BADUCARAN DOMINGOS AUGUSTO DA SILVA URBANIZAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Orientador: Professor Doutor Mário Canova Moutinho Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes Lisboa 2010 BADUCARAN DOMINGOS AUGUSTO DA SILVA URBANIZAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Urbanismo, no curso de Mestrado em Urbanismo, conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Orientador: Professor Doutor Mário Canova Moutinho Co-orientador: Prof. Dr. José António de Oliveira Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes Lisboa 2010 1 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Bissau – “Nandó” em cada canto e recanto do seu encanto espanto com o retrato que lhe é imposto na melancolia da tua modéstia esculpiram-te de tristeza que contrasta com a tua beleza. Emílio Lima, 2010 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 3 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital À memória dos meus antepassados, em especial da minha querida avó Maria Gomes (Mámaria). Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 4 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Agradecimentos Apesar de a elaboração de uma dissertação de mestrado ser um trabalho solitário e de que apenas nós próprios somos responsáveis, seria injusto não manifestar aqui o meu reconhecimento a todas as pessoas e entidades que, ao longo do meu percurso académico me foram ajudando na sua concretização. Um humilde reconhecimento às orientações precisas do Professor Doutor Mário Canova Moutinho e do Prof. Dr. José António de Oliveira, que durante todo o processo de pesquisa e elaboração deste trabalho mostraram a total disponibilidade e entrega. Agradeço também a todos quantos, pelo apoio moral, material e intelectual, pelas facilidades de acesso a serviços e outras colaborações de várias ordens, permitiram a nossa pesquisa, de que esta dissertação é apenas uma síntese. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 5 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Resumo Caracterizado pela sua planura territorial que, apesar da morfologia imposta pela natureza, não condiciona significativamente a expansão da ocupação humana, a Guiné-Bissau corresponde a um pequeno território rico em recursos hídricos e diversidades culturais. Ao longo da sua história, marcada por disputas pelo «chão», nunca houve grandes preocupações com o planeamento territorial e urbano. A cidade capital, Bissau, enfrenta o fenómeno da «urbanização acelerada», comum a tantas outras cidades da África Ocidental, de onde resultam repercursões nos actuais problemas urbanísticos tais como, por exemplo, a falta de infraestruturas de toda a ordem, as elevadas densidades populacionais, sobretudo nos subúrbios, e a consequente expansão de contruções de génese expontânea e ilegal. Após um enquadramento da Guiné-Bissau, apresentando as suas características históricas, físicas, políticas, culturais e socioeconómicas, segue-se uma contextualização do seu fenómeno urbano, tanto através do retrato da sua rede de aglomerados, devidamente enquadrado na história e na geografia do País, como da identificação das várias tipologias de povoamentos que o caracterizam. A estrutura urbana da cidade de Bissau é descrita e analisada tendo em conta a sua evolução espacial e morfológica, através da observação, principalmente para o período de 1979 a 2009, da distribuição da população, da habitação, das infraestruturas e dos equipamentos. Palavras-chave: urbanização na Guiné-Bissau, estrutura urbana de Bissau, evolução e transformação urbanas, povoamento e rede urbana na Guiné-Bissau, África subsariana. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 6 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Abstract Characterized by its territorial plain that, despite the morphology imposed by nature, doesn’t affects significantly the expansion of settlements, Guinea-Bissau corresponds to a small territory rich in water resources and cultural diversities. Throughout its history, marked by disputes over the "floor", there has never been major concerns with territorial and urban planning. The capital city, Bissau, is facing the phenomenon of 'rapid urbanization', common to many other cities in West Africa, with resulting repercussions in the current urban problems such as, for example, lack of infrastructure of all kinds, the high population densities, especially in the suburbs, and the consequent expansion of spontaneous and illegal constructions. After a framework for Guinea-Bissau, with its historic, physical, cultural, political and socio-economic characteristics, a contextualization of its urban phenomenon is followed, both through the portrayal of its agglomerations network, considering the history and geography of the country, as the identification of various types of settlements that characterize it. The urban structure of the city of Bissau is described and analyzed with regard to its spatial and morphological evolution through the observation, especially for the period 1979 to 2009, of the population, housing, infrastructure and facilities distributions. Keywords: urbanization in Guinea-Bissau, Bissau urban structure, urban development and processing, settlement and urban network in Guinea-Bissau, Sub-Saharan Africa. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 7 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Abreviaturas e siglas AGETIP – Agencia de Execução de Trabalhos de Interesse Público APGB – Administração de Portos da Guniné-Bissau BCEAO – Banco Central dos Estados da África Ocidental CEDEAO – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental CFA – Colonies Françaises d'Afrique CUF – Companhia União Fabril EAGB – Electricidade e Águas da Guiné-Bissau FMI – Fundo Monetário Internacional IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IGN – Institut Geographique National INEC – Instituto Nacional de Estatística e Censos da Guiné-Bissau INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento MOPCU – Ministério das Obras Públicas, Construção e Urbanismo NASA – National Aeronautics and Space Administration PAICV – Partido Africano para a Independência de Cabo Verde PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde PALP – Países Africanos de Língua Portuguesa PDM – Plano Director Municipal PGU – Plano Geral de Urbanização PIB – Produto Interno Bruto PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado PMBB – Projecto Melhoramento dos Bairros de Bissau Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 8 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SWOT – Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threads UEMOA – União Económica e Monetária do Oeste Africano UNESCO – United Nations Educational scientific and Cultural Organization UNFPA – United Nations Population Fund UNOR – Unidades de Ordenamento Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 9 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Índice geral Introdução geral ...................................................................................................................... 14 Capítulo I – Contextualização da Guiné-Bissau: ambiente natural, economia, sociedade e cultura ...................................................................................................................................... 17 1. Enquadramento territorial e ambiente natural e cultural ............................................. 18 1. Evolução histórica e política da Guiné-Bissau .............................................................. 26 2. 1.1. As conquistas tribais .......................................................................................................... 26 1.2. O início da presença portuguesa na Guiné-Bissau: conquista e resistência ................. 26 1.3. A colónia da Guiné: resistência e libertação.................................................................... 27 1.4. A Guiné-Bissau no pós-independência ............................................................................. 29 O estado actual do desenvolvimento guineense.............................................................. 32 2.1. 3.1.1. 3.1.2. 3.1.3. 3.1.4. População e condições sociais ........................................................................................... 32 Distribuição territorial e evolução da população ........................................................................... 32 Situação recente de alguns indicadores demográficos ................................................................... 35 Educação........................................................................................................................................ 35 Saúde ............................................................................................................................................. 37 2.2. Contexto económico e infraestruturas e equipamentos de suporte ao desenvolvimento .............................................................................................................................. 38 2.2.1. 2.2.2. 2.3. Actividades Económicas ................................................................................................................ 38 Infra-estruturas de suporte ao desenvolvimento económico .......................................................... 39 Conclusão: .......................................................................................................................... 42 Capítulo II – O fenómeno urbano Guineense no contexto da história e da geografia do País: a rede urbana da Guiné-Bissau ..................................................................................... 44 2. O fenómeno urbano Guineense no contexto da história e da geografia do País .............. 45 3. A rede urbana da Guiné .................................................................................................. 50 3.1. Tipos de aglomerados ........................................................................................................ 50 3.2. A rede de aglomerados da Guiné-Bissau ......................................................................... 53 3.3. Conclusão............................................................................................................................ 54 Capítulo III – Estrutura urbana de Bissau ............................................................................ 56 4. Introdução ........................................................................................................................ 57 5. As origens da Cidade ....................................................................................................... 60 6. A evolução da forma urbana ........................................................................................... 62 7. Estrutura funcional de Bissau ........................................................................................ 76 7.1. A evolução da distribuição da população ........................................................................ 76 7.2. Parque habitacional e expansão urbana .......................................................................... 87 7.3. Actividades económicas ..................................................................................................... 93 7.4. Infraestruturas e equipamentos........................................................................................ 97 Conclusão....................................................................................................................................... 103 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 10 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Índice de quadros Quadro 1: Divisão administrativa da Guiné-Bissau ................................................................. 32 Quadro 2: Regiões da Guiné-Bissau e respectivas superfícies ................................................. 33 Quadro 3: População residente, densidade populacional e respectiva evolução entre 1979 e 2009, por regiões ...................................................................................................................... 34 Quadro 4: Situação da Guiné-Bissau relativamente a alguns indicadores demográficos......... 35 Quadro 5: Evolução na taxa bruta de escolarização (índices da Educação) ............................. 36 Quadro 6: Evolução das principais causas de morte no País, 1977 a 2003 .............................. 38 Quadro 7: Indicadores Económicos .......................................................................................... 39 Quadro 8: Bairros de Bissau e respectivas áreas ...................................................................... 59 Quadro 9: População residente, densidade populacional e importância de Bissau no total nacional..................................................................................................................................... 79 Quadro 10: Matriz de síntese do diagnóstico de Bissau ......................................................... 104 Quadro 11: Proposta de medidas de intervenção.................................................................... 106 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 11 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Índice de figuras Figura 1: Diferenciação regional dos níveis de precipitação média anual na Guiné-Bissau .... 21 Figura 2: Regiões da Guiné-Bissau .......................................................................................... 23 Figura 3: Distribuição territorial dos principais grupos étnicos guineenses ............................. 25 Figura 4: Guerra de libertação .................................................................................................. 28 Figura 5: Uma “sala” de aula em Canhobe, no norte do País................................................... 37 Figura 6: Porto de Bissau «Pinjiguiti»...................................................................................... 40 Figura 7: Aeroporto de Bissau .................................................................................................. 40 Figura 8: Rede viária principal da Guiné-Bissau e portos e aeródromos oficialmente reconhecidos, 2010 ................................................................................................................... 41 Figura 9: Avenida 14 de Novembro ......................................................................................... 42 Figura 10: Exemplo de uma morança ....................................................................................... 48 Figura 11: Vista aérea de uma morança ................................................................................... 49 Figura 12: Exemplos de aglomerados rurais tradicionais (a primeira imagem é da parte norte continental e a segunda é de uma ilha do arquipélago dos Bijagós) ........................................ 51 Figura 13: Exemplos de aglomerados pré-urbanos ou das periferias urbanas ......................... 52 Figura 14: Canchungo, na região de Cacheu ............................................................................ 53 Figura 15: Delimitação dos bairros de Bissau .......................................................................... 58 Figura 16:Vista do núcleo colonial de Bissau «anos 60» ......................................................... 60 Figura 17: Sentidos do crescimento da cidade, a partir do núcleo colonial, logo após a abertura das muralhas da praça de São José ........................................................................................... 63 Figura 18: Forte de São José..................................................................................................... 64 Figura 19: Carta militar da Guiné Portuguesa 1/50.000, 1952 ................................................. 65 Figura 20: A cidade de Bissau e o pormenor do núcleo colonial ............................................. 65 Figura 21: Avenida Teixeira Pinto, em obras de pavimentação ............................................... 67 Figura 22: Plano de Bissau de 1948 ......................................................................................... 68 Figura 23: Evolução dos limites da cidade de Bissau. ............................................................. 69 Figura 24: Exemplo de um arruamento em «Bissau Velho» .................................................... 70 Figura 25: Ocupação urbana, (Bissau) ..................................................................................... 72 Figura 26: Evolução da malha urbana entre 1952 e 2009 ........................................................ 73 Figura 27: Evolução recente da população de Bissau e da Guiné-Bissau ................................ 77 Figura 28: Distribuição da população residente, em 1979 ....................................................... 78 Figura 29: Densidade populacional, por bairro, em 1979 ........................................................ 80 Figura 30: Distribuição da população residente, por bairro, em 1991 ..................................... 81 Figura 31: Densidade populacional, por bairro, em 1991 ........................................................ 82 Figura 32: Distribuição da população residente, por bairro, em 2009 ..................................... 83 Figura 33: Densidade populacional, por bairro, em 2009 ........................................................ 84 Figura 34: Variação da população entre 1979, 1991 e 2009 .................................................... 85 Figura 35: Variação da Densidade Populacional entre 1979 e 2009 ........................................ 86 Figura 36: Número de Alojamentos em 1991 .......................................................................... 88 Figura 37: Densidade de Alojamentos em 1991 ....................................................................... 88 Figura 38: Número médio de habitantes por alojamento em 1991 .......................................... 89 Figura 39: Número de alojamentos em 2009............................................................................ 90 Figura 40: Densidade de alojamentos em 2009 ........................................................................ 90 Figura 41: Número médio de habitantes por alojamento em 2009 .......................................... 91 Figura 42: Variação do número de alojamentos de 1991 para 2009 ........................................ 92 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 12 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 43: Distribuição de estabelecimentos de comércio e serviços ...................................... 94 Figura 44: Mercado de Bandim ................................................................................................ 95 Figura 45: Avenida 14 de Novembro, a principal artéria da cidade ......................................... 96 Figura 46: Distribuição e tipo de indústrias ............................................................................. 97 Figura 47: Infraestruturas de abastecimento ........................................................................... 100 Figura 48: Rede viária principal e sistema de transportes públicos em Bissau (2009) .......... 101 Figura 49: Localização e tipo de equipamentos públicos de serviços e de utilização colectiva .................................................................................................................................. 