tenha sido anteriormente proposto (BUGNION, 1989).
1.3 As Convenções de Genebra
Todas as ações da Cruz Vermelha têm como base as Convenções de Genebra – uma
série de tratados internacionais que visa regular os conflitos armados e proteger os direitos
dos não-combatentes. Acaba por se tornar parte integrante do ordenamento basilar do direito
internacional humanitário4, fazendo parte do corpo normativo do jus in bello. Com o passar
dos anos, as Convenções têm sido atualizadas para garantir a factibilidade e efetividade de
suas regras, bem como para ampliar a área de atuação das mesmas, expandindo sua proteção
para outras classes de indivíduos.
A primeira Convenção de Genebra foi elaborada por meio de uma conferência
diplomática em 1864, com o nome oficial de Convenção para o Melhoramento da Condição
dos Feridos das Forças Armadas em Campo (ICRC, 2004). Continha apenas dez artigos e foi
ratificada por 57 Estados. Nela se estabelecia o socorro aos soldados feridos sem distinção de
nacionalidade, assim como a neutralidade e inviolabilidade do corpo médico e dos
estabelecimentos marcados com o emblema da Cruz Vermelha (ICRC, 2015).
Colocar em prática as regras da Convenção seria uma tarefa difícil e a comunidade
europeia já perceberia isso na década seguinte. Nas palavras de Martti Koskenniemi (2004, p.
39):
O fracasso de ambas as partes da Guerra Franco-Prussiana de honrar a Convenção
de Genebra de 1864, incluindo o difundido uso indevido da insígnia da Cruz
Vermelha, perturbou profundamente os ativistas humanitários (tradução livre).
Inúmeras propostas foram feitas no decorrer do século XIX para revisar a Convenção
de 1864, sendo uma nova conferência convocada pelo governo suíço em 1906. A segunda
Convenção de Genebra, adotada em julho do mesmo ano, ampliava seu objeto de proteção
para os feridos e doentes das forças armadas tanto em batalha terrestre quanto marítima, sendo
mais detalhada e precisa em sua terminologia que a Convenção anterior, com trinta e três
artigos divididos em oito capítulos (ICRC, 2015).
A deflagração da Primeira Guerra Mundial e suas consequências fizeram com que a
aplicação da Convenção de Genebra de 1906 fosse contestada, para então ser substituída por
4
Para mais informações sobre o direito internacional humanitário, vide o tópico 4 infra.
9
duas novas Convenções produzidas em 1929. A primeira ainda tratando dos doentes e feridos
em campo de batalha, sem muitas alterações em comparação à de 1906, e a segunda relativa
ao tratamento dos prisioneiros de guerra, uma demanda emergente tendo em vista que os
demais tratados sobre o tema continham brechas e deficiências (ICRC, 2015).
O estatuto do prisioneiro de guerra instituído pela segunda Convenção de 1929
apresentava, de acordo com Cançado Trindade (1989, p. 16):
nítidos avanços, quais sejam: o estabelecimento de um controle exercido pelas
chamadas potências protetoras (e complementado pela atuação do Comitê
Internacional da Cruz Vermelha), a proibição de represálias contra pessoas
protegidas, a regulamentação das condições de trabalho e das sanções penais.
Apesar dos avanços trazidos pela última Convenção, a Guerra Civil Espanhola e a
Segunda Guerra Mundial trataram de mostrar que a prática muito se distanciava do ideal
teórico, e que o texto ainda apresentava falhas. Portanto
cedo pareceu que devia ela ser revista em muitos pontos, a saber: ampliar o círculo
de pessoas em condições de valer-se da qualidade de prisioneiros de guerra em caso
de captura; assegurá-la aos membros dos exércitos; estabelecer com mais precisão o
regime do cativeiro; evitar que os prisioneiros de guerra se vissem arbitrariamente
privados de tal condição (TRINDADE, 1989, p. 21).
As duas guerras mundiais ocorridas no início do século XX muito se aproximaram do
conceito de guerra total. Isto ficou mais evidente na Segunda, em que a tortura e morte dos
prisioneiros de guerra, desrespeito aos locais marcados como neutros, transferências forçadas,
violência sexual e massacre de civis iam contra todos os preceitos das normas de direito
humanitário vigentes (MATTOS, 1964).
Mesmo com os esforços dos Estados comprometidos com a implementação das
Convenções de Genebra e das ações do CICV, a Segunda Guerra Mundial provou que as
normas de direito humanitário carecem de efetivação. Intensificou-se a discussão de, que não
somente aqueles envolvidos diretamente no combate devem ter seus direitos protegidos, mas
também os civis, que são as maiores vítimas dos conflitos. Além disso, o número pequeno de
Estados-partes das Convenções – as de 1929 foram ratificadas por pouco mais de 60 Estados
– torna muito difícil a ampla aplicação do direito humanitário e limitada a atuação do CICV.
É possível notar que cada nova Convenção de Genebra expande o regime de proteção
a outras categorias de vítimas dos conflitos armados. A primeira tratou dos feridos e doentes,
10
enquanto a segunda inclui os náufragos e a terceira abrange os prisioneiros de guerra. Faz-se
necessário, então, que uma nova Convenção seja elaborada para incluir a população civil no
escopo de proteção do direito de Genebra (SWINARSKI, 1989), em consonância com a
realidade do pós-guerra, garantindo meios eficazes para sua aplicação.
2. Contexto político
O Direito Humanitário não teve um surgimento espontâneo no cenário internacional e
a deliberação para sua fortificação em 1949 não foi nenhuma coincidência. Mesmo a história
da criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a partir dos anseios humanitários de
Henry Dunant em meados do século XIX, só foi possível graças a cenários estruturais claros
para a mobilização política de diferentes instituições, o que obviamente não seria diferente na
reunião em Genebra em 1949. A primeira metade do século XX viu uma sequência de
desastres humanitários em números antes inimagináveis. Para isso, conflitos como a Primeira
Guerra Mundial, a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial foram cruciais para
construir o contexto político e o imaginário social que levaram à reunião de 1949.
Cada uma dessas guerras demonstrou facetas da racionalidade moderna e de seus
alcances de uma forma crua e extremamente impactante. Nesse caso, os efeitos materiais
desses conflitos agiram de forma intimamente relacionada aos efeitos simbólicos deles. Ainda
assim, embora seja clara a inter-relação entre ambos como causas históricas do cenário
sociopolítico global pós-1945, também se podem notar algumas aproximadas divisões entre
suas consequências.
Enquanto os efeitos materiais levaram à decadência europeia, à ascensão dos Estados
Unidos (e posteriormente da União Soviética) e o começo da Guerra Fria, os efeitos
simbólicos também contribuíram para mudanças de mentalidade em diversas partes do
mundo. O impacto causado pelas trincheiras, pelo gás-mostarda, pelo ―Little Boy‖ e pelos
números de milhões de mortos (entre civis e militares) que preencheram as guerras da
primeira metade do século XX alterou a forma como era visto o mundo, se não pelos
tomadores de decisão, pelo menos por parte da opinião pública, que, de acordo com alguns
11
autores, tinha voz e certo peso em questões humanitárias desde o século XIX 5. Assim, é
deveras importante analisar as causas históricas que levaram à conjuntura mundial das
reuniões do CICV em 1949 e compreender as dinâmicas políticas que fizeram o ambiente das
discussões da conferência, em diferentes dimensões.
Os conflitos anteriormente citados haviam levado a diferentes tensões internacionais
no pós-1945, mas também haviam escancarado os extremos da guerra. As Convenções de
Genebra anteriores haviam fracassado em conter os fenômenos ocorridos na Segunda Guerra
Mundial, cujas violações a preceitos internacionais – tanto por vencedores quanto por
vencidos – geraram inúmeros impactos na dinâmica internacional. Por consequência, pode-se
claramente perceber que o período que precedeu as discussões do CICV em 1949 foi
fundamental para mudar a questão da guerra e possibilitar uma reunião como essa, para
continuar os esforços iniciados já em 1863. Para as discussões, compreender o contexto
político e, além disso, a mentalidade da época é imprescindível para uma deliberação coerente
com o que se pretende para o futuro das Convenções de Genebra e das ações da Cruz
Vermelha nos conflitos do pós-Guerra, pois, já em 1949, havia conflitos e tendências dignos
de atenção por parte dos Estados.
2.1 A Primeira Guerra Mundial e os “Vinte Anos de Crise
A percepção do quão questionável é a divisão entre ―civilização‖ e ―barbárie‖
provavelmente chegou a seu ápice com as duas Guerras Mundiais, no começo do século XX.
A Primeira, de 1914 a 1918, representou o primeiro choque da autodenominada civilização,
centrada na Europa e no Estado Nacional, contra ela mesma. A discussão acerca de suas
causas é enormemente extensa e cabe pouco aqui dissertar sobre elas. Entretanto, é importante
ressaltar o papel que a Primeira Guerra teve na polaridade do poder mundial. Comumente,
coloca-se o conflito como o começo do deslocamento do eurocentrismo para polos fora da
Europa, no caso, os Estados Unidos. Tendo começado no velho continente e tido como
principal palco os campos de batalha europeus, a Primeira Guerra deixou um continente
devastado ao final. Ao todo foram 10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos, derrotados
em esquemas e táticas nunca antes vistos (tanques, trincheiras e armas químicas foram usados
de forma inovadora, entre outros). Por esse motivo, a ação da Cruz Vermelha teve de ser
intensa e intensamente ampliada (HOBSBAWN, 2000; ICRC, 2016).
5
Uma análise detalhada de intervenções com justificativa humanitária no século XIX é feita por Finnemore
(1996).
12
Em seu fim, a ―guerra de trincheiras‖ e a de movimento deixaram a Europa devastada.
Sua existência demoliu o padrão-ouro que, embora tenha possuído uma sobrevida nos
primeiros anos após a guerra, logo foi abandonado, aumentando a instabilidade dos mercados
globais e, consequentemente, facilitando a futura Quebra da Bolsa de Nova Iorque e a Crise
de 1929. Assim, os impactos humanos, sociais, políticos e econômicos da Primeira Guerra
foram imensos, o que é dedutível dadas as inesperadas proporções que a guerra – ainda que
majoritariamente europeia – tomou. A guerra, reflexo do nacionalismo, do industrialismo
impulsionado pelo capitalismo monopolista-financeiro, do imperialismo e do uso de exércitos
massivos, havia trazido consigo, por sua intensidade e duração, grande sofrimento e revolta
por parte da população civil, o que foi refletido no aumento dos grupos de esquerda e no
estabelecimento, ao final da guerra, de repúblicas. Consequentemente, a Primeira Guerra
Mundial é frequentemente vista como uma quebra nas estruturas do século XIX (donde a
análise de Hobsbawn sobre o ―começo‖ do século XX) (HOBSBAWN, 2000).
A partir dessas tendências, seguidos à Guerra, logo vieram os ―Vinte Anos de Crise‖
de E. H. Carr. Neles, a continuidade do nacionalismo como elemento principal de diferentes
grupos, a crise econômica e tendências sociais diversas levaram a fenômenos políticos
distintos em vários países, muitos deles ainda com democracias muito recentes ou, inclusive,
com existências tenras. Esses fatores, a partir de uma situação de significativa instabilidade
política, levaram à escada de regimes fascistas ou com similaridade ao fascismo em alguns
países, o que viria a ser um elemento fundamental nas dinâmicas dos próximos conflitos
europeus até 1945.
A proposta de organização social intrinsecamente relacionada aos fascismos, ao
mesmo tempo em que concedia à burguesia segurança econômica, foi apoiada em alguns
Estados como reação ao liberalismo republicano, à Social Democracia e ao crescimento das
esquerdas. O apogeu do autoritarismo nessa época gerou, como exemplos mais famosos o
nazismo hitlerista na Alemanha, que subiu ao poder em 1933, e o fascismo italiano,
encabeçado por Benito Mussolini, que subiu ao poder em 1922. Entretanto, outras agitações
políticas levaram os projetos do autoritarismo ultranacionalista a outros países. A mais
sangrenta dessas disputas eclodiu na Espanha, em 1936 (HOBSBAWN, 2000).
2.2 A Guerra Civil Espanhola
A Espanha havia perdido seu brilho de potência mundial havia séculos. Após a derrota
da Armada e a decadência de seu Império Colonial, agravada com a Independência da
13
América Espanhola no começo do século XIX, a Espanha enfrentou conturbações liberais
(nas chamadas Guerras Carlistas), mas continuou, como alguns setores mais periféricos da
Europa, essencialmente agrária e retrógrada. Não à toa, foi facilmente derrotada pelos Estados
Unidos, potência em ascensão, em 1898, na Guerra Hispano-Americana, tendo perdido, por
exemplo Cuba, Porto Rico e as Filipinas (GRAHAM, 2013).
Assim, ao longo do século XX cresceram desejos de mudança e modernização por
parte de pequenos grupos que começavam a surgir, como uma tímida burguesia e a classe
operária, de forma semelhante à Rússia Czarista, também duramente combatidos pela Igreja e
por setores cada vez mais conservadores do exército. Dessa forma, o que se viu nas primeiras
décadas do século XX foram uma tendência à radicalização ideológica e crescimento de
movimentos operários na Espanha, principalmente após a Primeira Guerra Mundial, durante a
qual a Espanha permaneceu neutra e pôde desenvolver um pouco sua indústria, levando ao
crescimento das classes urbanas. Ao mesmo tempo, a escalada das ideias autoritárias e
totalitárias no mundo também repercutiu na Espanha, especialmente nos militares, liderados
por Francisco Franco (GRAHAM, 2013).
Com a Quebra da Bolsa de Nova Iorque, era de se esperar que a situação espanhola se
agravasse. Eis que em 1933 foi proclamada a República. Entretanto, a prévia radicalização de
diversos movimentos apenas perpetuou a discórdia e dificultou qualquer avanço significativo
nos próximos anos. As três principais correntes, o reformismo republicano (inspirado por
modelos como da França e do Reino Unido), o socialismo revolucionário (inspirado pela
URSS) e o autoritarismo fascista (inspirado pela Itália e pela Alemanha), por serem
fundamentalmente diferentes, estagnaram as discussões políticas no país (GRAHAM, 2013).
