a ética - Livraria da Travessa

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A ÉTICA
TEXTOS SELECIONADOS
O livro é a porta que se abre para a realização do homem.
Jair Lot Vieira
ARISTÓTELES
A ÉTICA
TEXTOS SELECIONADOS
tr adução e notas
Cássio M. Fonseca
A Ética
Textos selecionados
Aristóteles
Tradução e notas: Cássio M. Fonseca
3ª Edição 2015
© desta tradução: Edipro Edições Profissionais Ltda. – CNPJ nº 47.640.982/0001-40
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios, eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia,
gravação ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informações, sem permissão
por escrito do Editor.
Editores: Jair Lot Vieira e Maíra Lot Vieira Micales
Coordenação editorial: Fernanda Godoy Tarcinalli
Editoração: Alexandre Rudyard Benevides
Revisão: Francimeire Leme Coelho
Arte: Karine Moreto Massoca
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Aristóteles (384-322 a.C.)
A ética – textos selecionados / Aristóteles ; tradução e notas Cássio M. Fonseca – São Paulo :
EDIPRO, 2015. (Série Clássicos Edipro)
Título original: Hqika Nikomaceia (parcial)
ISBN 978-85-7283-899-3
1. Aristóteles – Ética. I. Título II. Série.
02-4573
Índice para catálogo sistemático:
1. Filosofia aristotélica : 185
CDD-185
SUMÁRIO
sobre o autor
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aristóteles: sua obra
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apresentação
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15
primeira parte:
O objeto da ética
e as opiniões do tempo
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21
segunda parte:
A virtude
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45
seção i – A virtude ética
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47
seção ii – Análise do ato prático
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61
seção iii – As virtudes dianoéticas
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77
terceira parte:
O fim do homem
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101
seção i – O prazer
|
103
seção ii – A felicidade
|
117
SOBRE
O
AUTOR
Aristóteles nasceu no ano de 384 a.C., em Estagira, cidade-colônia grega da Macedônia, na península trácia de Calcídia. Seus antepassados haviam sido médicos dos reis daquela nação. E é de supor que se
familiarizasse assim desde tenra idade com a ciência médica que o encaminhou para a observação empírica da natureza, bem antes de se consagrar à
ética dos socráticos, à retórica dos sofistas ou à metafísica de Platão. Ainda
jovem, aos 17 ou 18 anos de idade, dirigiu-se a Atenas, que se pode considerar sua verdadeira pátria espiritual. Ali viveu a maior parte de sua vida,
só abandonando-a quando se viu forçado ao desterro político.
Logo ao chegar, recebeu-o Platão como discípulo em sua Academia,
que Aristóteles frequentou até a morte do Mestre. O ambiente daquele
período de expansão do helenismo e de esplendor do pensamento grego
exerceu profunda influência em Aristóteles. Sentiu sobretudo o influxo
de Platão, o que mais sobressai, quer na filosofia teorética, quer na prática,
não obstante a atenção que devotou aos filósofos antigos, especialmente aos da escola jônica. Refere-se Olimpiodoro a um discurso epidíctico
composto por Aristóteles em homenagem a Platão, e a um poema elegíaco
em honra de um amigo que morrera, o cipriota Eudemo, onde em uma
passagem o elogio do morto se mescla à expressão de imensa admiração
por Platão ainda vivo.
Não impediu, contudo, essa admiração por Platão, a cujas doutrinas
aderiu inteiramente de início, que dele divergisse mais tarde em certas
questões fundamentais. Mas a explicação de sua atitude, muita vez mal
interpretada e combatida com paixão que descabe no campo da especula-
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| A ÉTICA – TEXTOS SELECIONADOS
ção pura, encontramo-la em uma bela frase em que afirma dever ser-nos
a verdade mais cara que o melhor amigo, e que pela verdade devemos renunciar até às nossas próprias convicções (Ética a Nicômaco, I, 6).
