Considerações sobre as origens do Homem Americano e o povoamento inicial da América Hugo Di Domenico (da Academia Taubateana de Letras e Academia de Letras de Lorena) O assunto do qual vamos tratar neste artigo representa um despertar da consciência dos brasileiros nestes últimos tempos para o estudo de uma pré-história brasileira abrangente não apenas nos aspectos e achados arqueológicos, mas, sobretudo, no conhecimento, na análise e na interpretação das muitas verdades que se ocultam no linguajar primitivo dos indígenas brasileiros, especialmente os do tronco Tupi, cujos dialetos são estudados sob o nome geral de Língua Tupi ou Língua Tupi-Guarani. A proto-história da literatura oral tupi e tapuia compreende todos os acontecimentos, lendas, mitos, contos guerreiros, poesias religiosas, poemas e epopéias épicas orais em prosa e verso que eles guardam na memória de suas tradições, e que expressam os seus sentimentos, suas emoções, seus amores, a criação do mundo, das plantas, dos animais, a origem das raças, a beleza do Sol e da Lua, das florestas, dos rios, dos lagos, das montanhas, do mar, tudo isto dito com a sonoridade tão rica e dominante da língua brasílica, com bem o disse Adaucto Fernandes em sua Gramática Tupi (Histórica, Comparada e Expositiva). Considerações gerais sobre as origens do homem americano são necessárias posto que as línguas indígenas estão intimamente relacionadas com o contingente racial que para cá emigrou através dos milênios que se sucederam. Por esta razão abrimos a nossa conversa de agora com o tema “Considerações sobre as origens do homem americano e o povoamento inicial da América. Numa segunda fase prosseguiremos com comentários sobre a influência do Tupi no Português do Brasil. Parece fora de dúvida que no estudo da antropologia física e cultural dos povos indígenas americanos os autores estejam de acordo que os elementos raciais mais impotantes na formação dos povos indígenas do Novo Continente foram o mongol-asiático – como o mais preponderante –, o malaiopolinésio e o australiano. Houve ainda uma concorrência uraliana (esquimó) e outra sino-tibetana. Durante milênios estas tribos invasoras, nômades, principalmente cita-mongóis, penetrando em território americano, mesclaram as suas culturas, os seus hábitos de vida, as suas linguagens, as suas lendas, estabelecento uma ética de conduta condizente com o progresso evolutivo e cultural que a natureza lhes oferecia e suas necessidades primordiais lhes exigiam. O Istmo de Behring, entre o Alaska e a Rússia, foi sem dúvida alguma a principal rota de migração dos povos asiáticos, o corredor de entrada, uma vês que tempo houve em que a América estava ligada à Ásia e onde é hoje o Estreito de Behring era um istmo que poderia ser transposto a pé sobre as geleiras então ali existentes. Interessante assinalar o que disse o Dr. E. A. Hooten após seus estudos antropológicos relativos aos esqueletos dos índios de Peco, cidade “pré-histórica” da época pré-colombiana. “Entre os diversos tipos de crâneos que estudou, o Dr. Hooten constatou a existência de um negróide. Tirou de seus estudos a certeza duma migração, por via do Estreito de Behring e após a retirada dos últimos gelos, dum grupo misto de dolicocéfalos, compreendendo um elemento mediterrâneo, um elemento negróide e um elemento mais primitivo representando em parte os Aino, do Japão. Numa época posterior ter-se-ia dado a invasão mongolóide do Novo Mundo tendo os invasores suplantado seus predecessores ou se mesclado com eles”. (do livro Paleontologia Brasileira – Série A-1 de Carlos de Paula Couto – Paleontólogo do Museu Nacional) Também o arquipélago das Aleutas que se prolonga em direção ao sudoeste do Alasca e limita ao sul o mar de Behring supõe-se ter sido caminho para esta travessia. Os polinésios, como excelentes navegadores que eram, em levas sucessivas teriam atingido o litoral da América do Sul através do Oceano Pacífico apesar das frágeis embarcações feitas com troncos de árvores, possibilidade esta perfeitamente demonstrada nos tempos modernos pelo navegador sueco Thor Heyerdhal que em uma embarcação semelhante as que usavam os polinésios realizou a travessia do Pacífico viajando do Chile até a Melanésia. As migrações vindas da Austrália cruzaram também o Pacífico atingindo o Estreito de Magalhães e suas ilhas entre as quais a Terra do Fogo, e daí para a Patagônia e outras partes da América do Sul. Os esquimós, cujas características físicas evidenciam ser gente da raça mongólica, de cor amareloparda, vieram como todos os outros, da Ásia. Seguiram principalmente a costa siberiana, atingiram o Alasca, as planícies do Canadá, a Groenlândia, enfim espalharam-se por toda a região ártica do norte da América. Constituem até hoje um povo bem distinto dos que os rodeiam pois conservaram em grande parte