A grave situação política foi suficiente para uma sublevação de setores militares
liderados pelos generais Cabanellas, Goded, Queipo de Llano e Franco, que conseguiram
apoio principalmente nas áreas rurais e cidades médias, bem como por parte da burguesia e da
aristocracia detentora de terras. Do outro lado, uniram-se diferentes facções que, por diversos
motivos, tinham como objetivo defender a república e combater os fascistas, concentradas nos
principais núcleos urbanos e industriais. Em muitos casos, a escolha de um lado também foi
meramente geográfica, dado que cada polo controlava regiões diferentes (GRAHAM, 2013).
Logo a comunidade internacional tomou consciência do que ocorria na Espanha.
Embora tenha havido uma concordância em manter a neutralidade e impedir a chegada de
reforços e material para qualquer um dos lados, diversos países se imiscuíram no conflito. A
14
Alemanha e a Itália se mostraram as principais fontes de apoio aos rebeldes, que também
contaram com Portugal e alguns integrantes das burguesias inglesa e estadunidense. A União
Soviética, por sua vez, apoiava os republicanos, que também eram amparados por uma
brigada de voluntários majoritariamente comunistas provenientes de diferentes países
(GRAHAM, 2013).
Em pouco tempo, a Espanha se viu transformada em um campo não apenas de batalha,
mas também de testes entre algumas das maiores potências militares da época. Armas
químicas, tecnologias de artilharia e tanques, entre outras, foram usadas ferozmente durante
três anos. Destaca-se que, mesmo em uma situação de ódio mútuo, ambos os lados
concordaram com a participação da Cruz Vermelha do campo de batalha. Como diz
Asurmendi (2005, p. 15, tradução livre):
O papel da Cruz Vermelha Espanhola no período em que durou a Guerra Civil
Espanhola não se restringia a curar os doentes, pois também ajudou a unir famílias
separadas, por em contato as pessoas exiladas e repartir alimentos e medicação que
vinham de outros países. Ademais, estabeleceu zonas de segurança que eram
respeitadas por ambos os lados, o que talvez tenha sido um dos maiores sucessos do
CICV.
Assim, pode-se considerar que a Guerra Civil Espanhola foi, principalmente, um
ensaio do que viria a ser a Segunda Guerra Mundial, a eclodir no mesmo ano do fim do
conflito na Península Ibérica.
2.3 A Segunda Guerra Mundial
Quando, em 1º de setembro de 1939, a Alemanha nazista invadiu a Polônia, o conflito
que definiria o futuro do século XX se iniciava. Entretanto, não tanto a importância do
conflito, mas sim suas dimensões e eventos são mais fundamentais para a análise dos
resultados e do destino do Comitê Internacional da Cruz Vermelha após 1945 (HOBSBAWN,
2000). Afora os já conhecidos macro acontecimentos da guerra, como o Blitzkireg, a tomada
de Paris, a quebra do Pacto Nazi-Soviético, o ataque a Pearl Harbor, a Solução Final,
Stalingrado, Hiroshima, Terrã, Yalta e Potsdam; o campo de batalha teve inúmeras nuanças
que exigiram a ação do CICV de forma intensa. A guerra tomou forma em todos os
continentes e foi direcionada a civis de maneira nunca antes vista. Além disso, ocupou
oceanos e o cenário aéreo. Consequentemente, a mobilização dos diversos escritórios da Cruz
Vermelha teve de ser igualmente intensa - não apenas no campo de batalha e nas prisões, mas
15
também nos núcleos civis mais afetados pelas economias de guerra (História do CICV...
2016).
Essas mobilizações, ainda assim, não foram satisfatórias e, por diversos entraves
legais, a Segunda Guerra Mundial é considerada pela Cruz Vermelha um grande fracasso.
Impedimentos de países beligerantes ao acesso a prisioneiros de guerra e inação com relação
ao sofrimento de civis em áreas ocupadas e campos de concentração foram os principais
problemas enfrentados pelo CICV. Atrocidades cometidas por ambos os lados foram
amplamente executadas perante uma impotente Cruz Vermelha. Em 2005, a instituição
afirmou que ―[Auschwitz] representou o grande fracasso da história da Cruz Vermelha,
agravado pela falta de determinação em tomar atitudes para ajudar as vítimas
da perseguição nazista‖ (SANCHEZ, 2009).
De fato, dos aproximadamente 50 milhões de mortos durante o conflito, 14 milhões
encontraram seu destino nos campos de concentração alemães: pela primeira vez, o número
de mortes civis foi maior que o de soldados. Contudo, a Segunda Guerra Mundial também foi
uma das causas fundamentais, não apenas da conferência do CICV em 1949, mas de todo o
contexto que circundava essa reunião. As nações vencedoras começaram a definir os rumos
que o mundo pós-guerra tomaria antes do fim do conflito: a Conferência de Teerã e a Carta do
Atlântico já definiam as bases do que seria a paz. A Carta do Atlântico definiu as Nações
Unidas como o grupo que lutava contra o Eixo, e, em 1943, a Conferência de Teerã contribuiu
para esses projetos. Ao final da guerra, a Conferência de São Francisco formalizou a criação
de uma organização internacional mais forte que a falecida Liga das Nações: a Organização
das Nações Unidas. No mesmo ano, tinham início os julgamentos acerca do destino de vários
indivíduos ligados à prática nazista, no Tribunal de Nuremberg. Nele, juízes escolhidos pelas
nações vencedoras definiram o destino de habitantes de outro país (AQUINO, 2010).
2.4 A política internacional no pós-guerra
A política internacional no ano de 1949 pode ser vista como permeada por duas
tendências de sentidos aparentemente opostos: cooperação e divisão. Ao final da Guerra, o
mundo todo estava em choque com as atrocidades reveladas pelos vencedores acerca das
práticas dos vencidos, em especial do regime nazista. O Holocausto foi o fenômeno principal
de um grupo extenso de sofrimento de civis durante a guerra. Por esse motivo, logo após o
conflito, a comunidade internacional mobilizou-se de várias maneiras em torno de uma
cooperação de caráter multilateral e regional (MINER, 2005).
16
Consequentemente, houve um boom no surgimento de regimes e organizações no
período: já em 1944, a Conferência de Bretton-Woods consolidou um novo regime econômico
internacional, tendo as instituições derivadas do acordo surgido nos anos posteriores, como o
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Mundial. A Carta das Nações Unidas foi assinada em 1945, criando uma organização
de caráter mundial que busca estabelecer-se de forma ativa na política internacional e não
repetir o fracasso da Liga das Nações. Em 1947, fruto de uma série de debates
interamericanos desde o século XIX, foi assinado o Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca, e um ano depois foi criada a Organização dos Estados Americanos (OEA),
compreendendo todo o continente (MCDOUGAL, 1997).
Ademais, uma das principais criações para o direito internacional e para as relações
internacionais acerca da universalidade de regras e princípios – os Direitos Humanos – foram
oficialmente estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse sentido, foi defendida a ideia de que
todos os seres humanos, independentemente do Estado a que pertencem – e,
consequentemente, das normas e do poder a que estão sujeitos – possuem um conjunto de
direitos básicos universais, que deviam, entretanto, ser aceitos pelas nações como forma de
solidificar essa premissa. A partir dela, a lógica das ―intervenções humanitárias‖, como define
Finnemore (1996), foi bem diferente daquelas vistas no século XIX, que se caracterizavam
por ações geralmente unilaterais ou brevemente discutidas internamente, sob condições e
retóricas específicas.
A ferida das Guerras, que deixaram uma Europa em crise, decadente e em ruínas,
ainda não havia cicatrizado. As imagens e acontecimentos estavam vivos na população, que
viveu aquilo na pele, incluindo os tomadores de decisão. O presidente dos Estados Unidos,
Harry Truman, e o Primeiro-Ministro Britânico, Clement Attlee, por exemplo, estiveram na
Primeira Guerra Mundial, entre diversos outros líderes da época. A guerra adquiria
significados diferentes por parte de muitos, e, independentemente da influência que o
imaginário social teve na política, é fato que a Segunda Guerra causou fortes tendências
agregadoras na sociedade internacional.
Contudo, em 1949 o sistema internacional via claras tendências desagregadoras. Os
ataques a Hiroshima e Nagasaki, que puseram fim à Segunda Guerra, trouxeram à tona um
dos maiores medos das próximas décadas: uma guerra de proporções mundiais nucleares.
17
Além disso, no plano político, o armamento nuclear trouxe uma nova dimensão do poder das
potências mundiais. O que se veria nos primeiros anos da Guerra Fria, portanto, seria uma
busca pelo desenvolvimento da tecnologia bélica nuclear. Entretanto, até o momento do
começo da reunião em Genebra, apenas os Estados Unidos fizeram um teste nuclear. Sabe-se,
no entanto, que a União Soviética busca a mesma tecnologia (MCDOUGAL, 1997).
Cada vez mais, desde o final da Guerra, o mundo rumou à bipolaridade, e diversos
eventos apresentaram atritos entre as duas Superpotências vencedoras. Em 1946, uma Guerra
Civil estourou na Grécia, tendo de um lado o governo, apoiado pela burguesia internacional,
e, de outro, insurgentes comunistas. Até a data do comitê, 21 de abril de 1949, o conflito não
se resolveu. Além disso, em 1948, a União Soviética levantou um bloqueio sobre Berlim, por
ter controle sobre a Alemanha Oriental, onde Berlim está incrustada, dificultando as ações dos
Estados Unidos e do Reino Unido no local. O bloqueio ainda persiste (MCDOUGAL, 1997).
Por esses e outros fatores, é possível compreender a rápida polarização e desagregação
do espírito cooperativo observado durante a Segunda Guerra Mundial. Há uma clara tendência
à polarização ideológica e/ou política do mundo. Nos Estados Unidos, a Doutrina Truman
definia bases para uma ―luta internacional contra o comunismo‖ e, em quatro de abril de
1949, 17 dias antes da reunião do CICV, foi oficialmente fundada a Organização do Tratado
do Atlântico Norte, fruto das tendências agregadoras e desagregadoras da época: além de
organizar-se em um bloco em torno de um dos dois polos que se formavam, a OTAN
representava uma iniciativa de cooperação regional que também via a Alemanha como
ameaça, à época (MCDOUGAL, 1997).
Além disso, outra tendência começava a se fazer presente na dinâmica internacional.
Após duas guerras mundiais centradas na Europa, as principais potências coloniais estavam
em crise. Na Ásia, antigos movimentos nacionalistas, existentes pelo menos como
movimentos de resistência, ganharam força absoluta e relativa crescentes no rumo de
independências formais e materiais dos países europeus. Ademais, as próprias colônias foram
levadas a lutar durante as duas Guerras Mundiais, o que contribuiu para formar nos habitantes
uma mentalidade de igualdade e nacionalismo. Dessa forma, no ano de 1949, diversos novos
países emancipados já haviam surgido no sistema internacional, como a Índia e a Síria, e
diversos outros já possuíam fortes grupos de oposição ao colonialismo (AQUINO, 2010).
2.5 A Guerra Civil Chinesa
18
Assim como a Rússia e a Espanha, a China vinha tendo algum crescimento industrial
possibilitado pelo baixo preço da mão de obra de um país há muito rapinado pelo
imperialismo europeu, estadunidense, japonês e russo; mas ainda continuava como um país
massivamente agrário. Sob a liderança de Mao Tsé-Tung, a ideologia comunista se espalhou a
partir da década de 20 pelas massas de camponeses empobrecidos do interior da China, já
após o Império e durante a República (SILVA, 2004).
O Partido Comunista e seus adeptos cresceram de tal forma que, entre 1927 e 1937,
protagonizaram uma Guerra Civil contra a República, liderada pelo partido nacionalista
Kuomintang (SILVA, 2004). A insurreição não conseguiu seu objetivo e, aproveitando uma
situação de fragilidade chinesa, o Japão de Hirohito invadiu a Manchúria em 1931 e buscou
dominar o país a partir de 1937. A partir desse momento, ambas as facções se
comprometeram em expulsar o exército nipônico, tendo os comunistas feito a maior parte do
trabalho e do esforço. Em 1946, após a guerra ter acabado, começou-se uma nova Guerra
Civil, com diversos ataques do Kuomintang, o principal recebedor dos apoios dos outros
países durante a Segunda Guerra (COGGIOLA, 1985).
Embora o Kuomintang tivesse o controle do Governo formal e, consequentemente, do
exército, seu baixo apoio popular e a autonomia ganhada nas regiões de maioria comunista
durante a Guerra facilitaram o avanço de Mao. Entretanto, a Guerra continuou intensa. ―Em
1948, o Exército Popular de Libertação passou à ofensiva na Manchúria, no Norte e na China
Central. Na Conferência de Hopei do PCC – em junho de 1948 - Liu Shao-chi, recémchegado de Moscou, desaconselhou (provavelmente "inspirado" por Stalin) uma rápida vitória
militar‖ (COGGIOLA, 1985). Em janeiro de 1949, os comunistas tomaram Pequim, e a
situação no país é, na data do comitê, preocupante. O país vive um período de guerra
praticamente ininterrupto desde 1927 e, encabeçado por Chiang Kai-Shek o governo, membro
permanente da Organização das Nações Unidas, está desestabilizado. A inflação e a fome têm
sido intensas.
2.6 A Guerra Árabe-Israelense
Já no extremo Oeste da Ásia, outro conflito tomou forma em 1948. Após a
fragmentação do Império Otomano, o Oriente Médio foi passado a administração britânica e
francesa. Isso, aliado às crises do pós-Primeira Guerra, contribuiu para reforçar sentimentos
nacionalistas e anti-europeus. Em 1928, foi fundada no Egito a Irmandade Muçulmana, que
contribuiu para o desenvolvimento do pan-islamismo. Concomitantemente, ideias pan19
arabistas também surgiam entre os povos da região, sem, entretanto, nenhum resultado no que
diz respeito à formação de um Estado unificando os povos árabes (CHEMERIS, 2002).
Ao mesmo tempo, outro povo, com outra tradição monoteísta, ganhava presença na
região. O movimento sionista levava inúmeras famílias de judeus para a Palestina, região de
mandato britânico. O Reino Unido, por sua vez, buscou manejar a situação apoiando tanto
representantes árabes quanto judeus, mas, em 1936, houve um levante árabe contra a presença
judaica e britânica. Com a guerra, a imigração judaica aumentou mesmo tendo sido limitada
formalmente pelo Reino Unido. Assim, forças paramilitares judaicas aumentaram e atritos se
intensificaram (PROCON.ORG, 2016).
