179 ELETROMAGNETISMO II 19 AUTO INDUTÂNCIA, INDUTÂNCIA MÚTUA E TRANSFORMADOR IDEAL 19.1 – Indutância No capítulo 12 apresentamos a definição de indutância como sendo a relação entre fluxo magnético concatenado e corrente, não nos preocupando com o fato de ser esta corrente contínua ou alternada no domínio do tempo. Da maneira como fizemos, a indutância era tratada como uma grandeza escalar, função apenas dos dados geométricos e características magnéticas do meio. Vamos agora abordar novamente esse assunto, a partir do fenômeno da indução eletromagnética, visto no capítulo anterior. Vimos pela equação (12.16) e pela aplicação direta da lei circuital de Ampère, que a indutância de um solenóide longo ou de um toróide enrolado por N espiras é dada por: L N2 A (H) (19.1) onde: = permeabilidade magnética do meio. (H/m). N = número de espiras do enrolamento A = área da seção transversal de cada espira no enrolamento (m2) = comprimento disposto para o solenóide ou toróide (m). Da definição de indutância, vimos que o fluxo magnético total = N m concatenado com a corrente i em N espiras é expresso como: N m L i (19.2) Substituindo a corrente elétrica contínua I por outra i = i(t), variando no tempo, com a aplicação imediata da lei de Faraday, podemos determinar a tensão e(t) produzida pela variação temporal do fluxo magnético N m produzido em conseqüência da corrente alternada onde: e( t ) N d m di dL NL N i dt dt dt (19.3) A derivada do fluxo em relação ao tempo no caso mais geral produz dois termos; um devido á variação alternada da corrente e outro pela variação da indutância em relação tempo. Se a geometria permanece imutável no tempo, o segundo termo resulta nulo. Pela lei da indução eletromagnética de Faraday, a tensão induzida e(t) que aparece entre os terminais de um enrolamento solenoidal com N espiras de área A constante é determinada por: eN d m dB NA (V ) dt dt Onde para o solenóide longo ou o toróide B Ni . Assim: UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino (19.4) 180 ELETROMAGNETISMO II e N2 A di (V) dt (19.5) Podemos observar que o termo que multiplica a derivada temporal da corrente i (t) na equação acima é a expressão para a indutância do solenóide, aqui considerada fixa. Então: di (V ) dt e L (19.6) 19.2 – Indutância Mútua Considere agora dois enrolamentos, montados sobre um mesmo núcleo que os acopla magneticamente, como mostrado na figura 19.1 abaixo. Como os enrolamentos são atravessados pelo mesmo fluxo magnético m, imagine então que esse fluxo seja produzido por uma corrente i1 no enrolamento 1 (primário) e que o enrolamento 2 (secundário) esteja em circuito aberto. Segundo a lei de Faraday-Lenz, sobre ele aparecerá uma tensão induzida dada por: m i1 N1 N2 e2 Figura 19.1 - Núcleo com dois enrolamentos dm dt (19.7) N1A di1 dt (19.8) e2 N2 ou e2 N2 Agrupando o fator que multiplica a derivada, esta expressão pode ainda ser escrita como: e2 M21 di1 (V ) dt (19.9) Reciprocamente, caso seja agora o enrolamento 2 percorrido por uma corrente i2 e o enrolamento 1 posto em circuito aberto, teremos: e1 N1 d m dt Ou ainda UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino (19.10) 181 ELETROMAGNETISMO II e1 N1 N2 A di 2 (V) dt (19.11) de modo que: di 2 (V) dt e1 M12 (19.12) Pelas equações (19.8) e (19.11) M é a indutância mútua entre os enrolamentos onde: M12 M21 M N1N2 A (H) (19.13) Considerando as equações (19.9) e (19.12), observamos que uma tensão e2(t) aparece no enrolamento 2 (secundário) em virtude da variação temporal da corrente i1(t) no