TRÊS Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 18 3 RESSONÂNCIA MAGNÉTICA – ASPECTOS TEÓRICOS 3.1 Espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear A ressonância magnética nuclear (NMR) é baseada no conceito que muitos núcleos atômicos possuem um momento magnético, e, portanto, se comporta como um dipolo magnético (Veeman, 1997). A exemplo dos elétrons, os núcleos também possuem um número quântico de spin (I), que corresponde à soma dos spins nucleares de cada partícula (prótons e nêutrons). Quando o número de prótons (Z) for par e o número de massa (A) também for par, o valor de I será igual a zero, pois tanto os prótons quanto os nêutrons estarão emparelhados. É o caso do 12 C e do 16 O. Quando Z for ímpar e A for par, o valor de I será inteiro, pois necessariamente sobrará pelo menos um próton e um nêutron desemparelhado (exemplos: 10 14 N (I = 1), B (I = 3)). Por fim, no caso em que A for ímpar, o número quântico I será fracionário, pois haverá um número ímpar de prótons ou de nêutrons (exemplos: 27Al (I = 5/2), 1H (I = 1/2) e 13C (I = 1/2)) (Gil e Geraldes, 1987). O momento magnético µ de um núcleo está orientado ao longo do eixo do spin e é proporcional ao momento angular P: µ = γ .P = γ . h .M I 2π (1) em que: γ = fator giromagnético do núcleo, que tem valor diferente para cada tipo de núcleo (por exemplo, 2,6752 x 108 rad T-1 s-1 para o 1H e 6,7283 x 107 rad T-1 s-1 para o 13C); h = constante de Planck (6,62608 x 10-34 J s); MI = número quântico magnético de spin, cujos valores permitidos são I, I – 1, ..., –I + 1, –I. Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 19 O eixo magnético do núcleo pode assumir 2I + 1 possíveis orientações (definidos pelo momento magnético de spin) em relação ao campo magnético externo Bo, e cada orientação corresponde a discretos níveis de energia E, de acordo com a equação 2. E = −γ . h .M I .Bo 2π No caso de átomos com spin nuclear igual a ½, como 1H e (2) 13 C, os valores possíveis de MI são + ½ e – ½. Formam-se então 2 níveis de energia (E = –½ (γ.h/4π).Bo e E = +½ (γ.h/4π).Bo). A diferença de energia entre os dois estados (∆E) é dada por: ∆E = h.ν = γ .h .Bo 2π (3) em que: ν = freqüência da radiação eletromagnética em que ocorre a transição. A equação 3 pode ser reescrita como: v= γ .Bo 2π (4) Em uma partícula girando rapidamente em torno de si mesmo, a força aplicada por um campo magnético externo Bo provocará um movimento do eixo dessa partícula, chamado movimento de precessão, cuja trajetória é circular e em torno do vetor que representa o campo magnético aplicado (figura 10). FIGURA 10 - Movimento de precessão de um núcleo sob a ação de um campo magnético Bo (adaptado de Silverstein et al.,1994). Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 20 A velocidade angular desse movimento (ω), em radianos por segundo, é dada por: ω = γ .Bo (5) A velocidade angular pode ser convertida na freqüência de precessão νo, conhecida como freqüência de Larmor: vo = γ .Bo 2π (6) Pode-se observar que a equação 6 é igual à equação 4, ou seja, a freqüência na qual deve ocorrer a transição deve corresponder à freqüência de Larmor da partícula. Assim, em um equipamento com magneto de 9,4 T (campo magnético), os 1H entrarão em ressonância a cerca de 400 MHz, que é a freqüência ν nesse campo magnético e o modo usual de descrever-se o equipamento (Silverstein et al., 1994), enquanto que os 13 C entrarão em ressonância a cerca de 100 MHz, pois seu γ é aproximadamente quatro vezes menor que o do 1H. Atualmente, praticamente todos os espectrômetros de NMR disponíveis comercialmente trabalham com a chamada técnica pulsada. Nessa técnica, os núcleos, sob ação de um campo magnético Bo, são submetidos periodicamente a pulsos muito curtos de radiação de radiofreqüência intensa. O campo magnético dessa radiação, simbolizado por B1, é perpendicular a Bo, e desloca o momento angular resultante da partícula em um ângulo α, proporcional à duração do pulso (τ): α = γ .B1 .τ (7) Em geral, escolhe-se uma duração de pulso de modo que α seja 90 graus ou π/2 radianos. Tipicamente, o tempo necessário para se atingir esse ângulo é de 1 a 10 µs. Uma vez que o pulso tenha terminado, os núcleos começam a relaxar e retornar às suas posições de equilíbrio. O intervalo entre pulsos é tipicamente de um a vários segundos, durante o qual um sinal de radiofreqüência no domínio do tempo, chamado de sinal de decaimento livre de indução (FID), é emitido pelos núcleos à medida que eles relaxam e é então detectado (Skoog et al., 2002). Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 21 Há dois tipos de relaxação em NMR: a relaxação spin-rede ou longitudinal e a relaxação spin-spin ou transversal. No primeiro caso, a freqüência será absorvida pela “rede”, ou seja, pelo conjunto de átomos e moléculas, incluindo o solvente, presentes na amostra. A relaxação spinrede é um decaimento exponencial de primeira ordem caracterizado por um tempo de relaxação T1, que, além de depender da razão giromagnética do núcleo absorvedor, é afetado fortemente pela mobilidade da rede. Em sólidos cristalinos e líquidos viscosos, T1 é grande. À medida que a mobilidade cresce, T1 fica menor (Skoog et al., 2002). A relaxação spin-spin ocorre quando dois núcleos vizinhos de mesma natureza têm velocidades de precessão idênticas mas estão em estados quânticos diferentes. Nesse caso, os campos magnéticos de ambos podem interagir, causando uma troca de estados. O tempo de relaxação deve ser menor que a taxa de transição do nível de menor energia para o de maior energia, senão haveria saturação do sinal (Senesi, 1990), mas não deve ser muito baixa, pois isso alargaria muito a linha espectral, perdendo-se a resolução e impossibilitando o registro do espectro. Os valores de T2 para sólidos e líquidos viscosos são tão pequenos que é necessário então utilizar técnicas especiais, como polarização cruzada. Pequenas diferenças na freqüência de absorção do núcleo podem ocorrer devido ao seu ambiente químico, isto é, por elétrons e núcleos próximos. Esse efeito, denominado deslocamento químico, é causado por pequenos campos magnéticos gerados pelos elétrons que circulam ao redor dos núcleos. Como conseqüência, os núcleos estão expostos a um campo efetivo um pouco menor que o campo externo: Befetivo = Bo − σ .Bo = (1 − σ ).Bo (8) em que: σ = constante de blindagem. A equação 8 pode ser reescrita em termos de freqüência ν, na condição de ressonância: ν= γ .Bo .(1 − σ ) = ν o .(1 − σ ) 2π (9) Observa-se que ν é dependente de Bo. Para padronizar os espectros adquiridos em espectrômetros com diferentes valores de Bo, é Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 22 utilizado normalmente um padrão (referência) interno com constante de blindagem maior que para a maioria dos núcleos. As freqüências são então normalmente expressas em termos de uma quantidade empírica, chamada de deslocamento químico (δ): δ= (ν −ν p ) a νp .10 6 (10) em que os subíndices a e p referem-se à amostra e ao padrão, respectivamente. Apesar de desnecessário, é freqüente o uso de ppm (em alusão a 106) como unidade de δ. 3.2 Espectroscopia de Ressonância Paramagnética Eletrônica A ressonância paramagnética eletrônica (EPR), ou ressonância de spin eletrônico (ESR), é uma técnica espectroscópica pela qual a radiação, na freqüência de microondas, é absorvida por moléculas, íons ou átomos possuindo elétrons com spins desemparelhados, quando estes são submetidos a um campo magnético. As substâncias que possuem elétrons desemparelhados são chamadas de paramagnéticas e incluem radicais livres, íons de metais de transição, cristais com defeitos e moléculas como NO (Poole e Farach, 1972). Substâncias diamagnéticas, ou seja, aquelas que não possuem elétrons desemparelhados, não podem ser detectadas por EPR, e, portanto, não interferem nos experimentos envolvendo substâncias paramagnéticas. O momento magnético µ de um elétron pode ser expresso em termos de seu spin (S) pela equação 11: µ = − g .β .S (11) em que: g = fator giromagnético do elétron; β = magnéton de Bohr. Na presença de um campo magnético H (aplicado na direção z), o momento magnético do elétron tende a se alinhar com a direção do campo aplicado (efeito Zeeman), e a energia de orientação é dada pelas expressões: Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 23 G G E = µ×H (12) E = − g.β .H .M S (13) em que: MS = orientação do spin eletrônico (S = ½) no eixo z. Os valores possíveis de MS são + ½ e – ½, que correspondem aos alinhamentos paralelo e antiparalelo do elétron na direção z do campo magnético. Formam-se então 2 níveis de energia (E = + ½ g.β.H e E = – ½ g.β.H), chamados de níveis de Zeeman. A diferença de energia entre os dois estados é ∆E = g.β.H. A ressonância ocorre quando se excita o sistema magnético de modo a induzir transições de nível de energia mais baixo para o de energia mais alto. Isso ocorre quando se aplica um quantum de energia (hν) igual a diferença de energia entre os níveis (∆E). Assim, a condição para a transição é dada por: h.ν = g.