Aristóteles conheceu vicissitudes e agitações em sua vida. Muito cedo
ficou órfão de pai e mãe, porém a boa fortuna o fez encontrar carinhosos pais adotivos em Proxeno e sua mulher, que lhe guiaram os primeiros
passos no caminho da vida e da probidade, e custodiaram fielmente seu
apreciável patrimônio paterno.
Depois da morte de Platão transferiu-se Aristóteles para Aterna, na
Ásia Menor, a convite do príncipe Hérmias, de quem era amigo desde a
Academia. Sobrevinda a queda e o assassínio desse príncipe, dirigiu-se
a Lesbos, após ter salvo pela fuga Pítias, sobrinha e filha adotiva de Hérmias,
com quem se casou. Mas logo a levou a morte. E embora tenha contraído novo enlace com Herpile de Estagira, lembra ainda carinhosamente a
primeira esposa no seu testamento. De Herpile teve seu filho e discípulo
Nicômaco, a quem devemos a mais completa das Éticas, que nos ficaram
do autor do Órganon.
Recebeu, em 343 a.C., um convite do rei Filipe da Macedônia para se
encarregar da educação do filho, Alexandre. Aceito o convite, nasceu da
convivência entre o mestre e o discípulo sólida amizade. Sempre alimentou
Aristóteles grande simpatia para com Alexandre Magno, em cujo espírito
exercera benéfica influência. Mas tal simpatia nunca o levou a aprovar a
conduta do grande general e conquistador, como soberano, pois este nem
sempre seguiu os ensinamentos do Mestre. Alexandre se empolgou no remoinho da ambição e dos vícios da época, o que lhe torna às vezes opacas
a glória e as realizações.
Aos 50 anos regressou o Mestre à Atenas. No Liceu, ginásio que ficava
ao pé do templo de Apolo Liceu, fundou sua escola, que se denominou
Perípatos, ou escola peripatética (nome oriundo do passeio coberto do
Liceu), a qual chegou a eclipsar a Academia, nessa época dirigida pelo
discípulo de Platão, Espeusipo, cujas ideias combate na Ética e alhures.
Pouco antes de morrer, perseguiu-o uma série de infortúnios. Enorme
desgosto lhe causou o saber que Alexandre, embriagado, matara em um
acesso de cólera um sobrinho dele, Calístenes, filósofo que zombara dos
fastos orientais e das pretensões divinas do filho de Filipe e de Olímpias.
SOBRE O AUTOR |
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Quando morreu Alexandre, vítima de seus excessos, e a notícia chegou
a Atenas, Aristóteles, que fora sempre fiel e grato de favores, viu-se alvo da
mais triste ingratidão por parte da cidade que muito lhe devia por interferência dele junto à corte macedônia. Acusaram-no do delito religioso
de tributar honras divinas a um mortal, crime gravíssimo naquele tempo.
Embora sempre se tivesse alheado da política de Alexandre, alcançaram-no
as manifestações do ódio, longamente sufocado, contra o poderoso macedônio. Condenaram-no à morte por sedição. Subtraiu-se Aristóteles à
fúria do povo, o mesmo povo que já condenara Sócrates, votando-se ao
desterro voluntário.
E no verão de 322 a.C., na cidade de Cálcis de Eubeia, que acolhera
o êxule, morreu Aristóteles, o maior dos sábios que fizeram a glória e a
eternidade da tradição clássica da Hélade.
ARISTÓTELES:
SUA
OBRA
Já no tempo de Platão começou Aristóteles a construir sua obra,
que tamanha influência viria exercer nas sucessivas experiências e fases do
pensamento humano através das idades. Compõe seus primeiros escritos,
tomando por modelo o chefe da Academia, tanto na matéria quanto na forma de exposição. Infelizmente se perdeu a maior parte de sua obra literária,
principalmente os diálogos, gênero altamente apreciado na Antiguidade,
dos quais apenas restam poucos e insignificantes fragmentos.
