AVALIAÇÃO CLÍNICA DE UM OXIGENADOR DE MEMBRANA DE BAIXO VOLUME DE ENCHIMENTO ("PRIMING") J. F. Biscegli*, A. J. P. Andrade*, P. P. Paulista*, S. A. Oliveira***, L. C. B. Souza, ** J. Leme*, R. M. Toffano****, B. Piccini**** * Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo; ** Hospital do Coração Associação Sanatório Sírio - São Paulo; *** Benemérita Beneficência Portuguesa de São Paulo - São Paulo; **** Nipro Medical Ltda. - São Paulo. RESUMO Uma nova geração de oxigenadores de membrana de fibra oca capilar Vital (Nipro, São Paulo, Brasil) foi desenvolvida e testada. A proposta deste estudo foi avaliar a performance operacional deste oxigenador sobre condições clínicas e analisar os resultados obtidos em relação às rotinas da perfusão, comparando com os limites fisiológicos de pacientes em circulação extracorpórea, durante uma cirurgia cardíaca.Seguindo as rotinas aprovadas nas instituições que se dispuseram a realizar as avaliações e os consentimentos informados obtidos de 32 pacientes randomizados, o oxigenador Vital foi utilizado nos procedimentos cirúrgicos com pacientes adultos, sem grupo de exclusão por patologia. Os parâmetros do estudo foram agrupados nas seguintes categorias: hematológicos, hemodinâmicos, performance do oxigenador e dados pós-operatórios. Todos os pacientes receberam anestesias cirúrgicas idênticas e cuidados pós-operatórios iguais. Os oxigenadores foram utilizados dentro de seu fluxo de sangue preconizado de 1,0 a 7,0 L/min, oferecendo baixo volume de enchimento ("priming") da câmara de oxigenação.Não foram observadas diferenças estatísticas entre os pacientes submetidos ao grupo do oxigenador Vital comparado com os demais tipos de oxigenadores utilizados nas rotinas dos procedimentos cirúrgicos das instituições envolvidas.PALAVRAS-CHAVE: Oxigenador de sangue, cirurgia cardíaca, circulação extracorpórea. INTRODUÇÃO O desenvolvimento estratégico de uma nova família de oxigenadores de membrana e, neste caso, do tamanho para pacientes adultos deve levar em conta as novas demandas como: técnicas cirúrgicas, aumento da idade média dos pacientes submetidos à circulação extracorpórea (CEC) prolongada. O surgimento de novos materiais e superfície sintéticos nos processos de manufatura dos oxigenadores, bem como a substituição e ou eliminação de materiais como o silicone antiespumante e as esponjas de poliuretano, refletem um esforço para melhorar a biocompatibilidade e minimizar os distúrbios ao fluxo de sangue associados à CEC. As exigências relacionadas ao projeto do oxigenador Vital (Nipro Medical Ltda., São Paulo, Brasil) visaram minimizar a dinâmica das forças de "shear stress" no movimento da passagem do sangue pela câmara de oxigenação (1, 2), bem como áreas de estagnação do sangue, pois ambas promovem danos celulares e acelulares aos elementos do sangue. Todavia, a capacidade do oxigenador em transferir o gás em sua câmara de oxigenação é uma característica importante e determinou sua utilização clínica (3). Outra exigência de projeto e de fabricação deste aparelho foi garantir os demais requisitos como custo e processos de produção. Esta nova geração de oxigenadores de membrana capilar foi introduzida na cirurgia cardíaca brasileira, em 2001, pela Nipro Medical e, a partir de então, em vários países na Europa, Ásia e Oriente Médio.As principais inovações introduzidas na família dos oxigenadores Vital foram baseadas no seu desenho que possui uma câmara de oxigenação muito simples com baixo "shear stress" e um trocador de calor alocado dentro de seu reservatório venoso, trabalhando como trocador de calor de passagem sem seqüestro de volume de sangue ("priming"). A eliminação das esponjas de poliuretana e, em conseqüência, o silicone antiespumante da linha de sangue