A arte religiosa no Renascimento No fim do Renascimento, Cristo ocupa claramente o centro do quadro, segundo um princípio clássico, mas passa já a um segundo plano e é o pintor que vem ocupar o primeiro plano da cena” Profundas transformações, ideológicas, sociais e culturais marcaram a história da humanidade. Algo novo surgia e possibilitava a melhoria de condições, ora a classe dominante, ora, aos dominados. Assim aconteceram com as relações imperiais e sociais, entre nobreza e plebe; com as relações feudais, entre senhores e vassalos; e, não diferente, nas relações religiosas, principalmente cristão-católicas, entre clero e povo. Nos últimos séculos do período medieval o homem começa a olhar para si mesmo, a razão passa a sobrepor- lhe a fé e cresce nele a necessidade da busca pela verdade, que agora descobre estar além dos muros das igrejas. O pensamento secular começa a ganhar espaço na sociedade, surgindo ai um movimento chamado humanismo que, inspirado na antiguidade clássica, buscava um novo modelo de produção intelectual e artística. As ideias desse movimento eram fortes e convenientes. Para sua disseminação foram fundadas academias em que se ensinava grego e latim. A invenção da imprensa de Gutenberg também exerceu influência significativa, tirando o domínio intelectual dos monges e copistas. Nesse contexto, os aspectos artístico e literário do homem aguçaram-se, produziu-se muito de filosofia, ciência e arte. O homem, munido de um espírito racionalista, descobriu-se o centro do universo. Sabe-se capaz de pensar e explicar os fenômenos ao seu redor, tendo na sua razão a base de todo o conhecimento, que agora pode alcançar através da observação e da experimentação. É o Renascimento – Termo surgido no século XV para designar esse movimento artístico e cultural marcado principalmente pelo reavivamento do conhecimento do homem acerca de sua própria natureza. Desse modo vê-se o destronamento de Deus. O mundo não gira mais em torno dele. Surgem grandes nomes como: Giotto di Bondone, Erasmo de Roterdã, Sandro Botticelli, Dante Alighieri, Leonardo Da Vinci, Miguel Ângelo, Rafael Sanzio, Giovanni Boccaccio, Giordano Bruno e Lutero etc., além de várias obras entre escritos e pinturas. Todos estes de alguma forma questionaram verdades até então absolutas e as retrataram em suas obras. É importante notar que o Renascimento, como movimento de transformação da sociedade, provavelmente enfrentara alguma resistência, principalmente pela Igreja, a serviço de quem o Tribunal do Santo ofício trabalhava incessantemente para defesa da fé. Assim nota-se que as obras primárias renascentistas ainda abordam com alguma presteza o tema de Deus, as pinturas ainda trazem em evidência figuras celestiais ou, simbolicamente, mitológicas. É claro que nem sempre o autor fazia assim por pura piedade, mas deixava de modo subliminar sua mensagem crítica e questionadora. No entanto, o Renascimento já no século XVI abre as portas para a Idade Moderna, onde se dará valor a liberdade e a autonomia política, religiosa, científica e mais expressivamente, estética, partindo-se do caráter sensitivo e impressionista da arte. Assim, as pinturas antes marcadas pela obscuridade ganham cores claras e nítidas e o pintor renascentista sente-se mais livre para pintar a realidade que o cerca, detalhando elementos aparentemente banais, mas que refletem a sociedade. É neste momento final do Renascimento que o antropocentrismo assume verdadeiramente lugar no pensamento europeu. Semeiam-se os germes de movimentos revolucionários como a Reforma, a Revolução Inglesa e o Iluminismo que são fundamentalmente baseados no pensamento renascentista. De tal modo, o pintor que assina a obra e ocupa o primeiro plano da cena, assumindo o posto até então reservado a Cristo ou a algum ser divino, representa o cerne do pensamento naquele momento. É o paradigma do homem moderno: racional, individualista e secularizado que nega, relativiza ou satiriza Deus. O Cristo jogado para o segundo plano traz à tona a expressão artística de todo o Renascimento – De tudo o que renasceu, é o homem o eterno senhor da história! E se “toda a arte é ilusão, inclusive ilusão da própria ilusão”, o pintor iludido, pinta sua desilusão naquilo que critica e, desiludido, pinta sua ilusão naquilo que se não lhe é real, que espera e sonha construir e viver. O homem que busca a verdade não a encontrará fora da própria realidade em que está imerso, realidade essa repleta de alegrias e tristezas, farturas e misérias, ideias e atitudes. Somente o homem da práxis que pensa e age e é capaz de encontrar-se em si mesmo conhecerá a verdade que tanto almeja. Cláudio Geraldo da Silva.