O Reino Unido, ao final da Guerra, viu-se incapaz de lidar com a situação e anunciou,
em 1947, sua saída do local e a entrega do mandato às Nações Unidas, ação essa apoiada
pelos Estados Unidos e pela União Soviética, que adotavam políticas externas de
favorecimento à descolonização. Em 1948, a ONU anunciou um plano de partilha para dois
Estados e uma cidade internacional, Jerusalém. As condições desproporcionais entre a
população e o território – os judeus, representando aproximadamente um terço da população,
receberam mais da metade do território – dificultaram a aceitação da proposta, ademais,
séculos de exploração e colonização impediram a formação de um Estado Palestino
(CHEMERIS, 2002).
Israel, por sua vez, foi logo constituído e favorecido por capital privado de magnatas
judeus. A proposta, rejeitada, levou a uma declaração de guerra por parte de alguns Estados
árabes: Egito, Iraque, Jordânia, Síria e Líbano. Já no começo da guerra, em 1948, foi fundado
o primeiro centro de trabalho do CICV na região, para o desenrolar do conflito. Com relação
ao jogo de forças, Israel ganhou e, até a data da conferência, assinou armistícios com todos, à
exceção da Síria (ICRC, 2016; PROCON.ORG, 2008).
2.7 A Independência da Indochina
O colonialismo Europeu no século XIX expandiu-se de forma voraz pela África e pela
Ásia, não só em termos de extensão de área como também de intensidade colonizadora.
Britânicos, franceses, alemães, belgas, neerlandeses, italianos e, é claro, espanhóis e
portugueses ampliaram suas possessões por todo o globo, estabelecendo diferentes regimes
para diferentes territórios com diferentes graus de autonomia. O imperialismo francês chegou
à Indochina na metade do século XIX e estabeleceu lá um regime colonial. Entretanto, com a
20
Segunda Guerra Mundial, outra potência, há tempos interessada na região, invadiu e
substituiu o domínio na região: o Império Japonês, facilitado pelo estabelecimento de um
governo aliado ao Eixo na França de Vichy (AQUINO, 2010).
Nesse contexto, o Vietnã foi o primeiro país a desenvolver mais fortemente um projeto
de independência, a partir dos esforços de Ho Chi Minh com a fundação do Viet Minh, a Liga
para Independência do Vietnã. Entretanto, o país fora alvo de pretensões de dominação por
séculos, por diferentes países, principalmente a China. Durante a Guerra, não foi diferente, e
diversos exércitos aliados que buscaram a expulsão dos Japoneses de suas colônias na Ásia
acabaram fazendo presença na Indochina. Assim, quando os franceses buscaram reaver suas
colônias, estabeleceram um acordo com o Viet Minh para facilitar seus interesses e retirar os
chineses, que saíram com uma negociação com os franceses, ao passo em que, no Camboja, o
movimento Lao Issara buscou estabelecer um governo (HAYS, 2008).
Com isso, O Vietnã passou a ter um status de autonomia maior em relação à França e
em relação ao resto da Federação Indochinesa – Laos e Camboja, este já sem o poder do Lao
Issara, refugiado na Tailândia. Entretanto, problemas nas negociações levaram ao começo de
uma revolta no Vietnã, iniciando a Primeira Guerra da Indochina opondo a França à chamada
República Democrática Vietnamita, declarada na época. Ao mesmo tempo, outros
movimentos nos territórios vizinhos se opunham ao domínio francês (HAYS, 2008).
Em 1947, com supervisão francesa, o Laos aprovou uma constituição e se tornou um
Reino dentro da Federação Indochinesa, submetida ao jugo francês. Entretanto, a violência
continuava no Vietnã, principalmente, e fez-se necessária uma ação da Cruz Vermelha,
presente em Saigon (atual Ho Chi Minh) desde 1945, em relação aos prisioneiros de guerra de
ambos os lados, a partir de 1947 (TRUNINGER; BUGNION, 1994).
3. Questões jurídicas
3.1 As fontes no Direito Internacional
Um dos temas mais trabalhados no Direito, especialmente em obras de filosofia do
Direito ou de teoria geral do positivismo jurídico, é o referente às ―fontes do direito‖. Trata-se
de uma metáfora para o estudo das origens ou do substrato sociocultural que embasam as
normas jurídicas positivadas em decretos, leis, acordos e tratados ou aplicadas em decisões
21
judiciais. É importante aqui fazer-se uma diferenciação entre as fontes materiais e as fontes
formais, sendo estas as que serão explanadas nesta seção.
Quando falamos em fontes materiais do Direito, nos referimos ao substrato cultural e
sociológico observado em uma determinada comunidade em um determinado período que
influi no conteúdo das normas jurídicas ali em vigor. Trata-se da noção de valores, como do
que é ―justo‖, do que é ―correto‖, cultivada por determinada sociedade, positivada
(institucionalizada e formalizada) na norma jurídica. Em resumo, as fontes materiais dizem
respeito aos fatores (morais, sociais, ideológicos) que determinam o conteúdo das normas. A
tendência é que as normas se atualizem à medida em que uma sociedade vai alterando seus
costumes e tolerâncias. Embora as fontes materiais da norma não sejam o ponto chave desta
seção, elas ganham especial importância no estudo das fontes do Direito Internacional quando
explanarmos determinadas espécies de fontes formais: os costumes e os ditos ―princípios
gerais do Direito‖.
Por sua vez, as fontes formais – que serão detalhadas em espécie nesta seção – são
aquelas caracterizadas pela exteriorização da vontade das partes (MEIRA MATOS, 1996). As
fontes formais dizem respeito aos instrumentos jurídicos positivados que dão concretude ao
conteúdo das normas. No Direito Internacional, o exemplo mais clássico de fonte formal é o
tratado internacional, que estabelece os direitos e deveres – ou seja, o conteúdo – que podem
ser exigidos ou invocados pelos seus signatários. Em um exemplo local, o Juiz de Direito
deve recorrer à lei como fonte para que suas decisões sejam válidas, somente na ausência de
lei específica é que poderá recorrer às demais fontes do direito. Em uma metáfora meramente
imagética, pode-se dizer que as fontes materiais representam o remédio e a fonte formal é a
seringa, instrumento que exterioriza o conteúdo da norma, que, positivada, passa a ser válida
no mundo jurídico.
As fontes formais do Direito Internacional positivo estão previstas no art. 38 do
Estatuto da Corte Internacional de Justiça, promulgado em 1945, tendo por referência o rol já
adotado pelo Estatuto da Corte Permanente de Haia (KRIEGER, 2004):
Artigo 38
A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem
submetidas, aplicará:
a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Estados litigantes;
22
b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
Sobre o citado Art. 596, este diz respeito à abrangência das decisões da CIJ, no sentido
de que essas somente vincularão as partes daquele caso específico. Ainda assim, é sabido que
os precedentes da Corte muitas vezes são de substrato para embasar um ou outro
posicionamento ou decisão que a corte venha a adotar, e, por isso, a jurisprudência – os
precedentes da Corte – são considerados uma fonte de Direito Internacional. Por sua vez, a
doutrina, como compilado de estudos e tratados acadêmicos, acrescem em rigor científico às
decisões da Corte e às demais fontes formais do Direito Internacional, principalmente no que
tange à interpretação de tratados e outras normas positivadas.
Ainda que não esteja prevista uma hierarquização entre essas diferentes fontes, ela foi
construída pela doutrina ao longo do tempo, que vê os tratados internacionais, os costumes e
os princípios gerais do direito como fontes formais principais e a doutrina e a jurisprudência
como fontes subsidiárias, aplicáveis somente na insuficiência das espécies principais
(KRIEGER, 2004; SILVA, 2010; BROWNLIE, 1997).
Se a tendência na idade contemporânea é a positivação das normas, para que delas se
extraia publicidade, universalidade e segurança jurídica para os jurisdicionados, o seu paralelo
no Direito Internacional são os tratados multilaterais, em principal os de grande alcance, que
buscam os mesmos efeitos a seus sujeitos signatários; não por outro motivo, os tratados
internacionais ganham capítulo próprio neste trabalho, a fim de que fique evidenciada a
importância jurídica dessa fonte – principalmente no pós-Segunda Guerra –, que poderá ser
um instrumento indispensável na costura das novas convenções a serem elaboradas pela
CICV.
6 Artigo 59 - A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão
(Estatuto da Corte Internacional de Justiça).
23
Seguindo o rol do art. 38, o costume internacional configura, historicamente, uma
relevante referência normativa para o Direito Internacional. Ao contrário do senso comum, a
capacidade do costume internacional se impor como norma provêm não de sua longevidade
enquanto tradição7, e sim de sua elevada taxa de cumprimento por parte dos respectivos
destinatários (BACELAR, 2005), conforme o próprio texto do Estatuto da CIJ: ―prova de uma
prática geral aceita como sendo o direito‖; em outros termos, a alta difusão de certo costume
entre os sujeitos de Direito Internacional eleva-o ao status de norma jurídica e, logo, dá-lhe
coercitividade.
Cabe aqui relembrar que, ao longo do século XX, principalmente no pós-Segunda
Guerra, assistiu-se a uma tendência à codificação e à positivação8 da normais jurídicas,
inclusive dos tratados multilaterais, que, à medida em que vão se diversificando e se
especializando, ocupam o lugar dos costumes, seja para modificá-los, seja para positivá-los
em letra de lei.
3.2 Direito dos Tratados
Os tratados internacionais são considerados por alguns autores como a principal fonte
do direito internacional, exatamente por ser uma fonte de forte capacidade de abrangência e
de vinculação. Um único tratado pode, e em geral o faz, atingir dezenas de países, atrelando
centenas de milhões de pessoas. Logo, vê-se por que nos anos pós-Segunda Guerra a
sociedade internacional depositava tanta esperança nos tratados como instrumento capaz de
promover as bases de um direito internacional comunitário, ainda que as experiências
anteriores não tivessem obtido os resultados esperados.
São muitos os conceitos do que seriam tratados/convenções no âmbito do Direito
Internacional, e aqui é contemplado o do professor Jorge Miranda, que contempla os
principais aspectos e pressupostos de validade:
7
―Relativamente à exigência de uma duração longa dos costumes internacionais, está completamente posto de
parte o requisito da imemoralidade, por força da velocidade das mudanças que vão ocorrendo na sociedade
internacional, que na maior parte dos casos são incompatíveis com uma lenta formação de costumes
internacionais‖ (GOUVEIA, 2005, p. 105)
8
Quando falamos em codificação e positivação da norma, fazemos referência à tendência ao registro escrito e
publicação oficial das leis, decretos, acordos, tratados e demais modalidades de normas jurídicas; ao cuidado
com a forma e com o procedimento como requisitos de validade das leis. Atualmente, a codificação e a
publicação das normas jurídicas podem parecer algo elementar, mas há de ter em consideração de que, no Século
XIX e início do Século XX, a práxis diplomática é marcada por acordos diplomáticos secretos, especialmente os
de natureza bélica. Além disso, àquela época, o Estado não cultivava uma noção de república ligada à
publicidade e transparência dos atos e feitos oficiais, como ocorre hoje na maioria das repúblicas ocidentais.
24
Por tratado ou convenção internacional entende-se um acordo mútuo de vontades
entre sujeitos de Direito Internacional constitutivo de direitos e deveres ou de outros
efeitos nas relações entre eles; ou, de outra perspectiva, um acordo de vontades entre
sujeitos de Direito Internacional, agindo enquanto tais, de que derivam efeitos
jurídico-internacionais ou jurídico-internacionalmente relevantes, tendo por objetivo
matérias lícitas ou não proscritas por outros instrumentos de Direito Internacional
(2012, p. 56).
São pressupostos de validade a serem observados nos tratados internacionais:
A) Capacidade Jurídica das Partes Contratantes: As partes contratantes devem ser sujeitos do
Direito Internacional, assim reconhecidas pela comunidade internacional, tal como Estados,
Organizações Internacionais, “(...) entre sujeitos de Direito Internacional (...)”
B) Habilitação dos agentes signatários: Aqueles que representam os sujeitos internacionais
devem ter poderes específicos para se manifestarem politicamente em nome desses Sujeitos,
seja por força de legislação interna, seja por força de mandato emitido por quem tenha esse
poder. ―(...) sujeitos de Direito Internacional, agindo como tal (...)‖
C) Consentimento mútuo entre as partes: “(...) entende-se um acordo mútuo de vontades entre
sujeitos de Direito Internacional (...)”
D) Objeto lícito ou não proscrito: “(...) tendo por objetivo matérias lícitas ou não proscritas por
outros instrumentos de Direito Internacional”.
Ou seja, tais pressupostos giram em torno de três elementos: o subjetivo, (os sujeitos,
representados por seus procuradores), o objetivo, o objeto dos acordos, a matéria de que eles
tratam, a qual não pode ser conflitante ou proibida entre as partes (por exemplo, um acordo
sobre a viabilização do tráfico de pessoas), e por último o formal, relativo ao o modo e
formato que o acordo deve ter para ser considerado válido, ex. documento escrito, traduzido,
tornado público, assinado pelas partes, ratificado segundo o trâmite de praxe, entre outros
procedimentos.
A história e evolução dos tratados a serem debatidos nos próximos dias já foram
explanadas em momentos anteriores deste guia e ainda serão discutidas em tópicos
posteriores, mas ainda assim é importante atentar para o fato de que a tendência dos tratados
internacionais relativos ao Direito Internacional Humanitário, de 1863 a 1949, é a de ampliar
o seu escopo de atuação e rever as resoluções anteriores. Ou seja, cada novo episódio de
conflito armado até 1949 confirmou a insuficiência dos tratados redigidos até então de
25
oferecer a devida proteção às vítimas e combatentes, em terra, ar ou mar, daí a importância da
Conferência de Genebra de 1949.
Ainda que tratados multilaterais não fossem nenhuma novidade em meados do Século
XX, muitas dúvidas pairavam sobre seu âmbito de ação e efetividade, e muito se questionava
a ausência de um fórum permanente no qual esses tratados pudessem ser trabalhados em
conjunto e com igual representação por todos os Estados, como observou Oppenheim em seu
clássico tratado sobre Direito Internacional:
Uma vez que a Família de Nações não é um corpo organizado, não há uma
autoridade central que poderia fazer as leis da mesma forma que nos Estados os
Parlamentos fazem as leis por meio de seus representantes (1905, p. 23, tradução
livre).