os seus costumes, os seus hábitos, as suas tradições, suas moradias (os iglus) temporárias etc e sua língua não tem parecença com a língua dos índios americanos. E assim, após um calendário de sucessivos milênios talvez após a penúltima e última das eras glaciais, cerca de 30.000 anos passados, estes povos atingiram a América e deste torvelinho de raças e de línguas nasce por todo o território americano o tipo ameríndio que, espalhado pela América do Norte, pelo Canadá, pelo México e demais países da América Latina, pelos Andes, pelo litoral do Pacífico, a Patagônia e todo o litoral do Atlântico, vadeando rios e transpondo montanhas e florestas, veio a constituir a população indígena do Novo Continente cada qual com seu linguajar, seus costumes, sua ética de comportamento, seus mitos e lendas, seus rituais, suas religiões etc. No México, a partir de 7.000 a.C., já apareceram as primeiras povoações Olmecas de caráter rural, desenvolvendo o plantio do milho, do feijão, do abacate, domesticando animais. Na seqüência dos milênios que se passaram até 400 a.C., quando então começa o seu declínio, esta civilização desenvolveu notáveis obras de arte arquitetônica em seus templos, seus monumentos. Trabalhos de cerâmica, de terracota etc, etc, manifestaram a expressão artística deste povo cuja civilização é hoje considerada como a “cultura mãe” do antigo México. Ergueram as mais antigas obras arquitetônicas da Mesoamérica. A esta civilização sucederam-se entre outras, paulatinamente, a dos Zapotecas, entre 600 e 800 a.C, a cultura Teotiuacã (200 a 900 d.C.), a civilização El Tajin (250-1150 d.C.), a dos Maias (250 a 950 d.C.), estes observadores das estrelas, como foram conhecidos, vivenciaram a mais considerável e notável civilização da Mesoamérica pré-colombiana, com suas poderosas cidades-Estado, suas culturas monumentais, seus observatórios astronômicos, seus templos, sua escrita, seu calendário. Por causas ainda não conhecidas ou não bem esclarecidas estas cidades foram abandonadas. Esta é a época em que do Norte do México descem os Toltecas que subjugam a etnia maia (900 – 1521 d.C) e fundam o seu império que acabou se fragmentando e se enfraquecendo em virtude de lutas internas entre as dinastias e, em 1524, foram derrotados definitivamente pelos espanhóis na batalha de Utatlã. A partir de 1250 começaram a chegar tribos procedentes do norte do México, de língua náuatle (língua falada pelos astecas e nome tribal) que davam a si mesmo o nome de “mexica”, palavra náuatle significando o “deus asteca”. Foram eles chamados de astecas por terem vindo, de acordo com a lenda, da mística Aztlã (Ilha Branca). Dominaram desde o Vale do México à Guatemala, atingindo o apogeu de seu desenvolvimento sob o reinado de Montezuma II, o qual morreu em 1521 com pedra atirada por seus próprios súditos por ter se submetido à vontade dos espanhóis. Por outro lado, no sul do continente surgiram as civilizações andinas abrangendo o Equadro, a Bolívia, a Colômbia e o Peru, de onde surgiu o vastíssimo Império dos Incas, de vastíssima dimensão, que acabou sendo destruído pelos espanhóis e anexado à Coroa de Castela, em 1572, depois da morte de Atahualpa, último representante da dinastia Tupac Amaru, por Pizarro, em 1533. O estudo destas civilizações que floresceram nas Américas ao tempo pré-colombiano não é o objetivo deste artigo, como também não o é o estudo das civilizações indígenas do território brasileiro, argentino, paraguaio e uruguaio, cujos representantes tiveram a mesma origem ancestral asiática que todos os ameríndios. Este assunto será motivo para um novo trabalho que oportunamente haveremos de realizar. Nosso estudo de hoje tem em mira apenas as origens do homem americano e cujas considerações já o fizemos de maneira sintética, mas obedecendo os critérios determinados pelos historiadores, arqueólogos, etnólogos, pesquisadores, enfim aqueles estudiosos e cientistas responsáveis pelo saber humano. Entretanto, não podemos também deixar de acrescentar as considerações que seguem, pois que embora não tenham ainda uma colocação oficial dentro dos critérios da história e da ciência, são contudo expressões, crenças, conclusões, opiniões e hipóteses plausíveis de se tornarem realidades no correr dos tempos, mas que no momento são contudo suficientes colaboradoras oferecendo aos estudiosos os recursos necessários para um estudo mais atrativo e apurado de forma global e comparada. O que se tem de mais oficialmente aceito é a de uma origem monogenética para o homem primordial, na África e de lá se espalhando para todo o planeta, ganhando em cada região as características que o identificam como brancos, negros, amarelos ou vermelhos (amarelo bronzeado), neste caso os ameríndios. O etnólogo argentino Ameghino (Ameguino) contudo coloca também o ameríndio como autóctone, porém segundo ele os primeiros homens nasceram não na África, mas na Patagônia, de lá se expandindo para todos os demais continentes. Ambas as teorias são monogenistas. Os poligenistas defendem a tese de que os homens são autóctones das diversas regiões onde a história os encontrou nos tempos primordiais. Assim, os asiáticos teriam tido a sua origem na Ásia, os africanos na África, os europeus na Europa e os ameríndios na América. Os que aceitam sem restrições a lendária Atlântida, continente que teria existido ocupando parte do Oceano Atlântico, descrita por Platão no Timeu e no Crítias, aceitam também a migração de contingentes populacionais daquela região. Péricles Homem de Mello, em “Kultur”, órgão da C. M. Cultura e C. M. Turismo de Pindamonhangaba, em uma síntese bem concisa sobre o assunto, lembra Arius Montanus que afirmou em seu livro Bíblia poliglota “que a América havia sido colonizada por Jectão, bisneto de Sem, filho de Noé”, afirmação esta feita em 1570 e a seguir cita o livro de Gregório Garcia de 1607 Origem de los índios del Nuevo Mundo, “no qual procura demonstrar as afinidades intelectuais e lingüísticas existentes entre os índios e os judeus”. Historiadores há que afirmam a vinda para o continente americano das famosas tribos perdidas de Israel quando, em 721 a.C., os assírios ocuparam Israel e com as sucessivas deportações em massa, estas tribos desapareceram. Não narra também “O Livro de Mórmon” como registro histórico a presença dos israelitas na América, que aqui se refugiaram muitos séculos antes de Cristo? O Diário de São Paulo de 15.01.1961, publica uma reportagem de Margarida Izar, como o nome Cristo teria aparecido aos homens da América depois da Ressurreição, entre outras coisas o seguinte: “Um estudioso italiano encontrou, na Colômbia, uma tribo índia, os Aruacos, cujos homens se vestem impressionamente igual ao do povo da velha Palestina, remanescendo nos hábitos femininos, o uso dos véus. Por outro lado, pesquisadores notaram semelhança entre os emblemas dos Templos maias e os do Templo de Salomão. Em Chichen-Itza e outras velhíssimas cidades de civilização maia, esculturas e murais seculares tem evocações hebraicas”. Péricles Homem de Mello refere ainda em seu artigo que John Ranking, em seu livro publicado em 1829 “diz que em 1380, quando Kublai Khun tentava a conquista do Japão, sua esquadra dispersada por uma tempestade, veio dar às costas sul-americanas, iniciando-se assim a colonização do Peru”. Os fenícios enfraquecidos militarmente desde a expulsão de Tiro por Alexandre Magno e depois de Cartago pelos romanos, dizem alguns autores, rumaram para a América que eles já conheciam devido ao comércio da tinta vermelha de que eram detentores (referência ao pau-brasil). Os cários, que eram da mesma etnia fenícia e cananéa e que foram grandes navegadores em época remota também para cá vieram e o prefixo “car” frequentemente encontrado no nome de tribos e palavras outras como caris, caribe, cariboca, carioca etc, bem atestam esta afirmativa. O iroquês, língua falada por índios norte-americanos mostra similaridade com o antigo norueguês fazendo sentir a presença dos vikings na América do Norte conforme escreveu o capitão Arlington H. Mallery em um livro publicado em 1951, intitulado “Lost América”. Luiz Caldas Tibiriçá, um dos mais qualificados conhecedores do tupi no seu aspecto etimológico e comparativo com as línguas asiáticas em seus livros “Vocabulário Tupi Comparado” e “Tupi Língua Asiática” faz as suas considerações a respeito de tão momentoso e apresenta um sem número de vocábulos nas línguas tupi e nas línguas asiáticas como o sumeriano, o sânscrito, o hebraico, o japonês, o chinês e acaba por concluir pelo evidente parentesco do tupi com o japonês e o sumeriano, mais ainda pois, diz ele “Acreditamos que o contato Tupi-Sumeriano se tenha dado em eras remotas, entre a Mesopotâmia e o vale do Indo”. Também Adaucto Fernandes, eminente filólogo e indianista, em sua “Gramática Tupi” afirma que em verdade as línguas faladas em nosso continente são todas variações dialetais do tronco tupi, cujos ancestrais foram tribos no ramo “scitha-mongol”, os leutas, os buriatas e os turanianos procedentes da Ásia e a que pertencem os nossos índios. Cremos que poderemos aqui encerrar este breve apanhado a que demos o título de “Considerações sobre as origens do Homem Americano e o povoamento inicial da América”. Em outra oportunidade poderemos dar continuidade a este trabalho nos reportando a uma descrição das civilizações que por aqui passaram ou floresceram, das lendas evocativas de épocas que se perderam nos anais do tempo, dos achados arqueológicos, do El Dorado, da interpretação dos célebres mapas de Piri Reis, do desaparecimento de Fawcet, dos grupos culturais e, de maneira especial, do silvícola brasileiro.