venoso, permitiu separar fisicamente esta linha das linhas de sangue aspirado.Os dados das avaliações "In Vitro" do projeto foram disponibilizados para a comunidade médica do Brasil, de modo a dar sustentabilidade à avaliação clínica do oxigenador Vital em cirurgias cardiopulmonares. A decisão de incorporar um novo oxigenador na prática clínica deve ser tomada por análises quantitativas das características mecânicas e de custo efetivo do produto. Recentemente autores sugerem modelos para avaliações de oxigenadores para garantir sua prática clínica (2,5).As duas chaves para estas avaliações incluem a determinação de um sistema de acuracidade na eficiência terapêutica e no impacto econômico (4). Nesta linha de raciocínio é que foi conduzida a avaliação clínica do oxigenador de membrana adulto Vital (Nipro Medical, São Paulo, Brasil). MATERIAIS E MÉTODOS Descrição do oxigenador O oxigenador de membrana adulto Vital, como outros oxigenadores de membrana de última geração, é definido por inovações introduzidas em novo conceito e desenho (5). Resumidamente, o oxigenador Vital foi desenhado para reduzir, tanto quanto fosse possível, o seu volume de "priming" na câmara de oxigenação, removendo o trocador de calor da junção com a câmara de oxigenação e introduzindo-o dentro do reservatório venoso. Este conceito visa também a redução da superfície de contato entre o sangue e partes do corpo do oxigenador. O oxigenador Vital removeu as esponjas de poliuretana siliconizada do contato com o sangue venoso da linha de drenagem das cavas, e introduziu um pré-filtro de poliéster de 105 µm de porosidade para uma eventual remoção de ar das linhas de cava. A membrana de fibra oca capilar tem as dimensões de 380 µm diâmetro externo e 50 µm de espessura de parede. As fibras na câmara de oxigenação são paralelas, amarradas entre si em forma de esteiras e em dupla camada com inclinação de 6° em sentido oposto, tal que as fibras de uma camada estão a 12° de inclinação em relação às da outra camada.O oxigenador adulto Vital permite faixa de fluxo operacional de 1,0 a 7,0 L/min de sangue e fluxo máximo da mistura gás/sangue de até 14 L/min. A modificação na câmara de oxigenação, com a remoção do trocador de calor e o uso de fibras em dupla camada com inclinações de 6° opostas, permitiu uma otimização na capacidade de oxigenação do novo desenho (6).Com o novo arranjo das fibras na câmara de oxigenação, a área efetiva total de troca gasosa nas fibras ficou em 1,9 m2 e com o menor volume de "priming" entre todos os oxigenadores disponíveis - 180 ml. Protocolo de estudo Um grupo de 32 pacientes, sem exclusão do tipo de patologia, foi designado para a avaliação clínica em três grandes hospitais com procedimentos de cirurgia cardíaca, na cidade de São Paulo, Brasil, mostrados na Tabela 1. As instituições revisaram o protocolo de avaliação clínica através dos médicos chefes de cada grupo cirúrgico e obtiveram o consentimento informado dos pacientes submetidos a uma primeira cirurgia cardíaca, incluídos neste estudo. • • • Idade: 15 a 83 anos; Peso: 46,5 a 113 Kgf; Mulheres: 15; homens: 17. Todos os pacientes foram operados por cirurgiões chefes de cada grupo cirúrgico com anestesias idênticas e os mesmos cuidados pós-operatórios de rotina em cada Hospital.O circuito de extracorpórea obedeceu aos padrões usados pelas perfusionistas de cada grupo cirúrgico, e as bombas de sangue foram as peristálticas das máquinas de CEC. Os conjuntos de tubos e os filtros arteriais foram também fornecidos pela Nipro Medical.O volume total da solução de "priming" foi de 1200 ml a 2000 ml balanceado no perfusato em: • Solução cristalóide 9% (3 casos) Diluição parcial - sangue+soro fisiológico 3% (1 caso) • Colóide - soro fisiológico+albumina 3% (1 caso) • Durante