O vírus West Nile em Portugal - Faculdade de Medicina Veterinária

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RPCV (2006) 101 (557-558) 61-68
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
O vírus West Nile em Portugal – estudos de vigilância epidemiológica
West Nile virus in Portugal – epidemiological surveys
Perpétua Formosinho*1, Maria Margarida Santos-Silva1, Ana Santos1, Pedro Melo2, Vítor Encarnação3,
Nuno Santos3, Telmo Nunes4, Ricardo Agrícola5, Maria Portas5
1
Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas (CEVDI), Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Águas de Moura, Portugal
2
Parque Florestal Monsanto, Câmara Municipal de Lisboa, Portugal
3
Instituto da Conservação da Natureza (ICN), Lisboa, Portugal
4
Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal - Faculdade de Medicina Veterinária (CIISA-FMV-TULisbon), Lisboa, Portugal
5
Serviço Nacional Coudélico (SNC), Santarém /Lisboa, Portugal
Resumo: Entre 1999 e 2002 foram colhidas amostras de sangue
em populações de aves e equinos, em Portugal Continental,
tendo sido também capturados ixodídeos nos mesmos
hospedeiros e na vegetação, com vista a detectar a actividade do
vírus West Nile (WN). Para a detecção de anticorpos específicos
contra o vírus WN recorreu-se às técnicas de Inibição de
Hemaglutinação (IH) e Imunofluorescência Indirecta (IFI). Para
confirmação dos soros positivos foram utilizadas as técnicas de
ELISA e Neutralização. A detecção de RNA viral em ixodídeos,
foi realizada pela técnica de RT-PCR, tendo sido também
realizados ensaios de isolamento em animais e em células. Das
134 aves analisadas, 11,9% apresentaram anticorpos anti-WN.
A serologia efectuada em 91 amostras de soros de cavalos,
demonstraram três reacções positivas para o vírus West Nile,
tendo sido registada uma prevalência de 3,3%. Nos 2153
ixodídeos analisados não foi possível assinalar a presença de
arbovírus. Os resultados nos hospedeiros sentinelas, não foram
confirmados nas provas de neutralização, pelo que há a considerar
a possibilidade de existir em circulação outro vírus pertencente
ao género Flavivirus, tendo aves e equinos como hospedeiros no
seu ciclo de transmissão. O conjunto de dados epidemiológicos
obtidos durante este trabalho alerta para a ocorrência de
Flavivírus em Portugal.
Palavras-chave: Arbovírus, Flavivírus, vírus West Nile,
vigilância epidemiológica.
Summary: From 1999 to 2002 blood samples were collected
from birds and horses, ticks were also collected from the same
hosts and from vegetation to detected the activity of West Nile
(WN) virus. Blood samples were tested by Hemagglutination
Inhibition (HI) and Immunofluorescence assay (IFA). ELISA
and Neutralization techniques were used for the confirmation of
host positive sera. For virus activity detection ticks were
screened by RT-PCR and isolation attempts were made in
animals and cells. Of 134 birds analyzed by HI, a seroprevalence of 11.9% were observed. Serologic studies by IFA performed on 91 horses serum samples had reveled three positives
reactions to WN virus, confirmed by ELISA for IgG antibodies
with a seroprevalence of 3.3%. From 2153 ticks studied no
arbovirus were detected. Due to the negative results by
Neutralization Tests in sentinels hosts we can infer the possibility
*Correspondência: [email protected]
of circulation of another virus belonging to Flavivirus genus,
where birds and horses are involved in their transmission cycles.
The epidemiological data obtained during this study alert for the
occurrence of Flavivirus in Portugal.
Keywords: Arboviruses, Flaviviruses, West Nile virus, Epidemiological surveys.
Introdução
Os vírus transmitidos por artrópodes, designados
arbovírus são a causa de doenças infecciosas emergentes que afectam o Homem e os animais domésticos,
consideradas um problema de Saúde Pública actual.
