APELAÇÃO CÍVEL Nº 399.725-1, DA 3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE LONDRINA. Apelantes – Ronald Irineu Paleari e Sandra Mara Nascimento Paleari . Apelado – Condomínio Edifício Eurocenter. Relator – Desembargador Tufi Maron Filho. Apelação Cível. Restituição de valores. Condomínio. Contrato de construção por administração e outras avenças. Aplicação do Código do Consumidor. Impossibilidade. Exclusão dos condôminos inadimplentes. Leilão extrajudicial. Aquisição por valor suficiente para o pagamento da dívida. Legalidade. Restituição de saldo. Inviabilidade. Recurso desprovido. I - Por tratar-se de edificação pelo sistema de incorporação imobiliária a preço real, a regulamentação é dada pela Lei nº 4.591/64, descabendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor por inexistir a figura do fornecedor do produto ou serviço, tampouco a do consumidor. II - Observados os procedimentos legais e contratuais para a alienação do imóvel pertencente ao condômino inadimplente, não há que falar em enriquecimento ilícito ante a inexistência de saldo a ser restituído. III – Recurso de apelação que não merece provimento. (Apelação Cível nº 399.725-1) 2 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 399.725-1 da 3ª Vara Cível da Comarca de Londrina, deste Estado, em que são apelantes Ronald Irineu Paleari e Sandra Mara Nascimento Paleari e apelado Condomínio Edifício Eurocenter. Acordam os Desembargadores do TRIBUNAL DE JUSTIÇA do Estado do Paraná, em sua Nona Câmara Cível, por unanimidade de votos negar provimento ao recurso de apelação, nos termos deste julgamento. I – RELATÓRIO Ronald Irineu Paleari requereu restituição de valores em face de Condomínio Edifício Eurocenter, alegando em síntese que adquiriu a titularidade do direito sobre uma fração do terreno localizado na Data 1/2, da quadra nº 5 do Jardim Lyilian, com área total de 1.782,380 m², com confrontações e demais características constantes da Matrícula nº 48.175 do Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício da Comarca de Londrina, equivalente a 13,401 m², correspondente a sala nº 1003, do 10º pavimento superior do Condomínio Edifício Eurocenter, a ser construído por Montosa Construtora Ltda. 1 Alegou que em virtude de dificuldades financeiras, viu-se obrigado a cessar o pagamento das prestações, o que deu causa 1 Petição inicial (f. 02 usque 17). (Apelação Cível nº 399.725-1) 3 à resolução do contrato, sendo o imóvel leiloado extrajudicialmente pelo valor correspondente ao saldo devedor, em data de 08/07/2004. Requereu assim, a devolução dos valores que pagou até a rescisão contratual e leilão extrajudicial do imóvel, que foi arrendado por terceiro e em valor correspondente ao saldo devedor, restando demonstrado que, mesmo inadimplente, teria contribuído parcialmente para a construção do empreendimento. Posteriormente, o réu pediu a inclusão da esposa do autor - Sandra Mara Nascimento Paleari - no pólo ativo da ação, o que foi deferido2. O MM Juiz a quo julgou3 improcedente o pedido inicial, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitrou em R$ 1000,00 (um mil reais). Inconformados com a r. sentença a quo, Ronald Irineu Paleari e Sandra Mara Nascimento Paleari apelaram4 pleiteando sua reforma. Alegaram que a sentença está em manifesto confronto com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria em questão, pois este entende que o contrato de incorporação não afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor e dos princípios gerais de direito que vedam o locupletamento de uma parte em detrimento de outra. Ressaltaram também que o imóvel foi leiloado extrajudicialmente e vendido a terceiro pelo valor do saldo devedor, afastando a possibilidade de prejuízo ao condomínio ou à incorporadora. Além disso, afirmaram que embora a lei possibilite o leilão, não autoriza que o faça por preço vil, prejudicando interesse alheio e se locupletando dos valores pagos. Preparado5 e Contra-arrazoado6 o recurso de apelação, vieram os autos a esta Corte de Justiça. 2 Despacho (184) Sentença (f. 188 usque 194). 4 Recurso de Apelação (f. 197 usque 211). 