Essa era uma das principais críticas feitas pelos governantes de Estados de menor
expressão política exterior aos tratados internacionais redigidos até meados do Século XX:
estes, em maioria, eram iniciativa dos Estados potências e, por mais que se dissessem
internacionais, eram voltados para favorecer a posição político-ideológica destes. Em 1949, a
situação era de certa forma diferente e o ponto levantado por Oppenheim tinha aparentemente
perdido o sentido com a criação da Organização das Nações Unidas e da Organização dos
Estados Americanos, respectivamente em 1945 e 1948. Pois, respeitando seus respectivos
escopos, serviriam exatamente como palcos diplomáticos permanentes que catalisariam as
negociações e acordos entre os diversos agentes de Direito Internacional, facilitando a
celebração de convenções e tratados. Por exemplo, o trabalho de mediação da ONU tanto na
celebração como na publicização dos tratados internacionais está previsto no art.102 da Carta
das Nações Unidas, o qual versa:
Artigo 102
1. Todo tratado e todo acordo internacional, concluídos por qualquer Membro das Nações
Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo
possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado.
2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido
registrado de conformidade com as disposições do parágrafo 1 deste Artigo poderá invocar
tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações Unidas.
26
Até a primeira metade do século XX, o Direito dos Tratados era de base puramente
costumeira, não possuindo normas escritas de ampla incidência que regulassem os processos
de elaboração, adesão e aplicação dos tratados. Entretanto, o princípio pacta sunt servanda9
era considerado como nuclear no Direito dos Tratados, implicando que todo tratado em vigor
obriga as partes e deve ser por elas cumprido de boa-fé (MAZZUOLI, 2014).
Sobre os tratados, cabe ainda tecer algumas observações, em especial sobre os seus
efeitos. De regra, os efeitos dos tratados limitam-se às partes contratantes, com exceção dos
tratados reais, relativos a questões territoriais e os tratados semilegislativos, que tem como
próprio objeto um terceiro Estado. Os tratados não possuem efeitos retroativos, de modo que
um Estado não pode cobrar sua aplicação para resolver uma demanda anterior à sua entrada
em vigor (SILVA, 2010).
Os tratados internacionais, em geral, são compostos de três partes:
A)
Preâmbulo – Trata-se da finalidade do tratado e da enumeração das partes
contratantes (ainda que a lista de signatários seja inserida ao final da parte dispositiva, antes
dos anexos). Em geral, alinham os principais princípios que regem o tratado e os demais
instrumentos de Direito Internacional aos quais está o tratado alinhado. Cabe observar que,
um conjunto de tratados compilado em Convenções pode vir a ter um único preâmbulo para
todas, ainda que seja recomendado que este leve em consideração as nuances de cada
convenção redigida.
B)
Parte Dispositiva – O objeto do tratado, onde estão delineados os direitos e deveres
assumidos pelas partes, tal como a forma de execução, a data de celebração e a assinatura de
todas as partes. Em geral, a parte dispositiva é separada por temas, que podem ser organizados
em capítulos, cada capítulo em subtemas, os títulos, e as próprias deliberações entre as partes,
organizadas em artigos.
C)
Anexos – Comporta todo material extraordinário computado com importante para o
melhor entendimento do tratado. Citam-se, como exemplos, documentos, gráficos, artigos
acadêmicos ou estudos que endossam as posições do tratado e suas disposições.
3.3 Direitos humanos x soberania estatal
9
Do latim, ―os pactos devem ser cumpridos‖.
27
O pensamento jurídico do século XIX, especialmente no que toca à questão do direito
de guerra, é marcado pela ressignificação de um conceito fundamental: o de soberania.
Com o reforço do papel dos estados e a captura do direito pela lógica do Estado,
compondo o chamado absolutismo jurídico (GROSSI, 2006), as instâncias oficiais de poder
passam a ser concebidas como as únicas produtoras possíveis do direito. Não há mais
referência a uma justiça superior, ou a normas inscritas na própria natureza do real e no modo
regular de funcionamento do mundo: o Estado se torna a fonte única de toda normatividade
possível. A justificativa para tal procedimento é uma alteração na compreensão da ideia de
soberania, a qual igualmente se absolutiza. Com o advento da modernidade, o príncipe (ou
qualquer outro soberano) passa a ser concebido como uma entidade apartada da sociedade
civil, detendo um poder de atuação ilimitado e autorreferente de ação sobre os seus súditos.
Pietro Costa (2010), inclusive, afirma que o soberano se torna uma ―estrela solitária‖, que
brilha apartada da sociedade civil, ofuscando-a.
É nesse sentido que se passa a compreender como independente aquela entidade que
não pode ser controlada judicialmente por nenhuma outra que lhe seja superior e que tem a
capacidade de emitir normas, as quais possuem força para se fazer valer em um território
delimitado. Essa concepção, baseada nas ideias acerca do direito interno, vão impactar
também no modo de compreensão das relações internacionais, que passam a ser vistas como
intercâmbios entre entidades equivalentes e respeitadoras das respectivas autonomias.
Nesse sentido, se o poder interno do Estado é, no campo jurídico, absoluto a partir do
século XIX, sua expressão externa vai ser a de não reconhecer normas que preexistam à sua
vontade. Dessa maneira, no oitocentos, a declaração de guerra é analisada, sob o ponto de
vista jurídico, não a partir de seu conteúdo, de sua justeza ou de suas justificativas, porque
passa a ser tratada em um âmbito meramente formal: a guerra válida é aquela que é declarada
por quem tem competência para tal, ou, dito de outra forma, pelo detentor do poder soberano
de um determinado território (KENNEDY, 2006). A guerra enquanto tal é, portanto, apartada
do campo jurídico, sendo trabalhada a partir da perspectiva de quem pode ou não fazê-la e
entendida como o momento em que uma soberania pode interferir no campo sobre o qual
deveria incidir a outra. Kennedy (2006, p. 69) chega a afirmar que
Assim como Clausewitz estava trazendo a política e a guerra juntos, juristas
forçavam ambos a parte. O resultado seria um direito situado for a dos domínios da
28
política e da guerra – e uma política liberta de restrições éticas e legais (tradução
livre).
Mas, para o pensamento da época, tal cisão não era absurda ou inocente, e sim fazia
parte de um projeto mais geral de como a legalidade deveria ser compreendida. O período de
fins do século XIX caracteriza-se por uma tentativa bastante forte de se distinguir o campo do
público daquele do privado, identificando-se estritamente as prerrogativas de cada um e sua
área de atuação. Mas, ao mesmo tempo, faz-se um movimento buscando diminuir as
possibilidades de atuação do público, no interior do qual a guerra era compreendida. Assim,
dever-se-iam respeitar a propriedade privada, os interesses dos particulares e a integridade dos
cidadãos, independentemente da extensão da contenda; tratavam-se de assuntos afeitos aos
políticos, e não aos comerciantes e outros indivíduos.
Era possível que se pensasse assim, já que não havia uma concepção de guerra total,
cuja consequência fosse a destruição completa do território do adversário. De fato, durante
boa parte do século XIX, os conflitos entre as grandes potências foram raros e esparsos, sendo
que a última conflagração do oitocentos que envolvesse pelo menos dois dos mais
preeminentes partícipes do ―Concerto Europeu‖ foi a Guerra Franco-Prussiana, ainda em
1871, a qual culminou com a unificação alemã. Nesse período, instaurou-se um equilíbrio de
poder, por meio do qual os países envolvidos se comprometiam a uma não-agressão e
manutenção do status quo vantajosa a todos, principalmente às potências.
Contudo, as mudanças da conjuntura político-econômica europeia acirraram as tensões
no final do XIX e início do XX. A ascensão do Império Alemão como uma poderosa força
militar e econômica desnivelaram a balança das forças no velho mundo, levando à eclosão da
Primeira Guerra Mundial.
Esse conflito foi um marco na história europeia, ficando conhecido como A Grande
Guerra, em virtude da exacerbada devastação que provocou. As milhões de mortes derivaramse de um modelo tecnológico de conflito, o qual partia de uma verdadeira indústria da morte,
colocada a serviço dos Estados europeus para a consecução dos seus interesses. Tal situação
indicava aos juristas que o mero controle formal das atividades bélicas era insuficiente para a
conquista de um mundo seguro, de modo que o próprio conceito de soberania foi sendo
mitigado. O trauma da Segunda Guerra Mundial só fez aumentar esses sentimentos e
alavancar esse processo.
29
Nesse período surge a ideia de uma ―comunidade internacional‖, ou seja, de que os
Estados não compõem um arquipélago de poderes isolados que podem se comunicar apenas
eventualmente, pois, na verdade, constituem um todo composto por partes interdependentes, e
que a cooperação deve fundar as relações entre eles. Assim, ainda que a ideia de que um
Estado deva manter poder efetivo sobre seu território continue a valer e ter sua relevância, o
papel que ela exerce está condicionado a uma série de limitações.
Um marco, próximo do período de realização do comitê, é a promulgação da Carta das
Nações Unidas, a qual, em seu artigo 2.4, estatui que ―membros deverão abster-se nas suas
relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade
territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo
incompatível com os objetivos das Nações Unidas‖. Ou seja, a guerra passa a ser vista com
maus olhos, podendo ser conduzida apenas em autodefesa. Entretanto, na data do comitê, os
verdadeiros contornos dessa ideia ainda estão em aberto, e seu conteúdo poderá ser divisado
apenas após anos de prática. Por isso, segue importante a definição de um direito que regule
as ações durante a guerra, de modo a proteger os civis, os prisioneiros de guerra, instalações
físicas, e todos os aspectos não-militares que podem ser afetados durante um conflito.
Como foi acompanhado nos itens anteriores, o fim da Segunda Guerra Mundial
inaugura uma mudança significativa na dinâmica das relações internacionais, com a inserção
de novos sujeitos de Direito Internacional – além dos Estados – e a revitalização de dois
instrumentos já conhecidos, mas que ganham uma nova força no pós-Guerra: os fóruns
internacionais permanentes e os tratados multinacionais. A confluência desses três elementos
– novos sujeitos, organismos internacionais e o desenvolvimento do direito dos tratados – está
intimamente ligada à desconstrução do que se entendia por soberania estatal, à medida em que
o próprio papel do Estado passava por uma redefinição.
A soberania absoluta de Bodin – ―a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma
República‖ – foi superada. É importante perceber a diferença entre o conceito apresentado por
Bodin em 1583 com o do jurista brasileiro Miguel Reale em 1940, em seus termos: ―A
soberania é o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a
universalidade de suas decisões nos limites éticos de convivência‖ (REALE, 2010, p. 136).
Manteve-se o exercício de poder sob determinado território, porém está claro que o
―absoluto‖ de Bodin foi substituído pela ―convivência‖ que aqui deve ser interpretada como a
nova dinâmica da diplomacia internacional iniciada no pós-Segunda Guerra.
30
No plano legal, a soberania continua sendo predicado do Estado, titular do poder
decisório exercido sobre determinado território e determinada população, não estando sujeito
à subordinação por nenhuma autoridade estrangeira senão por seu consentimento. Isso
significa dizer que, por exemplo, nenhum Estado pode forçar outro a aderir a determinado
tratado, mas que o Estado, por escolha política de seus governantes, pode aderir a um
determinado tratado que talha parte de sua própria soberania.
Entretanto, no plano fático10, assiste-se à emergência de novos sujeitos no cenário das
relações internacionais, que por sua vez exercem pressão sobre o Estado para que este adote
esta ou aquela postura política. O melhor exemplo aqui é o FMI, que condiciona a concessão
de empréstimos ou a renegociação de dívidas já existentes à adoção de uma série de medidas
específicas por parte do Estado devedor. De modo que, na dinâmica do pós-Guerra, o
exercício da soberania pelo Estado se vê acuado por uma série de vetores de poder –
interesses de atores internos ou externos, cumprimento de compromissos políticos, fatores
financeiros, dentre outros – que acabam por macular a ideia de soberania como o exercício de
poder incondicional dentro de determinado território.
Como resume o professor Celso Amorim Krieger (2004, p. 62): ―Com isso, pode-se
afirmar existirem, em relação à soberania, seu viés legal – contido na maioria das
constituições estatais – e o viés efetivo – o resultado da (inter)dependência internacional nas
diversas facetas das relações internacionais‖.
Um dos novos sujeitos de direito internacional é o próprio indivíduo. O
reconhecimento da humanidade, e consequentemente a dignidade humana, como traço
fundamental que cada indivíduo compartilha com todos os demais. Significa que antes de
sermos nacionais deste ou daquele país, antes de pertencermos a esta ou àquela etnia, antes de
praticarmos esta ou aquela religião, somos seres humanos e essa condição está intrinsicamente
ligada ao reconhecimento da fragilidade do indivíduo frente às diferentes formas de poder e,
por consequência, à necessidade de proteção humanitária.
O episódio que simboliza o reconhecimento do homem como sujeito no plano do
Direito Internacional é a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH)11 em 10 de dezembro de 1948 na Assembleia Geral das Nações Unidas. Ainda que, à
época, sua força de vinculação junto aos Estados-membros seja bastante frágil, o documento é
10
Relativo ao plano dos fatos jurídicos, ou seja, dos acontecimentos relevantes para o direito e,
consequentemente, para o Estado. O plano fático, no caso, é basicamente a realidade como ela é.
11
Disponível em: www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf
31
responsável pela internacionalização e universalização dos direitos humanos (KRIEGER,
2004).
A internacionalização dos direitos humanos é exatamente o reconhecimento deles em
escala global, por toda a sociedade internacional – sendo apropriado lembrar que a DUDH foi
aprovada sem qualquer voto contra, apenas oito abstenções. Por sua vez, a universalização
dos direitos humanos foi o estabelecimento de uma única ótica comum a todas as regiões do
planeta e Estados-membros, frente ao reconhecimento dos direitos humanos. O documento, ao
promover a universalização de uma diretriz acerca dos direitos humanos, acaba por mitigar a
possibilidade de os sujeitar a qualquer prisma cultural, religioso ou ideológico que venha a
relativizar sua efetivação. Assim, é pertinente perceber que, per si, a DUDH é um exemplo de
enxugamento da ideia de ―soberania estatal absoluta‖, uma vez que submete os Estadosmembros a um mesmo padrão de proteção aos direitos humanos e de garantia da dignidade.