a CEC a pressão arterial foi mantida entre 70 e 90 mmHg, com relação de fluxo de 2 a 2,4 L/min/m2. Foram utilizados normotermia nos casos de "Coronary Arterial Bypass Grafting" (CABG) (32°C) e hipotermia moderada para as outras patologias, de acordo com o caso cirúrgico (26 a 28°C).A cardioplegia com sangue foi utilizada na relação 4:1, sangue solução, (24 a 28 mEq/L) de acordo com a técnica de cada grupo cirúrgico, mostrado na Tabela 2. Dados Laboratóriais Adicional às análises padrões de laboratório, foram feitas as medidas de Tempo de Protrombina (TP) pré e pós-operatório, Tempo de Tromboplatina Parcial Ativado (TTPA), contagem de plaquetas, nível de fribrinogênio, complemento total (CH100) no pós-operatório, com 10 minutos protamina para reversão e retorno do Tempo de Coagulação Ativado (TCA), mostrado na Tabela 3. A heparinização usada foi de (400 U/kgf de peso corporal) para manter o TCA acima de 600 segundos. No final da cirurgia e da CEC, a reversão da Heparina foi feita com Protamina (1 mg para cada 100 U de Heparina total administrada) para retornar a coagulação normal. Eficiência do oxigenador A evolução dos oxigenadores de membrana sempre procurou contemplar uma boa troca gasosa com a menor área efetiva de fibras para reduzir a área de contato. A transferência de oxigênio é calculada pelo princípio de FICK modificado: Transferência de oxigênio (ml/min) = [(SaO2 - SvO2) x (Hb x 1,34) x Qb x 10] Onde: SaO2 - saturação arterial da hemoglobina SvO2 - saturação venosa da hemoglobina Hb - concentração da hemoglobina (mg/dl) Qb - fluxo da bomba em L/min 10 - é a conversão de mlO2/dl para mlO2/L Após o enchimento do oxigenador e a remoção de todo ar no circuito interno com solução cristalóide, efetuou-se a recirculação com 4 L/min durante 10 minutos, com a linha de gás ventilando a 1 L/min, este é considerado o tempo pré operatório do circuito de CEC. A primeira amostra de gasometria foi proposta para 15 minutos de CEC, a segunda aos 30 minutos e a última antes da saída de perfusão aqui identificados como Tempo 2, 3 e 4, respectivamente.Os parâmetros monitorados nos oxigenadores foram: concentração do O2 usado no misturador de O2+ar; temperatura do sangue nos pontos arterial e venoso do oxigenador e a temperatura da água de circulação no trocador de calor, através do sistema de ajuste e leitura da máquina de circulação extracorpórea, respeitando a diferença de no máximo 10°C entre o sangue e a água e o limite superior de 42°C da água circulante. A gasometria PO2 e PCO2 (pressões parciais de O2 e CO2) e o Ht (hematócrito) também foram avaliados. A pressão trans membrana (PTM) foi calculada medindo a pressão de entrada (PE) e saída (PS) na câmara de oxigenação do oxigenador Vital: PTM = PE - PS (mmHg) O fator de "performance" do trocador de calor (FP) foi calculado pela equação: FP = (Tse - Tss) / (Tse - Tae) Onde: Tse - temperatura de sangue na entrada (°C) Tss - temperatura de sangue na saída (°C) Tae - temperatura da água na entrada (°C) RESULTADOS Trinta e dois pacientes foram submetidos ao uso clínico do oxigenador de membrana Vital. Todos os oxigenadores foram montados no circuito de CEC. A feitura do "priming" e a remoção de ar do circuito obedeceram aos procedimentos padrões estabelecidos no protocolo do estudo.Não foram registradas complicações com os 32 pacientes nem qualquer tipo de morbidade que pudesse ter relação com o uso do oxigenador Vital. Os dados relacionados ao tipo de patologia e distribuição da patologia são mostrados na figura 1, que ilustra o gráfico de distribuição de patologias, com predominância nas cirurgias coronárias (50%), seguido pela valvular (28%).A tabela 3 lista os 32 oxigenadores Vital distribuídos nos três hospitais, associados aos dados dos pacientes e