3 (Apelação Cível nº 399.725-1) 4 Eis o relatório, passo a decisão. II – VOTO E SEUS FUNDAMENTOS Os pontos determinantes do presente recurso cingem-se à possibilidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor na solução da controvérsia e a ocorrência de enriquecimento ilícito por parte do condomínio ao não restituir os valores pagos pelo imóvel, com as devidas correções, aos condôminos, ora apelantes. Primeiramente se faz importante esclarecer no presente feito, que por tratar-se de edificação pelo sistema de incorporação imobiliária a preço real, a regulamentação é dada pela Lei nº 4.591/64, que em seu artigo 63 estatui: "Art. 63 - É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento, por parte do adquirente ou contratante, de 3 prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicialmente, quer alteradas ou criadas posteriormente, quando for o caso, depois de prévia notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implique na rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou que, na falta de pagamento, pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de terreno e à parte construída adicionada, na forma abaixo estabelecida, se outra não fixar o contrato. § 1º Se o débito não for liquidado no prazo de 10 dias, após a solicitação da Comissão de representantes, este ficará, desde logo, de pleno direito, autorizada a efetuar, no prazo que fixar, em público leilão anunciado pela forma que o contrato previr, a venda, promessa de venda ou de cessão, ou a cessão da cota de terreno e correspondente parte construída e direitos, bem como a sub-rogação do contrato de construção. 5 6 Preparo (f. 212 usque 213) Contra-razões (f.216 usque 229). (Apelação Cível nº 399.725-1) 5 § 2º Se o maior lanço obtido for inferior ao desembolso efetuado pelo inadimplente, para a quota do terreno e a construção, despesas acarretadas e as percentagens expressas no parágrafo seguinte, será realizada nova praça no prazo estipulado no contrato. Nesta segunda praça, será aceito o maior lanço apurado, ainda que inferior àquele total. § 3º No prazo de 24 horas após a realização do leilão final, o condomínio, por decisão unânime de assembléia geral, em condições de igualdade com terceiros, terá preferência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio. § 4º Do preço que for apurado no leilão, serão deduzidas as quantias em débito, todas as despesas ocorridas, inclusive honorários de advogado e anúncios, e mais 5% a título de comissão e 10% de multa compensatória, que reverterão em benefício do condomínio de todos os contratantes, com exceção do faltoso, ao qual será entregue o saldo, se houver.” Ao contrário do que alegam os apelantes, não há que falar em aplicação do Código de Defesa do Consumidor, posto que trata de um condomínio constituído por um grupo de pessoas que, sem fins lucrativos, reuniram-se no intuito de construir um edifício por administração e a preço real, inexistindo assim, a figura do fornecedor do produto ou serviço, tampouco a do consumidor. Carreando os autos, pode-se verificar que todas as formalidades legais foram cumpridas pelo condomínio requerido: os recorrentes foram devidamente notificados7 para que no prazo de 10 dias efetuassem o pagamento do saldo devedor, e ante a inércia dos condôminos inadimplentes, ora recorrentes, fora realizado leilão8 extrajudicial, onde não houve lançador na primeira oportunidade. Porém, no segundo leilão ocorreu a arrematação no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil), que serviu para o pagamento da dívida dos autores e despesas com honorários advocatícios, anúncios, notificações e comissão do leiloeiro. Portanto, não se vislumbra, no caso em apreço, o alegado enriquecimento sem causa, posto que a própria Lei nº 4.591/64, que rege as incorporações imobiliárias prevê em seu artigo 63, parágrafo 7 8 Notificação (f. 140 e 147). Ata de Leilão Público e Carta de arrematação (f. 153 e 154). (Apelação Cível nº 399.725-1) 6 quarto, a devolução do saldo, se houver, após a dedução dos encargos oriundos do procedimento. Diante do que, podemos concluir pela inexistência de saldo a ser devolvido. Importante ressaltar que os apelantes poderiam ter se insurgido na época oportuna, ou seja, após a notificação do leilão extrajudicial, todavia