Vale aqui dizer que a proteção internacional dos direitos humanos atua até mesmo, e
principalmente, contra o próprio Estado, que, na maioria dos episódios históricos, é a forma
de organização de poder responsável pelos crimes contra a humanidade. Infelizmente, são
vários os casos em que governantes usam da força estatal para violentar determinada minoria
étnica ou religiosa, sendo também comum que esses Estados exaltem o discurso da soberania
estatal a fim de evitar uma intervenção supranacional em uma situação de violação aos
direitos humanos em andamento em seus territórios.
Em conclusão, o que é importante ter em conta é que o cenário em 1949 já apontava
para a necessidade de repensar o entendimento que se tinha sobre soberania estatal e suas
dimensões. Se a falha da Liga das Nações é atribuída, em grande parte, à falta de mecanismos
de sujeição de seus membros a suas resoluções e tratados, especialmente nas situações de
ameaça à paz, os novos palcos de diálogo – como a ONU, em 1945 e a OEA em 1948 –,
assim como as Coletividades Não-Estatais (tal como o CICV) devem apresentar soluções que
possam ser levadas a cabo na prática. Como vimos, esse desafio ganha especial importância
no campo do Direito Humanitário, uma vez que na maioria das vezes é o próprio Estado –
titular do poder soberano – o agente violador dos direitos humanos. Logo, o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha deve adiantar-se em apresentar os instrumentos – jurídicos e
políticos – que darão suporte ao documento final da Convenção, podendo a DUDH ser um
novo aliado nos trabalhos do CICV.
32
4. Direito internacional humanitário
4.1 Teoria geral
É chamado Direito Internacional Humanitário (DIH) o ramo do Direito Internacional
Público (DIP) que tem como função regular os conflitos armados, limitando as ações das
partes confrontantes e protegendo determinados grupos de indivíduos. O DIH aparece como
último recurso quando os outros ramos do DIP falham e o uso da força pelos Estados se
mostra inevitável, sendo o DIH necessário então para submeter uma violência atual ao
domínio da lei (SWINARSKI, 1989). É a manifestação moderna do jus in bello, pois trata das
condutas e métodos permitidos ou proibidos durante a condução das hostilidades.
A racionalidade que circunda o objetivo do DIH é a de diminuir o máximo possível do
sofrimento causado pela guerra, reduzindo-lhe à pura consecução dos objetivos militares e
tornando esse meio mais preocupado com as questões humanas (JOCHNIK; NORMAND,
1994).
O DIH se divide em dois sub-ramos específicos: o Direito de Haia e o Direito de
Genebra. O primeiro, que tem sua origem nas Convenções de Haia de 1899 e 1907, estabelece
limites ao comportamento dos Estados em combate (DETTER, 2000), proibindo certos tipos
de armamentos – tais como minas terrestres ou marítimas12 e projéteis difusores de gases
deletérios ou asfixiantes13 – e métodos militares – por exemplo, a traição e os ataques
indiscriminados14.
O Direito de Genebra, por sua vez, é voltado para a proteção das vítimas dos conflitos
armados e a inviolabilidade do pessoal médico, religioso e sanitário que realiza assistência às
vítimas (JOCHNIK; NORMAND, 1994). A dicotomia existente entre tais ramos é relativa aos
destinatários de suas regras. O Direito de Haia é consolidado em base puramente interestatal,
enquanto o Direito de Genebra supera esse plano e se enquadra na proteção dos direitos da
pessoa humana (TRINDADE, 1989).
Três princípios fundamentais norteiam as regras de DIH costumeiro. O princípio da
distinção postula que as partes do conflito devem a todo momento distinguir os alvos civis e
militares, e suas operações devem se voltar apenas contra estes últimos (DINSTEIN, 2004). O
princípio da proporcionalidade requer dos beligerantes que se abstenham de causar dano
12
Convenção VII de Haia de 18 de outubro de 1907.
Declaração II de Haia de 29 de julho de 1899.
14
Convenção IV de Haia de 18 de outubro de 1907.
13
33
desproporcional à vantagem militar almejada (JOCHNIK; NORMAND, 1994). Finalmente, o
princípio da necessidade proíbe, das forças armadas das partes, qualquer ação que não tenha
estrita necessidade militar, isto é, com o único objetivo de atingir os fins militares legítimos,
evitando-se assim o sofrimento desnecessário (DINSTEIN, 2004).
O escopo de proteção das normas de DIH se estende a uma vasta gama de pessoas,
mas segue a distinção básica entre combatentes e não-combatentes (SHAW, 2010). Define-se
como combatente todos os membros das forças armadas de uma das partes beligerantes, com
a exceção dos oficiais médicos e religiosos, ou qualquer outra pessoa que tome parte ativa nas
hostilidades (DINSTEIN, 2004). Já a definição de não-combatente engloba todos aqueles que
não participam diretamente das hostilidades – os civis – e os membros das forças armadas que
se encontram fora de combate, ou seja, os feridos, doentes, náufragos e capturados.
Convém diferenciar o DIH dos direitos humanos. Apesar de ambos tratarem da
proteção de certos direitos fundamentais da pessoa humana, tratam-se de corpos de normas
independentes e autônomos, possuindo origens e campos de aplicação distintos. O DIH é
ainda anterior ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, tendo o primeiro surgido com a
Convenção de Genebra de 1864 do CICV, enquanto o segundo, com a Declaração Universal
de 1948 da ONU. É comumente confundido o DIH como parte dos direitos humanos, em
virtude da sua nomenclatura. Dinstein (2004, p. 20, tradução nossa) esclarece:
O adjetivo "humano" na frase "direitos humanos" aponta para o sujeito para o qual
os direitos são adquiridos: direitos humanos são conferidos a seres humanos como
tais (sem a interposição de Estados). Em contrapartida, o adjetivo "humanitário" no
termo "Direito Internacional Humanitário" indica apenas as considerações que
possam ter guiado os responsáveis pela formação e formulação das normas jurídicas.
DIH – ou Direito dos Conflitos Armados Internacionais – é o direito que
regulamenta a conduta em conflito armado internacional, com vista a atenuar o
sofrimento humano.
Os direitos humanos se aplicam a todas as pessoas em todos os tempos,
majoritariamente em tempo de paz, enquanto o DIH se aplica a certos grupos de pessoas no
momento específico de um conflito armado (DETTER, 2000). É possível considerar o DIH
como uma lex specialis dos direitos humanos, sendo aplicado quando a situação de guerra
impede que os Estados façam valer apropriadamente as normas de direitos humanos
(DINSTEIN, 2004).
34
O DIH tem passado por um considerável desenvolvimento graças aos esforços do
CICV, que ajuda a pôr em prática suas regras, fiscalizando a prática dos Estados-partes dos
tratados internacionais e convocando novas conferências diplomáticas para a codificação e
progressão das normas consuetudinárias. A recém-criada Organização das Nações Unidas
também vem contribuindo com o desenvolvimento do DIH, criando novos dispositivos e
incentivando que mais Estados adotem os tratados internacionais. Destaca-se a Convenção
das Nações Unidas para a prevenção e repressão do crime de genocídio (Convenção do
Genocídio), aprovada em 1948 pela Assembleia Geral, responsável por criminalizar a prática
do genocídio e suas condutas correlatas, estabelecendo um novo paradigma para o direito
humanitário pós-guerra.
As violações às leis e costumes da guerra são chamadas crimes de guerra. A primeira
definição dos crimes de guerra apareceu na Carta de Nuremberg, de 1945, sendo usada como
base para o processo e condenação dos réus nos Tribunais Militares Internacionais de
Nuremberg e Tóquio, que constituíram os primeiros exemplos na história moderna de um
Direito Penal Internacional. Ainda com esse avanço, o DIH carece de sanções de aplicação
universal e dispositivos que regulem a represália às violações, contando no momento apenas
com a Corte Internacional de Justiça para julgar as violações cometidas pelos Estados.
4.2
Proteção dos feridos, enfermos e náufragos das forças armadas em campo de
batalha
No período em que as Convenções de Genebra estavam para ser revisadas, as questões
referentes a feridos, enfermos e náufragos eram reguladas pela Convenção de Genebra de 17
de julho de 1929 para o alívio dos feridos e enfermos das forças armadas em campo de
batalha, da qual faziam parte Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Birmânia,
Bolívia, Brasil, Bulgária, Canadá, Ceilão, Chile, China, Dinamarca, Egito, El Salvador,
Espanha, Estados Unidos, Estônia, Etiópia, Filipinas, Finlândia, França, Grã-Bretanha,
Grécia, Hungria, Índia, Iraque, Islândia, Israel, Itália, Iugoslávia, Japão, Letônia, Líbano,
Liechtenstein, Lituânia, México, Mônaco, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos, Paquistão,
Peru, Polônia, Portugal, Romênia, Síria, Suécia, Suíça, Tchecoslováquia, Transjordânia,
União Soviética, União Sul-Africana e Venezuela. Esta seção faz um apanhado do que estava
definido neste documento.
Era garantido aos feridos o tratamento de prisioneiros de guerra, de modo que os
dispositivos a eles aplicáveis seriam considerados especiais com relação àqueles que
35
regulassem as relações entre os combatentes de um lado e os inimigos em seu poder. Ainda
que a Convenção garantisse aos doentes tratamento humanitário da parte beligerante em cujo
poder eles se encontrassem, e exigisse o fornecimento de tratamento, independentemente da
nacionalidade, ela exigia igualmente que, caso as forças armadas às quais os feridos
pertencessem precisassem deixá-los para trás, deveriam entregar provisões médicas mínimas
para garantir a eles cuidados básicos. Também era exigido que os sucessivos ocupantes de um
dado campo de batalha procurassem por doentes na área que haviam tomado, sendo,
inclusive, aventada a hipótese de paralisação das hostilidades para que tal busca tivesse efeito.
As partes envolvidas na guerra deveriam manter comunicação no sentido de trocar
nomes e pertences pessoais dos respectivos feridos e mortos. Havia a preocupação de se
garantir respeito aos mortos e inumações dignas, com honras militares e registro do local do
enterro, de modo a que fosse possível encontrá-lo posteriormente e, eventualmente, transferir
os corpos para outra localidade, mais próxima das famílias dos mortos.
A proteção dos profissionais de saúde em campanha e soldados destinados aos
cuidados médicos era capital na garantia de um tratamento mais digno aos feridos. Dessa
forma, era proibido qualquer tipo de ataque a unidades móveis ou fixas de cuidados médicos,
exceto no caso de elas de alguma forma agredissem o inimigo. No entanto, de acordo com o
artigo 8º da Convenção, não se enquadrariam nessa exceção: o simples fato de os
profissionais estarem armados, ou de usarem armas para se defender; os locais usados para
cuidados médicos estarem protegidos por piquetes; e a presença de armas tomadas dos
prisioneiros no local. Os profissionais também não poderiam ser considerados prisioneiros de
guerra, ainda que fossem soldados treinados para ser enfermeiros, no caso de estarem no
cumprimento dessa última função. As mesmas garantias seriam dadas a voluntários de
organizações não vinculadas ao governo, mas sujeitas à disciplina militar e que prestassem
serviços de assistência médica; além disso, poderiam retornar livremente ao seu lado caso
fossem capturados pelo inimigo, assim que as condições e a conveniência militar o
permitissem.
Deveria ser assegurada liberdade de movimentação aos veículos médicos, mas, caso
fossem interceptados, seria facultado à parte que os tivesse encontrado revistá-los, bem como,
caso houvesse necessidade, utilizá-los para transporte de seus próprios feridos, havendo,
contudo, necessidade de devolver os meios de transporte assim que terminasse o uso deles. As
mesmas condições seriam asseguradas aos veículos aéreos, os quais, entretanto, não poderiam
36
sobrevoar território inimigo, e deveriam obedecer a toda ordem, inclusive de aterrissagem,
que lhes fosse enviada do chão.
A Convenção também estabelece os emblemas da cruz e do crescente vermelho, e
propugna pela proteção deles, além de estatuir que os locais e pessoas relacionados ao
tratamento dos feridos não poderiam ser identificados.
Também solicita igualmente que as partes contratantes deveriam estimular que as suas
legislações penais tipificassem os atos atentatórios contra a convenção, mas não estabelece
nem clarifica os termos em que isso poderia ocorrer.
Em se tratando de batalhas marítimas, somente no ano de 1899, 36 anos após o início
dos trabalhos da Cruz Vermelha, os temas das discussões e dos documentos gerados foram
expandidos passando a abranger esses conflitos. A Convenção de Genebra de 1864 teve,
então, seus princípios adaptados pela Convenção de Haia (III) passando a abordar, também,
confrontos marítimos. Posteriormente, a Convenção de Haia (X), de 18 de outubro de 1907,
para Adaptar à Guerra Marítima os Princípios da Convenção de Genebra de 6 de Julho de
1906, expandiu novamente os princípios adotados pela primeira em relação a conflitos
armados em terra para que abordassem também hostilidades marítimas.
Ela estabelecia, dentre outras coisas, que os navios-hospitais deveriam usufruir das
mesmas proteções que os hospitais e outros lugares análogos em terra, e que não poderiam ser
capturados pelos adversários, além de dever permanecer preferencialmente em portos neutros.
Entretanto, os nomes das embarcações deveriam ser entregues ao inimigo antes que eles
entrassem em atividade.
Era garantido aos beligerantes o direito de enviar comissários aos navios-hospitais,
controlar seu curso, e retê-los, caso fosse necessário. Além disso, as embarcações de ajuda
médica deveriam atender feridos de todas as nacionalidades, não serem controladas por
nenhum governo e não desenvolver nenhum tipo de atividade de natureza militar.
Até a Primeira Guerra Mundial, combates marítimos eram regulados, principalmente,
pelos Direito de Haia e os costumes internacionais. No entanto, os meios e métodos de guerra
utilizados durante o conflito, em particular o uso de submarinos e os ataques feitos a
navegações neutras, mostrou a urgência de uma maior e melhor aplicação do DIH em se
tratando de conflitos no mar. Durante a Segunda Guerra Mundial, o quadro se repetiu e
ataques arbitrários foram realizados a navios-hospitais e embarcações da Cruz Vermelha que
37
transportavam suprimentos para ajuda. Tal acontecimento fez com que, novamente, a
comunidade internacional indagasse se o Direito Humanitário era de fato respeitado frente às
estratégias militares.
