GENÉTICA E EVOLUÇÃO DE POPULAÇÕES Fernando Portela Câmara Prof. Adjunto IMPPG-UFRJ Produção de descendência com variação é a base da evolução. Estas variações podem ser fenotípicas e genotípicas. As fenotípicas decorrem de adaptações a variações ambientais tais como temperatura, concentração de uma substância, etc, sem que a descendência seja afetada. As variações genotípicas são as mais importantes, uma vez que se transmitem às gerações e, além disso, a maioria das variações fenotípicas encontradas na natureza não se deve a adaptações, mas à variações genotípicas. Considerando que a natureza permanece estável por longo tempo, os organismos que conhecemos em seus ambientes naturais podem ser considerados como estando bem adaptados ao seu meio. Deste modo, a maioria das mutações que ocorrem na descendência, que é devida inteiramente ao acaso, não é essencial ou então é deletéria para a espécie dependendo do genoma em que ocorre. Alelos não essenciais ou deletérios são introduzidos nas populações de espécies através de mutação ou de introgressão (entrada de organismos externos dentro da população). A reprodução sexuada confere uma vantagem em retardar o acúmulo destas mutações e reordenar constantemente os genes deletérios. Entretanto, os genes deletérios ou não essenciais só sofrem ação da seleção natural quando estão em homozigose, mas não em heterozigose, a menos que esta condição confira um valor pouco adaptativo à espécie. Deste modo, comparamos a presença de alelos deletérios à um iceberg: somente a ponta, a menor proporção, manifesta-se como homozigose, enquanto a maioria permanece não visível sob a forma de heterozigose. A Lei de Hardy-Weinberg nos diz que “em uma população muito grande (uma espécie) com cruzamentos ocorrendo ao acaso, não haverá mudanças na freqüência de genes a menos que mutações sejam introduzidas por introgressão ou aconteça variação da pressão seletiva”. Considere p a freqüência do alelo A e q a do alelo a (não essencial ou deletério), tal que p + q = 1. Estando presente em gametas, ao se formar o óvulo, teremos que as combinações possíveis serão determinadas pelo binômio (p + q)2 = p2 2pq + q2, onde as freqüências respectivas são: AA = p2 Aa = pq aA = qp aa = q2 A proporção de gametas A será p2 + ½.2pq = p(p + q) = p (note que p + q = 1), e a proporção de gametas a será q2 + ½.2qp = q(q + p) = q, portanto as freqüências não se alteram, e serão mantidas assim nas gerações F1, F2, etc. Essa é a Lei de Hardy-Weinberg. A mudança na variação que uma mutação sozinha pode introduzir na população acima é muito baixa e, além, disso, as mutações são ocorrências raras (10-4 a 10-8) e freqüentemente reversíveis. Se o alelo A muda para a, a freqüência de A será: po – u.po sendo u = taxa de mutação de A, po = frequência inicial de A, e u.po = redução na freqüência de A. Deste modo, se há um milhão de gametas com o alelo A, e sua taxa de mutações é 10-5, teremos que a freqüência de A será, po = 1 u.po = 10-5 x 1 = 0,00001 a frequência de A será po – u.po = 1 – 0,00001 = 0,99999 Assim, após uma geração haverá 999.990 gametas com o alelo A e 10 gametas com o alelo a, ou seja, as freqüências permanecem aproximadamente as mesmas. Este incremento em a será equilibrado após algum tempo com o retorno a A por mutação reversa (back mutation). Seleção natural Podemos agora definir seleção natural como “o processo que opera sobre a freqüência de genes para alterar o equilíbrio do pool de mutações”. A seleção natural opera quando o ambiente muda (perturbações drásticas no ecossistema, remoção de um predador numa população animal, desflorestamento numa comunidade de plantas, etc) ou quando uma espécie migra para um novo ambiente. A lei de Hardy-Weinberg pode não ser comum em certas situações. Alguns alelos (mutantes) são recessivos ou deletérios, dependendo do genoma em que se encontrem. Um valor seletivo é atribuído a um alelo, sendo este valor a média de seu efeito sobre a sobrevivência da população em que ele está se transmitindo. Pela Lei de Hardy-Weinberg, as freqüências de 3 possíveis combinações gaméticas são: AA p2 Aa 2pq aa q2 Tal que p2 + 2pq = q2 = 1. Considere agora que o valores seletivos (fitness) para cada um dos 3 possíveis genomas acima sejam: AA 1 Aa 1 aa 1 – s Onde s é o coeficiente de seleção contra um recessivo homozigótico (mutação deletéria). As contribuições gaméticas serão o produto da frequência pelo valor seletivo da cada possível genoma: Contribuição de AA = p2 x 1 Contribuição de Aa = 2pq x 1 Contribuição de aa = q2 x (1 – s) A freqüência do alelo a na geração seguinte (q1) é metade da contribuição Aa mais a contribuição aa dividido pelo novo total de contribuição gamética que é 1 – sq2: q1 = pq + q 2 (1 − s ) 1 − sq 2 A variação ente uma geração e outra por efeito de seleção é pq + q 2 (1 − s ) − sp 2 (1 − q ) -q= ∆q = q1 – q = 1− q2 1 − sq 2 Por semelhante argumento, uma expressão simplificada para a freqüência de um mutante, quando mutação e seleção se equilibram, pode ser escrita sob a forma: q2 = u s A taxa de mutação (u) varia