patologias, sendo que no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e no Hospital Beneficência Portuguesa foram usados 11 oxigenadores e no Hospital do Coração, 10 oxigenadores.Na tabela 4 estão os dados da perfusão separados por limites mínimo, máximo e médio encontrados para os 32 pacientes. O paciente com mais tempo de CEC esteve em perfusão por 153 minutos e o de menor tempo de CEC foi de 25 minutos, com uma média de 82,4 minutos. O tempo de aquecimento variou de 9 a 38 minutos, com uma média de 22,2 minutos, e a menor temperatura de hipotermia foi de 17,4°C. Os limites de Ht pós CEC variaram de 18 a 48%, com uma média de 38,1%.Os casos cirúrgicos que utilizaram hemoconcentrador ao final da cirurgia removeram de 300 a 2300 ml de soro, com uma média de 1191,7 ml. Finalmente, o "priming" para o preenchimento total do oxigenador Vital variou de 1200 a 2000 ml, com uma média de 1504,7 ml. DISCUSSÃO O desenvolvimento do oxigenador de membrana Vital foi submetido, em primeira instância, a uma avaliação exaustiva em laboratório, teste "In Vitro", seguido por avaliações experimentais com bezerros e, finalmente, após estes experimentos, foi submetido a esta avaliação clínica com 32 pacientes em 3 hospitais. Os estudos em laboratório "In Vitro" permitiram conhecer em detalhes todos os parâmetros funcionais do oxigenador Vital, de modo a registrar, controlar e analisar estes dados frente aos parâmetros esperados para um oxigenador para pacientes adultos (7, 8).Embora existam controvérsias sobre os resultados obtidos nestes testes "In Vitro" de acordo com os padrões internacionais, outros autores acordam serem os testes "In Vivo" experimentais melhores para determinar os parâmetros funcionais de um oxigenador (3, 11, 12). Em razão do desenho simplificado no circuito da câmara de oxigenação do oxigenador Vital, foi possível uma significativa redução em seu "priming", com uma eficiência sustentável e homogênea na capacidade de troca gasosa entre o início e o final da CEC. O baixo "shear stress" ( ) obtido nos cálculos durante o projeto da câmara do oxigenador Vital e a baixa pressão transmembrana (PTM) estão suportados pelo desenho do circuito simplificado na câmara sendo apenas um cilindro com fluxo de sangue fluindo pelas geratrizes deste cilindro.Diversos autores que examinaram estas duas grandezas (PTM e ) em diversas situações afirmam que a PTM não se correlaciona com o e a hemólise, porque as dimensões da câmara do oxigenador (raio e comprimento) devem ser levados em consideração no projeto dos diferentes oxigenadores (6, 9, 11, 13). Isto é, o desenho da câmara de oxigenação que tem um circuito hemodinâmico mais simplificado causa menor , isto porque tem menor resistência interna à passagem de sangue. As câmaras de oxigenação do oxigenador Vital, quando considerados seu raio e comprimento, e seu desenho sem o trocador de calor acoplado permitiram no cálculo do um valor bastante inferior aos demais oxigenadores (14).Considerando todos os aspectos construtivos, projeto, desenho e conceito do oxigenador Vital e seus resultados da avaliação clínica, endossado pelo aceite das perfusionistas e médicos que participaram e registraram os dados funcionais do oxigenador Vital, permitiram a aprovação do oxigenador Vital para uso clínico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. DESOMER, F; FOUBERT, L; VANACKRE, M. et al. Impact of Oxygenator Design on Hemolysis, Shear Stress and White Blood Cell and Platelet Counts. J. Cardiothorac Vasc Anesth 1996; 10;884-89 2. BEARSS, M.G. The Relationship Between Membrane Oxygenator Blood Path Pressure Drop and Hemolysis: an In Vitro Evaluation. J. Extra-corp Technol 1993; 25 87-92 3. FRIED D.W; BELL-THOMPSON J. 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