Embora muito lhe houvesse aproveitado o modelo platônico, não chegou Aristóteles a ombrear com o autor da República na beleza da forma;
mas neste ponto constitui glória para o Estagirita o ter sido classificado
por Cícero no segundo lugar, depois de Platão, quanto ao modo de expor
suas doutrinas, tanto do ponto de vista didático como estético.
A forma dos escritos doutrinários que chegaram até nossas mãos admite supor que não são obras definitivas e destinadas a amplos círculos de
leitores, senão apontamentos das lições aristotélicas, nos quais, decerto,
se entremeteram fragmentos procedentes de épocas várias e que frequentemente discrepam entre si. Para desfigurar o texto aristotélico original
contribuíram o primitivo dos meios de reprodução, as compilações e traduções incompletas e descuidadas, as tendências partidárias dos copistas
e adaptadores, que sem cerimônia acrescentavam, suprimiam ou transpunham, no afã de acomodação e justificação de suas próprias ideias. Esses
escritos, muito embora se deva reconhecer neles vigor, profundidade e
plástica de expressão, deixam às vezes muito a desejar, e mesmo em questões de monta, com respeito à exposição. Deparam-se repetições inúteis e
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| A ÉTICA – TEXTOS SELECIONADOS
inoportunas; surgem explicações deslocadas e extemporâneas, e por vezes
pecam até por obscuridade. Ora uma concisão excessiva, ora uma expressão equívoca tornam ininteligível mais de um trecho.
Possuímos de Aristóteles escritos “lógicos”, colecionados desde a Antiguidade sob o título de Órganon, instrumento do saber científico, especialmente os dois livros analíticos, com a teoria da conclusão (a mais
importante aquisição lógica de Aristóteles), os pequenos escritos sobre
as Categorias e sobre a Proposição e os Tópicos, com o escrito sobre as conclusões sofísticas, instrumento da arte de discutir. No domínio das ciências naturais, existe a Física, com os escritos Do Céu, Geração e Corrupção
e Meteorologia. Ademais, conforme a ordenação de suas obras, segue-se
o escrito sobre os princípios do ser, sobre a filosofia “primeira”, cuja colocação casual deu à disciplina ali tratada o nome de Metafísica, é dizer,
“depois da física”, “mais além da física”. Na Zoologia, a sua contribuição
foi a História dos Animais, obra essencialmente comparativa de anatomia
e fisiologia. Sobre Psicologia escreveu o Da Alma. Ainda, as três Éticas: a
Ética a Nicômaco, a Ética a Eudemo e a Grande Ética, que se juntam com
a Política, onde culmina a ética aristotélica; da Política fazia parte, como
material de estudo e pesquisa, um escrito que expunha as Constituições
de muitos Estados gregos, das quais foi conservado o Estado Ateniense.
Por fim, a Retórica e a Poética.
Durante a evolução do pensamento filosófico, desde a decadência
grega até os nossos dias, observa-se que inúmeros filósofos, ou que de tal
fizeram profissão, antigos, medievais e até modernos, procuraram invariavelmente, quase como um dever, estabelecer uma rigorosa e integral
oposição sob todos os aspectos entre o pensador da Academia e o sábio
do Perípatos.
A limitada visão de alguns chegou até a sugerir, o que refoge ao âmbito
de toda especulação e aberra das investigações filosóficas, a supor questão pessoal, rivalidade, inveja... Semelhante modo de encarar o assunto
deixou, entretanto, de merecer consideração e exame. O progresso do pensamento humano trouxe consigo a superação das classificações puramente
extrínsecas e simplistas, e busca em maiores horizontes um sentido e uma
compreensão mais amplos e profundos. Não mais somos escravos da fórmula, da partição e divisão exterior, não tem mais sentido discutir se a
individualidade humana é uma composição do elemento “corpo” com o ele-
ARISTÓTELES: SUA OBRA |
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mento “alma”. Aristóteles divergiu, discordou, criou, mas nunca repudiou
inteiramente as ideias de Platão, nem o poderia fazer. Sempre os uniu a
ambos um traço comum e indelével, que foi o clima espiritual, o ambiente
intelectual em que se formaram. O Estagirita jamais deixou de ser um legítimo grego, como Platão, discípulo e continuador da obra de seu Mestre.
Entretanto, ante o rumo tomado pelas suas especulações, lembra-nos o
criador das “Ideias”, como poeta entusiástico e religioso, como pensador,
como reformador social e político, os vultos de Tales, Pitágoras, Parmênides, com os quais alvorece a filosofia grega. Ao passo que Aristóteles,
investigador, experimentador, observador e sistematizador, obreiro incansável do material da experiência objetiva, recorda o tipo genuíno do
sábio que, desde Anaxágoras e Demócrito, surgira no mundo helênico.
Mas fora de todo impróprio opor irremediavelmente o “idealismo” platônico ao “realismo” aristotélico, e equiparar assim suas atitudes e antíteses
inconciliáveis, muito especialmente se levarmos em conta a considerável
diferença do conteúdo daquelas expressões, dos conceitos de idealismo e
realismo, que se transformaram fundamente nos vários estágios do pensamento filosófico. Impossível, hoje, no sentido vivo da palavra, considerar
Aristóteles um “realista”, em termos de filosofia moderna.
APRESENTAÇÃO
A Ética de Aristóteles chegou até nós em três redações: a Ética a Nicômaco, em dez livros; a Ética a Eudemo, em oito livros; e a Grande Ética,
em dois livros. Muito se discutiu sobre a autenticidade e a época em que
foram escritas aquelas obras. Mas hoje a tendência é considerar que não só
a Nicomaqueia como a Eudêmia e a Grande Ética são autênticas, pertencendo as duas últimas a um período anterior do pensamento aristotélico.
A Nicomaqueia parece refletir, segundo as autoridades, a doutrina do período mais maduro, porque sobrepuja largamente as outras pela ordem,
pela inteireza, pelo valor literário, chegando a ser considerada, por antonomásia, a Ética de Aristóteles.*
O nome de Ética significa “ciência do costume”. Tenha-se presente
sempre que ao tratar da atividade prática, o objeto peculiar da Ética, Aristóteles distingue nitidamente pontos de vista inteiramente diversos: um
propriamente dialético, filiado ao conceito aristotélico da Dianoia (lei
do que em nós é propriamente humano); o outro, metafísico, e filiado ao
conceito do Nous (a vida do divino em nós, a inteligência pura).
A Ética de Aristóteles une-se estreitamente aos conceitos fundamentais da Metafísica. De cada ser é própria uma certa essência e com tal essência uma certa atividade, que é justamente a expressão, a exteriorização
em ato daquela essência. Mas semelhante atividade é determinada por um
*. A presente obra, A Ética – textos selecionados, constitui-se de um conjunto de fragmentos
extraídos exclusivamente dos livros I, II, III, VI e X da Ética a Nicômaco. Ademais, Ética a
Nicômaco e Ética a Eudemo, textos integrais disponíveis em Clássicos Edipro. (N.E.)
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| A ÉTICA – TEXTOS SELECIONADOS
fim: a forma que atua no ser é simultaneamente o fim (Telos), a que se
endereça a atividade dele.
Mas qual vem a ser o fim? O fim que é o “sumo bem” do homem. Esse
fim é chamado Eudemonia. Mas em que consiste a eudemonia, a felicidade? (Note-se que a palavra “felicidade” não corresponde exatamente à
“eudemonia” grega; tem novo e mais rico sentido subjetivo). Divergem
as opiniões dos filósofos. Aristóteles, porém, segue outro rumo: seu ponto de vista não é o bem supremo, senão a essência do homem e a atividade
que por sua essência lhe é adequada. O homem é um “ser racional”: a atividade racional (do Nous), o pensamento é a Expressão da essência dele, o
meio para a realização de seu fim, de seu bem supremo. No pensamento
consiste, portanto, a “virtude” do homem, a vida teórica sobrepõe-se à
vida prática, a vida contemplativa é a melhor de todas as vidas, é a vida
perfeita, “divina”. Mas as próprias virtudes práticas de domínio de si mesmo, de temperança, de magnanimidade, e outras, revelam a superioridade
da razão no procedimento. E a influência da razão consiste em que esta
conserva sempre a justa medida, a mediania universalmente válida entre o
excesso e a falta. Por isso toda virtude é o termo médio entre dois extremos,
ou dois vícios. Não simplesmente um termo médio aritmético-mecânico,
senão verdadeiramente racional. Desse modo, a fortaleza é o verdadeiro
termo médio entre a covardia e a audácia, a temperança o justo meio entre
a intemperança e a insensibilidade, a liberalidade entre a prodigalidade e a
avareza, a conservação da personalidade a reta medida entre a renúncia do
pusilânime e a presunção do orgulhoso. Aqui se nos depara o juízo, lidimamente grego, de medida e equilíbrio, de harmonia e beleza.
O homem é um ser feito para a convivência social (é um ser político no
sentido grego da palavra, que aqui não representa homem de Estado, mas
sim o homem de vida pública). O sumo bem não se realiza, portanto, na
vida individual humana, porém no organismo superindividual do Estado: a Ética vai culminar na Política. Aristóteles renuncia ao Estado ideal
utópico, à unidade abstrata ideal; antes pelo contrário, ele busca o mais
íntimo contato com a realidade político-histórica. Partindo das Constituições em voga, procura discernir em cada uma a forma degenerada e a
forma justa e racional; e aqui também encontra o ideal no justo meio.
Um dos pontos que devemos ter sempre em mente para a compreensão da Ética grega, e também de muitos dos seus conceitos e ideias, é o
APRESENTAÇÃO |
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liame indissolúvel entre os conceitos de beleza e bondade. A união destes
dois conceitos é para nós dificílima, visto que ambos são muito diferentes
dos seus correspondentes modernos; para o grego, no entanto, era natural
e claro passar de um a outro. O espírito grego era dominado pela ideia da
medida e da simetria, do que dá mostra a doutrina pitagórica. O excesso e
a falta o desagradavam igualmente. Amava a vida, mas sem ardor, considerando-a aprazível quando bela; se não fora, preferível morrer. A exuberância de energias era nele mitigada por instintiva elegância e comedimento
no sentir. Necessitava de ação, porém, de ação harmoniosa. Essa disposição
espiritual coloriu também a filosofia grega, cujo mérito principal será sempre o de ter, com maravilhosa finura de intuição, apreendido as antíteses
que se acham para além da realidade, buscando-lhes a concordância.
A teoria platônica das ideias deu o nome àquele “idealismo” que na
esfera do “ideal” vê o domínio de uma realidade mais elevada e ainda o
sentido profundo de toda existência real. Diante desse idealismo e nesse sentido, Aristóteles se mostra como um “realista”, guardando-se, como
já se observou, as devidas proporções quanto à significação das palavras.
De fato, realista o torna seu imenso conhecimento de fatos, resultado de
infatigável atividade de pesquisador. Mas tampouco se livrou Aristóteles
do perigo que corre o “realista”, principalmente onde trata de coisas humanas: “o perigo de considerar eternas as realidades de hoje, ou talvez já
de ontem”.
Pode-se, pois, dizer que a verdadeira e principal continuação científica
da filosofia grega e da obra de Platão se encontra na obra de Aristóteles,
que no seu legado intelectual transmite com vigorosa expressão o tesouro
da experiência e do pensamento do seu tempo.
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