Estes vírus são transmitidos entre hospedeiros vertebrados susceptíveis por intermédio de artrópodes vectores competentes. Os principais vectores das arboviroses são os mosquitos, as carraças, os flébotomos e os
culicoides; sendo as aves e os roedores, os hospedeiros
reservatórios vertebrados mais importantes. Nos hospedeiros tangenciais, como o Homem e os animais
domésticos, estes vírus causam infecções podendo
resultar em casos de doença com morbilidade e mortalidade significativa (Woodring et al., 1996).
Os arbovírus pertencentes à família Flaviviridae,
aparentam ser os que têm maiores potencialidades
epidemiológicas em Portugal, quer pelos resultados
obtidos dos estudos já efectuados (Filipe, 1971a;
1971b; 1973; 1974; 1983; Filipe et al., 1973; Formosinho et al., 2002; Connel et al., 2004; Formosinho,
2004) quer pela reemergência nos últimos anos de
alguns destes vírus em várias regiões de clima temperado
característico do nosso País. O vírus West Nile (género
Flavivirus) é um dos últimos exemplos de introdução
de vírus exóticos em novas áreas, onde existem hospedeiros e artrópodes vectores susceptíveis. Este vírus
foi isolado pela primeira vez no Uganda (Smithburn et al.,
1940). Na Europa é descrito desde os anos 60, sendo
considerado a causa de arboviroses re-emergentes desde
61
Formosinho P et al.
1996 com as epidemias ocorridas na Roménia (Tsai et
al., 1998), República Checa (Hubálek et al., 1998) e
Rússia (Platonov et al., 2001). Em Portugal na passada
década de 70, foram realizados diversos estudos epidemiológicos, nomeadamente no sul do País, que revelaram a presença de anticorpos contra o vírus West Nile
no Homem e em populações animais, aves e cavalos
(Filipe e Pinto, 1969; Filipe, 1971a; Filipe, 1973).
Confirmando as evidências serológicas, foi efectuado o
isolamento do vírus a partir de um pool de mosquitos
colhidos na barragem do Roxo, no Alentejo (Filipe,
1971b). Em 1998 foi assinalado um segundo isolamento
do vírus a partir da mesma espécie de mosquitos colhidos no estuário do Tejo (Fernandes, 1998). Em 2002, a
partir da colheita de mosquitos em várias regiões do
País, não foi possível a detecção de arbovírus nestes
artrópodes (Galão et al., 2002). Mais recentemente em
2004, foram descritas evidências da actividade do vírus
WN na região do Algarve (Connel et al., 2004).
Devido à presença enzoótica do vírus West Nile (WN)
em quase todos os países da Bacia do Mediterrâneo e
pelo facto de estarmos perante um arbovírus que já
deu evidências da sua presença em Portugal, parecendo
possuir no nosso território todas as condições ecológicas necessárias à sua circulação e manutenção na
Natureza, este foi o Flavivírus sobre o qual incidiu o
estudo aqui apresentado. No sentido de definir estratégias
para a prevenção das arboviroses no nosso País, foram
considerados neste trabalho, estudos de vigilância epidemiológica com vista a detectar a actividade do vírus,
quer ao nível dos hospedeiros vertebrados, através da
pesquisa de anticorpos específicos contra o vírus WN
em populações de animais domésticos e silváticos,
quer ao nível dos artrópodes vectores, através da
pesquisa de arbovírus em espécies ixodológicas.
Material e métodos
Os estudos epidemiológicos decorreram entre 1999 e
2002 e foram efectuados em aves, equinos e ixodídeos.
Colheita e local das amostragens
Aves. Periodicamente, amostras de sangue e carraças
foram colhidas de diferentes espécies de aves provenientes do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG)
(41040’N, 7050’W), Parque Ecológico de Monsanto
(PEM) (38044’N, 908’W), Reserva Natural de Santo
André (RNSA) (38001’N, 8049’W), Parque Natural do
Vale do Guadiana (PNVG) (37032’N, 7031’W) e Parque
Natural da Ria Formosa (PNRF) (37001’N, 7048’W),
em colaboração e de acordo com a metodologia seguida
pelo Instituto da Conservação da Natureza (ICN)
(CEMPA/ICN, 1995).