não demonstraram interesse em pagaram o débito e nem ao menos se justificaram pelo descumprimento da obrigação. Aliás, conforme bem salientado pelo eminente juiz a quo: “O leilão extrajudicial não implica em ofensa a qualquer garantia constitucional, na medida em que a legislação não veda ao condômino inadimplente o acesso ao Judiciário para discutir direitos e obrigações. Com efeito, se era do interesse dos autores impedir a venda extrajudicial de sua cota condominial, deveriam ter promovido a ação pertinente na época oportuna”9 Assim, verificando-se que o imóvel leiloado restou arrematado tão somente no valor suficiente a ressarcir os custos e despesas provocados pelo inadimplemento dos recorrentes, descabida a devolução de parcelas ante a ausência de saldo remanescente. Neste sentido esta Câmara se manifestou na apelação cível nº 320.690-6, de minha relatoria, tendo como respaldo os seguintes precedentes jurisprudenciais: “AÇÃO ORDINÁRIA. CONSTRUÇÃO EM CONDOMÍNIO SOB O REGIME DE ADMINISTRAÇÃO. INADIMPLÊNCIA POR PARTE DE CONDÔMINO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL DO IMÓVEL. ALEGADA NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MATÉRIA QUE SE REGE PELA LEI Nº 4.591/64. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO."10. 9 Sentença (f.191) TJPR - Ac nº 12304 - Des. Relator Vicente Misurelli - 6ª CCv. - DJ 07.06.2004. 10 (Apelação Cível nº 399.725-1) 7 "AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA CUMULADA COM RESTITUIÇÃO INTEGRAL DE PARCELAS PAGAS COM INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA - INAPLICABILIDADE DE CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - FRAÇÃO LEILOADA - RESCISÃO CONTRATUAL - INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - LEI Nº 4591/64 - ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - INOCORRÊNCIA - CABE AO ANTIGO TITULAR, EXIGIR SALDO, SE HOUVER, APÓS O VALOR ARRECADO COM O LEILÃO, ABATIDAS AS DESPESAS LEGAIS - RECURSO IMPROVIDO. 1 - A construção de edifícios residenciais por administração própria ou a preço de custo é regulada por lei específica, sendo inaplicável as disposições do Código de Defesa do Consumidor. 2 Somente pode o condômino retirar-se do empreendimento por intermédio de alienação para terceiro ou pela falta de pagamento, hipótese em que o Condomínio providenciará o leilão extrajudicial. 3 - É carecedor de ação por falta de interesse de agir o antigo titular, que perdeu o imóvel no leilão pelo saldo devedor, somente podendo exigir se deduzidos os encargos legais, restasse saldo."11 "AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS. CONSTRUÇÃO DE EMPREENDIMENTO SOB A FORMA DE ADMINISTRAÇÃO PRÓPRIA OU A PREÇO DE CUSTO. RETIRADA DE CONDÔMINO. SITUAÇÃO SEM SIMILITUDE COM COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI ESPECÍFICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. 1. A construção de edifício por administração própria ou a preço de custo é regulada especificamente pela Lei nº 4591/64. 2. O condômino não tem direito de retirar-se do empreendimento mediante simples rescisão como se fora mero compromisso de compra e venda. 3. A retirada somente será possível por intermédio de alienação para terceiro ou pela falta de pagamento, hipótese em que o condomínio providenciará leilão extrajudicial. 4. 11 TJPR - Ac. nº 2940 - Rel. Des. Eraclés Messias - 7ª C. Cível - DJ. 13.09.2004. (Apelação Cível nº 399.725-1) 8 Se o condomínio não reúne a condição de fornecedor e nem o condômino a de consumidor final inaplicável é o Código de Defesa do Consumidor. Apelação desprovida."12 Ex positis, a prova e ao direito invocado, meu voto é no sentido de negar provimento ao recurso de apelação. III - DECISÃO Estas as razões pelas quais a Nona Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA do Estado do Paraná, por unanimidade de votos negou provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento o Senhor Desembargador, Tufi Maron Filho, Presidente e Relator, Juiz Convocado Antônio Ivair Reinaldin e o Desembargador Edvino Bochnia. Curitiba, 26 de abril de 2007. Tufi Maron Filho Relator ctr 12 TJPR - Ac. nº 16.650 - 3ª C. Cível - Rel. Des. Rosene Arão de Cristo Pereira. DJ 21.02.00.