β .H o (14) em que: h = constante de Planck; ν = freqüência da radiação eletromagnética aplicada; Ho = valor do campo magnético em que ocorre a transição. A energia hν normalmente é fornecida à amostra, através da exposição a um campo de microondas perpendicular ao campo magnético H, que é variado até que ocorra a transição. Quando essa ocorre, a amostra absorve energia do campo de microondas. Essa absorção, ou geralmente sua derivada, é então detectada. A figura 11 mostra, de uma forma ilustrativa, como ocorre essa transição e o respectivo sinal registrado pelo aparelho. Por questões práticas, mantém-se a freqüência da radiação de microondas e varia-se o campo magnético. Isso ocorre porque a amostra é colocada dentro de uma cavidade ressonante cujas dimensões são ajustadas à freqüência de microondas utilizada, sendo então impossível variar essa freqüência sem variar as dimensões da cavidade. Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 24 FIGURA 11 - Desdobramento dos níveis de energia do spin eletrônico na presença de um campo magnético e sinais registrados com a transição eletrônica. O valor da constante giromagnética do elétron livre (ge) é igual a 2,0023193. Entretanto, em diferentes situações o valor de g medido experimentalmente pode diferir muito do ge. O acoplamento spin-órbita fornece um mecanismo com o qual o momento angular orbital pode ser adicionado ao momento angular de spin (Goodman e Hall, 1994). Quando isso ocorre de forma significativa, o valor de g experimental pode diferir do ge. Devido ao fato da constante de acoplamento spin-órbita aumentar com o aumento do número atômico, observa-se que radicais livres orgânicos apresentam valores de g próximos ao ge, enquanto que metais de transição podem apresentar grandes diferenças do valor de g em relação ao ge. Caso um radical possua uma simetria esférica ou cúbica, apenas um valor de g será obtido, independente da orientação deste radical em relação ao campo magnético externo (isotropia). Entretanto, para radicais de menor simetria o fator g pode variar de acordo com a orientação do orbital contendo o elétron desemparelhado em relação ao campo Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 25 magnético externo (anisotropia), obtendo-se valores de g orientados aos eixos x, y e z: gx, gy e gz. No caso de simetria axial, gx = gy e ambos são designados por g⊥, e gz é designado por g//. Em sistemas líquidos, o movimento de rotação dos átomos e moléculas fará com que eles tenham todas as possíveis orientações em relação ao campo magnético e o espectro resultante será “aparentemente” isotrópico e terá apenas um fator g. Em sistemas rígidos não orientados, tais como amostras sólidas na forma de pó ou soluções congeladas, todas as possíveis orientações ocorrerão aleatoriamente, mantendo-se, contudo, as posições moleculares. Cada molécula com uma orientação particular tem seu próprio fator g e o espectro resultante é a soma dos espectros individuais de cada molécula. Quando íons ou moléculas possuem mais de um elétron desemparelhado próximos, haverá uma interação entre os momentos magnéticos desses elétrons. Essa interação magnética pode remover a degenerescência dos estados de spin mesmo na ausência de campo magnético externo, e essa quebra de degenerescência é chamada de separação de campo zero (D) (interação fina). O valor de D é zero para simetria cúbica, mas adquire outros valores na maioria dos casos, podendo ser pequeno ou grande em relação a hν. Íons Fe3+ em simetria axial e em simetria rômbica possuem D >> hν, resultando em um espectro anisotrópico com g// ≅ ge e g⊥ ≅ 6 (simetria axial) e com g1 = 4,3 e g2 = 8,9 (máxima distorção rômbica). Um elétron desemparelhado também pode interagir com um núcleo com spin diferente de zero (I ≠0), como, por exemplo, Cu (I = 1/2), Mn (I = 5/2) e V (I = 7/2). O acoplamento é chamado de hiperfino quando o elétron desemparelhado interage com seu próprio núcleo e super-hiperfino quando a interação ocorre com o spin nuclear de núcleos adjacentes. A maioria dos experimentos em EPR é efetuada em uma freqüência ao redor de 9 GHz, que é conhecida como banda-X de freqüência, ou de 35 GHz (banda-Q). Essas freqüências foram escolhidas devido à existência de equipamentos que já as utilizavam, como radares marinhos (9 GHz) e de aeroportos (35 GHz). Os experimentos são realizados, em geral, a temperatura ambiente ou à temperatura do N2 Ressonância Magnética – Aspectos Teóricos 26 líquido, sendo que nessa última a sensibilidade de espécies paramagnéticas é aumentada. A EPR apresenta algumas características vantajosas como: • capacidade de estudos em amostras nos estados sólido, líquido ou gasoso; • alta sensibilidade (detecta até 1012 spins em 0,1 mL); • capacidade de identificação e determinação da concentração dos radicais livres; • fornece informações sobre o estado de valência e simetria de íons metálicos; • não é destrutiva e não usa radiação ionizante.