Transtornos gastrointestinais no ciclista durante o exercício físico

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Transtornos gastrointestinais no ciclista durante o exercício físico
Samuel Amorim, Nutricionista da Federação Portuguesa de Ciclismo
Nuno Loureiro, Diretor Clínico da Federação Portuguesa de Ciclismo
As queixas gastrointestinais em atletas durante provas de longa duração são muito comuns.
Dependendo da metodologia utilizada e dos eventos estudados, estima-se que entre 30 a 90%
de atletas de endurance tenham tido episódios de transtornos gastrointestinais relacionados
com o exercício físico [1, 2]. Curiosamente, estes problemas são uma das causas mais comuns
de mau desempenho em provas de endurance pois em situação limite podem levar à
desistência do atleta. Por exemplo, numa prova de BTT - XCO, o aumento do desconforto
gastrointestinal esteve associado com uma redução no desempenho físico [3]. Em muitos
casos, estes problemas não só têm efeitos negativos sobre o desempenho físico, mas também
na recuperação posterior ao exercício físico.
Sabe-se que o desconforto gastrointestinal aumenta com a intensidade do exercício físico [4]
podendo estar associado a uma redução substancial do fluxo de sangue a nível intestinal e a
uma menor permeabilidade intestinal. Porém, ainda não é evidente a razão pela qual alguns
atletas são mais propensos a desenvolver problemas gastrointestinais do que outros. Verificase que atletas com histórico de sintomas gastrointestinais têm maior probabilidade de queixas
sugerindo-se uma componente genética para este tipo de problema [5]. As queixas mais
comuns relatadas pelos atletas incluem dor abdominal, náuseas, refluxo gastroesofágico,
cólicas abdominais, aumento da flatulência, fezes moles, diarreia ou mesmo diarreia com
sangue e vómito. Atletas com problemas gastrointestinais pré-existentes tais como o refluxo
gastroesofágico, intolerância à lactose ou síndrome do intestino irritável, são mais propensos a
transtornos gastrointestinais durante o exercício físico prolongado.
Além das causas de origem fisiológica e mecânica também a componente nutricional tem
impacto no distúrbio gastrointestinal. Alimentos que atrasem o esvaziamento gástrico e que
possam fazer deslocar água para o lúmen intestinal poderão causar distúrbios
gastrointestinais. Alimentos ricos em fibra, gordura, proteína e frutose têm sido associados
com um maior risco de desenvolver sintomas gastrointestinais [6]. Para minimizar o
desconforto gastrointestinal, estes fatores de risco devem ser tidos em conta reduzindo ou
evitando a sua ingestão 24 horas antes da competição e durante o exercício físico.
Gorduras e Proteínas
Alimentos com elevado teor em gordura e/ou proteína irão dificulta o processo de digestão
sendo por isso recomendado uma reduzida ingestão de alimentos ricos em gordura e/ou
proteína antes e durante o exercício físico.
Fibras
Alimentos ricos em fibra como hortícolas, fruta, leguminosas e alimentos/produtos
alimentares integrais devem fazer parte da dieta alimentar do ciclista devido à riqueza
nutricional destes alimentos (minerais e vitaminas). As fibras fornecidas por estes alimentos
são importantes para regular o trânsito intestinal, porém é preciso ter em conta que as fibras
não são digeríveis pelo nosso sistema digestivo o que poderá provocar sintomas
gastrointestinais em atletas mais sensíveis em situação de exercício físico. Assim, recomendase evitar alimentos com elevado teor de fibras no dia da competição ou até mesmo na
véspera.
Hidratos de Carbono
A ingestão de hidratos de carbono ao longo da prova, especialmente se esta for de longa
duração, é essencial para um apropriado fornecimento energético. Existem recomendações de
ingestão de hidratos de carbono tendo em consideração a duração do evento sendo também
recomendado ingerir diferentes tipos de hidratos de carbono (glicose, frutose, maltodextrina)
em eventos de longa duração em detrimento de apenas um tipo [7]. No mesmo artigo é ainda
referido que bebidas e soluções com elevada concentração de hidratos de carbono poderão
ser um risco para o desenvolvimento de sintomas gastrointestinais. Por exemplo, as
recomendações apontam para uma bebida desportiva com concentração de açúcares próxima
de 6g por 100ml. Não se recomendam bebidas desportivas que contenham uma quantidade
de hidratos de carbono elevada (superior a 8g por 100ml). Outro produto bastante utilizado
durante provas de maior duração é o gel e neste caso verificam-se grandes diferenças entre as
diversas marcas de géis comercializados [8]. Será recomendado, tal como nas bebidas
desportivas, a ingestão de um gel isotónico pois a maioria dos géis analisados necessitava de
uma ingestão adicional de água de forma a obter-se uma solução isotónica. Ainda nos hidratos
de carbono, é de evitar uma elevada ingestão de frutose pois esta irá aumentar o risco de
sintomas gastrointestinais pela acumulação deste açúcar no lúmen intestinal e consequente
fluxo de água. A frutose encontra-se de forma natural em alimentos com a fruta e o mel pelo
que se recomenda moderação na ingestão destes alimentos no dia e véspera da competição. A
frutose também é utilizada pela indústria alimentar e encontra-se numa diversidade de
produtos alimentares desde bebidas, bolachas, molhos entre outros. A frutose presente nas
bebidas desportivas em combinação com a glicose e outros açúcares não terá o mesmo
impacto negativo.
Leite
A ingestão de produtos lácteos pode também estar associada à ocorrência de transtornos
gastrointestinais. A intolerância à lactose, ainda que leve, é bastante comum e pode resultar
em aumento da atividade intestinal e diarreia ligeira. Apesar disso, um estudo recente
efetuado em trinta e duas ciclistas Australianas demonstrou que a ingestão de produtos
lácteos noventa minutos antes de um exercício prolongado de ciclismo extenuante não
provocou nem maior nem menor conforto intestinal ou desempenho físico em comparação
com uma refeição sem produtos lácteos [9]. Como recomendação geral, será de evitar a
ingestão de produtos lácteos que contenham lactose no dia e véspera do evento competitivo.
Dar preferência ao leite sem lactose ou a outras bebidas vegetais.
Desidratação
A desidratação irá exacerbar os sintomas gastrointestinais [6]. Sendo algo comum em
ambientes quentes, recomenda-se ao atleta uma cuidadosa estratégia de hidratação durante o
treino e competição pois desta reforma irá reduzir a sintomatologia gastrointestinal e prevenir
uma redução da performance atlética associada à desidratação.
Existe uma variabilidade de respostas à implementação de estratégias nutricionais, os atletas
não respondem todos da mesma forma. As recomendações previamente referidas podem não
resultar em todos os atletas daí a necessidade do atleta testar a sua alimentação e avaliar o
seu resultado em contexto de treino de forma a ter melhores indicações para o dia de
competição. Assim sendo, é fundamental que o atleta englobe as estratégias nutricionais no
processo de treino e não apenas em dia de competição. Por exemplo, atletas que não estão
habituados a ingerir líquidos e alimentos durante o exercício físico apresentaram um risco duas
vezes maior de desenvolver sintomas gastrointestinais em comparação com atletas habituados
a ingerir líquidos e alimentos durante o exercício [10].
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