Iniciou-se então o debate sobre a aplicação do DIH não apenas em conflitos armados
em terra, como também no mar. Havia muita tensão entre as potências que surgiam nesse
cenário de pós-guerra e era preciso proteger as pessoas de possíveis conflitos futuros. Além
disso, com o passar das duas Grandes Guerras, tornou-se necessária a criação de normas mais
fortes e que se adequassem aos novos modelos de combate empregados. As novas tecnologias
utilizadas pelas marinhas agora incluíam submarinos, porta aviões e armas cada vez mais
potentes e com alcance cada vez maior.
Surge então em meio à comunidade internacional a reflexão sobre quais pessoas
devem ser protegidas, em qual situação as hostilidades devem cessar e a pessoa deve ser
tratada e devolvida ao seu país e qual forma de tratamento deve ser oferecida a tais pessoas.
Outra matéria a ser tratada era o código de conduta quando em presença de agentes neutros. A
necessidade da deliberação e de normas eficazes sobre o assunto em questão era latente.
4.3 Tratamento dos prisioneiros de guerra
As questões relativas aos prisioneiros de guerra eram reguladas pela Convenção de
Genebra de 27 de Julho de 1929, Relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra, assinada
por Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Birmânia, Bolívia, Brasil, Bulgária,
Canadá, Chile, China, Colômbia, Dinamarca, Egito, El Salvador, Espanha, Estados Unidos,
Estônia, Filipinas, França, Grã-Bretanha, Grécia, Hungria, Índia, Iraque, Islândia, Israel,
Itália, Iugoslávia, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, México, Mônaco, Nova Zelândia,
Noruega, Países Baixos, Paquistão, Polônia, Portugal, Romênia, Sião, Suécia, Suíça,
Tchecoslováquia, Transjordânia, Turquia, União Sul-Africana, e Venezuela.
A primeira garantia assegurada aos prisioneiros era a de que eles estavam em poder
dos governos beligerantes, e não de quaisquer indivíduos, de modo que deveria ser-lhes
assegurado um tratamento humanitário, sem qualquer tipo de retaliação ou de exposição
indevida à curiosidade pública. As únicas distinções permitidas seriam aquelas relativas à
patente militar, sexo e habilidades pessoais.
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O prisioneiro era obrigado a declarar seus verdadeiros nome e patente, permitindo sua
efetiva identificação e o tratamento a ele devido; contudo, não seriam obrigados a dar
quaisquer informações acerca das características e localização de seu exército original, e os
seus pertences pessoais deveriam continuar em seu poder. O tratamento devido aos oficiais
era assegurado, bem como o fornecimento de uma mesada por parte de seus captores, por
meio da qual ele poderia, inclusive, comprar a própria comida. A evacuação dos prisioneiros
para longe do campo de batalha deveria ser assegurada ao mais rapidamente possível, a não
ser que recomendações de natureza médica indicassem que fosse menos arriscada à
permanência no local do que a evasão; além disso, a nova localização pra a qual eles se
destinavam também deveria ser informada. Ao oponente a lista dos capturados deveria ser
passada, bem como providenciado um endereço para a troca de cartas entre os cativos e suas
respectivas famílias.
Os soldados deveriam ser internados em fortalezas ou campos cercados,
prioritariamente, sendo a prisão admitida apenas como medida excepcional e em caso de
manifesta necessidade; os locais de instalação dos prisioneiros deveriam ter garantias mínimas
de higiene e salubridade, ocupando aproximadamente o mesmo espaço que o destinado às
tropas do poder a cuja vontade as tropas se encontram submetidas. Buscando evitar
desentendimentos, indivíduos de nacionalidades diferentes, se possível, deveriam ser
mantidos em locais separados.
Os campos nos quais os prisioneiros de guerra se localizam deveriam possuir locais
adequados para banho e higiene pessoal, cozinhas, nas quais os prisioneiros poderiam ser
empregados, cantinas, enfermaria, assistência religiosa, além de ser obrigatório o
fornecimento de roupas, calçamento, instrumentos de trabalho, dentre outras garantias.
Quanto ao trabalho, as forças captoras poderiam exigir algum tipo de função dos
soldados em condições físicas e que não fossem oficiais, a menos que estes requeressem
emprego compatível com sua dignidade. Também deveria ser garantida a proteção da
legislação trabalhista referente a acidentes de trabalho, inclusive a relativa a duração da
jornada de trabalho e de descanso semanal – esta, com um mínimo de 24 horas consecutivas.
Caso se empregassem prisioneiros em serviço de particulares, o tratamento médico e os
salários continuariam sob responsabilidade governamental. Os prisioneiros não deveriam ser
utilizados em quaisquer serviços com conexão com os esforços bélicos, especialmente na
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manufatura de armas. Não era permitido que o trabalho fosse tornado mais árduo em razão de
medidas disciplinares.
O trabalho deveria ser remunerado, exceto quando dissesse respeito à administração e
manutenção do local em que eles estivessem alojados; entretanto, uma parte do salário
poderia ser retida, em termos a ser estabelecidos pelas partes beligerantes. O valor recebido
deveria ser igual aos dos soldados na nação captora, caso fosse por estes executado em
condições normais, ou então ser alvo de acordo com as autoridades militares, nas outras
situações.
Era assegurada também a comunicação com o exterior. Cada nação deveria
regulamentar o número máximo mensal de cartas passível de ser enviado por cada um dos
prisioneiros, sempre em sua língua nativa, exceto quando autorizado, e devendo as
comunicações ser enviadas por via postal da forma mais célere possível, sem qualquer tipo de
atraso intencional. Até uma semana após a sua captura, o militar teria direito de enviar uma
carta informando aos familiares a respeito de suas condições de prisão e de saúde. Poderiam
receber, além de cartas, comida ou artigos de vestuário. Não poderia haver taxas ou impostos
referentes aos serviços postais ou de importação. Todos os itens seriam passíveis de exame, e
livros, de censura.
Os prisioneiros se sujeitavam às mesmas regulamentações disciplinares que os
integrantes das forças captoras, não podendo sofrer punições extras, penas coletivas por
atitudes individuais, ou tratamento inferior aos portadores de patente de mesmo nível em caso
de procedimento disciplinar. Não era permitido ao captor retirar patente de algum prisioneiro,
ou tratá-lo como se isso tivesse ocorrido. A punição mais elevada permitida era a de prisão.
No geral, os princípios mais gerais do processo penal, como a ampla defesa, a proibição do
bis in idem,15 dentre outros, eram assegurados nos mesmos termos que aos integrantes das
forças armadas do Estado captor.
Deveriam haver acordos entre os beligerantes estabelecendo casos em que a seriedade
das condições médicas dos prisioneiros de guerra faria com que eles devessem ser entregues
ao seu país de origem, ou enviados a uma nação neutra. Em caso de pessoas com boa saúde,
mas feitas prisioneiras por muito tempo, deveriam ser feitos acordos de repatriação, mas os
indivíduos repatriados não poderiam ser readmitidos nos esforços militares.
15
Relacionado a dupla penalização por um mesmo fato.
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Todas as informações relativas a prisioneiros de guerra seriam processadas por
escritórios especialmente criados para tais tarefas.
4.3
Proteção dos civis em tempo de guerra
Durante a Conferência realizada pela Cruz Vermelha em 1929, além dos tratados
assinados, foi produzido um Ato Final da Conferência Diplomática. Nela estão contidas
algumas recomendações feitas pelas delegações presentes na reunião, que mostram o interesse
dos participantes em futuras reuniões com o objetivo de atualizar e otimizar ainda mais a
Convenção para a Melhoria da Condição dos Feridos e Doentes das Forças Armadas em
Campanha, que recebera sua terceira versão. Outra matéria apontada foi a proteção de civis de
nacionalidade inimiga no território da nação beligerante ou em território ocupado por tal
nação.
Até então, não haviam tratados que convencionavam uma conduta a ser tomada em
relação aos civis que se encontravam em situação tão alarmante. A matéria ganha ainda mais
relevância e urgência após as atrocidades cometidas durante a Segunda Grande Guerra. A
utilização extensiva de aviões de combate combinada com os constantes bombardeios causou
diversas mortes civis. Além disso, nunca antes se havia presenciado um conflito de tamanha
magnitude e que envolvesse nações de todos os continentes do globo terrestre.
É nesse cenário, que a proteção de civis se mostrou necessária. As Convenções, até o
presente momento, apenas previam a proteção de hospitais e da equipe de funcionários e
pacientes atendidos no mesmo como, entidades protegidas. Tais locais e pessoas foram
particularmente definidos como sendo dignos de proteção. Entretanto, os eventos verificados
durante a duas Grandes Guerras mostraram que as normas existentes não eram suficientes.
Era preciso maior força jurídica para garantir uma proteção mais eficiente. Outro fator
importante era a falta de normas que regulassem a proteção às populações civis. Guiados
apenas pelas normas presentes nas Convenções de Haia e pelo direito costumeiro, os países
faziam suas manobras militares sem refletir sobre os civis que seriam atingidos por elas, em
total desacordo com o DIH.
A situação era ainda mais alarmante, pois ganhava corpo desde a Primeira Guerra
Mundial a ideia de guerra total, o que implicava uma tendência a agredir indistintamente
postos civis e militares. Como exemplo, são bastante eloquentes os ataques nucleares
empreendidos pelos Estados Unidos da América contra Hiroshima e Nagasaki: estas
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localidades não albergavam grandes contingentes de soldados ou instalações de capital
relevância do exército, nem eram estrategicamente fundamentais no esforço de guerra norteamericano. O ataque se direcionou sobretudo contra civis e contra indústrias, e visava uma
aniquilação completa do território em questão.
Iniciava-se a era nuclear e a Guerra Fria. A proteção dos civis no novo cenário de
armas de destruição em massa e de esforço bélico absoluto seriam preocupações fundamentais
desta conferência.
5. Posicionamentos
5.1 Argentina
O governo de Juan Domingo Perón busca a implantação de sua política cultural desde
o começo de sua presidência (1946–atual). Até o momento, a base do governo foi a Tradição
Argentina Liberal – Nacionalismo e Catolicismo. A nova Constituição Argentina, promulgada
em março deste ano, foi aprovada no âmbito do atual constitucionalismo social.
Ressaltam-se a incorporação dos direitos dos trabalhadores, os direitos da família,
idosos, educação e cultura e a educação primária gratuita e obrigatória, além da igualdade
entre homens e mulheres nas relações familiares; a autonomia universitária; a função social da
propriedade; eleição por voto direto para deputados, senadores e presidente; e a reeleição
imediata do presidente.
Destaca-se o Preâmbulo de tal constituição:
A decisão irrevogável de criar uma nação socialmente justa, econômica e
politicamente soberana livre. O agregado está relacionado com o reconhecimento de três
princípios básicos que devem formar a Nação.
A ideia do ―socialmente justo‖ refere-se ao reconhecimento constitucional do valor da
justiça, dos direitos e dos movimentos sociais. ―Financeiramente Livre‖ refere-se à ideia de
independência econômica e a mecanismos indiretamente dependentes do neocolonial.
"Politicamente soberano" refere-se ao conceito clássico da independência político reforçado
com a noção moderna do direito de autodeterminação.
Fundada em 1880, a Cruz Vermelha Argentina já contribuiu no combate a epidemias e
ajuda a áreas afetadas por desastres nacionais, além de ter criado a primeira escola de
enfermagem em Buenos Aires em 1920.
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5.2 Áustria
Desde 1945, há uma ocupação aliada na Áustria, que foi considerada pela Alemanha
nazista como parte constitutiva do Estado alemão. Dessa forma, as potências aliadas
pactuaram, mediante a Declaração de Moscou (1943), que a Áustria seria tratada como um
país independente e liberado após a Segunda Guerra Mundial. Devido a isto, nota-se que o
país passa por um período importante de sua história. Mesmo que as negociações em curso
sobre sua independência tenham paralisado em 1948, observa-se um possível avanço da
temática ainda este ano.
Já em relação às questões economicas, destaca-se a implementação do Plano Marshall,
que influencia diretamente para o aumento dos salários reais e da renda nacional. No entanto,
mesmo com a colaboração norte-americana, a Áustria manteve-se dependente da importação
de alimentos.
A Sociedade Nacional da Cruz Vermelha Austríaca foi fundada em 14 de março de
1880 e seu atual presidente é Karl Seitz.
5.3 Austrália
A independência da Austrália (1931) não significou uma quebra total com sua
metrópole. Pelo contrário, a influência britânica a nível político, social e econômico se
mantém presente até os dias atuais. Neste momento pós-guerra, os australianos, como o resto
do mundo, querem segurança e paz. Esses fatores ajudam a explicar por que na Austrália há
uma mudança para uma forma mais conservadora de direita da vida e pensamento político
conservador. A Austrália vive uma nova era de medo e tensão, fortalecendo o
conservadorismo e a ânsia de segurança.
A década de 1940 está sendo marcada por supostas tramas comunistas para minar a
sociedade australiana, que são retratadas como uma doença. A Austrália também se tornou
marcadamente multicultural desde a guerra. Exemplo disso seria a aceitação de refugiados,
incluindo italianos e iugoslavos deslocados da região do Trieste do norte da Itália, bem como
húngaros, russos brancos e checos.
Em janeiro deste ano, foi aprovado o Ato de Nacionalidade e Cidadania Australiana
(Nationality and Citizenship Act - Australian Citizenship Law). Em vez de serem
identificados como sujeitos à Grã-Bretanha, a Lei estabeleceu a cidadania australiana para as
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pessoas que preencheram os requisitos de elegibilidade. Além disso, as eleições para Primeiro
Ministro estão marcadas para o final deste ano.
A Cruz Vermelha Australiana (Australian Branch of the British Red Cross Society) foi
fundada em 13 de agosto de 1914 e teve um papel muito importante durante a Segunda
Guerra, dado que a Austrália participou de forma ativa na luta contra o Japão.
5.4 Birmânia
A
União
da
Birmânia
tornou-se
independente
do Reino
Unido em 4
de
janeiro de 1948, com Sao Shwe Thaik assumindo a presidência, e U Nu assumindo o cargo de
primeiro-ministro, instituindo-se o parlamento bicameral. A partir desse acontecimento,
começaram vários conflitos armados internos. Predominando-se a violência, tanto por
motivos políticos, quanto por motivos étnicos, os vários grupos armados de minorias lutam
por mais autonomia ou até mesmo independência contra o governo central e seu exército.
Ressalta-se que, durante a Segunda Guerra Mundial, a Birmânia transformou-se numa
das principais frentes de batalha do Sudeste Asiático. O Reino Unido desmoronou face ao
avanço japonês. A campanha militar japonesa expulsou os britânicos de Myanmar, mas o
Reino Unido contra-atacou com tropas do exército indiano britânico e, em 1945, retomou o
país.
A Sociedade da Cruz Vermelha Birmanesa é recente, tendo sido criada em 1939 e
oficializada na Liga de Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho em 1946.
5.5 Brasil
O Brasil atravessa momentos políticos conturbados. O país viveu regimes imperiais,
democráticos e ditatoriais; todos eles, de forma consoante com o seu modo de governar,
deram tratamento distinto à temática dos Direitos Humanos. As conquistas sociais e políticas
da população refletem uma luta gradativa de movimentos e grupos. Este ano em específico,
encontra-se o Brasil numa das mais terríveis situações no terreno econômico e financeiro e
com as condições de vida das grandes massas tremendamente agravadas.
Em relação à política externa, o governo passa pelo momento de influência
estadunidense mais forte desde a entrada na Guerra, dado que antes buscou ampliar suas
relações com países como a Alemanha. Simultaneamente, leva a efeito uma política de guerra
inteiramente a serviço dos interesses dos círculos expansionistas da América do Norte. A
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aceitação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1946) deu-se de forma massiva,
tendo sido acolhida não só pelo Direito e por seus instrumentos legais, como também sendo
recebida pela população como uma nova arma de combate e reivindicação.
Passa-se pelo fim da chamada ditadura do Estado Novo, o qual dá espaço a um regime
democrático. O Estado Novo entrou em crise por pressão das forças políticas de oposição,
tanto de caráter elitista como popular, mas traços do chamado ―populismo‖ de Vargas
continuam e seu candidato à presidência, Eurico Gaspar Dutra foi eleito em 1946.
No Brasil, a Sociedade Nacional da Cruz Vermelha foi criada em 5 de dezembro de
1908, no Rio de Janeiro. De acordo com o site da entidade:
Em reunião realizada em 5 de dezembro de 1908, foram discutidos e aprovados os
Estatutos da Sociedade. Esta data ficou consagrada como a de fundação da Cruz
Vermelha Brasileira, que teve como primeiro Presidente o Sanitarista Oswaldo Cruz.
O registro e o reconhecimento da entidade nos âmbitos nacional e internacional se
deu nos anos de 1910 e 1912, sendo que a I Grande Guerra (1914/1918) constitui-se,
desde seus primórdios, no fator decisivo para o grande impulso que teria a novel
Sociedade (CVB, 2016).
5.6 Canadá
A contribuição substancial do Canadá aos aliados durante a Primeira Guerra Mundial
fez com que o país recebesse uma representação distinta da Grã-Bretanha na Liga das Nações,
após a guerra. Sua voz independente tornou-se cada vez mais articulada, e, em 1931, a
autonomia constitucional do Canadá foi confirmada pelo Parlamento Britânico com a
aprovação do Estatuto de Westminster.
Mudanças visíveis têm ocorrido nas correntes de imigração do país. Antes da Segunda
Guerra, a maioria dos imigrantes vinha das Ilhas Britânicas ou do leste europeu. Desde 1945,
um número crescente de pessoas do sul da Europa, da Ásia, da América do Sul e também das
ilhas do Caribe tem enriquecido o mosaico multicultural do Canadá.
No cenário internacional, a reputação e a influência do Canadá acompanharam o seu
desenvolvimento e maturidade. O Canadá tem participado das Nações Unidas desde a sua
criação e é a única nação a participar das mais importantes operações da ONU em prol da paz
mundial.
45
A Cruz Vermelha Canadense foi fundada em 1896 e, estando o Canadá atrelado ao
Império Britânico, participou ativamente em diversos conflitos ao redor do mundo, como a
Guerra dos Bôeres (1899-1902).
5.7 China
A Guerra do Pacífico contribuíra para a unidade moral do povo chinês. Todas as
facções reconheciam o governo central, e o sistema de guerrilhas dificultava o avanço dos
japoneses pelo país. A participação da China na II Guerra Mundial também facilitaria a ajuda
norte-americana, inglesa e soviética ao governo de Chiang Kai-shek. A derrota do Japão em
1945 representou a libertação do território nacional. Dessa forma, o avanço das forças
soviéticas pela Manchúria em 1945 e o lançamento no mesmo ano de duas bombas atômicas
sobre o Japão, destruindo Hiroshima e Nagasaki, encerraram a guerra em questão.
As tropas de Chiang Kai-shek, com o apoio bélico dos Estados Unidos, lançaram uma
ofensiva contra os ―vermelhos‖ de Mao Tsé-Tung, reiniciando, então, o conflito armado. Em
1945, o General George Marshall, representando o governo norte-americano, procurou
conciliar comunistas e nacionalistas. Em 1948, quase toda a China do Norte estava em poder
dos comunistas, que, no início deste ano, ocuparam Tientsin e Pequim, além de dominarem a
região central do país.
A Sociedade da Cruz Vermelha Chinesa foi fundada em 1904, mas recuando junto do
Governo da República da China frente ao avanço dos revolucionários de Mao Tsé-Tung.
5.8 Cuba
Durante as primeiras décadas do século XX, os interesses norte-americanos
predominaram em Cuba, exercendo grande influência sobre a ilha. Durante este período
foram surgindo novos líderes e revolucionários desejosos em conquistar a real independência
cubana, após a Emenda Platt, ainda sem alcançar êxito completo. Tal influência fica evidente
desde os anos 1930. Fulgêncio Batista, gestor de Cuba entre os anos de 1940 a 1944, impôs
regulações à economia, trazendo grandes quedas na qualidade de vida da população e
desemprego.
A revolta se tornou maior por intermédio da classe média, que, cada vez mais
insatisfeita com a queda no nível de qualidade de vida, se opôs a Fulgêncio Batista. Reflexo
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dessa insatisfação aconteceu nas urnas. Batista perdeu as eleições para Ramón Grau San
Martín, em 1944, que passou o poder para Carlos Prío Socarrás.
A Cruz Vermelha Cubana foi fundada em 10 de março de 1909.
5.9 Egito
Uma das consequências da Segunda Guerra Mundial foi a forte presença militar da
Inglaterra no Canal do Suez. Embora o Egito tivesse se declarado neutro, muitos líderes
nacionalistas desejavam a vitória das potências do Eixo. Em 1942, perante a ofensiva militar
da Alemanha sobre a Líbia, o embaixador britânico no Egito pressionou o rei Faruque a
nomear um governo do partido Wafd, levando-se em consideração que esta força política
assinou o tratado de 1936, o qual dá maior segurança à Inglaterra quanto à posição do Egito
no conflito.
Em 1948 o Egito e outros países árabes tentaram, sem sucesso, impedir o
estabelecimento do estado de Israel na região histórica da Palestina. Devido à derrota,
ocorreram grandes manifestações populares contra a monarquia.
O Crescente Vermelho Egípcio, fundado em 1911 e aceito pelo CICV em 1924, é
atualmente presidido pelo Doutor Suleiman Azmi Pasha. Entretanto, já antes de seu
reconhecimento, prestou auxílio nos Bálcãs em 1913.
5.10
El Salvador
Houve uma revolta militar no país em 1944, contra o ditador Maximiliano Hernández
Martínez, mas fracassou. Os julgamentos dos participantes resultaram em fuzilamento, tal
atitude do governo provocou indignação de toda a sociedade. Os estudantes universitários,
que se encontram à frente dos interesses da pequena burguesia, decidiram declarar greve, com
o intuito de provocar a queda do ditador. Assim, foi gerado um movimento popular
generalizado, conhecido como a greve dos braços caídos, a qual obrigou Martínez a renunciar
à presidência e deixar o país.
O resultado dessa ação social é a aceleração de um processo eleitoral viciado. O
vencedor foi o general Salvador Castaneda Castro (empossado em 1945). O regime de
governo retrata a continuação do martinato, apesar da promulgação de algumas leis de
trabalho e da criação de instituições, com um suposto melhoramento social, dedicadas a
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solucionar problemas populares. Castaneda Castro governou até final de 1948, sendo deposto
por uma junta militar a qual detém o poder até o momento.
El Salvador foi o primeiro país americano a aderir à Convenção de Genebra, em 1874.
Durante sua longa história, a Cruz Vermelha de El Salvador agiu em conflitos (coma
Guatemala, no século XIX) e em epidemias, segundo o site da instituição:
No começo do século, a Cruz Vermelha Salvadorenha se associou ao Conselho
Superior de Saúde e iniciou suas atividades em tempo de paz com a luta contra as
epidemias de cólera, varíola, meningite, gripe e disenteria que ocorreram após os
confrontos entre El Salvador e Guatemala em 1906 e Nicarágua depois de 1907
(CVS, 2016, tradução nossa).
5.11
Espanha
A Guerra Civil Espanhola pode ser considerada um estopim para a Segunda Guerra
Mundial, devido à participação de potências internacionais. Em um primeiro momento, os
militares receberam apoio dos regimes fascistas europeus (tais como da Alemanha e da
Itália), além de Portugal e Irlanda. Já o Governo republicano recebeu apoio da URSS (único
país comunista da Europa) e do México. França, Reino Unido e Estados Unidos, decidiram
manter-se à margem do conflito.
Ao vencer a Guerra Civil Espanhola, o governo do General Francisco Franco tomou o
poder. Ressalta-se que, até o momento, o franquismo praticou forte repressão política aos
perdedores da guerra (democratas liberais, nacionalistas periféricos, socialistas, comunistas,
anarquistas, entre outros). Nota-se que a Espanha perdeu na guerra parte significativa de sua
população e de sua capacidade produtiva. Devido a esta situação, a escassez multiplicou as
situações de fome e perpetua-se a miséria extrema. A situação piorou com o início
da Segunda Guerra Mundial, durante a qual a Espanha se declarou neutra. Esta realidade
avassala o país até o momento atual, ainda sob o Franquismo.
Fundada em 1844, a Cruz Vermelha Espanhola ajudou em diversos conflitos europeus
e alguns dentro da Espanha antes da Guerra Civil. Durante esse período, seu trabalho foi
obviamente intenso e não acabou com o fim do conflito, pois começou um trabalho de
repatriação de exilados, em especial na União Soviética.
5.12 Estados Unidos da América
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Destaca-se, primeiramente, que tanto a população norte-americana quanto o
governo, a priori, eram contrários ao envolvimento do país na Segunda Guerra Mundial.
Neste primeiro momento, o país limitou-se a fornecer suprimentos para Reino Unido, China e
União Soviética. Entretanto, tal sentimento teve uma reviravolta logo após o ataque a Pearl
Harbor pela força aérea japonesa (1941). A partir desse momento, os EUA se aliaram aos
britânicos e aos soviéticos, opondo-se ao Japão, à Itália e à Alemanha. Já no final da guerra, é
fundamental ressaltar os bombardeios estadunidenses em 1945 com bombas atômicas sobre as
cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.
Após a Segunda Guerra Mundial, a economia do país, porém, não melhorou em
comparação ao início da guerra. No período de guerra, o governo redirecionou grandes
recursos para a fabricação de equipamento militar, tendo-se uma falsa impressão de que a
economia estava se fortalecendo. Mesmo assim, a economia ainda era uma das mais fortes da
época e financiou a reconstrução de países como a Alemanha e o Japão, na lógica da
Contenção de Kennan.
Este período pós-guerra marcou o país pelo início da Guerra Fria. A política criada
no discurso da Doutrina Truman (1947), na qual se encontrava intrínseco o receio do governo
estadunidense do possível avanço soviético, seria denominada Plano Marshall.
A Cruz Vermelha Estadunidense foi fundada por Clara Barton em 21 de maio de
1881, trabalhando ativamente desde então.
5.13 França
No início do século XX, a França passou por um período de prosperidade, tanto
econômica como social, na crista de seu Império. Tal cenário tem uma reviravolta em 1914,
devido a Primeira Guerra Mundial. Mesmo tendo a França saído vitoriosa da guerra,
economicamente encontrava-se arruinada.
Já na Segunda Guerra Mundial, a Terceira República francesa acabou caindo
em 1940, logo após a derrota para a Alemanha Nazista. A parte da França não ocupada vigeu
sob o governo colaboracionista de Vichy e do marechal Philippe Pétain. O país só fora
liberado pela ação dos Aliados e da Resistência Francesa. A nova Constituição foi
promulgada em 1946, entrando em vigor em 1947, ano em que a França ainda era governada
por Governo Provisório. Atualmente, o Primeiro-Ministro é Henri Queuille e o presidente é
Vincent Auriol.
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A Cruz Vermelha Francesa foi fundada em 1864.
5.14 Irã
Desde 1935, o Xá Reza Pahlavi da Pérsia solicitou formalmente que a comunidade
internacional empregasse o nome nativo de seu país como Iran. Já durante a Segunda Guerra
Mundial, o país foi invadido pela Inglaterra e União Soviética. Ambos os países acabaram se
apoderando de parte dos recursos petrolíferos do Irã, além disso, Mohammad Reza Pahlavi
passa a ser o novo governante, sendo, inclusive, mais favorável aos interesses externos.
Em fevereiro deste ano, um assassino disparou contra o Xá. Em uma atmosfera de
simpatia nacional para a monarquia, a Assembleia Constituinte é realizada no Irã no mês da
Conferência, visando à modificação da Constituição persa de 1906. Antes, em fevereiro, foi
aprovado o Plano de Sete Anos do Xá, um programa econômico destinado a ser um organismo
autônomo, independente de forças políticas.
Por não se identificar nem com a cruz nem com o crescente, o governo do Xá na
Pérsia, posteriormente Irã, criou a Sociedade do Leão e do Sol Vermelho, em 1922, como sua
representação dos ideais e da prática do CICV.
