VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 O Arco Metropolitano e a Qualidade do Ar na Região Metropolitana do Rio de Janeiro / Brasil Heitor Soares de Farias¹ – Universidade Federal Fluminense Jorge Luiz Fernandes de Oliveira² – Universidade Federal Fluminense Ana Maria de Paiva Macedo Brandão³ – Universidade Federal do Rio de Janeiro ¹[email protected] , ²[email protected] , ³[email protected] Introdução A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro no ano de 1975, uma das últimas manifestações da intervenção do Estado brasileiro na política territorialista nacional, agravou a crise que atingiu a economia fluminense nas décadas de 1970 e 80. Apesar dos muitos investimentos feitos pelo governo Geisel no novo Estado do Rio de Janeiro, este chegou a perder a segunda posição na participação da economia nacional para Minas Gerais (SANTOS, 2003). Uma das dificuldades encontradas para integrar a nova unidade da federação era justamente a sua rede urbana desequilibrada. O projeto para superar o fracasso das rodovias, pensado ainda nos anos 1970, só saiu do papel mais de três décadas depois, o Arco Metropolitano. O Arco Metropolitano, uma das obras do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, está em fase final de construção. Trata-se de um arco rodoviário que se articula à outras rodovias que passam pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), por fora da capital fluminense, aliviando o trânsito das principais vias em direção ao Porto de Itaguaí, um dos mais importantes portos do país, conectado às redes globais de produção. Este grande projeto é visto como a oportunidade de o Estado do Rio de Janeiro recuperar o seu poder de atração de investimentos. Toda esta transformação por que está passando o Estado do Rio de Janeiro é fruto do processo de ajustamento impulsionado pelas redes globais de produção. Mais uma vez o homem ajusta as condições do meio para atender às suas necessidades, historicamente, uma relação de harmonia e conflito. Mas, se investimentos desse porte trazem a esperança de uma forte retomada econômica, deve-se advertir que também trarão altos custos ambientais. Principalmente porque nas proximidades do arco rodoviário estão sendo instaladas indústrias pesadas, como por exemplo: o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro 1 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais (Comperj) e a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), aumentando a presença de poluentes atmosféricos na RMRJ. Assim, o presente estudo tem por objetivo avaliar o impacto do Arco Metropolitano (o porto, as indústrias e a rodovia) na qualidade do ar e na saúde dos moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. 1 – Área de Estudo 1.1 - Localização O Estado do Rio de Janeiro limita-se por terra com Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, e tem como fronteira marítima o Oceano Atlântico. Juntamente com estes estados fronteiriços, o Rio de Janeiro compõe a Região Sudeste, a região geoeconômica mais importante do país, responsável por metade do PIB brasileiro. Apesar de ser um dos menores estados da Federação em área, o Rio de Janeiro tem um litoral extenso e com posição privilegiada em relação ao litoral brasileiro. É um dos principais portões de entrada do Brasil e está estrategicamente localizado em relação ao Mercosul. Em uma superfície com pouco menos que 6.500 km², aproximadamente 14,9% da área total do estado, a RMRJ concentra uma população superior a 11 milhões de pessoas, cerca de 74% de todo o Estado, sendo que 60% desta população vive no município do Rio de Janeiro. Estes dados indicam a existência de uma intensa polarização na região metropolitana, e principalmente no seu núcleo. No país, é a região metropolitana que tem a maior concentração econômica e demográfica, justificada pela grande concentração de capital, infraestrutura e força de trabalho. Na RMRJ está localizada a maioria das indústrias do Estado, formando um parque industrial bastante diversificado, além de comércio e serviços altamente especializados nos diferentes setores, entre outros. Entretanto, também é um espaço marcado por grandes contradições sociais, já que muitas vezes, o crescimento econômico não é acompanhado pelo atendimento das necessidades básicas da população. Isso fica materializado no espaço quando, por exemplo, existe a distribuição desigual dos serviços e equipamentos urbanos; a crescente demanda por habitações, diante da expansão das favelas ou a insegurança pública, demonstrada pelos altos índices de criminalidade. 2 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Figura 1 – Mapa do Estado do Rio de Janeiro e suas regiões Nos próximos anos a realidade de muitos municípios da RMRJ, principalmente daqueles atravessados pelo Arco Metropolitano, poderá sofrer significativas mudanças socioeconômicas. 1.2 - As Bacias Aéreas Para entender sobre a poluição do ar na RMRJ, é preciso salientar que o sítio em que se assenta a metrópole do Rio de Janeiro constitui um fator importante na definição do quadro climático local. A cidade se expandiu pela planície que recebe localmente denominações como baixada Fluminense, baixada de Santa Cruz e baixada de Jacarepaguá e, no processo de crescimento, acabou por envolver completamente os maciços litorâneos (BRANDÃO, 1996). Assim, o relevo, a cobertura do solo e as características climáticas da região, produziram áreas homogêneas quanto aos mecanismos responsáveis pela dispersão dos poluentes do ar. Estas áreas delimitadas pela topografia e os espaços aéreos horizontal e vertical constituem uma bacia aérea. 3 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais O conceito de bacia aérea vem sendo amplamente utilizado, sobretudo por instituições responsáveis pela gestão da qualidade do ar da RMRJ, como a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), por exemplo. Desta forma, levando-se em consideração as influências da topografia e da meteorologia na capacidade dispersiva dos poluentes atmosféricos da RMRJ, foram delimitadas quatro bacias aéreas apresentadas a seguir e visualizadas na figura 2: Fonte: FEEMA, 2004 Figura 2 – As quatro bacias aéreas da RMRJ Bacia Aérea I: inserida na bacia hidrográfica da baía de Sepetiba, localizada na zona oeste da RMRJ, com cerca de 730 km² de área. Bacia Aérea II: localizada no município do Rio de Janeiro, envolve as regiões administrativas de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, possuindo cerca de 14 km² de área. Bacia Aérea III: compreende a zona norte do município do Rio de Janeiro e grande parte dos municípios da baixada fluminense, ocupando cerca de 700 km². Bacia Aérea IV: localizada a leste da baía de Guanabara, possui uma are de 830 km². As características topográficas do sítio, aliadas as peculiaridades do seu quadro litorâneo e às diferenças geradas pela própria estrutura urbana, fazem do Rio de Janeiro uma cidade de paisagens contrastantes e, às vezes, de grande complexidade. Essa complexidade do sítio urbano carioca gera um quadro climático igualmente complexo, uma vez que significativas variações espaciais-temporais nos atributos 4 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 climáticos, em função da atuação diferenciada dos componentes geo-ecológicos e de uso do solo, são perceptíveis na cidade. 1.2.1 – A Qualidade do Ar A FEEMA, através da Divisão de Qualidade do Ar do Departamento de Planejamento Ambiental, publicou o Inventário de Fontes Emissoras de Poluentes Atmosféricos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no ano 2004. Este inventário é fundamental para quem trabalha com a gestão da qualidade do ar na medida em que define as áreas mais impactadas, como também identifica, qualifica e quantifica as atividades poluidoras do ar e fornece características das fontes emissoras de poluentes atmosféricos. Para qualificarmos o ar na RMRJ, alguns dos resultados publicados pelo Inventário de Emissões serão apresentados neste subcapítulo. O levantamento realizado na RMRJ abordou a emissão dos poluentes regulamentados, como: dióxido de enxofre (SO2), óxidos de nitrogênio (NOx), monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e material particulado (MP 10), provenientes não só das atividades industriais (fontes fixas), como também dos veículos automotores (fontes móveis) nas principais vias de tráfego. As fontes naturais tais como: queimadas, desgaste do solo e erosão eólica, não foram consideradas. A espacialização das fontes emissoras de poluentes, divididas pelas quatro bacias aéreas da RMRJ, permite que a