Equinos. As amostras de sangue e ixodídeos foram
obtidas a partir de diferentes populações de equinos
provenientes dos Concelhos de Vieira do Minho, Tomar,
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Santarém, Queluz e Portalegre, em colaboração com a
Coudelaria Nacional de Santarém, o Serviço Nacional
Coudélico e a Faculdade de Medicina Veterinária da
Universidade Técnica de Lisboa.
Ixodídeos. As saídas de campo, para colheita de
ixodídeos na vegetação, foram efectuadas em diferentes
zonas abrangendo as regiões Norte, Centro e Sul do
País, nomeadamente o PNPG, Parque Natural de
Montesinho (PNM) (41047’N, 6030’W), Parque Natural
das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) (39059’N,
9029’W), Tapada Nacional de Mafra (TNM) (38056’N,
9017’W), Parque Natural da Arrábida (PNA)
(38028’23’’N, 901’58’’W), Parque Natural da Serra de
São Mamede (PNSSM) (3907’14’’N, 707’51’’W) e o
PNVG. Para a captura dos ixodídeos foi utilizado o
método do arrastamento da bandeira ou "flagging"
(Aeschlimann, 1972). Como critério de selecção das
áreas pesquisadas por este método, consideraram-se os
trilhos de passagem de animais domésticos ou os locais
de captura das aves. Os ixodídeos foram identificados e
separados em pools por espécie, sexo, fase evolutiva e
estado de ingurgitação, de acordo com a metodologia
descrita por Silva et al. (2001). Os pools foram constituídos por 1 a 6 exemplares adultos e por 10 e 100 ninfas
e larvas, respectivamente. Todos os ixodídeos foram
acondicionados em tubos contendo uma solução de tampão fosfato salino (PBS) estéril com 7,5% de bovoalbumina e 0,2% de antibiótico e armazenados a –70 0C, até
posterior utilização nos ensaios de isolamento e detecção
de Flavivírus. Para os dois tipos de ensaios foram previamente realizados macerados de ixodídeos em almofariz
gelado com azoto líquido. Cada macera-do foi ressuspendido em 1,5-2 ml de PBS estéril e centrifugado a
800 g durante 10 minutos a 4 0C. Recolheu-se o sobrenadante e esterilizou-se, por passagem em filtro de 0,45
µm para tubos esterilizados, que foram armazenados a
–70 0C até serem testados.
Pesquisa de anticorpos anti - West Nile em aves e
equinos
Inibição de Hemaglutinação. A pesquisa de anticorpos
nas amostras de aves foi efectuada pela técnica de
Inibição de Hemaglutinação (IH) de acordo com o método descrito por Clarke e Casals (1958) e padronizada
para o vírus WN (Formosinho, 2004). Para remoção de
hemaglutininas e inibidores não específicos procedeu-se
à precipitação com protamina sulfato e extracção com
acetona a todas as amostras de soro. Foram utilizadas 4 U
hemaglutinantes de antigénio produzido em rato para a
estirpe Egypt 101 do vírus West Nile (Lote M28603),
proveniente do laboratório de arbovírus do "Center for
Diseases Control and Prevention" (CDC), Fort Collins.
O ensaio foi realizado à temperatura ambiente e a pH 6,4.
Foram usados, como controlo negativo, um antigénio de
referência (Lote VB2276940070L) e como controlo
positivo, um soro anti-West Nile (West Nile Eg101MHIAF, Lote M25494A). Os soros com resultado posi-
Formosinho P et al.
tivo foram enviados para o laboratório de arbovírus do
CDC, para confirmação pela prova de neutralização.
Imunofluorescência Indirecta. As amostras de cavalos
para detecção de anticorpos foram testadas pela técnica
de Imunofluorescência Indirecta (IFI), tendo sido utilizados como controlo positivo soros policlonais
provenientes de laboratórios de referência na área dos
Arbovírus, nomeadamente, "Centre National de Référence
des Arbovírus et des Fièvre Hémorragiques Virales" –
Institut Pasteur e a "Ecole Nationale Vétérinaire de
Lyon", França. O procedimento técnico foi efectuado
recorrendo a lâminas de antigénio preparadas com a
estirpe Egypt 101 do vírus WN (Lote M-1007), proveniente dos stocks virais existentes no Centro de Estudos
de Vectores e Doenças Infecciosas (CEVDI) (Formosinho, 2004). Após fixação em acetona as lâminas
foram incubadas à temperatura ambiente durante 30 min
com soros teste e soros controlo diluídos 1:16. Foram
realizadas duas lavagens em PBS pH 7,2 e nova
incubação com o conjugado fluoresceínado (Dako)
com imunoglobulinas anti IgG de cavalo diluído 1:320.
As lâminas foram observadas ao microscópio de fluorescência Olympus BH2 (ampl.10x40). Os soros com
reacção positiva, foram enviados para o laboratório de
arbovírus do Instituto Pasteur, Lyon, para confirmação
pela técnica de ELISA e posterior neutralização.
Pesquisa de vírus em ixodídeos
RT-PCR. A técnica de RT-PCR ("Reverse Transcriptase – Polimerase Chain Reaction"), foi usada como
método de detecção dos vírus ou para confirmação de
resultados inconclusivos nas culturas celulares. Para
extracção de RNA foi utilizado o "RNeasy Mini Kit"
(Qiagen). O procedimento técnico foi efectuado de
acordo com as instruções do fabricante. Na técnica de
RT-PCR, foi utilizado o "Gene Amp RNA PCR Kit"
(Perkin Elmer). Foram utilizados um par de primers
para uma região de 655 bp do gene codificante para a
proteína NS5 dos Flavivírus, Flav 1 FU1 (TAC AAC
ATG ATG GGA AAG AGA GAG AA) e Flav 2 cFD4
(ACC ACA CAA TCA TCT CCG CT) (Kuno et al.,
1998) e um par de primers para uma região de 258 pb
do gene codificante para a proteína NS3, WN KP7
(GCA GAG TGA TCG ACA GCC G) e KP81 (CCA
CCA GAC CAT TCG GCA TG) (Porter et al., 1993).
A etapa da transcrição reversa foi efectuada para um
volume final de 20 µl contendo 25 mM MgCl2, 10X
tampão PCR (KCL 500 mM, Tris HCL 100 mM pH
8,3), 10 mM de cada deoxiribonucleótido trifosfatado
(dGTP, dATP, dTTP, dCTP), 20 U de inibidor de RNase,
50 U de transcriptase reversa MuLV e 15 µM de
primer reverso. A reacção de polimerização preparouse num volume final de 100 µl contendo 5 U de ADN
polimerase AmpliTaq e 15 µM de primer directo. A
transcrição e amplificação foram efectuadas em termociclador Biometra T3 programado para o seguinte
esquema de amplificação: 15 min a 42 0C, 5 min a
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99 0C, 5 min a 5 0C, 105 seg a 95 0C, seguidos de 35
ciclos com 15 seg a 95 0C, 30 seg a 49 0C, 2 min a 72 0C
e uma fase de extensão final de 7 min a 72 0C. A análise
dos produtos de PCR foi feita por electroforese em gel
de agarose 1,5% (Roche) com tampão Tris acetato com
EDTA contendo brometo de etídeo (10 mg/ml).
Inoculação em células. Foram usadas células Vero E6
em cultura, nas quais se inocularam 100 ml de cada
suspensão por monocamada com 75% de células confluentes. Após incubação a 37 0C durante 1h, adicionaram-se a cada frasco de células infectadas, 10 ml de
meio de cultura "Minimum Essential Medium"
(Gibco) com 2% de soro bovino fetal inactivado e
0,1% de antibiótico. Colocaram-se os frascos de células a 37 0C, tendo sido feita a observação diária ao
microscópio invertido Olympus CK2 para detecção do
efeito citopatogénico.
Inoculação em animais. Inocularam-se intracerebralmente ratinhos Charles River recém-nascidos com 10 µl
do inóculo utilizado no ensaio de inoculação em células.
Foi feita a observação diária dos animais, durante 14
dias, tendo sido recolhidos os que apresentaram sinais
de doença. Nos que apresentavam sintomatologia suspeita foram efectuadas passagens sucessivas. Para todos
os inóculos foram realizadas provas de esterilidade em
meios de cultura bacteriológicos. Todas as manipulações animais foram realizadas de acordo com o Guia
de Manipulação e Cuidado de Animais de Laboratório
(86/609/CEE).
Resultados
Pesquisa de anticorpos anti-WN
Aves. Foram feitos ensaios serológicos a 134 aves pertencentes a 21 espécies. A prevalência de anticorpos
para o vírus West Nile por IH foi de 11,9%, IC95%
[7,5%; 18,5%], (16/134 aves). Foram detectados anticorpos contra o vírus West Nile em Accipiter gentilis
(Açor), Buteo buteo (Águia-d’ asa redonda), Bubo Bubo
(Bufo-real), Ciconia ciconia (Cegonha), Circaetus gallicus
(Águia-cobreira), Corvus corone (Corvo), Falco tinunculus
(Peneireiro-dorso malhado), Gyps fulvus (Grifo), Strix
aluco (Coruja do Mato) e Tyto alba (Coruja das Torres)
(Quadro 1). Os seropositivos provieram do PNPG, da
RNSA, PEM e do PNVG. A confirmação dos positivos pela prova de neutralização revelou um título
<20, ou seja um resultado negativo para o vírus West
Nile.
Equinos. Foram analisadas 91 amostras de soros de
cavalos pertencentes a populações da raça Lusitana,
Puro Sangue Árabe, Sorraia, Puro Sangue Inglês e
Garrano, provenientes de áreas geográficas distintas
(Quadro 2). Pela técnica de IFI, três das amostras pertencentes à raça Lusitana (adultos), provenientes da
região de Santarém demonstraram reacção positiva
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Formosinho P et al.
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para o vírus West Nile, confirmada pela técnica de
ELISA para anticorpos IgG, tendo sido registada uma
seroprevalência de 3,3%, IC95% [1,1%; 9,3%]. Como
técnica de confirmação foi efectuada a prova de neutralização específica para o vírus West Nile, com o
resultado de um título <20 (Quadro 2).
Pesquisa de vírus
Ixodídeos capturados em aves. Durante este estudo
foram examinadas para detecção de carraças, 676 aves
pertencentes a 12 espécies. Do total, 24 aves estavam
infestadas, tendo sido recolhidas 100 carraças classificadas em 7 espécies diferentes (Silva et al., 2001;
Formosinho et al., 2002). Das 100 carraças recolhidas,
43 foram agrupadas em 23 amostras e examinadas
para Flavivírus. Todos os pools foram usados em
ensaios de isolamento de arbovírus. Não foi possível a
detecção de RNA viral em qualquer das amostras testadas com os primers específicos para Flavivírus. Os
ensaios de isolamento viral também decorreram sem
resultados positivos (Quadro 3).
Quadro 1 - Espécies de aves examinadas para anticorpos contra o vírus West Nile
N.º de
amostras
Origem
Positivos
IHa
Título
Nb
Accipiter gentilis
4
PNPG
1
<20
Flavivírus
Aquila chrysaetus
2
PNPG
-
-
-
Ardea cinerea
4
RNSA
-
-
-
Bubo bubo
19
PNVG
1
<20
Flavivírus
Buteo buteo
44
PEM
3
<20
Flavivírus
Ciconia ciconia
Espécies
Interpretação
12
PEM
2
<20
Flavivírus
Circaetus gallicus
4
PNPG
1
<20
Flavivírus
Circus aeruginosus
1
PNPG
-
-
-
Circus pyga rgus
1
PNPG
-
-
-
Corvus corone
4
PEM
1
<20
Flavivírus
Falco subbuteo
1
PEM
-
-
-
Falco tinnunculus
6
PNPG
2
<20
Flavivírus
Gyps fulvus
3
RNSA
1
<20
Flavivírus
Hieraaetus pennatus
4
PNPG
-
-
-
Larus chachinans
1
PEM
-
-
-
Larus ridibundus
3
PEM
-
-
-
Milvus migrans
2
PNRF
-
-
-
Pandion haliaetus
2
PEM
-
-
-
Phoenicopterus ruber
1
PEM
-
-
-
3
RNSA
1
<20
Flavivírus
13
PNPG
3
<20
Flavivírus
Strix aluco
Tyto alba
Total
134
16/134
Seroprevalência
11,9%
a
Inibição de Hemaglutinação; bNeutralização; - (negativo)
Quadro 2 - Populações de equinos examinadas para anticorpos contra o vírus West Nile
Raças
Lusitana
Sorraia
Garrano
Puro Sangue Árabe
Puro Sangue Inglês
?
?
Total
Seroprevalência
a
Neutralização; - (negativo)
64
N.º de
amostras
41
1
3
33
3
4
1
5
91
Origem
Santarém
Portalegre
Portalegre
Vieira do Minho
Santarém
Santarém
Tomar
Queluz
Positivos
IFI
3
3/91
3,3%
Positivos
ELISA IgG
3
3/91
3,3%
Título
Na
<20
0/91
Interpretação
Flavivirus
-
Formosinho P et al.
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Ixodídeos colhidos em equinos. Todas as amostras de
espécies ixodológicas colhidas em equinos foram
provenientes de Vieira do Minho a partir de uma raça
selvagem – Garranos, sendo a espécie Rhipicephalus
bursa a prevalente com 98% numa amostra total de 156
exemplares (Quadro 4). Todos os exemplares foram
examinados para detecção de RNA e para ensaios de
isolamento de vírus, no entanto não foi possível quer a
detecção, quer o isolamento de estirpes virais.
Ixodídeos colhidos na vegetação. A maioria das
colheitas de ixodídeos foram efectuadas na vegetação.
Dos 1267 exemplares, não foram obtidos resultados
positivos em relação à detecção e isolamento de
Flavivírus (Quadro 5). Desta forma foi colocada a
hipótese do próprio macerado das carraças possuir
inibidores conduzindo a falsos negativos. Assim
sendo, foram seleccionados 10% dos macerados e
diluídos com um controlo positivo proveniente do
Quadro 3 - Ixodídeos capturados em aves e examinados em ensaios de detecção e isolamento viral
Ensaiosc
a
Espécies de aves
Origem
Espécie ixodídeos
Poolsb
Flavd
Alcedo atthis
RNSA
Acrocephalus scirpaceus
RNSA
Arbf
Hyalomma marginatum
7n
-
1n
-
-
Hyalomma marginatum
1n
-
-
-
Athene noctua
PNVG
Hyalomma marginatum
1n
-
-
Bubo bubo
PNVG
Hyalomma marginatum
1n
-
-
4n
-
-
Hyalomma lusitanicum
1m
-
-
Ixodes canisuga
1n
-
-
Rhipicephalus sanguineus
3m
-
-
Rhipicephalus turanicus
1m
-
-
1f
-
-
1f
-
-
2f
-
-
1n
-
-
1m
-
-
1m
-
-
Rhipicephalus pusillus
Buteo buteo
PEM
PNPG
Ixodes frontalis
Rhipicephalus sanguineus
Rhipicephalus turanicus
3f
-
-
Hyalomma marginatum
1n
-
-
Buteo swainsonii
?
Luscinia megarhynchos
PEM
Hyalomma marginatum
1n
-
-
Saxicola torquata
RNSA
Hyalomma marginatum
2n
-
-
1n
-
-
1n
-
-
Tyto alba
PNPG
Ixodes ventalloi
Total (24 aves)†
6n
-
-
43*
43*
43*
(RNSA) Reserva Natural de Santo André; (PNVG) Parque Natural do Vale do Guadiana; (PEM) Parque Ecológico de Monsanto; (PNPG) Parque
Nacional da Peneda-Gerês; b(m) macho; (f) fêmea; n (ninfa); c(-) negativo; densaio de detecção de flavivírus; eensaio de isolamento de arbovírus; †distribuídas por 10 espécies; *distribuídas em 25 pools
a
Quadro 4 - Colheitas de ixodídeos em equinos
Hospedeiro
Origem
Espécie ixodídeos
Poolsa
Ensaiosb
Flav
Arbd
62 m
-
-
91f
-
-
2m
-
-
1f
-
-
156†
156†
c
Eqqus caballus
Vieira do Minho
Rhipicephalus bursa
Hyalomma marginatum
Total (91 cavalos)
(m) macho; (f) fêmea; n (ninfa); b(-) negativo; censaio de detecção de flavivírus; densaio de isolamento de arbovírus; †distribuídas por 20 pools
a
65
Formosinho P et al.
RPCV (2006) 101 (557-558) 61-68
antigénio West Nile Eg 101 e processados novamente
por RT-PCR com os primers WN KP7 e KP81. Foi
observado produto amplificado com 250 pb correspondentes, eliminando desta forma a possibilidade da presença de inibidores de reacção nas próprias amostras.
Discussão
Nos estudos serológicos, das populações de aves
silváticas foram detectados anticorpos anti-WN por IH,
quer em aves migradoras, quer em aves residentes e
juvenis. Estes resultados corroboram outros trabalhos
que descrevem evidências serológicas do vírus West
Nile em aves, no nosso País (Filipe, 1971a; 1979). A
presença de anticorpos contra arbovírus em aves
silváticas adultas, indica somente a interacção vírus –
hospedeiro, não explicando quando e onde a infecção
ocorre, podendo esta ter sido contraída nos seus abrigos
de Inverno durante o seu trajecto migratório. Contrariamente, os anticorpos detectados nas aves juvenis,
reflectem uma transmissão local deste agente infeccioso. Contudo, a técnica de neutralização não confirmou os resultados da IH, podendo este facto ser interpretado como a presença de anticorpos heterólogos para
Flavivírus. Há que ter em conta o facto da prova de neutralização ter sido realizada com a estirpe NY99-4132
(estirpe americana), o que pode ter interferido nos
resultados em termos da especificidade, uma vez que
esta estirpe já se revelou com características diferentes,
nomeadamente ao nível da virulência (Centers for
Disease Control and Prevention, 1999a; 1999b).
Quanto aos estudos para detecção do vírus West Nile
em populações de equinos as serologias positivas obtidas
pela técnica de IFI, foram confirmadas por ELISA. No
entanto, estes resultados não foram confirmados pela
prova de neutralização específica para o vírus West
Nile, o que sugere a presença de outro Flavivírus
provavelmente pertencente ao serogrupo das Encefalites
Japonesas. Os dados obtidos revelam o contacto dos
animais com estes agentes virais, não tendo sido possível a determinação específica do vírus em causa. No
entanto são de grande importância, todos os dados obtidos acerca do papel dos cavalos na transmissão destes
vírus, uma vez que epidemias nestes animais podem
causar graves consequências económicas, sendo exemplo a epizootia que ocorreu em França no ano 2000
(Murgue et al., 2001; Durand et al., 2002).
Quanto à prevalência de Flavivírus em ixodídeos, não
foi detectada infecção por estes vírus no total das espécies
examinadas. Contudo reveste-se de grande importância
o estudo nestes vectores, uma vez que estes artrópodes
têm sido descritos como tendo um papel preponderante
na sobrevivência dos Flavivírus às condições ambientais
do Inverno em regiões de clima temperado (Schmidt et
al., 1964 in Rosen, 1987; Germain et al., 1979 in
Rosen, 1987).
As possíveis hipóteses que podem estar na explicação
destes resultados poderão estar relacionadas, com o
baixo nível de infecção que as carraças capturadas
podiam ter, uma vez que estes vírus são mantidos na
Natureza em pequenos microfocos com baixos níveis
de virémia, pelo que a prevalência de infecção nas carraças é muito baixa (Sonenshine, 1993). Para o vírus
Quadro 5 - Ixodídeos capturados na vegetação (n=1267)
Local de
colheita
PNA
PNPG
PNSAC
PNM
PNSSM
Espécie
Local de
colheita
Espécie
N.º e estado
evolutivo
PNSSM
D. marginatus
1m/3f
R. bursa
1m/1f
H. lusitanicum
5m/5f
R. pusillus
1f
I. ricinus
8 m / 15 f / 12 n
R. sanguineus
3m/4f
R. pusillus
4m/4f
R. turanicus
62 m / 81 f
R. sanguineus
14 m / 37 f
D. marginatus
1f
I. ricinus
1f
H. inermis
5f
1m/8f
PNVG
R. bursa
18 m / 13 f
H. lusitanicum
R. sanguineus
1m/1f
R. pusillus
1 m /1 f
H. lusitanicum
39 m/ 31 f
R. sanguineus
14 m / 3 f
R. pusillus
4m/7f
D. marginatus
11 m / 17 f
1m
TNM
D. marginatus
46 m / 62 f
H. inermis
D. reticulatus
1m/3f
H. punctata
24 m/ 16 f / 12 n
D. marginatus
29 m / 43 f
H. lusitanicum
1m/1f
H. lusitanicum
2m/1f
H. marginatum
1f
H. marginatum
1m
I. ricinus
105 m / 91 f / 373 n
H. punctata
2m
R. pusillus
5m/5f
I. ricinus
4m
Sub-total 1
m - macho; f - fêmea; n - ninfa
66
N.º e estado
evolutivo
417
Sub-total 2
850
Formosinho P et al.
TBE ("Tick-borne encephalitis") estão descritos níveis
de infecção inferiores a 0,01-0,1% (Korenberg, 1994).
Este aspecto é de considerar especialmente nos exemplares colhidos na vegetação, uma vez que quando
ocorre o processo de alimentação no hospedeiro, os
agentes infecciosos podem reactivar a sua multiplicação. Neste sentido está descrito que a alimentação das
carraças em animais experimentais, para permitir a
multiplicação do agente infeccioso e assim tornar mais
fácil a sua detecção (Telford et al., 1997). Esta abordagem deverá ser considerada na continuação dos
trabalhos de detecção de Flavivírus em ixodídeos, no
sentido de determinar se a percentagem real de infecção
supera ou não a observada durante este estudo. Por outro
lado, deve ter-se em linha de conta, que a prevalência de
Flavivírus nas populações de ixodídeos estudadas pode
estar dependente do limite de sensibilidade das técnicas
usadas para a investigação destes vírus, quer no que diz
respeito à própria técnica, quer na constituição da população amostral.
O conjunto de dados epidemiológicos obtido durante
este trabalho alerta para a ocorrência de Flavivírus em
Portugal e apontam para várias hipóteses relativamente
à circulação do vírus West Nile. O vírus pode ter-se
mantido em actividade mas apenas limitado a pequenos
focos naturais, uma vez que não existem registos contemporâneos de doença equina ou humana específica
para este vírus, nas populações locais. Contudo, são
grandes as potencialidades epidemiológicas desta
arbovirose em Portugal, dada a elevada afluência anual
de aves migradoras, associada ao facto de vários potenciais vectores pertencerem à ixodofauna e culicideofauna portuguesa, estando algumas das espécies referidas
entre as mais comuns (Ribeiro et al., 1988; Santos-Silva
et al., 2006; Caeiro, 1999). Por outro lado é de considerar
a possibilidade da sua reintrodução anual em determinados locais através das aves durante as suas rotas
migratórias e a possível transmissão a vertebrados, através de espécies de vectores autóctones considerados
vectores potenciais noutros países. No entanto, uma vez
que os resultados nos hospedeiros sentinelas, como
aves e equinos, não foram confirmados nas provas de
neutralização realizadas especificamente para o vírus
West Nile, é de considerar a possibilidade de existir em
circulação outro vírus pertencente ao género Flavivirus,
associado também às aves e equinos como hospedeiros
no seu ciclo de transmissão.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio de todos os técnicos do
ICN e Parques Naturais, cuja colaboração foi fundamental para a realização deste trabalho. Agradecemos ainda
à Dr.ª Paula Tilley da FMV a sua colaboração no envio
das amostras de equinos. Por último um agradecimento
ao Professor Armindo Filipe pelo seu papel no encaminhamento do trabalho desenvolvido.
RPCV (2006) 101 (557-558) 61-68
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