5.15 Israel
Com o final da Segunda Guerra Mundial, observa-se uma Europa arrasada e os
sentimentos antissemitas levados ao extremo. Devido a esta realidade, milhões de refugiados
deixaram a Europa para se unirem aos sionistas na Palestina. Grupos militantes judaicos
infiltraram o maior número possível de refugiados judeus na Palestina, ao mesmo tempo em
que retomavam os ataques contra alvos britânicos e repeliam ações violentas dos nacionalistas
árabes. Com a situação tomando proporções enormes, a Grã-Bretanha abriu mão da
administração da Palestina, entregando-a à ONU.
Devido ao aumento de conflitos na região, força-se a reunião da Assembleia Geral da
ONU, realizada 1947. Decide-se pela divisão da Palestina Britânica em dois estados: um
judeu e outro árabe, que deveriam formar uma união econômica e aduaneira. A decisão havia
sido aceita pelos líderes sionistas, mas rejeitada pelos líderes árabes. Este foi o estopim para
a Guerra Civil (1947-1948).
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Em 1948, David Ben Gurion assina a Declaração de Independência do Estado de
Israel, e, logo depois, inicia-se a Guerra Árabe-Israelense. No começo deste ano, aconteceram
as primeiras eleições parlamentares de Israel, além da aprovação de leis assegurando o
controle educacional. Outro marco seria o direito de retorno ao país para todos os judeus. A
economia floresce com o apoio estrangeiro e remessas particulares.
Israel não possui uma sociedade nacional da cruz vermelha oficial. O Magen David
Adom atua em todo o país provendo primeiros socorros, tanto a judeus quanto árabes,
utilizando o emblema da Estrela de Davi vermelha, porém não é reconhecido como membro
da Liga nem como símbolo oficial do Movimento.
5.16 Itália
Em 1940, Mussolini aprova a entrada da Itália na Segunda Guerra Mundial,
juntando forças com Japão e Alemanha. Entretanto, para Mussolini, o resultado não fora
muito positivo. A perda do império no norte da África e o desembarque anglo-americano
na Sicília, entre outros acontecimentos, resultaram na queda e prisão do ditador (1943).
Em 1946, após o curto reinado de Humberto II, a república parlamentarista é
proclamada. A nova Constituição entra em vigor em 1948. A campanha eleitoral
ideologicamente polarizada que se seguiu coincidiu com a intensificação da Guerra Fria e
levou a Itália à beira da guerra civil.
O período pós-guerra foi marcado por um crescimento econômico impressionante e
uniforme por um lado. Por outro, o país passa por uma instabilidade política, caracterizada por
frequentes mudanças de governo.
Na Itália, a subdivisão da Cruz Vermelha foi criada em 1864.
5.17 Líbano
A história do Líbano é marcada por distintos períodos de turbulência política
intercalados com prosperidade. Em 1920, o território fora dividido: de um lado, Beirute,
Sidon, Trípoli e o Monte Líbano; do outro, o que passou a ser denominada Síria. Os
habitantes do Líbano são desde cristãos maronitas, até ortodoxos gregos e armênios,
muçulmanos xiitas, sunitas e drusos. Também se encontram palestinos refugiados.
51
A moderna constituição do Líbano, promulgada em 1926, especificou um equilíbrio
do poder político entre os diversos grupos religiosos. Apesar das inúmeras alterações
relativamente positivas, o Líbano necessitava independência. Mediante este fato, em 1943 ela
foi declarada, mas as tropas francesas se retiraram apenas em 1946. Após sua independência,
deu-se início a disputas políticas entre as importantes famílias do país.
Acerca de si mesma, a Cruz Vermelha Libanesa menciona:
A Cruz Vermelha Libanesa é uma organização humanitária estabelecida em 9 de
julho de 1945, como uma sociedade nacional independente. Em 1946, ela
reconhecida pelo Estado como uma organização pública sem fins lucrativos e como
equipe auxiliar ao serviço médico do Exército Libanês.
Em 1947, a Cruz Vermelha Libanesa entrou para o Movimento Internacional da
Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e se tornou membro da Liga de Sociedades
da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho desde então (CVL, 2016, tradução
nossa).
5.18 México
Em 1934 o presidente Lázaro Cárdenas chega ao poder modificando o México. Ele
fora capaz de unir diferentes facções dentro do Partido Revolucionário Institucional (PRI),
estabelecendo regras que permitiriam ao seu partido governar sozinho até os dias de hoje, sem
perturbações internas.
Em 1938, iniciou a nacionalização das indústrias petrolíferas e elétricas, além de criar
o Instituto Politécnico Nacional, conceder asilo aos refugiados da Guerra Civil Espanhola,
iniciar a reforma agrária e a distribuição gratuita de livros escolares e dar continuidade, como
um todo, às políticas que marcaram o desenvolvimento do México de Benito Juárez. Neste
momento, pode-se dizer que o país passa por uma estabilização e revolução
institucionalizadas, com o PRI dominando a política mexicana atualmente. As eleições
legislativas estão marcadas para julho deste ano.
A Cruz Vermelha Mexicana foi fundada entre 1909 e 1910 e logo em seu começo
enfrentou uma década de enorme instabilidade no país, com, por exemplo, a invasão
estadunidense de Veracruz e a Revolução Mexicana, o que não impediu o país de ser um dos
principais colaboradores com as vítimas da Guerra Civil Espanhola, 15 anos mais tarde.
52
5.19 Noruega
Após a Segunda Guerra Mundial era necessário reconstruir o país. Havia escassez de
produtos e não havia habitação para todos. O cooperativismo e a solidariedade se fizeram
imprescindíveis para a reconstrução rápida. O Estado buscou regular a economia e o consumo
de forma rigorosa, centralizando esforços na recuperação da indústria de base. Com isto, neste
ano o país já conseguiu alcançar níveis econômicos anteriores à guerra.
Destaca-se que a Noruega foi um dos primeiros países a aderir à ONU. O país também
aceitou o Plano Marshall. Neste mês, a Noruega aderiu, juntamente com mais onze países, o
tratado do Atlântico Norte.
Atualmente, o presidente da Cruz Vermelha Norueguesa, fundada em 1865, é Erling
Steen.
5.20 Organização das Nações Unidas (membro observador)
A ideia das Nações Unidas como um organismo internacional efetivo na busca pela
paz surgiu de declarações assinadas durante o período de guerra nas conferências dos aliados,
como a Conferência de Moscou e a Conferência de Teerã em 1943. Em 1944, representantes
de França, China, Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética elaboraram em conjunto
propostas de membros e órgãos visando à manutenção da paz internacional, segurança e
cooperação econômica e social.
Em 24 de outubro de 1945, a Organização foi oficialmente institucionalizada com as
ratificações dos cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e
União Soviética) e da maioria dos outros 46 países signatários da Carta das Nações Unidas.
Entre suas principais ações até então, estão as decisões a respeito da questão Palestina.
Citam-se a criação de dois Estados, sendo um judeu e outro árabe, no antigo protetorado
britânico da Palestina, com Jerusalém sob mandato internacional, em 1947, mediante a
Resolução 181 em Assembleia Geral; e a Resolução 194, de 1948, em que se estabelece que
os refugiados da região têm direito a retornar a suas casas, agora em território de Israel, ou a
receber uma indenização caso não desejarem voltar.
5.21 Países Baixos
53
Até o início da Segunda Guerra Mundial, os Países Baixos eram uma potência
colonial. Em 1940, com a invasão dos alemães, o governo se viu obrigado a refugiar-se na
Inglaterra. Todavia, com o final da guerra, suas colônias rapidamente se tornaram
independentes, com destaque para a Indonésia.
Como estratégia de fortalecimento econômico Pós-guerra, o país passou a integrar
organizações econômicas internacionais. Em 1948, a então rainha Wilhelmina abdica em
favor da sua filha. Confrontados com a desintegração de seu império colonial, os Países
Baixos procuram então uma cooperação econômica juntamente com seus vizinhos. Cita-se,
como exemplo, a assinatura do Tratado de Bruxelas em 1948.
Uma das primeiras organizações nacionais da Cruz Vermelha, a repartição nos Países
Baixos foi criada em 1867.
5.22 Reino Unido de Grã-Bretanha e Irlanda do Norte
Com o final da guerra, Clement Attlee, do Partido Trabalhista, é eleito primeiro
ministro britânico e já tem que, imediatamente, enfrentar uma grande crise causada pelos
prejuízos da guerra. Nos primeiros anos, observa-se o estabelecimento do Estado de bem-estar
social britânico, incluindo o National Health Service ou NHS (Serviço Nacional de Saúde),
um dos primeiros e mais completos serviços públicos de saúde do mundo. Ao mesmo tempo
em que a demanda da economia encontrava-se em recuperação, o país trazia imigrantes de
toda a Commonwealth of Nations com o intuito de criar uma Grã-Bretanha multiétnica, mas,
por outro lado, acelerando o fim do Império Britânico. Um exemplo disso é a conversão da
Irlanda em república em 1949 e a independência de países como Índia e Paquistão (1947).
A Cruz Vemelha Britânica foi fundada em 1870 e participou de inúmeros conflitos.
5.23 Santa Sé
A Santa Sé, do ponto de vista legal, é distinta do Estado da Cidade do Vaticano, sendo
um sujeito de direito internacional, mas não um Estado. Ressalta-se que em
1948 L'Osservatore Romano publicou um decreto contra o comunismo, excomungando os
que propagavam "os ensinamentos materialistas e anti-cristãos do comunismo".
Em 1948, no contexto das eleições gerais italianas, comunistas e socialistas coligaramse contra a Democracia Cristã, apoiada por Pio XII e pela Igreja Católica, que saiu vitoriosa.
54
5.24 Síria
Em 1943, foram eleitos Chikri Al-Quwatti como presidente na Síria e Bechara AlKuri como presidente do Líbano. Bechara defendia a supressão de cláusulas da Constituição
que se relacionavam ao domínio francês, visando uma possível independência de ambos os
países. Entretanto, tal atitude acarretou em sua prisão. A consequência foi o início de novos
conflitos em ambos os países, os quais terminaram em março de 1946, apenas quando a ONU
ordenou a retirada das forças europeias e determinou o fim do domínio francês na região.
Logo, a Síria foi administrada pela França até sua independência em 1946.
Entre março e 11 de abril deste ano, a Síria sofreu seu primeiro golpe
militar da história, o qual foi conduzido pelo chefe do Exército Husni al-Za'im, que lutou na
Guerra Árabe-Israelense, ainda sem um armistício assinado entre o país e o inimigo. O até
então Presidente Shukri al-Kuwatli foi preso, junto de outros líderes políticos. O golpe foi
realizado com o apoio, mesmo que discreto, do ministério estadunidense.
O Crescente Vermelho Árabe da Síria foi fundado em 1942 e aceito em 1946.
5.25 Suíça
Desde 1848, a Confederação Suíça é um Estado federal de regiões relativamente
independentes. Destas, algumas, até os dias atuais, permanecem como confederadas, podendo
a Suíça, portanto, ser considerada uma das repúblicas mais antigas do mundo.
Destaca-se principalmente o caráter de neutralidade do país. Tanto na Primeira
como na Segunda Guerra Mundial, manteve-se neutra, ainda que na última seu exército tenha
sido mobilizado para defender o seu território (destaca-se que, de acordo com a política de
neutralidade, o exército serve somente para preservar a independência).
Devido a esta política adotada, o país é visado como de sede de várias organizações
internacionais, entre eles o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, além de local de
conferências para a paz. Henri Dunant, fundador do CICV, era suíço, e a organização
encontra-se registrada institucionalmente no país. Ainda por esse motivo, a Suíça é o anfitrião
da Convenção, que ocorre, obviamente, em seu território.
A Cruz Vermelha Suíça foi formalizada em 1866 e é formada por ligas de diferentes
cantões do país e é uma das mais ativas sociedades nacionais da Cruz Vermelha.
55
5.26 Turquia
A Turquia se juntou aos Aliados em 1945 e tornou-se membro das Nações Unidas no
final do conflito. Até 1945, a República da Turquia fora um regime unipartidário, e a
transição para uma democracia pluripartidária foi tumultuosa. A Guerra Civil da Grécia
(1946-1949) opôs o governo monárquico, apoiado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido,
aos rebeldes comunistas. As exigências da União Soviética em estabelecer bases militares nos
Estreitos Turcos levaram à criação da Doutrina Truman.
O Crescente Vermelho Turco foi fundado em 1868, ainda no Império Otomano.
5.27 União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Em 1940, a União Soviética tenta negociar com a Alemanha sobre a possibilidade
de ingressar no grupo das Potências do Eixo. Entretanto, em 1941, a Alemanha invade
território soviético, desrespeitando o Pacto Molotov-Ribbentrop. Assim, a União Soviética
declara guerra à Alemanha e instaura-se o front oriental na Europa.
Nos períodos entre 1941 e 1945, a participação da URSS fica conhecida como
a Grande Guerra Patriótica, com os soviéticos combatendo as forças invasoras da
Alemanha Nazista, juntamente com os Aliados Ocidentais. Devido à união das várias
nacionalidades da URSS, além da eficácia das estratégias usadas pelo exército vermelho, o
exército alemão se vê obrigado a recuar por toda a Europa Oriental até ser derrotado em seu
próprio país em 1945 e Berlim ser tomada pelos Soviéticos.
A natureza dos regimes socialistas, os quais foram estabelecidos após a guerra
na Europa Oriental, colocou fim ao isolamento político e geográfico da URSS. Logo, é
possível afirmar que, com a guerra, a URSS acabou ganhando no âmbito político, além de
suas conquistas territoriais. Ao sair da guerra, ainda que com perdas humanas enormes, a
União Soviética estabeleceu-se como potência, participando da partilha da Alemanha, e
ingressando na Organização das Nações Unidas como membro permanente, entre outros. Por
outro lado, as novas preocupações das potências ocidentais (capitalistas) vieram à tona
mediante a Doutrina Truman (1947), a qual defendia a importância de frear a denominada
expansão soviética, de acordo com ao Doutrina da Contenção de George Kennan, iniciando a
chamada Guerra Fria.
A sociedade nacional da Cruz Vermelha foi fundada em 1863 no país.
56
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