qualidade do ar seja avaliada separadamente em cada uma das áreas, como se pode acompanhar na tabela 1. P o lu e n te s - T a x a d e e m is s ã o ( to n /a n o x 1 .0 0 0 e % ) B a c ia A é r e a B a c ia A é r e a I SO2 2 1 ,5 NOX 39% 1 4 ,6 CO 50% 0 ,9 M P 10 HC 15% 0 ,3 1% 5 ,9 58% B a c ia A é r e a II 0 ,0 0% 0 ,1 0% 0 ,1 2% 0 ,7 3% 0 ,4 4% B a c ia A é r e a III 2 9 ,4 54% 1 3 ,3 45% 2 ,8 45% 2 4 ,4 95% 2 ,5 25% B a c ia A é r e a IV T o ta l 3 ,8 7% 1 ,3 4% 2 ,4 38% 0 ,1 1% 1 ,4 14% 5 4 ,7 100% 2 9 ,3 100% 6 ,2 100% 2 5 ,6 100% 1 0 ,2 100% F o n te : A d a p ta d o d e F E E M A ( 2 0 0 4 ) Tabela 1 – Taxa de emissão de poluentes por bacias aéreas Os dados apresentados na tabela X mostram que a Bacia Aérea III é a que concentra maiores quantidades dos poluentes: dióxido de enxofre, monóxido de carbono e hidrocarbonetos. Já em relação aos óxidos de enxofre e material particulado, a Bacia Aérea I tem maiores concentrações. 5 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais 1.3 - O Arco Metropolitano O Arco Metropolitano é uma das obras do PAC no Estado do Rio de Janeiro. São 145 km de estradas, em pista dupla, que vão de Itaboraí, onde está o Comperj, passando pelos municípios de Guapimirim, Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Japeri, Seropédica e Itaguaí, onde está o porto (Figura 3). Possibilita também a conexão com muitos outros municípios, já que o Arco Metropolitano se articula com as rodovias federais que atravessa, como BR-040 (Rio-Juiz de Fora), BR-116 (Presidente Dutra), BR465 (Antiga Rio-SP) e BR-101 (Rio-Santos), ligando o Porto de Itaguaí à todas as regiões do país. Esta rodovia forma um verdadeiro arco que contorna a RMRJ, desviando o tráfego pesado de cargas e desafogando o trânsito da Ponte Rio-Niterói e da Avenida Brasil, ambas passam por dentro da cidade do Rio de Janeiro. Este é um detalhe importante, pois para o arco rodoviário é esperado um fluxo de 922 mil caminhões até o ano de 2011 e, superior a 1 milhão de caminhões em 2015. No entanto o projeto Arco Metropolitano não se resume às vias, mas também compreende desde a construção do maior pólo petroquímico da América do Sul, o Comperj, localizado em Itaboraí no recôncavo da Baía de Guanabara, até um complexo portuário-siderúrgico, na orla da Baía de Sepetiba, que comportará a ampliação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a construção de uma grande usina para a produção de aço, a CSA, localizada no Distrito Industrial de Santa Cruz, na cidade do Rio de Janeiro (Figura 4). Figura 3 - Municípios atravessados pelo Arco Metropolitano. 6 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Figura 4 – Principais empreendimentos na área de influência do Arco Metropolitano. Assim, o Arco Metropolitano cumprirá o importante papel de dinamizar a economia do Estado do Rio de Janeiro. Porque na medida em que a rodovia permite a instalação de indústrias de grande porte, através da ampliação da acessibilidade ao Porto de Itaguaí que facilita o escoamento da produção, também introduz novos vetores de expansão urbana para os municípios atendidos pela via, atraindo novos investimentos. 2 – Materiais e métodos Os fatores que mais influenciam a qualidade do ar são as fontes poluidoras e a topografia do local onde estão instaladas, juntamente com a dinâmica da atmosfera. Para analisar a área de estudo, será construído um modelo digital do terreno que caracterizará a topografia, importante fator de concentração de poluente, e fornecerá subsídios para instalação de futuras estações de monitoramento da qualidade do ar. As fontes potencialmente poluidoras serão georreferenciadas para permitir o cálculo das trajetórias dos poluentes emitidos pelas fontes fixas e móveis. Para gerar os campos de vento que predominam na RMRJ, utilizar-se-á o modelo Brazilian Regional Atmospheric Modeling System – BRAMS, alimentado com as reanálises geradas pelo National Center for Enviromental Prediction – NCEP e National Center for Atmospheric Research – NCAR, rodando no ambiente Linux. As trajetórias dos poluentes emitidos pelas fontes fixas e móveis em horários e alturas específicos serão calculadas com o modelo de trajetórias cinemáticas 3D desenvolvido na 7 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais Universidade de São Paulo – USP por Freitas (1999) e, alimentado com as três componentes do vento (u, v, w) geradas pelo BRAMS. As trajetórias dos poluentes serão também simuladas em diferentes situações sinóticas e, nas distintas estações do ano, possibilitando um conhecimento maior da influência da atmosfera local na dispersão e transporte de poluentes na RMRJ. Para visualização das trajetórias utilizar-se-á o programa Grid Analysis and Display System – GRADS, amplamente utilizado nas ciências ambientais. Após realizar esses procedimentos, será identificada a bacia aérea que mais recebe poluentes provenientes do Arco Metropolitano, onde, então, serão analisados os dados socioeconômicos, coletados no IBGE, a fim de identificar os espaços habitados por uma população mais vulnerável à poluição do ar. 3 – Conclusão Ainda que a parte prática deste trabalho não tenha sido iniciada, algumas conclusões podem ser retiradas com base na pesquisa de dados sobre a RMRJ e na revisão teórico-conceitual. Em relação à tabela 1, sobre a espacialização dos dados de qualidade do ar, deve-se destacar que por mais que a bacia aérea III apresente a maior concentração para grande parte dos poluentes apresentados, a bacia aérea I também apresenta concentrações bastante altas para alguns poluentes, com um agravante: é esta área que tem a previsão de maior crescimento industrial da RMRJ. As indústrias componentes do projeto inicial do Arco Metropolitano, a CSA (siderúrgica) e, principalmente, o Comperj (petroquímica), realizam atividades altamente poluidoras, sendo que a primeira localizar-se-á na bacia aérea I. Só a CSA, com a produção de 9,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO 2), aumentará em mais de 76% as emissões deste gás na cidade do Rio de Janeiro, que atualmente é de pouco mais de 12,7 milhões de toneladas, considerando todas as fontes de emissão (Jornal O Globo on line – Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/transito/mat/2009/11/05/csa-aumentara-em-76lancamento-de-dioxido-de-carbano-na-atmosfera-914629793.asp - Acesssado em 05/11/2009). Esta constatação é motivo de grande preocupação, pois a qualidade do ar tende a piorar, afetando a vida daqueles que moram nesta área da RMRJ. Outro ponto a ser destacado é o fato de esta área ter poucas estações para monitoramento da qualidade 8 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 do ar, enquanto regiões como centro e zona norte, na Bacia Aérea III, possuem um maior número de estações de monitoramento. Uma cidade como a do Rio de Janeiro exige um maior número de estações meteorológicas. A rede oficial de monitoramento do estado fluminense é insuficiente para revelar a qualidade do ar em toda a RMRJ. Existem apenas 26 estações de monitoramento de qualidade do ar, o que já é pouco para o número de municípios pertencentes a RMRJ, além disso elas são espacialmente concentradas na Bacia Aérea III. Referências bibliográficas Brandão, A. M. P. M. (1996). O Clima Urbano da Cidade do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia. FFLCH/USP. Tese de Doutorado. São Paulo. Feema (2004). Inventário de fontes emissoras de poluentes atmosféricos da região metropolitana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Freitas, S. R. (1999). Modelagem numérica do transporte e das emissões de gases traços e aerossóis de queimadas no cerrado e floresta tropical da América do Sul. Tese de doutorado. Instituto de Física da Universidade de São Paulo, São Paulo. 185p. Iñiguez, L. R. (1995). Geografía y salud, experiencias y alternativas en América Latina. Conferencia Regional de América Latina y el Caribe. Unión Geográfica Internacional. Ciudad de La Habana, Cuba. Iñiguez, L. R. & Oliveira, S. (1996). Meio Ambiente, Condições de Vida e Saúde: Uma Abordagem sobre a Qualidade de Vida no Município de Duque de Caxias. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR. Oliveira, J. L. F. (2004). Análise espacial e modelagem atmosférica: contribuições ao gerenciamento da qualidade do ar da bacia aérea III da região metropolitana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Tese de Doutorado – COPPE – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 144p. Santos, A. M. S. P. (2003). Economia, espaço e sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Editora FGV. 228p. 9