102 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 13 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Introdução geral O processo de urbanização à escala mundial ganhou expressão aquando da revolução industrial e com a modernização dos transportes e das telecomunicações, acompanhando os períodos de expansão da economia de mercado (VENNETIER, 1991). A África subsariana vai experimentar este processo já no século XX, entre os anos de 1950 a 1980, numa conjuntura diferente em que dominam: (i) as migrações em massa devido às guerrilhas; (ii) as perturbações no mercado de emprego e (iii) a ruptura das instituições públicas (ACIOLY, 1993). De facto, a África subsariana enfrenta hoje as consequências da sua urbanização acelerada e consequente rápido crescimento populacional, fenómenos que são desafios muito penosos para as autoridades políticas dos países em desenvolvimento, já que têm tido repercussões bastante negativas na economia, na saúde pública e, sobretudo, na qualidade do urbanismo que se verificado. Este rápido crescimento dos centros urbanos é um processo que arrasta problemas sociais e ambientais. O relatório da UNFPA (United Nations Population Fund) prevê que em 2030 a população urbana em África venha a rondar os 81%. A história da Guiné-Bissau, e consequentemente a do seu povoamento e urbanização, foi marcada por frequentes invasões – o império do Gana, os mandingas do reino do Mali e os fulas do reino do fouta djallon. Depois disso, no século XV, iniciou-se a presença Portuguesa, a qual teve inicialmente nos nativos do reino papel de Bandim «chão de pepel» uma oposição forte, a qual só terminaria com a completa consolidação do processo de colonização. Se no início se verificou esta oposição, já séculos depois os portugueses teriam também de enfrentar uma força armada liderada por Amílcar Cabral, numa guerra de guerrilha que viria a durar mais de uma década. Contudo o cenário urbano viria a sofrer ainda mais com a guerra civil de 1998, em consequência da qual algumas infraestruturas foram destruídas, mantendo-se como tal até aos dias de hoje. A Guiné-Bissau passa de 767.731 habitantes, em 1979, para 1.548.159 habitantes, em 2009. Neste mesmo ano, a sua população urbana era de 510.000 habitantes, o equivalente a 34% do total dos residentes. O País ocupa o 175º lugar entre os 177 países considerados pelas Nações Unidas para o cálculo do índice de desenvolvimento humano (PNUD, 2008). Isto é, onde uma população com uma esperança média de vida de 47 anos tem um PIB per Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 14 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital capita de $180 (FMI, 2007), onde em 2003 o paludismo ainda conseguia matar 427 pessoas, em que 80% da população vivia da agricultura e 63% era analfabeta. Bissau, enquanto capital da Guiné-Bissau, uma nação jovem e pobre que se insere perfeitamente nesse contexto de cidades não planeadas para suportar o número de população residente que comporta, é uma cidade que nasce a partir da construção de um forte, aproveitando a sua boa localização geográfica junto de um porto. Esta é uma característica do colonialismo Português que, à imagem da metrópole desenvolviam uma cidade com um traçado ortogonal, com avenidas largas e arborizadas, com os seus edifícios alinhados, cumprindo funções administrativas, comerciais e residenciais. Mas, esta cidade também tinha uma periferia desordenada e constituída por edifícios construídos com materiais mais modestos, mas ajustados às condições ambientais locais (adobe feito de forma artesanal, normalmente misturando barro e palha), em arruamentos estreitos e sem nenhuma lógica urbanística, onde vivia a maioria dos indígenas do País. A rede urbana do País e o caso particular do fenómeno urbano de Bissau, com todos os seus problemas relacionados com a falta de um planeamento urbanístico eficaz, constitui-se como a principal preocupação deste trabalho. A escolha deste tema para o nosso estudo irá decerto contribuir para: i) a clarificação sobre as origens e os processos que estão na base da desagregada estrutura urbana das várias povoações do País; ii) entender a evolução espacial de Bissau desde a sua fundação até aos dias de hoje, ajudando assim a alertar as autoridades para a necessidade de serem concentrados esforços para a mudança, através da definição de eficazes políticas de urbanismo, tanto a nível nacional, como local; iii) o enriquecimento do País em estudos sobre o planeamento do território, área de investigação que ainda se encontra pouco explorada, tanto a nível nacional, como local. De facto a falta de políticas de povoamento e de estruturação urbana herdada já do período colonial, a qual está na base dos problemas urbanísticos que o País sempre enfrentou, manifesta-se na expansão de construções espontâneas sem controlo e promotoras de uma completa desestruturação do tecido urbano. Este fenómeno é sobretudo visível nos subúrbios da cidade, onde a deterioração das infraestruturas existentes e a carência de equipamentos na maioria dos assentamentos, são aspectos que, ligados a uma situação socioeconómica muito débil e ao rápido crescimento populacional, resultam em grandes necessidades habitacionais, tanto em termos quantitativos, como qualitativos. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 15 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Existem poucos estudos sobre a Guiné-Bissau, daqueles a que tivémos acesso durante a nossa pesquisa vamos destacar alguns. MOTA (1954), produziu um livro do domínio do ordenamento do território que retrata a Guiné desde a sua primeira invasão pelo império do Gana até ao período colonial, caracterizando todos os aspectos físicos do território e das populações e onde o autor apresenta as particularidades de cada uma das variadas etnias existentes no seu «chão»1. BLAZEJEWICZ (1981) aborda, essencialmente, os temas relacionados com as práticas de cada grupo étnico relativamente à arquitectura e forma de organização do espaço da sua unidade habitacional ou «morança». MENDY (2006) defendeu uma tese de doutoramento do domínio do urbanismo e gestão urbana onde aborda a questão da expansão espacial da cidade de Bissau, desde o século XVIII até ao ano de 2004, mas numa óptica bastante descritiva. Nessa dissertação, cuja elaboração foi apoiada por uma vasta equipa de colaboradores que procedeu a um levantamento exaustivo e completo de todo o tipo de infra-estruturas e serviços existentes na cidade, o autor apresenta algumas soluções pontuais para uma melhor gestão urbana. O trabalho de ACIOLY (1993) resulta de uma tradução ampliada e actualizada do seu livro “Settlement planning and assisted self-help housing: an approach to neighbourhood upgrading in a Sub-Saharan African City”. Nele, o autor faz um paralelismo entre os problemas urbanísticos da Guiné-Bissau com os de alguns outros países da Região, abordando temas tão importantes como a urbanização informal e a construção clandestina patente na cidade, as carências de infra-estruturas e de habitação e muitos outros aspectos. Faz também menção às iniciativas levadas a cabo pelos sucessivos governos, desde o Plano Geral Urbanístico até aos projectos Camarários. Neste livro, o autor também descreve na íntegra o PMBB (Projecto Melhoramento dos Bairros de Bissau), projecto esse que teve como áreas de implementação os bairros de Mindará, Cupelum de cima e Belém. Apresenta também algumas considerações sobre as estratégias de planeamento para a cidade. 1 As populações nativas da Guiné-Bissau chamam «tchon», ou «chão» em português ao território ou ao regulado pertencente a uma etnia, o equivalente a «terra» no contexto do português. A importância do «chão» é de tal forma proeminente para os Manjacos que estes não se designam a si mesmos pelo nome da etnia, mas sim pelo nome do local de onde é originária a família da sua etnia (por exemplo, “ba cantchungo” significa que se trata de um manjaco de Cantchungo). Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 16 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Capítulo I – Contextualização da Guiné-Bissau: ambiente natural, economia, sociedade e cultura Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 17 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 1. Enquadramento territorial e ambiente natural e cultural A identidade territorial de um País, ou seja, o complexo objectivo ou subjectivo, derivado do cruzamento entre as suas paisagens e os modos de vida dos seus habitantes (ROCA & ROCA, 2007), pode ser decomposta em quatro grandes domínios temáticos: ambiente natural, economia, sociedade e cultura. No enquadramento geral da Guiné-Bissau iremos utilizar uma aproximação a essa sistematização, a qual integra o modelo Identerra (OLIVEIRA et al., 2010). Deste modo, a sociedade será tratada no contexto da população e condições sociais, ficando a cultura restrita à questão da diferenciação étnica. A economia (incluindo as questões da base e estrutura económica, bem assim como o emprego e o desemprego) será tratada num ponto autónomo. Localizada na costa Ocidental Africana, esta pequena parcela de terreno contida entre o Senegal e a República da Guiné Conakry é descoberta em 1446 pelos Portugueses. No passado fora designada como a “província portuguesa da Guiné”. Actualmente pertence ao grupo de países africanos de língua portuguesa (PALP). Na Guiné-Bissau, terra que confronta o oceano e é rica em estuários e arquipélagos que favorecem a diversidade cultural interna, ao mesmo tempo que se vive a angústia da maré e da perda das culturas, confronta-se também com as quezílias derivadas de lutas pelo poder que não fazem sentido, mas que podem ser explicadas pelas origens históricas de delimitação de fronteiras (a construção do Mundo pelos Europeus do século XIX) que separaram as terras daquelas que eram as etnias (Nações) africanas. Aquela divisão aparenta ter sido, a um tempo, menos feliz, mas, a outro, impulsionadora de uma nova vivência cultural, a qual justapôs, no mesmo território, Biafadas e Fulas, Mandingas e Papeis, Bijagós e Manjacos, entre outros. A Guiné-Bissau é hoje conhecida não pelas suas lindas paisagens, mas sim como um dos países com o índice de desenvolvimento humano mais baixo e as suas habituais convulsões político-militares. A República da Guiné-Bissau corresponde a um território localizado na África Ocidental, entre os paralelos 10º 59’ 12° 20’ de latitude Norte e entre os meridianos 13° 30’ e Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 18 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 16° 43’ de longitude Ocidental, insere-se numa área de 36.125 km2 e é constituída por um território continental e um conjunto de 40 ilhas «arquipélago dos Bijagós». É limitada a Sul e Oeste pelo Oceano Atlântico, esta fronteira litoral estende-se por 250 km. No plano continental, a Guiné-Bissau tem como limite Norte uma linha de fronteira de 338 km com o Senegal e a Este e Sudoeste pela fronteira de 38 9km que tem com a Guiné Conakry. O ambiente natural no seu conjunto, e particularmente a geomorfologia e a hidrografia condicionam fortemente a forma da aglomeração urbana. Por um lado, o relevo pode dar origem a barreiras naturais que impedem o crescimento urbano em determinadas direcções. Por outro lado, os assentamos humanos têm uma origem locativa que se associa a alguns elementos naturais tais como os rios, vias navegáveis que favorecem a deslocação e o transporte de pessoas e mercadorias, ou o cimo das colinas, normalmente por razões de defesa. Ora, no caso da Guiné, a origem das primeiras povoações não se afasta destes princípios. A Guiné-Bissau apresenta uma topografia muito plana, com variações entre a maré-alta e a maré-baixa extremamente marcantes, na ordem de 7 metros onde as influências das marés se fazem sentir a uma distância de 100km através da penetração por uma vasta rede hidrográfica que penetra dendriticamente o território nacional. Estas características fazem com que grandes áreas de terrenos sejam inundáveis2, o que logicamente condiciona o desenvolvimento urbano, pois não se dispõe de meios técnicos nem económicos para contornar esta limitação. De facto, o País está inserido e integrado no ambiente característico da África ocidental, apresentando um relevo pouco acidentado em quase toda a totalidade do seu território. Este, de acordo com vários autores (ACIOLY, 1993; da MOTA A, 1954; MENDY F, 2006 e Dorota Blazejewicz 1981) pode ser dividido em quatro zonas diferentes: (i) Uma planície costeira de cerca de 180 km constituída por estuários largos e profundos marginados por extensos terrenos pantanosos e mangais, mas também florestas. 2 Para além dos terrenos inundáveis por águas marinhas, naturalmente sem aproveitamento agrícola devido aos elevados graus de salinidade, mas ocupados por mangal, conjuntos de vegetação adaptada à salinidade e à variação das marés, podem ainda identificar-se terrenos planos de herbácea com potencial agrícola cuja designação local é a de «Lalas», quando se desenvolvem em ambiente não húmido e a de “bolanhas”, quando se tratam de terrenos de cultivo permanentemente alagados. Dado o efeito das marés que se faz sentir até cerca de 2/3 do território guineense, estes terrenos são protegidos da água salgada através de diques construídos de forma artesanal com recurso, principalmente, a lamas. Estes terrenos são utilizados para culturas orizícolas. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 19 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital (ii) O conjunto das 40 ilhas que formam o arquipélago dos Bijagós, as quais ocupam uma extensão territorial de 10.000 km² de superfície, em que 1.000 km² correspondem a ilhas constituídas por rochas de origem sedimentar e 9.000 km² correspondem a mar. Destas 40 ilhas, apenas 20 são habitáveis. No geral, têm pouca elevação e são ocupadas por uma vegetação exuberante e praias que apresentam um elevado potencial de aproveitamento turístico. Não foi por acaso que, em 1996, o arquipélago foi declarado "Reserva da Biosfera" pela UNESCO, estando também classificadas como parques nacionais as ilhas de Orango e João Vieira/Poilão. (iii) Uma vasta sucessão de planícies, localizadas ao Norte e ligeiramente acima do nível do mar, cobertas por savanas arbustivas e uma floresta húmida, quase virgem na sua parte mais a sul. Estas planícies são atravessadas por grandes rios, dos quais os mais importantes são o Corubal (560 km de extensão), o Cacheu (257 km), o Mansoa (137 km), e o Geba (12.225 km). (iv) Uma unidade constituída por colinas e planaltos, na parte leste do País que se elevam para os contrafortes das montanhas do Fouta Djalon 3, mas sem nunca ultrapassarem os 300 metros de altitude. Assim, pelo menos do ponto de vista geomorfológico, pode concluir-se que não se observam no território da Guiné-Bissau, obstáculos significativos ao desenvolvimento urbano, salientando-se apenas alguns problemas relacionados com o escoamento das águas superficiais, sobretudo agravado durante a estação chuvosa. O clima da Guiné-Bissau é de tipo Tropical Húmido, isto é, caracteriza-se por uma estação chuvosa que vai de Junho a Outubro e uma estação seca que começa em Novembro e se prolonga até ao mês de Maio. As temperaturas oscilam entre os 22°C e os 38°C em Abril e Maio, e entre os 22°C e os 30°C em Agosto e Setembro. O mês mais frio é o de Dezembro, quando as temperaturas variam entre os 16°C e, apesar de tudo, os 32°C. A parte litoral, dada a forte influência oceânica, é mais húmida (humidade relativa compreendida entre 75% e 90%), sendo o restante território ligeiramente mais seco (humidade relativa compreendida entre 55% e 75%). Em síntese, pelo menos do ponto de vista da humidade e da temperatura, pode concluir-se que o clima guineense se afasta bastante das características temperadas de que usufruiu o continente português, pelo que é exigente em termos de adaptação das pessoas às suas 3 O Fouta Djalon corresponde à região montanhosa do Oeste da Guiné Conacri, habitada sobretudo por Fulas. Esta forma-se numa serie de planaltos de arenito a uma altitude de 900 metros. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 20 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital condições por vezes desconfortáveis, sobretudo quando aos elevados níveis de humidade se associam temperaturas também elevadas4. Em termos de pluviosidade, podem-se distinguir três zonas na Guiné-Bissau: (i) a zona do Sul (Tombali, Quinara e Bolama-Bijagós) que apresenta uma média anual superior a 2.000 mm; (ii) a zona Noroeste (Bissau, Biombo, Cacheu e Oio) caracterizada por uma média anual entre 1.400 e 1.800 mm; (iii) a zona Leste (Bafatá e Gabú) onde a precipitação anual média é inferior a 1.400 mm. O período máximo de precipitações é atingido em Agosto, podendo a média mensal atingir mais de 400 mm. O mínimo, próximo de 0, ocorre durante os meses de Dezembro a Abril. Figura 1: Diferenciação regional dos níveis de precipitação média anual na Guiné-Bissau Precipitação média anual < 1400 mm Precipitação média anual entre 1400 e 1800 mm Precipitação média anual > 2000 mm Fonte: elaboração própria 4 A este propósito, diversos autores desenvolveram índices de medição do conforto bioclimático, normalmente baseados no trabalho de H. Terjung (geógrafo americano) o qual cruzou temperatura com humidade, considerando que as situações extremas que poderiam apresentar algum conforto eram as de alta temperatura com baixa humidade e baixas temperaturas com elevada humidade, situando as mais confortáveis entre cada uma destas situações extremas. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 21 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Quando se cruza pluviosidade e temperatura verifica-se, assim, que os meses de Dezembro a Abril são os que potencialmente poderão acolher mais visitantes, pois é quando, por um lado, as temperaturas são mais amenas e, por outro, as chuvas são menos frequentes. O País possui oito Rios: o Rio Mansôa, o Rio Cacheu, o Rio Tombali, o Rio Cumbuja, o Rio Buba, o Rio Geba, o Rio Corubal e o Rio Cacine. Dado o regime pluviométrico antes referido, não surpreende que os recursos hídricos do País sejam abundantes. Eles são estimados em mais de 130 km3/ano em água de superfície e em 45 km3/ano em águas subterrâneas. Apesar da boa dotação do território em termos de rede hidrográfica, estes recursos são subaproveitados, já que o País não possui esquemas de ordenamento das águas de superfície tendentes a preservar os caudais durante a estação mais seca. De facto, aquando da diminuição das chuvas e da redução do caudal dos rios, ocorrem fenómenos de sedimentação que provocam a elevação dos teores de ferro nas águas subterrâneas do interior, enquanto na zona costeira, destruído o equilíbrio hidrodinâmico, estas águas estão sujeitas à intrusão de água salgada, elevando-se os seus teores de salinidade. Este problema, juntamente com a implementação de uma política de tratamento de água para abastecimento humano, exige uma rápida solução, já que menos de 40% da população tem acesso a água potável, para além de menos de 20% usufruir do saneamento mais elementar. A rede hidrográfica da Guiné constituiu-se, desde sempre, como um factor importante de localização dos principais aglomerados urbanos. A Guiné-Bissau está dividida administrativamente em 9 Regiões e 37 Sectores. Os representantes máximos do Governo nas Regiões são os Governadores de Região e nos Sectores são os designados por Administradores de Sector. A nomeação e exoneração de Governadores das Regiões e de Administradores dos Sectores é da competência do Governo, sob proposta do Ministro da tutela, sendo que actualmente é o ministro do interior. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 22 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 2: Regiões da Guiné-Bissau Fonte: INEC, Guiné-Bissau em Números Um dos principais traços de diferenciação cultural interna é o que se relaciona com a existência de mais de 20 grupos étnicos, com os seus costumes, dialectos, religiões e estruturas sociais distintas. Esta diversidade cultural reflecte-se em diferentes formas de ocupação e de organização do espaço, tema que trataremos noutro capítulo, e que foi aprofundadamente estudado por Blazejewicz (1981). Os grupos étnicos mais importantes e representativos da população são: 1. Balantas: 30% 2. Fulas: 20% 3. Manjacos: 14% 4. Mandingas: 13% 5. Papeis: 7% A distribuição espacial destes grupos étnicos está directamente relacionada com as actividades praticadas. Vejamos como estes estão representados no território (Cf. mapa da Figura 2): Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 23 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Os Fulas, que se localizam no Leste do País (Bafatá e Gabú), são conhecidos como um povo tradicionalmente nómada e, dedicam-se sobretudo à criação do gado e ao comércio; Os Balantas, Manjacos, Brames ou «Mancanhas» e os Papéis ocupam a área costeira dedicando-se principalmente ao cultivo do arroz; Os Papéis, a etnia maioritária na área de Bissau, que de resto é o seu «chão», são os grandes produtores de caju no País, o principal produto de exportação nacional; Os Balantas encontram-se em maior número na região Sul, nas zonas de Catió e a Norte, na Região de Oio, mais precisamente em Mansôa; Os Manjacos encontram-se essencialmente na região de Cacheu; Os Bijagós, como o próprio nome indica, são os habitantes das ilhas com o mesmo nome, dedicando-se essencialmente à pesca; Já os Mandingas são o grupo maioritário do Norte e ocupam-se sobretudo do comércio e da agricultura; dentro deste grupo existem pequenas populações que se constituem como sub-grupos étnicos dos Mandingas, tais como os Saracolés, Jacancas, Sôssos e Jaloncas que, pelo seu reduzido número tendem a extinguir-se (MOTA, 1954). Importa referir que, sobretudo no período pós-independência, se verificou uma tendência para a concentração da população que, até aí, se encontrava mais ou menos equilibradamente distribuída por todo o País. Esta tendência para a concentração privilegia as migrações internas com destino às áreas litorais e, sobretudo, à região de Bissau. Apesar de o Português ser a língua oficial, o Crioulo continua a ocupar um lugar muito importante relativamente à comunicação oral entre as várias etnias, sendo por isso, também, um elemento importante de convergência inter-étnica. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 24 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 3: Distribuição territorial dos principais grupos étnicos guineenses Fonte: Elaboração própria com base em informações recolhidas em da MOTA (1954) e Dorota Blazejewicz (1981) A religião assume um papel importantíssimo na Guiné-Bissau e, daí, o entendimento de “senso comum”, de que nada acontece por acaso, e tudo tem uma explicação divina. A esmagadora maioria da população segue a religião tradicional «animista» (55%), ou seja, acreditam no «irã5». Estas populações localizam-se, sobretudo, na zona Oeste do território nacional. Os seguidores do Islamismo (40%) estão concentrados no Leste do País. Uma pequena parte da população é Cristã (5%), sobretudo nos centros urbanos, como é o exemplo de Bissau. 5 Segundo Teixeira da Mota, é possível que este termo tenha ligação com um outro termo bijagó «iramindé» que designa certos espíritos. Irã é o deus dos indígenas da Guiné-Bissau, ao qual se fazem oferendas para se ganhar protecção. Cada etnia tem a sua forma de fazer culto ao irã, mas o que é certo, é que partecipa em todas manifestações da tribo, desde casamentos, fanados, saúde, justiça, etc. Orienta e pune os actos de cada um dos seus descendentes. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 25 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 1. Evolução histórica e política da Guiné-Bissau 1.1. As conquistas tribais A história da Guiné-Bissau foi marcada por frequentes invasões e consequentes movimentos massivos de população, a mais antiga das quais foi a invasão do império do Gana, no século V (MOTA, 1954). Nos séculos XIII e XIV os Mandingas do reino do Mali ocupam uma grande parte da África ocidental, a região oriental da Guiné-Bissau também foi invadida, forçando assim a fuga de grupos étnicos como os Manjacos, Papeis e Mancanhes (ou Brames) que habitavam essa região para a costa, uma vez que não queriam ser islamizados. A partir do século XV, o Império do Mali começa a desmembrar-se, permitindo assim que aparecessem estados independentes em várias províncias. O mais importante desses novos estados era o Reino de Gabú, que dominava toda a zona Sul da Guiné-Bissau e Senegal. O Reino de Gabú viria a ser arrasado no decorrer do século XIX por invasores Fulas do Reino de Futa Djallon da vizinha Guiné Conakry. 1.2. O início da presença portuguesa na Guiné-Bissau: conquista e resistência No século XV o navegador Nuno Tristão, na companhia de Gil Eannes descobrem a costa da Guiné-Bissau. A presença portuguesa irá portanto limitar-se à zona costeira, com fins exclusivamente comercias, mas estendendo-se, sobretudo a partir do século XVI, ao longo dos rios Cacheu e Buba. A regulação administrativa, comercial e política da Guiné-Bissau estava sob a tutela portuguesa cuja sede se situava na Praia, no arquipélago de Cabo Verde. Esta costa era conhecida como “Rios da Guiné de Cabo Verde”, e a principal actividade até ao ano de 1867 era o comércio de escravos. De 1630 a 1687, a presença Portuguesa em Cacheu e Bissau já era uma realidade mas, contudo, ainda era fraca. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 26 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital A partir do século XVII, outras potências imperialistas iriam competir com Portugal, pelo que a maior parte do comércio de produtos locais estavam nas mãos de Franceses, Ingleses e Alemães. Em 1792, os Ingleses ocuparam a ilha de Bolama, a qual viriam a abandonar em 1870 por decisão favorável a Portugal de uma comissão arbitral internacional, presidida pelo antigo presidente dos Estados Unidos da América, Ulysses Grant. Em 1879 a Guiné Portuguesa era separada de Cabo Verde para se tornar numa verdadeira colónia, com a capital em Bolama. Foi na conferência de Berlim, em 1884, que se acorda o novo pacto colonial, reconhecendo-se a soberania da Guiné Portuguesa. Nesse pacto, as potências colonialistas eram obrigadas a ocuparem efectivamente os territórios que reclamavam como sendo seus. Portugal vai-se ver assim obrigado a marcar uma presença mais notória, penetrando no interior do território numa tentativa de impor a sua soberania a povos com quem apenas mantinha relações comerciais. É nesta altura, com a mudança de abordagem por parte do colonizador que passou das simples relações comerciais para as relações de dominação baseadas na cobrança de impostos, que se irão desenvolver resistências por parte de populações (sobretudo Papeis) de zonas em que não havia presença portuguesa. Com pouco equipamento militar e tropas numericamente frágeis, os portugueses enfrentam uma forte resistência. Os “gentios” – termo utilizado para designar os povos indígenas, estes afrontavam a autoridade, o que muitas vezes obrigava o colonizador a recrutar mercenários franceses e senegaleses ou auxiliares fulas para apoiar o exército. Essa luta de resistência iria estender-se até ao ano de 1939 (campanha de Teixeira Pinto). 1.3. A colónia da Guiné: resistência e libertação Com a institucionalização do regime fascista de António Oliveira Salazar, em 1926, foram criadas leis restritivas contra as companhias estrangeiras, ou seja, no sentido inverso, de protecção do capital nacional. Com o objectivo de criação de um monopólio, o governo de Salazar confia, em meados dos anos 30 a gestão da exploração dos recursos económicos da Guiné Portuguesa á Casa Gouveia, uma empresa que pertencia ao grupo CUF (Companhia União Fabril). Dada a fraqueza dos seus recursos e das suas opções políticas, Portugal irá concentrar-se mais no desenvolvimento da colónia de Angola, em detrimento de outras, nomeadamente da Guiné. Poucos investimentos foram feitos, a educação foi deixada de fora e, no plano económico, não se criaram infra-estruturas que permitissem uma boa exploração Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 27 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital dos recursos da colónia. Para além disso é implementada uma política segregacionista, distinguindo na sociedade os civilizados dos gentios. Em 1945, foi criada a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), uma polícia política para reprimir qualquer forma de oposição ou de resistência ao regime. Também nas ex-colónias se verificou o impacto desta polícia. Por exemplo, a greve de estivadores do porto de Bissau, de 3 de Agosto de 1959, seria severamente reprimida, vitimando várias dezenas de Guineenses. Essa vai ser a gota de água para que se concentrassem esforços no sentido de lutar pela libertação e contra a opressão exercida pela administração colonial. Em 1956, começavam-se a gerar movimentos de oposição à colonização Portuguesa. Desses movimentos destaca-se o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Os membros do partido começam por realizar campanhas de sensibilização das populações das cidades e, especialmente, das classes trabalhadoras. Adivinhava-se assim uma luta de libertação, com o apoio da população, que saudava as propagandas do PAIGC, com a excepção da maior parte dos Fulas, os quais estavam mais comprometidos com a causa da administração Portuguesa. A 23 de Janeiro de 1963, o PAIGC lança a sua primeira ofensiva contra o poder colonial. Abriu frente no Norte e no Sul, propagando posteriormente uma feroz guerra de guerrilha por todo o território. Por seu lado, a administração Portuguesa reforçava o seu exército em cerca de 20.000 homens, entre eles, Fulas. Mais tarde, o PAIGC, após obter o seu reconhecimento internacional como legítimo representante do povo guineense, adquiriu equipamento militar moderno utilizando inclusive armas anti-aéreas, o que lhe permitiu crescer, libertando zonas sob domínio colonial. Figura 4: Guerra de libertação Fonte: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 28 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Em 20 de Junho de 1973, o líder do PAIGC, Amílcar Cabral, era assassinado em Conakry pelos serviços secretos da administração colonial Portuguesa. Essa perda, ao contrário do que se esperava vai radicalizar a luta do PAIGC, que realizou o seu segundo congresso em Madina de Boé. Foi deliberada a convocação da primeira Assembleia Nacional Popular para proclamar o estado da Guiné-Bissau, formar um executivo e elaborar a primeira Constituição da República. Em 24 de Setembro de 1973, foi proclamada unilateralmente a independência da Guiné-Bissau, com a eleição de Luís Cabral como presidente de conselho de estado. Muitos países e organizações internacionais reconheceram a independência da Guiné-Bissau. Com o movimento de capitães vai-se precipitar o derrube do regime de Marcelo Caetano numa revolução, a 25 de Abril de 1974. As políticas mudavam e Portugal reconheceria a Guiné-Bissau como um estado independente a 26 de Agosto do mesmo ano, por via da assinatura do “Acordo de Argel”. 1.4. A Guiné-Bissau no pós-independência A proclamação e reconhecimento da Guiné-Bissau como estado independente, dá início a uma árdua e difícil tarefa que é a de reconstruir o País. Sob a presidência de Luís Cabral, o PAIGC amplia as estruturas que se tinham desenvolvido durante a luta de libertação e foi adoptada uma política socialista de cariz marxista. Em 1977, o Terceiro Congresso redefine as políticas, escolhendo "uma democracia nacional e revolucionária" a fim de melhor adaptar-se às realidades do País e conseguir a unidade nacional. Além disso, a integração económica de Cabo Verde foi posta em marcha, para estabelecer os alicerces para uma futura fusão dos dois estados. Variam-se a verificar alguns desentendimentos no seio do PAIGC entre militantes de origem cabo-verdiana, a maioria da elite, e guineenses de gema, mais rurais. A revisão da Constituição que dava mais poder ao chefe de Estado contribuiu também para aumentar o descontentamento de alguns membros do partido. Assim, em 14 de Novembro de 1980, o comandante João Bernardo Vieira (Nino) elaborou um golpe militar que derrubou o Presidente Luís Cabral, a quem ele acusava de exercer uma ditadura, e constituiu um conselho da revolução, assumindo o cargo de chefe de Estado. A Assembleia Nacional é dissolvida. O PAIGC é dividido em dois, a secção cabo-verdiana, que mudou o nome para PAICV (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde) e a guineense, que manteve a mesma designação. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 29 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital O rompimento das relações entre os dois países é consumado, mas estas virão a ser reatadas. Com efeito, através dos bons ofícios do presidente Samora Machel, os dois países retomaram relações em 1982. Em 1986, cerca de sessenta pessoas, incluindo Paulo Correia, Vice-Presidente do Conselho de Estado, são acusados de preparar um golpe de Estado. Paulo Correia e outros cinco réus viriam a ser executados em Julho de 1986, apesar dos apelos de piedade feitos pela comunidade internacional. O Estado encontrava-se numa fase muito delicada, havia uma constante suspeita/rumores de golpe de estado, os membros do aparelho do estado eram mudados com muita frequência e as dificuldades económicas do País eram enormes. De 8 a 15 de Outubro de 1990, realizou-se uma conferência de dirigentes em que se defendia uma política multipartidária na Guiné-Bissau. Mais tarde, a partir de 20 a 25 de Janeiro de 1991, o PAIGC realizou o seu segundo congresso extraordinário, cujo principal resultado foi a aceitação voluntária da ideia de acabar com o monopólio do partido, abrindo o País a uma política multipartidária. Em Maio do mesmo ano, a Assembleia Nacional Popular vota uma emenda à Constituição que introduz a liberdade de associativismo, liberdade de formar partidos políticos e a liberdade de expressão. Em Julho de 1994 foram realizadas eleições democráticas, reconhecidas livres pelos observadores internacionais. O presidente Nino Vieira foi declarado vencedor na segunda volta com uma votação de 52,02%, considerada muito equilibrada pelo seu adversário, Kumba Iala. No entanto, em termos económicos, e apesar de terem sido implementados vários planos de ajustamento, a pobreza continuava a tomar conta da população. A inflação e a dívida externa do País continuaram a subir, enquanto a moeda local se desvalorizava. A 2 de Maio de 1997, a Guiné-Bissau juntava-se à UEMOA, o franco CFA substituía o Peso como moeda nacional, mas a situação económica não se apresentava melhor apesar destas mudanças. Na fatídica madrugada de 7 de Junho de 1998, eclodiu uma revolta liderada pelo general Ansumane Mané. Para travar essa revolta militar o Presidente Nino Vieira solicitou auxílio ao Senegal e à República da Guiné Conakry. A chegada de soldados guineenses e senegaleses enfureceu o movimento. A popularidade do presidente diminuiu vertiginosamente. Bissau era martirizado por confrontos entre as forças governamentais e a Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 30 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital junta militar, que tinha o apoio generalizado da população. As negociações falharam variadíssimas vezes, até que o presidente Nino foi capturado pela junta militar e depois libertado para se asilar em Portugal. Foi estabelecido um governo de transição, em que o Presidente era Malan Bacai Sanha e o primeiro-ministro Francisco Fadul. Em 2000 foram realizadas eleições presidenciais e legislativas. Kumba Iala seria eleito à segunda volta. Mas o seu mandato será marcado pelos desentendimentos com o líder da junta militar que depôs o regime anterior, o general Ansumane Mané. A situação económica continuava a piorar: os salários em atraso, as greves dos professores eram constantes e duradouras, sem se falar nas prisões de políticos. Em 2003, o Presidente Kumba Iala era deposto por via de um golpe orquestrado pelo exército liderado pelo general Veríssimo Correia Seabra. A comunidade internacional reprova esse golpe. Através da mediação da CEDEAO, o exército deixou o poder. Foi estabelecido um período de transição em que Henrique Rosa foi designado como presidente, com o compromisso de realizar eleições legislativas e presidenciais. Em 2004, o PAIGC venceu as eleições legislativas e Carlos Gomes Júnior formou governo. A situação política começou a estabilizar, mas ainda com a interferência do exército. Uma rebelião ou um acerto de contas conduziu ao assassinato do Chefe do Estado-Maior, general Veríssimo Correia Seabra, em Outubro de 2004. O papel do exército no espectro político é então posto em causa. Foi então nomeado o General Tagme Nawai como chefe do exército, o qual prometeu a não interferência deste em assuntos civis e políticos. Em 2005 João Bernardo Vieira, regressado do asilo, derrotava Malan Bacai Sanhá na segunda volta das presidenciais. Mas a coabitação do chefe de estado “Nino” com o executivo seria efémero, pelo que pouco tempo depois deste tomar posse, dissolveria o parlamento, convidando o senhor Aristides Gomes, também membro do PAIGC, a formar governo. A 1 de Março de 2009, foi morto num atentado bombista o chefe de estado-maior das forças armaras, o general Tagme Naway. Logo no dia seguinte foi assassinado o presidente Nino Vieira. O Presidente da Assembleia Nacional Popular, Raimundo Pereira, assumiu a presidência interinamente, e foram marcadas eleições presidenciais antecipadas para 28 de Junho de 2009, as quais foram vencidas por Malam Bacai Sanha. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 31 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 2. O estado actual do desenvolvimento guineense 2.1. População e condições sociais 3.1.1. Distribuição territorial e evolução da população Em 2009, segundo o INEC, a população da Guiné-Bissau era estimada em 1.548.159 habitantes. Entre 1979 e 2009, a taxa média de crescimento anual da população foi de 3,4%. Quadro 1: Divisão administrativa da Guiné-Bissau Região/Sector País Sector Autónomo de Bissau Região de Bafatá Sector de Bafatá Sector de Bambadinca Sector de Contuboel Sector de Cossé Sector de Ganado Sector de Xitole Região de Gabú Sector de Gabú Sector de Boé Sector de Pirada Sector de Pitche Sector de Sonaco Região de Biombo Sector de Quinhamel Sector de Safim Sector de Prabis Região de Oio Sector de Bissorã Sector de Farim Sector de Manssoa Sector de Mansaba Sector de Nhacra Superfície/km2 36.125,0 77,5 5.981 837 844 1.550 508 903 1.339 9.150 2.123 3.288 934 2.021 784 839 451 174 213 5.403 1.123 1.532 1.097 1.387 265 Região/Sector Região de Cacheu Sector de Cacheu Sector de São Domingos Sector de Canchungo Sector de Bula Sector de Caió Sector de Bigene Região de Bolama/Bijagós Sector de Bolama Sector de Bubaque Sector de Uno Sector de Caravela Região de Quínara Sector de Buba Sector de Empada Sector de Fulacunda Sector de Tite Região de Tombali Sector de Bedanda Sector de Catio Sector de Cacine Sector de Quebo Superfície/km2 5.175 1.004 1.035 643 746 664 1.082 2.624 451 1.013 ______ 1.160 3.138 744 777 917 700 3.737 1.143 1.020 613 960 Fonte: INEC, Guiné-Bissau em Números (2005). Em 1979, a população repartia-se de forma relativamente equilibrada por todo o território guineense. De facto, as regiões onde se registavam menos habitantes eram também aquelas, com excepção de Bissau, com a menor dimensão territorial. Cacheu e Oio eram as Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 32 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital regiões que concentravam mais habitantes, a que se seguia Bafatá e, só depois, Bissau, apesar de neste último caso, já se registarem valores de densidade populacional acima dos 1400 habitantes por km2. Este equilíbrio relativo vem a alterar-se de forma dramática entre 1979 e 2009, sendo os traços mais marcantes da evolução populacional os seguintes: i) Forte crescimento generalizado da população guineense, a qual mais que duplicou nesses 30 anos; ii) Fortíssima tendência para a concentração na Região de Bissau, a partir da década de 80, a qual passa de uma quota de 14,2% do total da população do País para 25,9%; este último facto, tendo em conta uma dimensão territorial que apenas corresponde a cerca de 0,2% do total da superfície nacional, traduz-se em valores de densidade populacional que ultrapassam os 5000 habitantes por km2; iii) Um crescimento gradual da população residente nas restantes regiões, onde as taxas de variação de 1979 para 1991 se situaram entre os 12,5% e os 30,5%, com excepção feita às regiões de Biombo e Bolama/Bijagós onde se observaram variações mais modestas e, iv) Um aumento substancial e generalizado da população entre os momentos censitários de 1991 e 2009, em que a variação já ultrapassa os 50% na maioria das regiões, sendo que em Bissau transpõe mesmo a fasquia dos 100%. Quadro 2: Regiões da Guiné-Bissau e respectivas superfícies Região Bissau Bafatá Gabú Biombo Cacheu Oio Bolama/Bijagós Quínara Tombali País Superfície Km2 % 77,5 0,21 5981,0 16,56 9150,0 25,33 838,8 2,32 5175,0 14,33 5403,0 14,96 2624,0 7,26 3138,0 8,69 3737,0 10,34 36125,0 100,00 Fonte: INEC INEC, Guiné-Bissau em Números (2005). Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 33 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Quadro 3: População residente, densidade populacional e respectiva evolução entre 1979 e 2009, por regiões Região 1979 Nº Residentes Bissau Bafatá Gabú Biombo Cacheu Oio Bolama/Bijagós Quínara Tombali País 109.214 116.032 104.315 56.463 130.227 135.114 25.743 35.532 55.099 767.739 % 1991 hab./km2 14,2 1.409,2 15,1 19,4 13,6 11,4 7,4 67,3 17,0 25,2 17,6 25,0 3,4 9,8 4,6 11,3 7,2 14,7 100,0 21,3 Nº Residentes % 195.389 145.088 136.101 59.827 146.570 155.312 26.891 42.960 71.065 979.203 20,0 14,8 13,9 6,1 15,0 15,9 2,7 4,4 7,3 100,0 2009 Var.% hab./km2 78,9 25,0 30,5 6,0 12,5 14,9 4,5 20,9 29,0 27,5 2.521,1 24,3 14,9 71,3 28,3 28,7 10,2 13,7 19,0 27,1 Nº Residentes % Var.% hab./km2 401.619 25,9 105,5 225.516 14,6 55,4 214.520 13,9 57,6 94.869 6,1 58,6 199.674 12,9 36,2 226.263 14,6 45,7 33.929 2,2 26,2 65.946 4,3 53,5 102.482 6,6 44,2 1.548.159 100,0 58,1 5.182,2 37,7 23,4 113,1 38,6 41,9 12,9 21,0 27,4 42,9 Fonte: dados dos Censos, INEC Verifica-se portanto que a população do País tem crescido de uma forma muito acelerada, sobretudo a partir da década de 90, mas com inícios já na década de 80, quando foi liberalizado o comércio, factor que contribuiu para um forte aumento da mobilidade interna em direcção à capital, onde as oportunidades de negócio eram muito mais vantajosas. Este processo intensificou-se com a revisão, em 1993, do tratado da CEDEAO, o qual entrou em vigor em 1995. Nesse tratado, a própria organização CEDEAO foi reestruturada no sentido de facilitar a intensificação das trocas comerciais internas ao conjunto dos Estados da África Ocidental que lhe estavam associados6. Com essa revisão abriram-se efectivamente as fronteiras para a livre circulação de pessoas e bens, sendo a Guiné-Bissau um destino atractivo para as populações de países fronteiriços, tais como o Senegal e a Guiné Conakry, já que, dada a falta (ou a não produção) da maior parte dos bens de consumo, se abriram oportunidades de negócio no sector do comércio. Para além disso, o grande atraso do País em relação aos outros estados membros da comunidade no que diz respeito ao controlo efectivo do aparelho administrativo, permitiu que muito facilmente os cidadãos estrangeiros adquirissem a nacionalidade Guineense. Deste modo, uma boa parte do crescimento demográfico da Guiné-Bissau, apenas pode ser explicado por saldos migratórios fortemente positivos, já que esse crescimento não pode ser explicado pelo comportamento mais favorável dos indicadores demográficos do País, tais como a mortalidade infantil, a natalidade ou a esperança média de vida à nascença, cujos valores se mantêm quase sem alteração desde os anos 90 até à actualidade. De facto, nem mesmo a suposta melhoria na aplicação das técnicas e critérios de recenseamento da população, podem explicar o forte crescimento populacional, 6 Na origem da criação da CEDEAO estiveram os seguintes países: Benin, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Gambia, Gana, Guiné Conakry, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. Mais tarde, em 1976, entrou Cabo Verde e, em 2002, saiu a Mauritânia, sendo estas as únicas mudanças registadas em termos de membros da organização. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 34 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital já que, mais uma vez, o que os indicadores demográficos mostram é um agravamento das condições de sobrevivência e reprodução dos residentes (a taxa de mortalidade infantil aumentou de 2000 para 2006 e, por sua vez, a natalidade diminuiu – (Cf. Quadro 4). Assim, podemos concluir pela análise dos dados apresentados, que foram as circunstâncias anteriormente descritas relativas à liberalização do comércio e da circulação de pessoas e mercadorias no seio da CEDEAO, que estão na base do rápido aumento da população. De facto, pela nossa experiência pessoal, já que não estão disponíveis dados estatísticos que possam corroborar esta afirmação, é notória, sobretudo em Bissau, a significativa presença de imigrantes vindos dos países vizinhos, os quais se dedicam sobretudo ao comércio. 