enrolamento 1 (primário) e vice-versa. Tal situação pode ser representada eletricamente pelo circuito dado na figura 19.2, onde a indutância mútua M pode ainda ser expressa como: M e1 e1 e 2 di 2 di1 dt dt (19.14) N2 N1 e2 Figura 19.2 - Circuito elétrico equivalente ao magnético da figura 19.1 Admitindo agora uma variação harmônica (senoidal) das correntes no tempo, pela fórmula de Euler, podemos escrever que: i1 I1e j t ; i 2 I2 e j t (19.15) Derivando as expressões acima em relação ao tempo vem: di1 j I1 e j t j i1 dt di2 j I2 e j t j i 2 dt (19.16) Assim pela equação (19.14) temos: M e1 e 2 j i 2 j i1 (19.17) e1 e 2 ( ) i2 i1 (19.18) ou ainda j M UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino 182 ELETROMAGNETISMO II O termo jM é a impedância mútua (complexa) entre os dois enrolamentos. Exemplo 19.1 Uma espira retangular de 4 m x1 m está no mesmo plano de um condutor retilíneo longo, com o lado maior paralelo ao fio, a uma distância de 2 m, como mostra a figura 19.3. Se a corrente no condutor é i = 10 sen (1000t) A, encontre: a) - A indutância mútua entre a espira e o condutor. b) - O valor rms da tensão induzida na espira. Solução: m 4 3 0 2 z m B i m 4m 0i 2r drdz 2 0i 3 dr 2 r 2 0 i 3 ln (Wb ) 2 Aqui r=2m m M i r=3m M2 Figura 19.3 - Espira paralela a um condutor retilíneo 4 .10 7 3 ln 0.324 H 2 b) - a) eM da aplicação imediata da lei de Faraday temos: d m dt e di dt e 0,324.10 6 10 1000 cos 1000t 3,24sen1000t mV O valor rms de e fica então: onde E m B dS s 3,24 2 2,29 mV Exemplo 19.2 Repetir o exemplo anterior, porém com o lado menor paralelo ao condutor. Solução: e d m dt 1 6 0i m 0 2 2r m M 4.10 7 ln 3 0,22 H 2 e 0,22 10 6 1000 10 cos1000t 2,2 cos 1000t mV drdz E 1,56 mV 0i ln 3 ( Wb) 2 UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino 183 ELETROMAGNETISMO II Exemplo 19.3 Um condutor longo de raio a é percorrido por uma corrente i = Isen(t). Uma luva de ferro, de raio interno b, raio externo c, comprimento e permeabilidade envolve o condutor. N espiras são enroladas sobre a luva no sentido longitudinal (axial), conforme mostra a figura 19.4. a) - Deduza uma expressão para a indutância mútua entre o condutor e o enrolamento. b) - Idem para a tensão induzida no enrolamento. Solução: i = Isen(t) Figura 19.4 – Luva de aço envolvida por N espiras, axial a um condutor. e N d m dt eN m B dS O termo que está multiplicando a derivada da corrente em relação ao tempo é a indutância mútua entre o enrolamento e o condutor, ou seja: s I B sent aˆ ; dS drdz aˆ 2 r m d c d N ln Isent dt 2 b dt MN c I sent dr dz b 2 r 0 c ln (H) 2 b Para a tensão induzida temos: m c ln I sent 2 b e M di N I c ln cos t (V ) dt 2 b 19.3 - O Transformador Ideal O transformador é um dispositivo eletromagnético que modifica tensões e correntes de um nível maior para um nível menor, e vice-versa. Tais dispositivos são constituídos de um circuito magnético que favorece o caminho ao fluxo, sobre o qual são montados os enrolamentos. Como os processos baseados nas leis de interação magnética estão sujeitos a perdas, o transformador ideal pode ser definido e seu funcionamento entendido, desde que essas perdas sejam desconsideradas. Sobre a estrutura ferromagnética da figura 19.5 são montados dois enrolamentos; o enrolamento primário e o enrolamento secundário. Se uma tensão v 1 for aplicada no enrolamento primário, sobre o secundário aparecerá uma tensão induzida dada por: v 2 N 2 d m dt UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino (19.19) 184 ELETROMAGNETISMO II m i1(t) i2(t) 1 v1(t) v2(t) 2 figura 19.5 - Transformador ideal Considerando que este mesmo fluxo m enlaça a bobina 1, desprezando-se as perdas, a tensão na bobina 1 será: v 1 N1 d m dt (19.20) Assim, estabelecendo a relação entre as equações (19.19) e (19.20) vem: v 2 N2 v1 N1 (19.21) Vemos que a relação entre as tensões nos enrolamentos está na proporção direta da relação entre o número de suas espiras. Razão pela qual esta relação entre os números de espiras é também conhecida por relação de transformação. Exemplo 19.4 Qual é a indutância, e a impedância mútuas de um transformador ideal se uma corrente de 2 A (rms), em 60 Hz, induz uma tensão de 6 V (rms) no enrolamento secundário ? Solução: Da expressão v di v 2 M 1 tem-se M 2 di1 dt dt Mas v 2 6 2 e j t V i1 2 2 e jt A Daí Então M 6 2 e j t j 2 2 e j t 3 j A indutância mútua, M é então igual a: M 3 8 mH 2 60 E a impedância mútua é j M 3 di1 j 2 2 e jt dt Comentários suplementares Ao estudarmos este capítulo pudemos notar que um transformador modifica valores de tensões e correntes baseado na relação entre o número de espiras em cada enrolamento. Assim temos um transformador abaixador quando a sua tensão no secundário é menor do que no primário, ou seja o UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino ELETROMAGNETISMO II 185 terminal secundário de saída possui menos espiras do que o terminal primário de entrada. Pela mesma razão um transformador elevador tem mais espiras no secundário do que no primário Em ambos os casos a energia e a potência se conservam e relação entre as correntes se dá no modo inverso. Concluindo, podemos dizer que a denominação de elevador ou abaixador depende do terminal definido como secundário, ou de saída do transformador, se este tem a sua tensão maior ou menor do que a do primário. Outra questão que chamamos atenção é para o transformador que possui uma relação de transformação 1:1, ou seja, o número de espiras no primário e no secundário é o mesmo. Neste caso, o transformador é conhecido como de isolação ou de isolação galvânica onde não há variação de tensão nem de corrente. Este tipo de transformador permite que os potenciais de referência no lado do primário e no do secundário sejam desvinculados. UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino 186 ELETROMAGNETISMO II EXERCÍCIOS 1) A figura abaixo mostra dois solenóides de comprimento , e áreas S1 (solenóide 1) e S2 (solenóide 2) coaxiais. Mostre que a indutância mútua entre eles pode ser expressa por: M K L1L 2 , onde L1 é a indutância própria do solenóide 1, e L2 a indutância própria do solenóide 2, onde K S2 S1 é chamado de coeficiente de acoplamento, cujo valor máximo é unitário. S1 S2 Figura 19.6 – Figura para o problema 1 2) Em um dia sujeito a tempestades, uma nuvem típica pode desenvolver uma carga negativa de 100 C, induzindo uma carga de igual magnitude, porém de sinal contrário, no solo. Se as cargas são neutralizadas por uma descarga de 2 ms de duração, encontre a corrente média da descarga. Tipicamente, descargas atmosféricas possuem um crescimento rápido, e um decaimento gradual. Se o tempo de subida é 2 s, para uma corrente de 104 A em um condutor que recebe a descarga, encontre a tensão desenvolvida no condutor. A indutância própria do condutor é 10-3 H, e sua resistência 10-2 . 3) Qual é a indutância, e a impedância mútuas de um transformador ideal se uma tensão de 12 V (rms), em 60 Hz, induz uma corrente de 3 A (rms) no enrolamento secundário ? UNESP/Bauru – Naasson Pereira de Alcantara Jr. – Claudio Vara de Aquino