entre 10-4 a 10-8. A expressão mostra que a freqüência de um mutante alelo será mantida baixa mesmo que não haja pressão seletiva sobre ele. Contudo, se há pressão seletiva contra ele na condição homozigótica, o alelo só se manterá na condição heterozigótica. Populações naturais contém um grande número de mutações recessivas desvantajosas em freqüências muito baixas mas que, no entanto, não podem ser eliminadas. É somente a seleção natural que determinará se um alelo se propagará ou não numa população segundo a pressão do ambiente. Como ocorre o efeito seletivo A seleção natural assemelha-se ao um investimento num banco ou na bolsa, em que o investidor aplica uma certa quantia a um determinado valor de juros compostos e recebe o lucro na mesma moeda que investiu. Suponha que o sujeito investiu em prata e papéis a 5% e 4 % ao mês, respectivamente. Está claro que o seu capital em prata crescerá mais que o de papéis, numa razão exponencial, tal que o coeficiente das aplicações prata/papéis crescerá. Este crescimento diferencial é o que em seleção natural chamamos de vantagem por reprodução diferencial, e a espécie que tem melhor vantagem seletiva (melhor fitness) é a que tem melhor probabilidade de propagar sua descendência. Tais são os dois princípios que Darwin deduziu da observação e que constituem os pilares da teoria evolucionista. O primeiro princípio é que os diferentes fenótipos de uma mesma espécie possuem diferentes fitness e isto se reflete na sua capacidade em deixar descendência; o segundo, decorrente do primeiro, é que maioria dos fenótipos são suficientemente hereditários, ou seja, transmite-se na descendência. Disto resulta que as características melhores adaptadas estão constantemente substituindo as menos adaptadas ao longo das gerações. Como a variabilidade genética se mantém nas populações Variações genéticas podem ser mantidas numa população de várias formas. Uma delas é o contrabalanço entre o efeito da seleção natural eliminando um mutante e a taxa de mutação que produz o mesmo mutante. Um exemplo é a manutenção do gene da hemofilia, caráter ligado ao sexo que manifesta-se no homem em heterozigose e na mulher em homozigose. Este gene se mantém porque a mutação hemofílica contrabalança a eliminação dos hemofílicos pela seleção natural. Outras vezes o gene deletério é mais adaptativo em heterozigose do que sua ausência. O exemplo clássico é o gene da anemia falciforme, letal para as crianças quando em homozigose, mas não quando em heterozigose, quando apresenta uma forma branda de anemia falciforme mas confere uma significativa resistência à malária. Este gene só ocorre em alta freqüência nas regiões africanas onde a malária é historicamente endêmica. Nos escravos que emigraram para as Américas há dois séculos e se estabeleceram neste continente, este gene ocorre agora em baixa freqüência, ou seja, sua eliminação por seleção natural passa a ser contrabalançada pela mutação que o repõe. Seleção de grupos Uma população nunca é geneticamente pura. Na verdade, ela é um pool de variantes genotípicas que podem ser selecionadas em função do ambiente em que se encontra (seleção natural). Chamamos “raças” e “ecotipos”, respectivamente, às variantes de animais ou de plantas de uma espécie adaptadas a diferentes combinações de parâmetros ambientais. Nos animais, estas raças podem se morfologicamente diferenciáveis e por isso são também chamadas de “subespécies”, enquanto nas plantas a diferenciação é de caráter mais qualitativo, e por isso são chamadas de “espécies polimórficas”. De modo geral, chamam-se “espécies politípicas” àquelas que costumam se diferenciar em raças ou ecotipos. Quando uma mutação acontece num segmento politípico de uma população (seja ela simpátrica ou alopátrica) inviabilizando sua reprodução dentro da espécie, mas não no segmento, ocorre um isolamento reprodutivo. Tal segmento agora destaca-se da população como um espécie nova, fenômeno denominado especiação. Pode acontecer, especialmente no caso de plantas, que a nova espécie combine-se ainda com a outra, mas isto geralmente origina híbridos que, além de serem fenotipicamente fracos, são estéreis (exceto em raros casos quando ocorre poliploidia ou duplicação dos cromossomos na espécie originalmente híbrida). Outra coisa a considerar é que a freqüência de um gene numa população não é uma constante fixa, como parece sugerir a lei de Hardy-Weinberg, senão que um valor médio em torno do qual ocorrem flutuações na sua freqüência. Se a população é grande, estas flutuações não terão impacto sobre a freqüência genética global, porém, se ela for pequena, podem vir a ser significativas e causar um grande impacto, levando à uma extinção ou à uma fixação (homozigose em 100% da população). Em pequenas populações, um alelo alcança valores extremos (0 ou 100%) nas suas freqüências, e é por meio de tal fenômeno, conhecido como genetic drift, que as pequenas população evoluem, melhor dizendo, é o meio pelo qual ocorre freqüentemente especiação (isolamento reprodutivo entre duas populações simpátricas).