3.1.2. Situação recente de alguns indicadores demográficos Com cerca de 510.000 habitantes vivendo no meio urbano, o equivalente a 33% do total da população do País, a Guiné-Bissau tem uma população muito jovem, onde 41,4% dos 1.548.159 habitantes são crianças com menos de 15 anos e apenas 3% da população tem mais de 63 anos. A taxa de mortalidade infantil é de 138 por cada 1000 nados vivos, sendo que a esperança de vida à nascença anda na ordem dos 47 anos (IPAD, 2009). Quadro 4: Situação da Guiné-Bissau relativamente a alguns indicadores demográficos Ano 2006 2000 1990 Esperança de Vida (Anos) 47 45 46 Mortalidade Infantil (1000 Nados vivos) 138 124 142 Natalidade 40,9 42,3 44,1 Nº de Médicos (10.000hab.) 1 4 - Nº de Enfermeiros (10.000hab.) 2 - Fonte: INEC, Guiné-Bissau em Números (2005). A esperança de vida à nascença tem oscilado pouco, entre os 46 anos, em 1990, e os 47, em 2006. A mortalidade infantil aumentou de 124 por cada 1000 nados vivos, em 2000, para 138, em 2006, facto que pode ser explicado pela degradação da oferta e das condições de acesso aos serviços de saúde, com especial destaque para a diminuição do número de médicos no País. Mesmo a taxa da natalidade tem decrescido nas últimas décadas. 3.1.3. Educação Apesar de todo o progresso notório no que respeita à taxa bruta de escolarização, os problemas de acesso à escola (deficiente rede escolar) e a baixa qualidade do ensino são as Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 35 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital principais causas do grande atraso no desenvolvimento que se tem verificado na Guiné-Bissau. Segundo o relatório do Banco Mundial relativo ao Desenvolvimento Humano II, em 2006, a taxa de analfabetismo situava-se nos 63%. De acordo com o mesmo relatório, existiam, também em 2006, 1384 estabelecimentos de ensino primário e secundário. Nos estabelecimentos de ensino primário estavam inscritos cerca de 300.000 alunos. De 1995 para 2005 o número de escolas de ensino básico aumentou de 650 para 1334, um aumento na ordem dos 100%. Estes últimos valores, apesar de tudo, mostram algum avanço na cobertura pela escolaridade básica da população residente. De facto, se estimarmos em 640.938 as crianças com até 15 anos de idade (valor estimado a partir do Banco Mundial, 2008), concluímos que 46,8% estavam inscritas em estabelecimentos de ensino básico, valor que, pelo menos, tende a combater os 63% de analfabetismo. Quadro 5: Evolução na taxa bruta de escolarização (índices da Educação) Ano lectivo 1991/92 1995/96 2000/01 2004/05 46.3% 56.3% 79.6% 99.4% 6.7% 13.2% 25.2% 34.6% Ensino Superior - 1.30% - 3.0% Alunos - 105430 - 252479 Ensino Primário Ensino Secundário Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano II, Banco Mundial, Junho de 2008 O Estado viu-se obrigado a adoptar formas de fazer chegar a educação a mais cidadãos, assim, e tendo em conta a incapacidade financeira para alargar a rede de estabelecimentos de ensino, adoptou-se uma política de densificação da utilização dos já existentes, tendo sido criados vários turnos diários de aulas, passando-se a ministrar aulas nos seguintes horários: 7 às 11, 11 às 15h, 15h às 19h, e 19h às 23h. No que toca às condições físicas de operacionalidade dos estabelecimentos de ensino, importa mencionar que existe uma enorme carência neste âmbito, desde a falta de material didáctico, à falta de mesas e cadeiras nas salas de aula, salas essas, que muitas vezes são construídas pelos próprios alunos, com folhas de palmeira ou «krintin», bem como as carteiras que por eles são feitas de troncos de árvores. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 36 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 5: Uma “sala” de aula em Canhobe, no norte do País Fonte: http://www.fecongd.org/ktml2/images/51/Ccx_escCanhobe_300.jpg Para além de todas as deficiências de operacionalidade e funcionamento dos estabelecimentos de ensino, acrescem ainda as sucessivas greves dos professores, as quais também são um dos factores que têm contribuído para o estado em que se encontra o ensino. Os professores chegam a estar 5 e 6 meses sem receber o baixo ordenado que auferem. 3.1.4. Saúde O serviço de saúde da Guiné-Bissau é extremamente débil, as doenças como o paludismo, responsável por 35% de consultas efectuadas em 2005, é a principal causa de morte no País, onde se registaram, em 2003, 127.969 novos casos, tendo-se lamentado 427 óbitos. A cólera, apesar de não termos tido acesso às suas estatísticas, sabe-se que ceifa muitas vidas, especialmente no período das chuvas, pela falta de um sistema sanitário eficaz. A cólera e a tuberculose formam as morbilidades que estão na base da alta taxa de mortalidade que se verifica no País. O nível de saúde da população é um das piores de África. Em 2006 apenas 39% dos partos foram realizados por pessoas credenciadas para o efeito, mas os altos níveis de pobreza condicionam o Estado, naquilo que é seu dever, o de melhorar as condições do serviço de saúde. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 37 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Quadro 6: Evolução das principais causas de morte no País, 1977 a 2003 Patologia Paludismo Sarampo Tuberculose Diarreia Tétano Hepatite 1977 Casos Óbitos 116.624 54 209 0 599 0 0 0 109 22 347 3 1981 Casos Óbitos 161.496 340 2096 0 456 11 37.265 155 299 126 322 8 1992 Casos Óbitos 56.073 29 274 1 91 0 8.683 13 11 1 0 0 2003 Casos Óbitos 127.969 427 542 27 0 0 9.587 64 0 0 0 0 Fonte: INEC, Guiné-Bissau em Números (2005). O acesso aos serviços de saúde é limitado, tanto pela distribuição geográfica, como pela péssima qualidade dos serviços prestados, consequentes do mau estado infra-estrutural e da falta de pessoal de saúde. Chega-se a morrer nos hospitais, porque não se tem dinheiro para a medicação, ou mesmo pela falta de electricidade. O conflito armado de 1998 veio piorar o já triste cenário que se vivia neste sector, pois forçou a saída de muitos profissionais para o estrangeiro e, de resto, a maioria acabou por não regressar, dado os sistemas de saúde onde acabaram por se inserir nos países de acolhimento, bem assim como os respectivos salários auferidos, serem bastante mais aliciantes. Por exemplo, importa referir neste ponto que, só em Portugal, existem cerca de meio milhar de médicos guineenses, dos quais mais de 200 são médicos especializados. Só 7 dos 11 hospitais regionais existentes no País se encontram em funcionamento. A par da educação, o sector da saúde também sofre muito com o escasso financiamento público. Em 2006 gastaram-se 12 dólares por habitante em despesas públicas deste sector. A parte do Orçamento de Estado que é dispensada à saúde é ínfima, tendo-se passado de, por exemplo, 11.8% em 2002, para 7.9% em 2006. 2.2. Contexto económico e infraestruturas e equipamentos de suporte ao desenvolvimento 2.2.1. Actividades Económicas Os indicadores económicos acima apresentados mostram que a economia da Guiné-Bissau é muito frágil. O País ocupa o 175º lugar no ranking de um universo de 177 países, no que respeita ao IDH 2008 (índice de desenvolvimento humano), fruto de diversos factores, que vão desde: i) a dependência crónica das ajudas externas e o subdesenvolvimento legado pelo colonialismo; ii) a fraca produção de produtos para a exportação, bem como para o consumo doméstico, não se fazendo nenhum aproveitamento das potencialidades minerais Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 38 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital que o País tem; iii) a corrupção generalizada e a instabilidade política; iv) os problemas ambientais, como a seca e a salinização dos campos de cultura de arroz; v) os problemas crónicos da energia e dos transportes, para além do fraco capital humano, devido ao reduzido número de quadros nacionais com formação superior, entre outros. Quadro 7: Indicadores Económicos Ano 2007 IDH Inflação Divida Externa Saldo Orçamental PIB/hab. (Ranking) (t.v. médio) $ USA (% PIB) $ USA 175 4.6 379.5 -10.1 180 Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano II, Banco Mundial, Junho de 2008 e dados do FMI e agência do BCEAO na Guiné-Bissau. A evolução macroeconómica da Guiné-Bissau é fortemente dependente do sector primário, com destaque para a actividade agrícola, o qual representa cerca de 56% da produção total nacional. Em 2007, a ocorrência tardia das chuvas provocou um crescimento económico aquém do esperado. No entanto, o escoamento de stocks acumulados de castanha de caju permitiu o aumento das exportações, repercutindo-se na melhoria significativa dos desequilíbrios externos, com o deficit corrente a reduzir-se para 7.2% do PIB. Apesar dessa diminuição, a dificuldade de acesso a fundos de origem externa acabou por se traduzir em nova acumulação de deficit, o qual em termos acumulados representava, no final de 2007, cerca de 102% do PIB. A agricultura é a principal actividade do País, empregando quase 80% da população. As culturas de arroz e amendoim, cujos excedentes outrora eram exportados, agora nem cobrem as necessidades do País, tendo mesmo que se importar quantidades significativas de arroz (12 M€ em 2005). Hoje, a castanha de caju é o principal produto de exportação, cerca de 99% das exportações. (Banco Mundial 2008). A actividade industrial é muito limitada com uma pequeníssima indústria de transformação de produtos agrícolas. O potencial do turismo (sobretudo o Arquipélago dos Bijagós) também continua subexplorado devido à falta de investimentos que permitam reabilitar ou, principalmente, construir infra-estruturas de exploração turística. 2.2.2. Infra-estruturas de suporte ao desenvolvimento económico No que diz respeito às infra-estruturas portuárias, existem 12 portos fluviais, dos quais 5 têm capacidade para albergar navios de 300 toneladas (Bissau, Buba, Cacine, Cacheu Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 39 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital e Bolama). O porto de Bissau é um dos maiores do País, mas mesmo assim é pequeno e pouco desenvolvido para acomodar navios de grande porte. (APGB, 2009) Figura 6: Porto de Bissau «Pinjiguiti» Fonte: http://iguide.travel/photos/Bissau Quanto aos aeroportos, existe o aeroporto internacional Osvaldo Vieira em Bissau, com um novo terminal, mas que ainda continua pequeno e debilitado, sendo que também existem alguns aeródromos. Figura 7: Aeroporto de Bissau Fonte: Google Earth Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 40 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital A rede viária cobre uma extensão de 2.755 km, dos quais só 770 km são asfaltados (INEC, 2005). No entanto, apenas 15% da rede viária está em boas condições, sendo constituída, sobretudo, por estradas com uma faixa de rodagem, com uma via em cada sentido7 (com a excepção de algumas avenidas na cidade de Bissau), fazendo ligações inter-cidades e do País com a vizinha Guiné Conakry e Senegal. Figura 8: Rede viária principal da Guiné-Bissau e portos e aeródromos oficialmente reconhecidos, 2010 Fonte: Elaboração própria com base nos dados da APGB, 2009 A manutenção da rede depende de recursos muito limitados, sendo que na época das chuvas a acessibilidade de algumas povoações é muito difícil ou mesmo impossível, visto que as estradas ficam extremamente danificadas por força da água. 7 A única via do País que tem duas faixas de rodagem é a que faz a ligação do centro de Bissau ao aeroporto, mas toda ela pode ser considerada como uma via urbana. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 41 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 9: Avenida 14 de Novembro Fonte: PGU Bissau A rede eléctrica é muito rudimentar, a falta de energia é uma constante, poucas pessoas têm acesso à electricidade, estando limitada à capital e a algumas cidades do interior. Em 2004, segundo os dados da INEC, o País produziu 13.285 Mwh de energia eléctrica, dos quais 10.785 Mwh foram consumidos em Bissau. A rede de distribuição da água é ainda menos extensa. É quase restrita a alguns bairros da capital. A produção total de água do País, em 2004, foi de 8.207 m3, tendo sido de 7.207 m3 em Bissau. Nas cidades do interior, a população é alimentada sobretudo por via de sistemas de perfuração. A rede telefónica é gerida pela Guiné Telecom e é muito diminuta, com uma capacidade de 5000 linhas em Bissau e de 1500 para as restantes cidades do interior. Em 1998, o acesso foi de 7 linhas por 1000 habitantes. Continua a ser um luxo para as pessoas ter telefone em casa. Existem três redes de telecomunicações móveis a operar na Guiné-Bissau (MTN, Orange e Guinetel, a rede estatal). A rede de acesso à Internet ainda é muito incipiente. 2.3. Conclusão: A par do que acontece com a generalidade dos países em vias de desenvolvimento, também a Guiné-Bissau está a enfrentar um rápido processo de urbanização, processo esse que, se comparado com o que outros países da sub-região já experimentam, pode ser considerado como bastante recente. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 42 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital A emergência mais recente do fenómeno urbano na Guiné-Bissau, pode ser explicado por várias razões. Por um lado, o controlo de movimento de pessoas dentro do território por parte do sistema colonial Português, onde para se entrar, por exemplo, na cidade de Bissau, os cidadãos teriam de ir habilitados com uma autorização emitida pela administração colonial, foi um retardador das migrações internas com destino a Bissau. Por outro, com o fim do período colonial, o êxodo rural foi intensificado, em consequência da seca e do processo de salinização das bolanhas, a par da concentração e centralização das infra-estruturas sociais na capital (MENDY, 2006), pelo que a taxa de urbanização de Bissau passou de 12 para 31 por cento de 1979 para 1993. A tudo isto acresceu, mais recentemente, um fluxo imigratório com origem nos países vizinhos, fruto da conjugação de dois factores: a liberalização da circulação de pessoas e bens no seio da CEDEAO, a par das oportunidades oferecidas por um mercado que, apesar de financeiramente pouco robusto, apresentava fortes problemas de abastecimento. A Guiné-Bissau possui excelentes características naturais, mas o seu potencial está longe de ser convenientemente explorado. A evolução política não tem beneficiado o País. A vida política quase sempre foi muito turbulenta, não tendo ocorrido em nenhum momento a estabilidade suficiente para se repensar ou, se quisermos, construir a democracia, tão necessária à paz e ao progresso de que tanto se fala. A pobreza instalou-se definitivamente no País, principalmente nas cidades. A falta de infra-estruturas básicas e de serviços é bastante notória. A educação é remetida para um plano secundário. No sector da saúde a Guiné-Bissau também está muito aquém dos objectivos do milénio, já que se verificam ainda elevadas taxas de mortalidade infantil e a esperança de vida é das mais baixas do mundo. Mas, não existem guerras tribais na Guiné-Bissau, pelo que se pode perspectivar um futuro onde o sentimento de unidade nacional, num contexto de democracia efectiva, pode ser o caminho para a correcção dos erros do passado. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 43 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Capítulo II – O fenómeno urbano Guineense no contexto da história e da geografia do País: a rede urbana da Guiné-Bissau Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 44 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 2. O fenómeno urbano Guineense no contexto da história e da geografia do País Para analisar o fenómeno urbano no contexto da geografia e da história do País, aspectos que já abordámos no capítulo anterior, não pode esquecer-se toda a herança correspondente ao longo período colonial, isto é, podemos começar por formular a questão de como é que o colonialismo orientou o desenvolvimento urbano? Segundo ACIOLY (1993) as primeiras aglomerações induzidas pela colonização portuguesa, surgiram em meados do século XVI: Cacheu, localizada na parte noroeste do País, na margem esquerda do estuário do rio com o mesmo nome8, associada à data de 1558; e Bissau, correspondente à actual capital nacional, localizada na margem direita do estuário formado pelo rio Geba, quase no limite da sua foz, associada à data de 1687. A localização de qualquer uma destas aglomerações pretendia aproveitar dois dos maiores rios da Guiné, como meio de transporte que facilitasse, na lógica colonial, a drenagem dos produtos agrícolas9 e artesanais do interior. Qualquer um destes rios era navegável por barcos de grande envergadura. Ao invés de estimularem o desenvolvimento regional, estes dois aglomerados urbanos tornaram-se sobretudo portos de intercâmbio e exportação de escravos, arroz, milho, marfim, etc.. De facto, Portugal exercia uma colonização baseada na exploração extensiva dos recursos locais que depois eram colocados nos mercados nacional e internacional, seguindo assim uma estratégia comercial onde todo o tipo de assentamento humano cumpria uma lógica de suporte a uma alargada exploração do território e dos seus recursos. O objectivo principal era, assim, o de maximizar a exportação de matérias-primas, com destaque para as oleaginosas, tal como o amendoim, para Portugal e para a Europa. Não havia indícios de uma 8 Alguns autores referem que este rio também pode ter a designação de Farim, reservando este topónimo para o troço mais a montante, junto à aglomeração com o mesmo nome. 9 Apesar de a agricultura ser a mais mportante actividade económica da Guiné-Bissau, os solos não são muito favoráveis à sua prática. De facto, estes apresentam-se em três tipos principais: solos ferralíticos e ferruginosos tropicais, estes formam um horizonte de argila vermelha, ocupam uma superfície de 20.000 km², o que representa 62% do território do país; o resto do território é constituído por solos lícitos e litosolos, formados por pedras e cascalho, situados no centro e Oeste, estes são de um fraco ou mesmo nula aptidão agrícola, sendo que ocupam uma área de 5.500 km², cerca de 17% do espaço territorial; solos hidromórficos, que se encontram na costa litoral e ao longo dos rios, estes estão protegidos das cheias de água salgada e, são considerados os melhores solos da África Ocidental. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 45 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital política de colonização que promovesse o desenvolvimento a longo prazo. As vilas e, posteriormente, as cidades, não eram mais do que simples postos de controlo militar, colecta de impostos e taxas, com vista em garantir o monopólio do comércio. Na tentativa de uma melhor organização do comércio, a fim de controlar por outro lado os avanços dos Franceses na sua campanha na vizinha Senegal, a Coroa Portuguesa apressou-se a criar um porto em 1692. Posteriormente, no decorrer do século XVII, houve uma série de iniciativas de construção de fortalezas para se proteger contra possíveis ataques dos indígenas, ou mesmo dos eventuais povos colonizadores. A construção do Forte de São José em 1766 vai ter um grande peso na história de Bissau como cidade. A “praça de São José”, como foi designada, teria um muro de pedra, de 4 metros de altura à sua volta. Este muro cumpria um efeito segregador, separando a zona de brancos da dos “gentios”, que eram os indígenas do território. A relação dos colonizadores portugueses com a população nativa não era muito boa, aliás, era mesmo conflituosa, os Papeis nunca aceitaram a presença de Portugueses, pelo que esta muralha cumpria também uma função protectora. Relativamente à estrutura interna dos aglomerados, para além da implementação de uma praça central onde se situavam geralmente a igreja e a sede da administração colonial, pouco mais foi feito. Isto é, o desenvolvimento urbano foi, durante toda a época colonial, e mesmo ainda actualmente, simplesmente negligenciado. O ritmo de aparecimento de novos aglomerados só veio a aumentar aquando da ameaça por parte doutras potências coloniais como a França e Inglaterra que tinham grandes interesses em penetrar no território, colonizando vários pontos da Guiné-Bissau, como Bolama e Bissau. A conjuntura obrigava Portugal a apressar-se a colonizar e desenvolver outras cidades em locais estratégicos, desta feita na segunda metade do século XIX já tinham fundado 14 vilas, todas com ligação ao mar, sendo as mais destacadas as cidades de Bolama, Cacheu, Farim, Buba, Bafatá. Em 1879, Bolama passava a ser a capital, em detrimento de Bissau, esta decisão deveu-se ao aumento da produção do amendoim «mancarra» e, fundação de vários portos administrativos no Sul do país. Em 1940, Bissau voltava a ser a capital da colónia, tornando-se assim no ponto mais importante de ligação entre a Guiné-Bissau e Portugal. Nesta altura a zona Sul, Norte e Leste do país estavam ligadas entre si por uma rede viária que fazia a conexão com novos aglomerados que iam aparecendo. Presume-se que a mudança no processo de distribuição dos Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 46 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital aglomerados no território à Leste está directamente relacionada com a guerra entre os Fulas e Beafadas e pelo declínio da produção do amendoim do Sul para Leste. Só nos meados do século passado é que a administração colonial começou a dar alguma atenção à regulamentação da ocupação urbana e ao estabelecimento de uma organização mínima com vista ao planeamento de áreas urbanas. Em 1960 é elaborada a primeira Lei que regulamentava as construções urbanas, Lei essa elaborada e aprovada pela Câmara Municipal de Bissau, sendo mais tarde alargada a outros centros urbanos do País. Um ano mais tarde os limites da cidade de Bissau eram restabelecidos e uma nova regulamentação da ocupação do solo e de concessão de terrenos urbanos foi aprovada pela administração colonial. Este súbito interesse por questões urbanas coincide com o começo das actividades guerrilheiras no interior, já que o seu objectivo teria a ver com a criação de melhores condições de vida na cidade capital, tentando assim cativar o apoio da população autóctone. De facto, nos finais dos anos 60, o governador António Spínola anuncia um programa de desenvolvimento urbano designado “Guiné Melhor”, esse programa visava conceder terrenos para novos bairros, criar condições para a centralização urbana e aumentar os níveis de investimentos nos centros urbanos em infra-estruturas essenciais tais como arruamentos, habitação, escolas, hospitais, estradas interurbanas, etc.. O propósito da administração Portuguesa com esta iniciativa que de resto era tardia, era a de angariar apoios da população local, pois vivia-se, dado o início da guerra de libertação, numa conjuntura pouco favorável. Tornava-se assim imperativo enfraquecer o movimento de libertação que vinha a ganhar uma crescente popularidade junto da população urbana. O programa não ia de encontro à forma tradicionalmente dispersa da ocupação do solo por parte da população nativa, uma vez que este dava ênfase à concentração da população. Este tipo de planeamento não era senão uma estratégia que a administração portuguesa encontrou para tentar ter um maior controlo militar sobre a população. “Guiné Melhor” só veio a provar o que já era evidente, Portugal nunca pretendeu um desenvolvimento local a longo prazo. Contudo, este programa dotou a cidade de Bissau de algumas melhorias que foram desde a pavimentação de algumas estradas e arruamentos, um bairro novo de habitação (Bairro de Ajuda), abastecimento de água, jardins e mobiliários urbanos. A estrutura espacial das maiores cidades da rede urbana Guineense evidencia a herança colonial, naquilo que toca aos objectivos de defesa face aos movimentos nacionalistas. Para além de Bissau, cidades como Bafatá e Gabú são exemplos dessa Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 47 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital preocupação de controlo de aldeamentos estratégicos, onde a população devia ser concentrada em áreas residenciais cercadas de estradas circulares e equipamentos militares à volta e outras estruturas de carácter marcial como sejam os postos sanitários barracas e pistas de aterragem. Mas, qual a estrutura de povoamento tradicional e de que modo é que ela foi afectada no período colonial? Uma de muitas consequências trazidas pela ocupação Portuguesa foi o processo de migrações de populações indígenas em escalas relativamente grandes, que por sua vez se vai reflectir no padrão de povoamentos. Antes da exploração colonial, a Guiné-Bissau sempre teve a sua especificidade no que respeita à organização dos assentamentos humanos. Quando os colonizadores chegaram, depararam-se com uma forma bastante peculiar de organizar o espaço por parte dos indígenas do território. Um padrão disperso de aglomerados formados por vários edifícios pertencentes a grupos familiares ou clãs distintos, estes eram separados por áreas agrícolas, espaços produtivos ou cerimoniais que formavam um espaço designado por “Morança”. Figura 10: Exemplo de uma morança Fonte: Google A morfologia espacial de uma Morança obedece a regras de organização onde são determinadas as actividades e os locais de moradia dos vários membros. Havia diferenças nestes tipos de assentamentos populacionais. Um grupo de moranças pode constituir uma tabanca submetida a uma autoridade hierárquica, no caso dos Mandingas, ou coabitar de forma autónoma em relação a qualquer tipo de autoridade, como acontece com as comunidades Balantas (BLAZEJEWICZ, 1981). Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 48 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 11: Vista aérea de uma morança Fonte: Google A compreensão deste modelo de organização é fundamental para que se perceba a evolução do urbanismo das várias cidades que posteriormente foram fundadas pelos Portugueses. Relativamente a este aspecto, podemos então colocar a seguinte pergunta: que investimentos foram feitos no período colonial e onde? Poucos investimentos foram feitos no período colonial e, os que efectivamente se materializaram localizaram-se essencialmente nas zonas ocupadas pela administração colonial dentro nos grandes centros urbanos. Os dados existentes dizem respeito, sobretudo, à cidade de Bissau, sendo que também foi feito algum tipo de investimento, nomeadamente na construção de alguns equipamentos estratégicos, em cidades como Canchungo, Cacheu, Bafatá e Gabu, onde a administração portuguesa estava formalmente representada. Quando tratarmos especificamente o caso de Bissau retomaremos, com maior detalhe, a análise destes temas. Para já, queremos apenas deixar clara a ideia de que, para além de nunca ter havido nenhuma política sustentável de expansão urbana ou de criação de novos núcleos urbanos, aparentemente porque os existentes eram suficientes para garantir o controlo militar e civil do território «Bissau, Bolama, Gabu, Bafatá....», também prevaleceu, pelo menos até meados dos anos sessenta, uma estratégia de ocupação do interior das vilas e cidades de tipo segregacionista. Chega-se assim, já no período pós-independência, a uma situação em que o primeiro Governo do PAIGC herda um conjunto de infra-estruturas largamente orientadas para fins militares. A primeira tarefa foi então alterar as leis, adaptando-as à uma nova realidade, a de uma nação livre. Transformaram-se grandes equipamentos militares em escolas e escritórios governamentais e nacionalizaram-se todas as terras. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 49 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 3. A rede urbana da Guiné 3.1. Tipos de aglomerados Relativamente à análise da rede urbana da Guiné-Bissau, podem desde logo colocar-se algumas questões. Por exemplo, o que foi herdado do período colonial? Quais as principais alterações ocorridas pós-independência? Surgiram novos aglomerados? Como cresceram os existentes? É na perspectiva da resposta a estas perguntas que passamos a desenvolver a nossa análise. Não existe informação estatística disponível sobre a dimensão demográfica dos lugares da Guiné-Bissau. Os únicos dados que conseguimos apurar, com excepção do caso do Sector Autónomo de Bissau, referem-se à população residente nas regiões, as quais correspondem a territórios de dimensão relativamente grande, apesar de serem organizadas por um centro urbano onde teoricamente se concentra a maior parte das pessoas. Contudo, conseguimos apurar que no período colonial existiam 36.000 lugares recenseados nos Censos de 1950, sendo que não existem dados censitários referentes ao período pós-independência, para se conseguir perceber quais são as que foram entretanto surgindo. No entanto, pela exploração dos novos instrumentos informáticos de navegação na Internet, tais como o Google Earth, é possível ter uma visão genérica sobre a quantidade e a dimensão construída dos lugares que aí são visíveis e que inventariámos. Concluímos que existem mais de 5.000 lugares (figura em anexo), apesar de a grande maioria deles corresponder a pequenos conjuntos de construções, muito provavelmente residências familiares e de apoio à exploração agrícola, mas a que dificilmente associamos funções urbanas. Na Guiné-Bissau podem individualizar-se diferentes tipos de “povoamento” (ou de forma urbana) que passamos a sistematizar: Tipo 1 – aglomerados tradicionais do mundo rural – são constituídos por várias construções tradicionais feitas com materiais locais e pertencentes à mesma família. Estas construções estão ligadas por uma rede de caminhos a outros conjuntos de construções. Os Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 50 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital terrenos de cultivo estão mais ou menos à volta deste conjunto de pequenos núcleos. Estes povoamentos, também designados localmente por «tabancas», estão dispersos por todo o território da Guiné-Bissau, sendo que a unidade de povoamento é a morança, estes localizam-se normalmente próximos das bolanhas. O tipo de povoamento está directamente relacionado com o tamanho das bolanhas, da sua localização e da existência de palmeiras, que fornecem vinho e óleo de palma. Nas ilhas Bijagós encontramos, também dentro deste tipo de povoamento rural tradicional, aglomerados que apresentam uma forma muito diferente daquela que predomina na parte continental. Neste caso, tratam-se de povoamentos concentrados, o que se deve essencialmente, por um lado, às características guerrilheiras do povo que, por motivos de defesa e segurança, se juntavam para poderem reagir com maior eficácia a possíveis invasões e, por outro, à pouca importância que davam à actividade agrícola, já que a alternativa da pesca lhes era mais favorável. Os povos Bijagós são, assim, o maior exemplo deste tipo de assentamento, onde a agricultura tem pouca importância, sendo a pesca a sua principal actividade. A morfologia espacial destes assentamentos não parece cumprir qualquer tipo de regra organizacional, apresentando uma área construída de grande densidade, circundada de pequenas parcelas agrícolas. Figura 12: Exemplos de aglomerados rurais tradicionais (a primeira imagem é da parte norte continental e a segunda é de uma ilha do arquipélago dos Bijagós) Fonte: Google Earth Tipo 2 – aglomerados pré-urbanos ou das periferias urbanas – tratam-se de concentrações de construções em materiais mais modernos, de origem mais recente e normalmente na periferia dos maiores centros urbanos. Optámos pela designação de pré-urbanos ou da periferia urbana porque não dispõem de infraestruturas urbanas, para além da rede viária que orienta a sua expansão. Não existe a Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 51 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital individualização de conjuntos de construções pertencentes à mesma família. O padrão de povoamento, para além de com muito reduzida estruturação interna, é principalmente de tipo linear. O tamanho destas povoações varia muito, podendo estender-se por vários quilómetros ao longo de uma estrada. Os terrenos mais aptos para a agricultura não são ocupados por construções. Figura 13: Exemplos de aglomerados pré-urbanos ou das periferias urbanas Fonte: Google Earth Tipo 3 – aglomerados da herança colonial – tratam-se de povoações de consolidação recente mas já herdadas do período colonial. Daí, a vincada influência europeia, que lhes confere um carácter mais estruturado, de onde emerge uma separação clara entre o centro onde se concentram o comércio e os serviços, e a periferia, com uso habitacional dominante. No período colonial estes aglomerados cumpriam a função de sede da região e serviam de postos de controlo militar, colecta de impostos e taxas e locais de doutrinação religiosa. Actualmente, a maior parte deles ainda cumpre funções de sede da administração regional. São dotados de equipamentos e infraestruturas, apesar de os seus níveis de serviço serem limitados e muito insuficientes, sobretudo tendo em conta o crescimento que foram registando ao longo do tempo, principalmente já no período pós-independência. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 52 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 14: Canchungo, na região de Cacheu Fonte: Google Earth 3.2. A rede de aglomerados da Guiné-Bissau Ao observarmos o mapa em anexo, facilmente percebemos que a distribuição das povoações, sobretudo aquelas que compreendem a tipologia que designamos de “aglomerados de herança colonial”, segue as margens dos principais rios que banham o País. De facto, a localização dos grandes centros urbanos ao longo dos grandes canais fluviais, pode-se explicar pela necessidade de escoamento dos recursos explorados nesses lugares, pois eram facilmente transportados por via fluvial. Descendo um pouco na hierarquia, no que respeita às características urbanas destas povoações, distinguimos da tipologia anterior, uma outra de características mais modestas, e que se distribuem ao longo das vias e cursos de água, em concentrações com tamanhos mais ou menos regulares formando, no seu conjunto, uma periferia dos centros urbanos mais desenvolvidos. Os aglomerados de caráter mais tradicional e rural, que normalmente pertencem à mesma família ou comunidade, localizam-se de uma forma dispersa entre sí, sobretudo mais para o interior, perto dos lugares onde é praticada a pricipal actividade produtiva, normalmente a agricultura, mas também a exploração florestal e/ou actividades recolectoras. Esta distribuição é facilmente detectada através da observação da existência de bolanhas e outros terrenos destinados ao cultivo, ou proximidade de florestas, as quais não deixam de ser complementares à recolha de uma variedade enorme de recursos, com excepção feita àquelas em que as suas populações se dedicam quase exclusivamente à pesca, aglomerados Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 53 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital normalmente distribuídos ao longo da costa e ilhas. As acessibilidades destes pequenos aglomerados ou «tabancas» são geralmente asseguradas por uma rede de caminhos pedonais ou estradas não asfaltadas, os quais permitem a ligação destes aos assentamentos vizinhos. A distribuição destas povoações no todo nacional é bastante desproporcionada, pois verificamos que a zona Leste do território tem uma densidade de povoações muito menor que a zona Sul e Nordeste. Este facto está directamente relacionado com as diferentes condições climáticas que se fazem sentir nas várias zonas: o Leste com um clima mais seco, de savanas e, por isso, menos propício para a fixação de pessoas, enquanto o Sul e Nordeste detém um clima mais húmido, uma rede hidrográfica mais densa e melhores solos para a agricultura. 3.3. Conclusão A morfologia destes diversos tipos de assentamentos que pudemos distinguir, acabam por ser visíveis, de uma forma bastante notória, no padrão de ocupação espacial da cidade de Bissau, pois nela facilmente detectamos formas de ocupação rural, sobretudo nos bairros periféricos de “urbanização espontânea”10, introduzidos por uma população com essas características. Por exemplo, damos conta da existência de diversas moranças pertencentes a famílias distintas, mas por se tratar de bairros com grandes densidades, e a consequente escassez de solo, encontramos aqui uma tipologia de moranças um tanto distinta da que já tivemos oportunidade de descrever, mais pequenas e sem utilização agrícola. Trata-se, portanto de uma população migrante de diversas povoações do interior que, por razões ligadas a aspectos étnicos e culturais, vão reproduzir as suas particularidades na forma de ocupação do espaço urbano. Para além destes bairros de urbanização espontânea, com estrutura orgânica que forma uma mancha considerável da cidade, Bissau caracteriza-se também por ter um centro administrativo de herança colonial que, aliás, acaba por ser a parte mais importante da cidade, pois é aí onde se concentram praticamente todas as infraestruturas e equipamentos de que esta dispõe. Assim, Bissau não é completamente diferente dos outros aglomerados urbanos nacionais, não obstante ser aquele que se distingue, sobretudo, pelas suas elevadas taxas de densidade populacional. De facto, Bissau é uma cidade que teve nas suas origens um aglomerado rural tradicional, com uma morfologia bastante dispersa, mas que iria acabar por, 10 Termo utilizado pelo autor C. Acioly para caracterizar a forma de ocupação dos bairros periféricos de Bissau. Desprovida de qualquer tipo de planeamento. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 54 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital ao longo da sua evolução, conjugar diversas tipologias de ocupação. É nesta perspectiva que no próximo capítulo iremos tentar compreender Bissau, uma cidade com características cosmopolitas resultante de grandes movimentos migratórios que sempre observou, mas com maior intensidade no período da guerra de libertação. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 55 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Capítulo III – Estrutura urbana de Bissau Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 56 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 4. Introdução A falta de documentação foi a maior condicionante deste trabalho, tanto a nível de documentos escritos como de cartografia. O facto é que foram feitos poucos estudos sobre a Guiné-Bissau, tanto no domínio do urbanismo, como em muitos outros, e os que se fizeram referem-se mais à época colonial. À partida, o estudo que nos propusémos realizar poderia ser muito mais simples, caso o País dispusesse de cartografia de diferentes épocas. Para suprir essa lacuna tivémos de recorrer, entre outras, a imagens do satélite «Landsat». Ora aí está outro grande obstáculo, pois estas imagens são muito dispendiosas, mesmo tratando-se de um trabalho académico. Aquando de uma viagem realizada a Bissau, com o intuito de adquirir bases cartográficas de trabalho e efectuar pesquisas junto das instituições, principalmente as que lidam com os problemas urbanísticos, constatámos que, a par do que acontece em Lisboa (Instituto de Investigação Tropical, Instituto Geográfico do Exército, Biblioteca Nacional, entre outros), as instituições que tutelam esta área em Bissau (Câmara municipal e Ministério das Obras Públicas), também não dispõem de cartografia do território Guineense, a não ser de uma carta militar de 1952, pois o último levantamento foi feito ainda no período colonial. Nesta viagem efectuámos também algumas visitas ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, onde nos foram disponibilizados dois trabalhos do domínio do urbanismo: «Planejamento urbano, habitação e autoconstrução: experiências com urbanização de bairros na Guiné-Bissau», de Cláudio Acioly, e «La Ville de Bissau: Amenagement et Gestion Urbaine», de Françoi Mendy. e foi exactamente este último autor que acabou por nos ceder as imagens «Landsat» que utilizamos no nosso trabalho, isto após termos contactado a NASA (National Aeronautics and Space Administration, USA), o IGN (Institut Geographique National, França) e a Edisoft, entidades que, ou pediam grandes somas ou, cedendo informação gratuitamente, esta não tinha qualidade suficiente (definição do pixel) que nos permitisse prosseguir o nosso objectivo de carcaterização do espaço urbano e sua evolução. Os dados dos censos foram-nos cedidos Dr. Bessa Vítor da Silva. técnico superior do INE (Instituto Nacional de Estatística da Guiné-Bissau). Com base nestes dados, que Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 57 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital incluíram também os resultados do recenseamento mais recente (2009), e em cartografia militar antiga e imagens de satélite, incluindo o recurso ao Google Earth, bem como a consulta de outras fontes, foi possível elaborar, com o auxílio de ferramentas GIS, alguns mapas temáticos que ilustram as problemáticas analisadas ao longo do nosso trabalho. Um exemplo da falta de informação é o que respeita à área de cada um dos bairros de Bissau e respectiva delimitação territorial. Para ultrapassarmos esse problema, elaborámos a partir de um esboço em papel uma shapefile ArcGis com os limites de cada bairro e calculámos também a área de cada um deles. A figura e quadro seguinte apresenta os resultados a que chegámos, os quais vão ser a base para a cartografia temática que ilustra este capítulo de caracterização da Cidade. Figura 15: Delimitação dos bairros de Bissau Fonte: elaboração própria, com base numa carta mimeografada cedida pela C. M. De Bissau Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 58 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Quadro 8: Bairros de Bissau e respectivas áreas Área Bairros Cuntum/Cuntum Madina Enterramento/Bra Quelele Chão de Papel/Varela Centro Bairro de ajuda 2ª fase Ilhéu do Rei Bandim Missira Sintra/Nema/Amedalai Cupelom de Baixo Cupelom de Cima Bairro Militar Santa Luzia/QG Pefine/Amedalai Plaque2/Aeroporto Calequir/Rossio Luanda Pluba/Flefe/S.Vicente P. Hafia Bairro de Coco Empantcha/Lala quema Antula Bono Antula/Tete/Lero/Nidam Reino/Gã Beafada Mindara Bairro Ajuda 1ª fase/B. Internacional Granja de Pussubé Zonas pantanosas/bolanhas TOTAL Fonte: elaboração própria Km² 5,849545889 13,117356600 3,299455067 1,061586998 3,995176864 0,605478011 0,957562141 8,497882409 2,529493308 0,304665392 0,159741874 0,253838432 13,082088910 3,911897706 0,250874761 10,087743790 0,717652964 0,455812620 1,553852772 2,223938815 0,621926386 0,443513384 3,432523901 0,435066922 0,417136711 0,763293499 0,755291587 1,437380497 13,113948370 77,500000000 Pelo quadro e figura anteriores, pode verificar-se que os bairros mais extensos se localizam em áreas mais afastadas do cento, sobretudo ao longo da principal artéria da cidade (avenida Amílcar Cabral), Bairro Militar e Enterramento são dois exemplos que retratam bem esta realidade. Estes bairros, ao contrário dos pequenos subúrbios mais próximos do centro, são na sua grande maioria de consolidação recente. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 59 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 5. As origens da Cidade À semelhança das demais capitais do antigo ultramar português, tais como Luanda e Maputo, por exemplo, Bissau não é senão uma cópia fiel, numa dimensão mais reduzida e no que respeita à estrutura da malha urbana, da cidade de Lisboa. A cidade de Bissau apresenta actualmente os problemas que muitas outras cidades de qualquer parte do Mundo apresentam, com a agravante de, neste caso, se tratar de uma aglomeração urbana recente e de consolidação orgânica, sem qualquer planeamento, no contexto de um país pobre, tanto do ponto de vista dos seus recursos, como da sua capacidade para ultrapassar as contrariedades político-militares. Figura 16:Vista do núcleo colonial de Bissau «anos 60» Fonte: http://almaviva.blogspot.com Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 60 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Em 1446, aquando da descoberta da Guiné-Bissau pelos Portugueses, estes foram-se instalando nas margens dos Rios Geba e Cacheu. A apropriação de terras por parte da administração colonial veio trazer desentendimentos com os indígenas «Gentios», sobretudo de etnia Papel. Com a chegada de missionários Franceses no fim do século XVI, começaram-se a envidar esforços para negociações com os povos nativos da zona, que eram essencialmente os Papeis, que viviam um pouco mais para o interior. Na tentativa de uma melhor organização do comércio, a fim de controlar os avanços dos Franceses que conduziam a sua campanha de conquista colonial no vizinho Senegal, a Coroa Portuguesa apressou-se a criar, em 1692, um porto, o qual esteve na origem da actual cidade de Bissau. Assim, a cidade de Bissau foi fundada na segunda metade do século XVII e goza de uma localização privilegiada, na medida em que se situa no estuário do Rio Geba, que de resto é uma das rotas fluviais mais importante na ligação da costa ao interior, e foi o centro administrativo da colónia, assumindo sempre um grande peso naquilo que respeita ao processo de comunicação com outros pontos secundários do País e, também, a de ligação a Portugal. Durante o decorrer do século XVII, houve uma série de iniciativas de construção de fortalezas para proteger a Cidade contra possíveis ataques dos indígenas, ou mesmo de outros povos colonizadores, com destaque para a de São José, a qual ainda marca o centro histórico de Bissau. Em 1776 a distribuição espacial da população indígena caracterizava-se por um habitat de «tabancas» dispersas por toda a superfície da cidade. A Leste da cidade encontravam-se habitações distribuídas em torno da fortaleza de São José, ao passo que as tabancas de Papéis se localizavam mais a Oeste, perfazendo uma área total de fixação humana equivalente a 110 ha. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 61 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 6. A evolução da forma urbana O sítio11 de Bissau caracteriza-se pela sua planura e localização junto ao largo estuário do rio Geba. Aliás, apesar de nas suas origens estarem registados pequenos povoamentos da etnia Papel, a colonização portuguesa aproveitou esta localização, a qual, do ponto de vista dos modelos de povoamento colonial corresponde ao típico padrão de desenvolvimento urbano junto a um porto, a partir do qual se estendiam as infraestruturas de transporte para o interior como forma de permitir o escoamento de recursos, fossem minerais, fossem agrícolas do seu «hinterland»12 (COX, 1972 & PAIVA, 2006). Assim, a instalação de diversas actividades de comércio e serviços, que a seu tempo também incluíram o tráfico de escravos, atraiu muita população, tornando-se assim na cidade mais importante do País. Primeiro, com a construção do porto, por parte da coroa portuguesa, em 1692 e depois, com a edificação do forte de São José, em 1766, ficaram assentes os principais elementos de referência para o crescimento e consolidação da Cidade e, por isso, foi em torno deles que se ampliou o processo de ocupação e densificação urbana. A envolvente deste sítio genético da Cidade era constituída por um coberto vegetal muito rico e denso, composto essencialmente por mato e floresta, sendo que as áreas cultivadas localizavam-se ao redor da morança. De facto, a construção do Forte de São José vai ter um grande peso na história de Bissau como cidade. A “praça de São José”, como era designado, tinha uma muralha de pedra com 4 metros de altura a toda a sua volta. Esta muralha cumpria um efeito segregador, demarcando a zona de brancos da dos “gentios”, que eram os indígenas do território. A relação dos colonizadores portugueses com a população nativa não era muito boa, aliás, era até um tanto conflituosa, os Papeis nunca aceitaram a presença de Portugueses, pelo que esta muralha cumpria também uma função protectora contra possíveis ataques. Estes factos vão 11 O conceito de sítio relaciona-se com o conceito de posição: sítio são as características do local onde se implanta a cidade; posição é a sua localização em relação a outros pontos de referência (AMARAL, 1968). 12 O conceito de «hinterland», muitas vezes usado como sinónimo de “área de influência”, em geral, corresponde de facto apenas a situações portuárias, isto é, a “área de influência de um porto” (PAIVA, 2006:38). Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 62 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital estar directamente ligados ao lento crescimento da malha urbana da cidade, pelo menos até 1914, ano em que a praça de São José é aberta ao exterior, com o derrube da sua muralha. Figura 17: Sentidos do crescimento da cidade, a partir do núcleo colonial, logo após a abertura das muralhas da praça de São José Fonte : La Ville de Bissau : Amenagement et Gestion Urbaine - Francoi Mendy O lento crescimento da Cidade também pode ser explicado pelo facto de, já em 1879, Bissau ter perdido o estatuto de capital para Bolama, vendo assim reduzida sua importância e passando a enfrentar, então, um período de declínio no que respeita ao processo do seu crescimento. Este estatuto só viria a ser reassumido em 1940, passando Bissau a ser um centro urbano estratégico na óptica da administração colonial. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 63 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital A abertura do forte de São José deu, sobretudo a partir dos anos 20 e principalmente no final desta década e durante a de 30, naturalmente lugar a uma expansão da malha urbana para fora do perímetro da muralha, tendo sido alargadas as ruas, construída a catedral (iniciada em 1935), o cemitério, o mercado municipal (1925), bem assim como uma pequena rede de iluminação pública. Figura 18: Forte de São José Fonte : La Ville de Bissau : Amenagement et Gestion Urbaine - Francoi Mendy Apesar de todos estes investimentos, eles concentravam-se no centro colonial e eram de reduzida dimensão, ou seja, de reduzida expressão tendo em vista a constituição de um centro urbano que permitisse albergar os autóctones que aí pretendessem fixar-se. Isto é, o objectivo era criar melhores condições de vida urbana para o colonizador, o qual, até por via do pensamento dominante na época, promovia a sua separação dos autóctones. No entanto, apesar da reduzida dimensão destes investimentos, a expansão do núcleo colonial «área urbana» para o interior do território fez com que a administração colonial tivesse que expropriar aldeias indígenas inteiras, para poder reestruturar a cidade. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 64 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 19: Carta militar da Guiné Portuguesa 1/50.000, 1952 Fonte: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com Figura 20: A cidade de Bissau e o pormenor do núcleo colonial Fonte: http://almaviva.blogspot.com Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 65 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Em 1944 é elaborada uma Lei que veio estabelecer o perímetro da cidade de Bissau, o «Foral de 1944», totalizando uma área de 1.094 ha. Seis anos depois, Bissau já continha uma população equivalente a 20.000 habitantes (ACIOLY, 1993). Em 1945 eram feitos uma série de estudos pela administração colonial, responsáveis pela actual morfologia do núcleo colonial. A zona urbana era bastante controlada para dar uma nova imagem à cidade, pelo que eram por exemplo cobrados impostos casas com cobertura de palhas. Era então constituída uma brigada de construção, a AGETIP (Agencia de Execução de Trabalhos de Interesse Público). Seriam construídos diversos edifícios públicos na década de 40. Em 1946, aquando da celebração dos 500 anos da chegada dos Portugueses à GuinéBissau, desenvolveram-se algumas acções no sentido de modernizar a cidade. O porto de Pinjiguiti foi readaptado para poder albergar embarcações de maior porte e as diferentes artérias pavimentadas e ornamentados os seus passeios. Estas acções também têm a sua estratégia de segregação espacial, senão vejamos. O núcleo colonial, ou seja, a zona onde residem os Portugueses e uma parte de Cabo-verdianos assimilados, é claramente distinguível da parte africana da cidade. A primeira encerra em si mesma, com sistemas de segurança pública que se traduziu na instituição em Agosto de 1946 de uma esquadra de polícia dentro da área, onde encontramos uma série de equipamentos públicos, rede de drenagens nos arruamentos renovados. Ao passo que na outra parte da cidade abre-se para o exterior, sem qualquer orientação e planeamento, totalmente desprovida de infraetruturas, onde encontramos um sério problema de degradação ambiental e com altas densidades, que resultam do facto dessas populações terem grandes dificuldades económicas, que por sua vez vai estar directamente ligada à grande carência de habitação que ai se verifica. Em 1946 foi construído, na periferia da cidade, em Bissalanca, um aeroporto com uma pista de 2000 m de comprimento e 100 m de largura. Em Santa Luziam foram destruídas casas velhas, que deram lugar a pequenas construções de dois quartos para alojar os «semi-assimilados», os quais eram uma nova camada social. Também foram realizadas algumas operações de saneamento básico no bairro Chão de Papel. No ano seguinte foram construídos a mãe de água (a qual abastecia a zona nobre da cidade, no Alto Crim), o estádio Lino Correia, o Hospital central Simão Mendes e a escola primária. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 66 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 21: Avenida Teixeira Pinto, em obras de pavimentação Fonte: http://almaviva.blogspot.com Em 1948, aquando da feitura do primeiro Plano Director Municipal de Bissau, os limites da cidade foram alterados. Nesse plano procurou-se desenvolver duas áreas distintas: a zona antiga da cidade, «Bissau Velho», e a zona de expansão, «Bissau Novo». Relativamente à primeira teve-se em consideração a sua estrutura, procurando manter-se a sua morfologia mas, porém, nesta zona de ruas estreitas e com edifícios de 2 pisos, em construções de tijolos e adobe, onde o piso térreo era normalmente destinado ao comércio, não foi possível criar novas estruturas, pois não havia espaços livres que permitissem que assim fosse. Relativamente à zona de expansão, «Bissau Novo», esta foi traçada com novos critérios, em coerência com os interesses coloniais, os quais assentavam na segregação dos indígenas, conforme decorre do 9º artigo do regulamento do plano com legitimação também em argumentos técnicos: «os bairros indígenas seriam implantados fora do perímetro da cidade13». Criaram-se quarteirões bastantes maiores, inseridos numa malha quadricular e com ruas arborizadas. Houve aqui uma intenção de zonamento dos diferentes tipos de uso ou actividades, como sejam residenciais, comerciais e industriais. Implantaram-se também aí espaços verdes, desportivos e algumas praças. 13 A cidade de Bissau tem sofrido várias alterações, naquilo que respeita a sua dimensão espacial, ou seja, na altura deste PGU, como também é denominado por alguns, o perímetro de Bissau compreendia a área que designamos por “Centro”. «Bissau Novo», como o próprio nome indica, insere-se no novo limite da cidade, que começava na “chapa de Bissau”, lugar que ganhou esse nome devido a existência aí de uma placa de sinalização em metal que indicava a entrada na Cidade. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 67 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Actualmente, a estrutura do prolongamento da praça de São José para as avenidas Amílcar Cabral e Pansão Naisna, que resultou do Plano de 1948, apresenta uma malha ortogonal, com lotes de baixos índices de ocupação, portanto, muito amplos. Figura 22: Plano de Bissau de 1948 Fonte: Planejamento urbano, habitação e autoconstrução – Acioly Jr 1993 Os subúrbios da cidade não têm qualquer vestígio de planeamento, sendo que estes bairros espontâneos cresceram sem infraestruturas tão básicas como a rede de abastecimento de água. A população recolhe a água dos poços, que por vez podem ser contaminados por fossas sépticas, uma vez que não existem nestes bairros redes de drenagem, verificando-se também o problema da recolha de lixo, fonte de poluição e propagação de doenças, localizada muito perto de casas de habitação. As densidades, ao contrário do núcleo colonial, permanecem aqui muito altas, chegando mesmo ultrapassar a barreira dos 45.000 habitantes por km2. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 68 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Posteriormente, em 1955 e em 1961, foram oficialmente fixados outros limites. Mais tarde, em 1973, foi elaborado um outro Plano Director, onde mais uma vez foram alterados os limites da cidade. Figura 23: Evolução dos limites da cidade de Bissau. Fonte: Elaboração própria, com base em documentos escritos. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 69 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 24: Exemplo de um arruamento em «Bissau Velho» Fonte: Google Earth A partir dos anos 60, a urbanização informal de mais de 20 bairros periféricos e a nova política introduzida pelo programa “Guiné melhor”, onde a construção de novos bairros não era acompanhada da devida infra-estruturação, iriam provocar mudanças bruscas na estrutura urbana da cidade (ACIOLY, 1993). Já após a independência, mais precisamente em 1976, foi elaborado pelo Ministério das Obras Públicas, Construção e Urbanismo (MOPCU) um outro plano, o qual nunca chegou a ser oficializado. Em 1986, deu-se início a um profundo estudo e pesquisas para se desenvolver um plano global para a cidade que resultaria no denominado Plano Geral de Urbanização (PGU), elaborado também pelo MOPCU, e posto em discussão pública em Junho de 1991. Neste plano, a cidade ocupava uma área de 2.700 ha aproximadamente, dos quais 73% correspondiam a habitação e 5% a indústria e serviços. Esse PGU, propunha o alargamento da área da cidade para cerca de 4.900 ha. Este Plano viria a ser revisto em Setembro de 2009, prevendo-se então para a cidade uma nova forma de ocupação urbana, enquadrada por amplos parques e espaços verdes, onde se incluia a transformação da Granja de Pessubé num parque com um jardim zoológico e áreas para cultura e desporto e, ainda, grandes áreas urbanizáveis para uma futura expansão da Cidade. Nesse Plano, as áreas habitacionais eram servidas por vias locais de acessos às respectivas unidades residenciais. Os bairros são definidos e servidos por vias secundárias e as unidades de ordenamento (UNOR) são estruturadas a partir destas e das vias primárias. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 70 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Este Plano não prevê a transformação de solos utilizados para a produção agrícola, sem prejuízo das zonas de bolanha poderem no futuro ser transformadas em áreas para construção de parques e zonas de lazer urbano. No que respeita à indústria, esta não ocupa um lugar menos importante neste Plano, pois são asseguradas as condições para uma eventual expansão do parque industrial. O Plano prevê, ainda, a criação de uma zona industrial perto do porto, entre outras mais para a periferia. Relativamente ao comércio, planeia-se nesta revisão de 2009 do PGU a construção de uma zona própria para o desenvolvimento desta actividade nas áreas suburbanas. As preocupações com o sector do turismo estão expressas neste Plano por meio da intenção de reservar espaços para a construção de hotéis, parques de campismo e parques turísticos, bem como a regulamentação do processo de concessão de terras nos Ilhéus do Rei e dos Pássaros. Adverte-se aqui também para a valorização da zona histórica da cidade, «Bissau Velho», como pólo de atracção turística, quanto mais não seja, pela sua arquitectura Renascentista. O desporto e a cultura também são contemplados neste Plano, pois a eles se reservam mais espaços para a sua propagação dada a sua importância na afirmação da sociedade, e tendo em conta as densidades dos lugares. No que se refere à administração pública, é de referir que está prevista a criação de centros administrativos em Mindara e Bra (onde já se está a verificar a construção de novos edifícios para embaxadas). No fundo a intenção aqui é concentrar mais os serviços da administração, tais como ministérios e outros organismos públicos. Os transportes também merecem aqui um lugar de destaque, na medida em que, com este Plano, se pretende disciplinar a circulação rodoviária. Entre outros objectivos, pretende-se facilitar o acesso dos veículos pesados de mercadoria às zonas de armazenagem, porto e aeroporto, através da via de circunvalação «Volta de Bissau» e a implantação de uma rede de escoamento ao longo de todas as estradas, permitindo assim a drenagem necessária para a sua conservação. Este plano também prevê a implantação de sistemas separativos de redes de esgotos domésticos e pluviais ao longo das vias e, nos pontos mais baixos, dos respectivos colectores. No que respeita ao abastecimento de água, está prevista a construção de nove estações de bombagem e duas estações de purificação de água, uma a norte e outra a sul da cidade. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 71 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 25: Ocupação urbana, (Bissau) Fonte: Planejamento urbano, habitação e autoconstrução – Acioly Jr 1993 Para melhor se perceber a forma como Bissau evoluiu ao longo do tempo, elaborou-se um mapa de síntese baseado na observação de cartas e imagens de satélite de diferentes épocas. O resultado desse trabalho apresenta-se na figura seguinte. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 72 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 26: Evolução da malha urbana entre 1952 e 2009 Fonte: Elaboração própria com base na carta militar de 1952, imagens corona 1967, imagens landsat 1986 e fotografia aérea de 2009 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 73 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Pela figura anterior, é possível constatar que, em 1952, a área urbana de Bissau era formada pelo núcleo colonial «Centro», Cupelum e Reino, sendo que ainda existiam as infraestruturas militares e aeroportuárias, localizadas a Este. Não obstante a existência de alguns assentamentos indígenas, de carácter rural e muito dispersos, a ocupação urbana desenvolvia-se numa área de cerca de 300 ha. O ambiente era caracterizado por grandes áreas de cultura variada, com predomínio das bolanhas de arroz, as quais se estendiam ao longo dos grandes acessos da cidade e nas zonas mais próximas do litoral, ou por onde correm os diversos cursos de água e, por sua vez, eram cercadas de mangais. O resto do território da cidade era constituído na sua quase totalidade por florestas, ou seja, por vegetação natural. Segundo as imagens de satélite de 1967, verificamos que a expansão da cidade se processa ao longo de dois grandes eixos: i) a Avenida Pansão Naisna onde se implantava, por exemplo, o bairro de Santa Luzia e Pluba, criando uma cintura contínua à volta da parte mais antiga da cidade; e ii) a Avenida 14 de Novembro, onde se consolidava a morfologia urbana através do aparecimento de novas áreas como Mindará e Bairro de Ajuda I, numa altura em que também o aeroporto sofria obras de alargamento, desta feita, formando um habitat urbano de cerca de 819 ha. As áreas cultivadas ganham terreno, em detrimento de áreas de florestas e, por sua vez, os mangais também se apoderam dos espaços anteriormente ocupados por bolanhas. Nos anos 80, época em que o País já era independente, a expansão urbana vais ser bastante mais acelerada, uma vez que os mecanismos de fiscalização urbana e as necessidades de habitação eram enormes, disparando portanto o número de construções informais. A morfologia da cidade vai-se consolidar ainda mais, contudo não fugindo da tendência, no que respeita ao seu sentido de crescimento que já se vinha a verificar. A distribuição espacial do edificado urbano é, nesta fase, na sua maioria de índole informal, ou seja, subúrbios de urbanização ilegal, sem qualquer tipo de planeamento. Pela observação da imagem de satélite de 1986 vislumbramos que existe uma continuidade na estrutura espacial da malha da cidade ao longo dos dois eixos de crescimento anteriormente mencionados, com ligação desde o porto «Pinjiguiti» até à zona do aeroporto «Bissalanca», e estendendo-se para Norte sobre o segundo eixo, perfazendo um total de mais de 1.550 ha. Já em 2009, por via da visualização da imagem de satélite do Google Earth, conseguimos notar que durante este período de 23 anos, a conversão de solos destinados outrora à agricultura para solos urbanos é bastante perceptível. A ocupação dos terrenos para Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 74 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital fins ligados ao crescimento urbano e a ausência de planeamento é, nesta altura, uma certeza, já que se traduz numa desorganização construtiva e na ausência de infra-estruturas nos novos bairros que iam surgindo. O tecido urbano teve um crescimento na ordem dos 150 por cento, expandindo-se para Nordeste e para Sudeste, numa superfície total de 7.100 ha. Bissau é, assim, ainda hoje, uma cidade caracterizada por um habitat de morfologias perfeitamente distinguíveis: i) a primeira, correspondente a uma cidade planeada com um traçado ortogonal, com avenidas largas e arborizadas, com os seus edifícios alinhados, cumprindo funções administrativas, comerciais e residenciais mas, ii) com uma periferia desordenada com edifícios construídos com materiais mais modestos, em arruamentos estreitos e sem nenhuma lógica urbanística e sem qualquer espécie de infraestruturas, onde se encontravam os nacionais autóctones. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 75 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 7. Estrutura funcional de Bissau 7.1. A evolução da distribuição da população O rápido crescimento do espaço urbano e a sobrelotação das habitações são um factor comum nas cidades da África Subsaariana, como é o caso de Bissau. Estas cidades apresentam normalmente um padrão muito semelhante de urbanização, em que o centro urbano14 está normalmente cercado de assentamentos humanos de populações mais carenciadas, com ausência total de urbanismo, ou melhor dizendo, com uma urbanização informal, provocada pelo rápido crescimento da população urbana e, consequentemente, pela excessiva consolidação de construções, sejam de habitação, sejam de anexos, nestas áreas. Como já foi anteriormente referido, Bissau é formada por uma grande variedade de grupos étnicos e sociais, a saber: (i) os naturais da cidade que sempre habitaram no seu centro, onde tinham os seus empregos e negócios; (ii) os migrantes e refugiados que por motivos de guerra ou por outras razões decidiram residir em Bissau. Estas pessoas que aí iam chegando, tinham como é natural, a iniciativa primordial de procurar uma parcela de terreno nos subúrbios para ai erguer o seu abrigo, sem acesso a qualquer tipo de infraestrutura básica. Bissau passou por um processo de rápido crescimento da população urbana entre 1960 e 1975, à custa do chamado «êxodo rural». Esse aumento deveu-se sobretudo ao facto desta ser a cidade mais segura pela sua posição geográfica e administrativa, sendo que se travavam duros combates de guerrilha no interior do país entre o PAIGC e tropas Portuguesas. Estima-se que mais de 150.000 pessoas tenham-se deslocado dos seus lugares de origem (ACIOLY, 1993) Segundo os dados dos censos, em 1979, a população de Bissau já era de 96.337 habitantes, concentrados sobretudo nos subúrbios circundantes ao centro da cidade «núcleo colonial». 14 Estes centros urbanos são geralmente designados de «centro colonial». Estes encontram-se geralmente planeados, apetrechado de infra-estruturas básicas e serviços. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 76 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 27: Evolução recente da população de Bissau e da Guiné-Bissau 1600000 Nº de habitantes 1200000 Região de Bissau 800000 Guiné-Bissau 400000 0 1950 1979 1991 2009 Ano dos Censos Fonte: INEC, Soronda nº12, 1991 e dados dos Censos de 1979, 1991 e de 2009 No mapa da figura 28 podemos constatar que, em 1979, a população de Bissau estava concentrada sobretudo numa cintura que envolvia o centro da cidade, estendendo-se ao redor deste. Notamos também que existiam já alguns aglomerados com um considerável número de habitantes. Estes aglomerados cresceram devido à relativa proximidade de zonas pantanosas ou «bolanhas», onde as pessoas podiam cultivar, ao mesmo tempo que não se encontravam muito distantes do principal mercado da cidade, «mercado de Bandim», onde as pessoas podiam vender os seus produtos. Estes núcleos suburbanos já se anunciavam como pólos de atracção de migrantes que procuravam melhores condições de vida na capital. De facto e, conforme pudemos apurar, a população da cidade de Bissau tem crescido de uma forma quase exponencial, já que de 96.337 habitantes no recenseamento efectuado em 1979, passou para 178.600 nos censos de 1991 (figura 30). Neste período já se notava a tendência para a concentração da população nos bairros periféricos da cidade. Bairros como Cuntum e o Bairro Militar já se começam a assumir como o que habitualmente é designado por «bairros residenciais suburbanos», ou seja, são bairros de grandes densidades populacionais que funcionam sobretudo como dormitórios de pessoas que, durante o dia, têm as suas actividades no centro e nas áreas mais próximas deste. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 77 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 28: Distribuição da população residente, em 1979 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1979 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 78 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Segundo os dados apresentados nos censos 2009, Bissau dispõe hoje de 401.619 habitantes, o que representa mais de 25% da população total do País. Quadro 9: População residente, densidade populacional e importância de Bissau no total nacional Unidade Territorial Bissau País 1979 1991 2009 2 2 2 Nº Nº Nº % Hab./ km % Hab./ km % Hab./ km 109.214 14,2 1409,2 195.389 20,0 2521,1 401.619 25,9 5182,2 767.739 100,0 21,3 979.203 100,0 27,1 1.548.159 100,0 42,9 Fonte: Censos da população A distribuição espacial da população de Bissau em 2009 segue a tendência que se tem vindo a observar desde a década de 70, pois a par daquilo que acontece com a maioria das cidades do mundo e, não fugindo à regra, a cidade de Bissau tem vindo a sofrer o natural processo de deslocação da população residentes das áreas mais consolidadas, a dita «Praça», para a periferia, onde residem sobretudo pessoas de classes mais carenciadas. Quanto à densidade populacional, e tendo por referência a situação em 1979 (figura 29), é de todo pertinente referir que se registam valores mais expressivos sobretudo nos bairros que envolvem o Centro, isto é, aqueles que formam a primeira cintura à volta da zona consolidada, com excepção para Antula, já no limite norte do Sector Autónomo de Bissau, aparentemente devido a uma maior disponibilidade de terrenos de cultivo. Na época colonial, estes bairros eram habitados pela população indígena que, ao contrário da população colonizadora, não tinha capacidade económica para residir mais próximo do centro da Cidade, aglomerando-se nestas áreas suburbanas onde, numa única habitação, viviam famílias muito numerosas, muitas vezes constituídas por vários núcleos famíliares ou famílias alargadas. Mas, de 1979 para 1991, as densidades populacionais aumentam de forma explosiva. De facto, enquanto em 1979, a densidade populacional média era de1409,2 em 1991 esse valor passa para 2521,1. De acordo com o mapa dafigura 31, o qual retrata a densidade populacional em 1991, e à semelhança do que já vinha acontecendo com os dados apresentados nos censos de 1979, as localidades com maior concentração da população por km2 são os subúrbios mais próximos do Centro e o bairro de Antula, no extremo Norte da cidade. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 79 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 29: Densidade populacional, por bairro, em 1979 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1979 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 80 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 30: Distribuição da população residente, por bairro, em 1991 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1991 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 81 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 31: Densidade populacional, por bairro, em 1991 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1991 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 82 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 32: Distribuição da população residente, por bairro, em 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 2009 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 83 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 33: Densidade populacional, por bairro, em 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 2009 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 84 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 34: Variação da população entre 1979, 1991 e 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1979, 1991 e 2009 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 85 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 35: Variação da Densidade Populacional entre 1979 e 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1979, 1991e 2009 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 86 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital A densidade populacional, em 2009, é bastante elevada na generalidade dos bairros de Bissau. O bairro do Enterramento apresenta a mais baixa densidade (cerca de 800 habitantes por km2), contrapondo-se com Empantcha/Lala Quema, o bairro que concentra mais população, apresentando uma densidade na ordem dos 42.990 habitantes por km2. Relativamente à variação da população entre os três últimos censos, verificou-se efectivamente na cidade de Bissau um notório aumento. Esta variação é mais significante nos subúrbios, sendo porém que no Centro e na periferia deste, a variação registada apresenta números mais modestos. 7.2. Parque habitacional e expansão urbana Para a análise das condições habitacionais, apenas dispômos de dados censitários relativos ao número de alojamentos distribuídos pelos vários sectores da Cidade. Com base nestes dados e nos da população residente, calculámos indicadores de densidade de ocupação, tanto relativamente à distribuição dos alojamentos, como à sua ocupação média. Pela análise do mapa da figura 36 podemos verificar que, em 1991, os bairros com maior número de alojamentos estão localizados na periferia, mais para o centro «geográfico» da cidade, formando uma espécie de segunda cintura à volta da parte mais central onde se concentram o comércio e os serviços. Estes bairros são recentes e desenvolveram-se sem qualquer tipo de planeamento prévio no seu processo de urbanização, apresentando uma grande carência de infraestruturas. As casas são feitas de adobe ou taipa obedecendo a uma tipologia tradicional, de forma rectangular circundada por uma varanda e com 4 ou 6 quartos. A referida varanda, para além de proteger das fortes chuvadas as paredes de adobe, também funciona como um lugar de convívio e descanso e serve geralmente de cozinha. As casas de banho ou «quartinho» são construídas a uma certa distância da casa, pois trata-se de uma latrina tradicional, que muitas vezes era usada por residentes de várias casas. Estes aglomerados replicam na Cidade a realidade do mundo rural guineense, já que funcionam muitas vezes como os assentamentos rurais «tabancas», onde as casas eram agrupadas com uma certa orientação espacial e espaços comuns. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 87 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 36: Número de Alojamentos em 1991 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1991 Figura 37: Densidade de Alojamentos em 1991 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1991 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 88 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Relativamente à densidade de alojamentos, em 1991, os dados censitários mostram que os bairros com maior densidade de alojamentos são aqueles que formam a primeira cintura à volta do núcleo colonial, surgindo o Cupilum de Baixo, um bairro muito antigo, com uma elevadíssima densidade de alojamentos. O Centro, por se tratar de um centro administrativo, em que a sua implementação teve um plano de base, apresenta uma densidade relativamente baixa. Quanto ao bairro de Antula, julgamos que a sua significativa densidade se deve ao facto deste se situar próximo de uma zona de bolanhas. Figura 38: Número médio de habitantes por alojamento em 1991 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1991 O número de pessoas por alojamento está relacionado com o fenómeno de densificação urbana. Em 1991, o número médio de pessoas a viver num alojamento era na ordem dos 6 a 9 indivíduos, aparecendo o Cupilum como o bairro com o maior número de pessoas por alojamento (uma média de 9,5), sendo que os bairros mais nobres, ou seja, aqueles onde residem pessoas com mais recursos, apresentam uma menor valor de habitantes por alojamento. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 89 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 39: Número de alojamentos em 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 2009 Figura 40: Densidade de alojamentos em 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 2009 Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 90 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Em 2009, a densidade de alojamentos nos sectores mais centrais da Cidade diminui, facto que pode dever-se a alterações funcionais destas partes da cidade (passagem de habitação a comércio e serviços). Assiste-se, comparativamente a 1991, a uma difusão dos alojamentos cada vez mais para a periferia, sem prejuízo de serem ou não, lugares com maior ou menor densidade. De facto, ao se visualizar o mapa das densidades de alojamentos em 2009, constatamos que os bairros com mais alojamentos por km2, apesar da diminuição comparativamente a 1991, ainda se encontram próximos do Centro, mas com alguns bairros como Antula e Empantcha e Cumtum Madina ganhando peso. Figura 41: Número médio de habitantes por alojamento em 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 2009 Em 2009, o número de habitantes por alojamento aumenta consideravelmente, passando de uma média mais elevada de 9,5 pessoas por alojamento, em 1991, para 21, como se regista no bairro de Missira, por exemplo. Neste último Censo, o número de alojamento diminuiu em muitos bairros, facto este que, aliado à situação de ter havido um aumento da população, se vai repercutir no número de pessoas por alojamento. De facto, tivémos algumas dificuldades em entender os dados referentes à variação de alojamentos durante estes dois últimos períodos censitários, na medida em que é bastante Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 91 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital evidente que o tecido urbano tem crescido de uma forma expressiva no intervalo destes dois períodos. Foi-nos de todo impossível apurar junto das autoridades oficiais, quais as razões para o número de alojamentos diminuir em muitas localidades, sendo que pela visualização da fotografia aérea constatamos que o edificado aumentou bastante. De qualquer modo, podemos colocar a hipótese de que tenha havido uma mudança de critérios relativamente à definição prática de alojamento, o que pode ter condicionado o seu levantamento no terreno. Figura 42: Variação do número de alojamentos de 1991 para 2009 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Censo de 1991 e 2009 De facto, pensamos que este facto poderá estar relacionado com uma divergência nos critérios utilizados na contagem nestes dois recenseamentos, ou porque se está a passar por um processo de mudança de uso, já que pela análise do mapa “Variação do Número de Alojamentos de 1991 para 2009” verificamos logo que todos os bairros próximos do Centro, inclusive este, apresentam todos uma variação negativa. Sabe-se, porém, que esta variação negativa é entendível, uma vez que aí estão concentrados os edifícios administrativos e, por outro lado, os serviços e o comércio conquistam o lugar anteriormente ocupado pela função habitacional, num parque edificado na sua grande maioria já bastante degradado. Segundo os dados do INEC, Enterramento/Bra e Empantcha são os bairros que registaram uma maior variação positiva, tendo como exemplo oposto o bairro Calequir/Rossio entre outros. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 92 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital 7.3. Actividades económicas Após a independência, o Estado monopolizou as actividades comerciais, centralizando todas as operações de logística em Bissau, facto que provocou, com esta eliminação total do comércio livre, a perda de sustentabilidade dos outros centros urbanos, uma vez que estes já não podiam contar com as receitas dos impostos comerciais. Estas reformas político-administrativas vão ter repercussões muito negativas no desenvolvimento regional. Bissau passou assim a ser o ponto de distribuição de bens e produtos para o resto do País e, também, para o estrangeiro, por meio dos Armazéns do Povo. Deste modo, para além das outras externalidades que contribuíram para o êxodo rural, tais como a localização do maior porto, da sede do governo central e do centro político, para além de ser aí o local onde se encontram melhores serviços de saúde e de educação, também a estruturação da actividade comercial veio reforçar a capacidade de atracção de Bissau. Se tivermos em atenção aquilo que acontece noutras nações recentes e com problemas de desenvolvimento, podemos concluir que este papel centralizador que a cidade de Bissau vem assumindo, resulta de um facto bastante comum: políticas mal preparadas e ausência de planeamento. Com a re-entrada em vigor do “comércio livre”, em meados dos anos 80, com o apoio do governo ao sector privado em diversas áreas, Bissau aumentou ainda mais o seu número de habitantes, o que provocou uma rápida urbanização, transformando as áreas agrícolas em áreas urbanas. Por outro lado, com a consequente abertura das fronteiras, o País, e sobretudo Bissau, viria a aumentar consideravelmente o seu número de imigrantes, os quais, pelo que nos é dado observar e apesar de não o podermos provar com base em informação estatística ou resultados de outras investigações, se dedicam sobretudo ao comércio informal de produtos que vêm do exterior. Este facto explicar-se, por um lado, pela débil capacidade produtiva nacional que torna o País fortemente dependente do estrangeiro e, por outro, pela inexistência de organizações de comércio que procedam, em larga escala, à importação e comercialização de produtos e bens, de onde resulta um processo de fuga aos impostos, através do contrabando, que justifica a obtenção de margens de comercialização mais atractivas para imigrantes que continuam a manter fortes relações com os seus locais de origem. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 93 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital A estrutura funcional de Bissau, tendo em conta a variedade e a quantidade de actividades de comércio e serviços existentes, é muito incipiente. Por um lado, a actividade comercial não se organiza da mesma forma que, por exemplo, noutras cidades dos países da subregião da África Ocidental e, por outro, dada a reduzida dimensão da procura com capacidade aquisitiva, também não apresenta um padrão de forte dispersão territorial. Isto é, o comércio especializado em estabelecimentos exclusivamente para esse fim pode considerar-se inexistente, sendo comum a existência de duas situações distintas: 1) a venda em mercados devidamente licenciados, com alguma variedade de produtos; 2) a venda informal, dispersa e normalmente realizada à porta de casa. Por outro lado, relativamente aos serviços, apenas pudémos individualizar algumas actividades que, de forma efectiva, é possível observar na Cidade: hotéis, estabelecimentos bancários e o serviço de correios, o qual, na prática, não funciona15. O mapa da figura seguinte mostra a distribuição das actividades de comério e serviços. Figura 43: Distribuição de estabelecimentos de comércio e serviços Mercado de Bandim Fonte: Elaboração própria 15 De facto, um guinense emigrado que queira enviar ou receber encomendas de/para a Guiné-Bissau, apenas pode contar com a eficiência dos serviços pretados pelos comerciantes emigrados instalados nos países de destino, os quais dispõem de uma rede privada de abastecimento que acaba também por apoiar a restante comunidade. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 94 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital No que toca à distribuição de estabelecimentos de comércio e serviços, conseguimos apurar que quase todos os bairros dispõem de um mercado. Destacamos na leitura do mapa da figura 43, a grande concentração de estabelecimento ligados ao ramo de hotelaria no centro da cidade ou «praça», sendo que é ai também que se localizam as sedes das dependências bancárias. O Centro é constituído maioritariamente por edifícios de 2 ou mais andares, cujo piso térreo geralmente se destina a actividades comerciais, mas cuja utilização é exclusivamente para fins de armazenagem, apesar de termos registado algumas situações de aparecimento de alguns estabelecimentos, mas que rapidamente encerram dada a sua inviabilidade económica tendo em conta a dimensão e, como já referimos, o poder de compra da procura existente. Mas, em contraponto a esta falta de estabelecimentos comerciais, arriscaríamos mesmo afirmar que a grande maioria dos agregados de Bissau se dedica a pelo menos uma actividade de cariz informal, podendo ir desde a revenda de frutas, como os produtos caseiros confeccionados, até ao gelo, quando se trata de agregados com mais recursos. O pequeno comércio retalhista exercido em contexto de mercado licenciado é, em Bissau, tal como na maioria das cidades da subregião, uma característica bastante marcante. Figura 44: Mercado de Bandim Fonte: kurtviagens.blogspot.com De entre esses mercados, não podemos deixar de fazer uma referência ao mercado de Bandim, pois este constitui a maior “praça financeira do País”. Um mercado de carácter muitíssimo desorganizado, mas onde é acolhida mais de uma dezena de actividades comerciais e industriais de carácter artesanal, que vão desde a venda de produtos agrícolas, dos frescos ou têxteis, passando por cosméticos, restauração, farmácias, oficinas mecânicas, Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 95 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital armazéns grossistas, etc.. Este mercado insere-se no perímetro do bairro de Mindará e tem um volume de negócio diário na ordem de um milhão de dólares (INEP, 2001). Figura 45: Avenida 14 de Novembro, a principal artéria da cidade Fonte: kurtviagens.blogspot.com O parque industrial de Bissau é bastante reduzido, a fraca industrialização do País é um dos factores do atraso de desenvolvimento que aí se verifica. O sector industrial resume-se a algumas unidades ligadas ao ramo alimentar, sobretudo à produção de gelo, uma pequena unidade ligada à transformação do caju, na zona de Brá e, em Bandim, localiza-se a CICER, a «central de cervejas». O mapa da figura 46, apresenta a localização das nove unidades industriais que pudémos recensear. Classificámos a actividade industrial em dois tipos: 1) indústrias ligeiras, as quais abrangem ramos que vão desde os produtos petrolíferos até às tintas e vernizes, passando pela colchoaria e, até certo ponto, o fabrico de mobiliário; 2) indústrias alimentares, com destaque para a cervejeira, a transformação de cajú e a produção de gelo. No entanto, deve ter-se em atenção que relativamente às indústrias do primeiro tipo, de facto podem não se tratar efectivamente de actividades industriais, ou porque estão em fase de desactivação ou, como aparenta acontecer com os produtos petrolíferos, tratam-se apenas de actividades de armazenagem e distribuição. Pese embora o reduzido número de unidades ditas industriais, o seu padrão de distribuição, ainda no interior da Cidade, respeita os princípios teóricos da localização industrial. De facto, identifica-se claramente um primeiro anel, a dada altura fora do limite Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 96 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital urbano, em torno do sítio genético da Cidade, o qual é complementado por um eixo, de origem mais recente, que acompanha a principal estrada de ligação de Bissau ao aeroporto e, daí, ao restante território nacional. Figura 46: Distribuição e tipo de indústrias Fonte: Elaboração própria Em síntese, pudémos notar que Bissau, relativamente a outras cidades do País, é um ponto de forte atracção, pois nela se concentram a grande maioria das actividades económicas e se agrupam as infraestruturas de tipo industrial, comercial e de transportes (vias rodoviárias, porto e aeroporto). Teoricamente, a economia de Bissau assenta no sector terciário, contudo, este ramo de actividade vai ter uma repercussão pouco significativa na globalidade da economia, pois regista-se uma enorme carência a nível de infraestruturas e espaços vocacionados para tal e, ainda, a falta de população urbana qualificada a qual, na sua grande maioria, ainda apresenta características marcadamente rurais. 7.4. Infraestruturas e equipamentos A rede de infraestruturas de abastecimento de Bissau é muito limitada, o abastecimento satisfatório encontra-se circunscrito apenas na zona do centro ou «praça», ou Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 97 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital seja, no antigo núcleo colonial (figura 47). A rede de drenagem de águas residuais também está confinada à «praça». O sistema de esgotos é de abrangência territorial muito restrita e já se apresenta muito degradado, uma vez que já é muito antigo. De um modo geral, a cidade de Bissau não dispõe de um sistema convencional de esgotos sanitários, fazendo com que este se operacionalize por via de fossas sépticas. Estas, apesar de serem muito adequadas ao tipo de solo aí existente, com uma boa capacidade de infiltração e absorção, no caso das zonas mais baixas e, sobretudo, nas áreas próximas a bolanhas onde o nível do lençol freático é muito alto, são geralmento um foco de doenças, dados os seus efeitos sobre a poluição das águas subterrâneas. Quanto ao abastecimento público de água, importa referir que a distribuição é feita através de uma rede já bastante degradada, com constantes situações de rotura nas tubagens, provocando também muitas vezes a contaminação da água. A água é bombeada a partir de diversos poços com profundidades que variam entre os 100 e os 285 m, estando estes ligados a cinco reservatórios elevados, distribuídos por vários pontos da cidade e com uma capacidade de caudal diário de 42.000 m3 de água, mas que, de facto, tem efectivamente correspondido à produção média de 8.207 m3/dia, em 2004 (Guine-Bissau em números, EAGB, 2005). Quando está em causa o abastecimento a pontos mais altos da cidade, a pressão da rede é seriamente afectada, o que leva à existência de longos períodos do dia, normalmente quando o consumo é mais intenso, em que estas áreas sofrem de falta de água. No que respeita ao nível de cobertura no abastecimento, conseguimos verificar, por via do mapa acima apresentado, que a rede pública cobre actualmente cerca de 50% da Cidade. Contudo, o fornecimento é um tanto condicionado pelas constantes e prolongadas avarias na rede, sendo que muitas vezes só há água mesmo à noite. Existem vários fontanários em diversos pontos da Cidade e alguns projectos de ONG’s em parceria com a EAGB, (Empresa de Águas), que têm como finalidade fazer chegar a água a todos os bairros de Bissau. A rede de drenagem de águas pluviais, consiste naquilo que localmente se denomina de «baletas de melhoramento», isto é, resume-se à construção de valetas de drenagem que permitem o escoamento de águas das chuvas a céu aberto. Esta técnica não é suficientemente eficaz, já que quando o escoamento é interrompido por resíduos sólidos criam-se situações de água parada, propícias à propagação de doenças. Esta técnica foi adoptada nos anos 80, no PMBB, que era um projecto destinado à melhoria de infraestruturas que teve como área de implementação os bairros de Cupilum, Mindara e Belém. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 98 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Relativamente à rede eléctrica, esta cobre a quase totalidade da Cidade. Contudo, o fornecimento é quase inexistente, mesmo nos locais onde chega é raro o seu funcionamento. Ora por falta de combustível, ora por avarias nos geradores da central gerida pela EAGB, o facto é que a cidade de Bissau há muitos anos que vive às escuras, por falta de luz eléctrica, obrigando as populações a adquirirem geradores para se abastecerem, quando podem. O sistema viário da cidade de Bissau (figura 48) desnvolve-se sobretudo em volta de dois eixos de acesso à cidade, a «Av. 14 de Novembro e a estrada de Prabis» que, de resto, são as únicas entradas e saídas, e de uma via de cintura designada por «volta de Bissau». A rede viária asfaltada localiza-se sobretudo no Centro e nas principais artérias de acesso à cidade. Esta rede de estradas está, no seu todo, em muito mau estado de conservação, situação que se agrava sobretudo na época das chuvas e no período posterior a esta. Quanto às vias secundárias, é de referir que estas, por não serem asfaltadas e pela inexistência de redes de drenagem pluviais, ficam permanentemente vulneráveis à erosão e muitas ruas são mesmo intransitáveis. A rede de estradas corresponde a 1,5% do território da cidade e é constituída sobretudo por estradas com uma faixa de rodagem com uma via em cada sentido, excepção feita às avenidas 14 de Novembro e Amílcar Cabral. Quanto à rede de transportes públicos, esta funciona por meio de táxis colectivos que circulam por toda a área da Cidade, transportando várias pessoas ao mesmo tempo, desde que os seus destinos assim o permitam. As «toca-toca», que no fundo são carrinhas de 9 ou mais lugares, sobrelotadas e geralmente muito mal conservadas, não circulam na zona consolidada da cidade, sendo proibida a sua entrada no Centro. Existem também os “candongas”, que são carrinhas que fazem carreiras inter-cidades transportando pessoas e bens sobretudo entre Bissau e o interior do País. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 99 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 47: Infraestruturas de abastecimento Fonte: Elaboração própria Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 100 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Figura 48: Rede viária principal e sistema de transportes públicos em Bissau (2009) Fonte: Elaboração própria com base nos dados da revisão do PGU de Bissau (MOPCU, 2009) Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 101 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Os equipamentos públicos de serviços ou de utilização colectiva (figura 49) encontram-se concentrados no centro ou «praça». É aí que se encontram os ministérios, o porto, o hospital central, o pólo educativo e outros equipamentos administrativos. No mapa da figura XX estão representados os equipamentos de tipo que conseguimos recensear. Alguns desses equipamentos encontram-se num elevado estado de degradação, como por exemplo o hospital central Simão Mendes, e outros, como é o caso do hospital 3 de Agosto, actualmente estão mesmo desactivados. Consegue-se facilmente diagnosticar a carência que os subúrbios têm de equipamentos públicos. Bairros tão populosos, como é o caso do Bairro Militar e Cuntum, estão visivelmente desprovidos de equipamentos que satisfaçam a sua população. Figura 49: Localização e tipo de equipamentos públicos de serviços e de utilização colectiva Fonte: Elaboração própria Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 102 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Conclusão A consolidação e crescimento da cidade de Bissau ancora-se em características do seu sítio que muito favoreceram um modelo de ocupação colonial baseado na implantação de um esquema de drenagem dos recursos locais entre o estuário do Geba e o litoral até ao Senegal. A planura e a facilidade de circulação, apesar das barreiras de mangais e do respeito pelas leiras de terreno agricultáveis (exíguas e valiosas), poderiam ter conduzido a uma percepção, por parte do colonizador, de que não seriam necessários grandes investimentos em infraestruturas. Aliás, o estabelecimento do centro colonial em torno da primeira fortaleza, o Forte de São José, desde logo limitou as intervenções urbanísticas a esta área muito restrita de uma cidade que, já nos anos 50, apresentava uma população de cerca de 100 mil habitantes. Apesar dos planos de melhoramentos «Guiné Melhor» promovidos nos anos 60, pelo então governador António de Spínola, os quais manifestavam a intenção de integrar na malha urbana as populações autóctones, mas que acabaram apenas por beneficiar aqueles que eram funcionários da administração colonial, a maior parte da Cidade continuou, até à independência, sem que fossem providenciadas as infraestruturas e equipamentos públicos necessários ao seu funcionamento. Mas, mesmo após a independência, e em consequência da forte instabilbidade político-militar que conduziu a um rápido crescimento populacional da cidade de Bissau, sobretudo entre 1979 e 1991, quando se verificou um aumento de mais de 80% de habitantes, mantiveram-se os grandes atrasos de desenvolvimento da cidade. Bissau herdou problemas urbanísticos criados pela administração colonial, concentrando a parte central da cidade, onde residia a população branca, todas as funções económicas, sociais e culturais necessárias ao seu funcionamento, mas também não foi a independência que alterou este estado de coisas. Mais recentemente, já na década de 90, foi elaborado o PGU de Bissau, o qual se ficou apenas por intenções documentadas e que viria a ser revisto em 2009, mas ainda, em 2010, aguarda promulgação. Esta completa ausência de planeamento, sobretudo num contexto territorial caracterizado por uma forte incidência de situações generalizadas de pobreza, em nada favorece o alavancar de um processo de desenvolvimento social e económico, mas também institucional, que consideramos urgente. Deste modo, pretendemos neste nosso trabalho contribuir para a identificação dos principais problemas e potencialidades de Bissau, tentando apontar caminhos de solução que serão necessariamente um esboço preliminar de Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 103 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital um verdadeiro Plano de Acção que definitivamente estruture o desenvolvimento futuro da Cidade. No quadro seguinte apresentamos num formato SWOT, para cada um dos grandes temas que constituem o contexto de funcionamento de Bissau, uma síntese dos pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças que, no nosso entendimento, resultam da análise efectuada ao longo desta dissertação. Do mesmo modo, no quadro 10, apresentamos um conjunto de medidas que poderão contribuir para a solução dos problemas identificados. Quadro 10: Matriz de síntese do diagnóstico de Bissau Tema de análise Pontos fortes População População muito jovem / elevadas taxas de actividade da população. Alojamento Solos argilosos, onde abundam o princial material utilizado na canstrução de habitações tradicionais. Infraestruturas Existência de inúmeras linhas de água. Pontos fracos Grandes taxas de pobreza e pobreza extrema; grandes densidades; taxa de analfabetismo de 63%. Degradação do parque edificado e sobrelotação nas habitações; Insalubridade e altas taxas de ocupação; 85% do parque habitacional sem electricidade e sem abastecimento de água. Inexistência de uma rede de infraestruturas vocacionadas para actividades ligadas ao sector terciário; Concentração espacial das existentes no Centro, sendo que estas não têm sofrido a devida manutenção; Quase inexistência de energia eléctrica e água potável. Oportunidades Disponibilidade de mão-de-obra para alimentar o processo de crescimento económico; Diversidade cultural. Construção sem grandes custos de terraplanágens Possibilidade de aposta em infraestruturas ligadas a valorização e aproveitamento de energias de origem naturais e renováveis. Ameaças Pela análise da disponibilidade de equipamentos pode concluir-se que não existem boas condições para dar resposta aos problemas gerados pelo desemprego e o consequente aumento de criminalidade juvenil. Solos argilosos, portanto não muito bons para a construção, por razões ligadas à sustentabilidade da estrutura. Especulação nos preços de materiais de construção mais modernos. Propagação de doenças transmissíveis. Serviços de Saúde pouco acessíveis. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 104 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Tema de análise Pontos fortes Pontos fracos Oportunidades Elevada carência de equipamentos sociais nos subúrbios; Degradação e deficiente distribuição dos existentes. Equipamentos Economia País essencialmente agrícola; País rico em minerais. Ambiente Clima agradável e rico, com uma fauna e flora muito ricas. Urbanismo e Gestão Urbana Um território pouco acidentado. Política Ausência de guerras étnicas e religiosas, como é habitual acontecer em nações frágeis na África subsariana. Economia baseada num sector terciário muito desqualificado; Fraca industrialização; forte dependência do exterior e prevalência da informalidade nas relações económicas. Deterioração ambiental dado o deficiente sistema de recolha de resíduos sólidos urbanos e a quase inexistência de sistema de drenagem de águas residuais. Ausência total de urbanismo nos subúrbios; Desarticulação do tecido construído, com excepção dos bairros mais nobres da Cidade; Carência de equipamentos de todo o tipo. Poucos investimentos nos sectores de educação e saúde; Constantes instabilidades; Má gestão no aproveitamento dos recursos naturais; Falta de legislação eficaz no domínio do uso do solo. Ameaças Degradação da vida social, principalmentes dos jovens. Localização costeira que poderia ser aproveitada para a conquista de uma posição privilegiada na subregião (aumento do hinterland dos portos); Possibilidade de apostar numa agricultura excedentária. Endividamento do País; perda do poder negocial; Aumento da pobreza das populações. Turismo rural. Degradação ambiental provocada pelo atracamento de barcos estrangeiros em fim de vida. Possibilidade de planear sem muitas restrições, dada a planura do território. Segregação social e criação de guetos. Possibilidade de utilização de recursos do País, como moeda de troca para valorização do capital humano. Baixas taxas de alfabetização; Degradação da saúde pública. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 105 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Quadro 11: Proposta de medidas de intervenção Tema de análise Problemas/Necessidades População Forte concentração populacional na capital Altas densidades nos bairros periféricos de Bissau. Alojamento Sobreocupação das casas Construções ilegais. Infraestruturas Equipamentos Economia Ambiente Urbanismo e gestão Urbana Ausência de redes de drenagens e abastecimento excluindo o centro Arruamentos deficientes. Mau estado dos equipamentos sanitários e educacionais; Inexistência de equipamentos sociais nas áreas suburbanas. Actividades económicas de índole informal e de subsistência; Uma economia bastante débil, com índices muito desfavoráveis. Existência de situações de estagnação de águas residuais, gerando a propagação de doenças como o paludismo e a cólera, as duas principais causas de morte no País. Morfologia urbana de carácter espontâneo, ausência de urbanismo; Degradação do núcleo histórico da cidade e não aproveitamento das potencialidades da Cidade, como por exemplo, a não valorização da marginal; Falta de orientação do crescimento urbano. Ideias para resolver os problemas Criação de incentivos para o regresso das populações ao interior/ planeamento do território implantando equipamentos e infraestruturas que possam gerar emprego; Criar habitações sociais em novos lugares reestruturando os assentamentos existentes. Construção em altura, com quintais comuns Criação de habitação social Aposta na auto reabilitação, mas apoiada pelo estado, uma vez que a população é bastante pobre. Implantação de redes de drenagens e abastecimento; Pavimentação e reorganização dos arruamentos. Reabilitação e criação de novos equipamentos. Incentivar a criação de micro e médias empresas, facilitando o acesso a micro créditos; Apostar numa indústria de transformação, ou seja, ao invés de simplesmente vender matéria-prima, como por exemplo a castanha de caju, podia-se apostar na sua transformação, valorizando assim o produto. Pensar um sistema de recolha e tratamento dos RSU (aterros por exemplo), travar o processo de erosão dos solos criando, por exemplo, espaços verdes e ou arborizados para esses solos descobertos; Criar um sistema de drenagem de águas domésticas e pluviais, evitando assim a situação de águas paradas. Fazer planos de pormenor para os bairros suburbanos, no sentido de criar uma morfologia com conceitos mais harmoniosos; Reabilitação, tanto do porto como da zona ribeirinha, ao longo da marginal, num processo de reutilização dos equipamentos aí existentes e construção de novos; Aproveitamento dessa zona para o turismo; Criação ou regulamentação dos instrumentos de gestão territorial e criação de mecanismos de fiscalização mais eficazes. A Guiné-Bissau e, sobretudo, a sua capital, necessitam urgentemente de prosseguir uma política de ordenamento e planeamento territorial, sobretudo na óptica da gestão urbanística, pois sem isso dificilmente se consegue construir um ambiente urbano que, por exemplo, possa atrair investimento, sobretudo do exteior. É preciso de uma vez por todas Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 106 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital minimizar as consequências da rápida e descontrolada densificação do espaço urbano e da sobrelotação das habitações, que como é sabido, contribui para a rápida propagação das doenças transmissívais. É, portanto, necessário por um lado, dotar as instituições de meios para o fomento à actividade do mercado imobiliário formal e, por outro, investir, ou se quisermos, atrair investimentos no sector das infraestruturas, tanto as de comunicação, quanto as mais elementares, como as redes de abastecimento (água e electricidade) e drenágens dos resíduos. De facto, todas as ideias para a resolução dos problemas urbanísticos da cidade de Bissau, podem resumir-se na Criação ou regulamentação dos instrumentos de gestão territorial e criação de mecanismos de fiscalização mais eficazes no processo de construção de novas edificações urbanas. Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias 107 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Bibliografia Acioly, Claudio C., Forbes D.(1998). Densidade Urbana – um instrumento de planejamento e gestão urbano. 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(acedido Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em 110 Baducaran Domingos Augusto da Silva Urbanização na Guiné-Bissau: Morfologia e Estrutura Urbana da sua Capital Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias i