ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática - Lingu@ Nostr

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Lingu@ Nostr@ - Revista Virtual de Estudos de Gramática e Linguística do Curso de Letras da Faculdade de Tecnologia IPUC – FATIPUC.
ISSN 2317-2320
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
Ensinar ou não ensinar gramática? Eis a questão...
To teach or not to teach grammar? That is the question...
Alceu Vanzing
*
A professora Irandé Antunes possui graduação em Línguas Neolatinas pela
Universidade Federal do Ceará, Mestrado em Linguística pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), com a tese “O ensino da língua materna como integração
de conhecimentos linguísticos”, e Doutorado pela Universidade de Lisboa (UL) com
a tese intitulada “Aspectos da coesão lexical na organização do texto escrito de comentário”, obtido em 1993. Atualmente, Irandé é professora e pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará, especialista em Língua Portuguesa, junto à Secretaria
do Estado do Ceará e ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). Exerce ampla
atividade de divulgação técnico-científica, principalmente para professores de Língua
Portuguesa, em cursos, palestras, seminários, congressos e debates sobre os temas: língua, texto e discurso, gêneros textuais, produção escrita, leitura e formação
de professores.
Muito além da gramática: para um ensino de línguas sem pedras no caminho,
de Irandé Antunes, retoma um assunto muito comum entre os estudiosos da língua
pátria, pois debate o ensinar ou não ensinar gramática nas aulas de português. Uma
questão que já vem sido debatida por muitos linguistas (Marcos Bagno, Carlos Alberto Faraco, João Wanderlei Geraldi, Sírio Possenti, Mário Perini etc), mas que,
apesar do grande progresso da linguística, ainda não evoluiu, porque os professores
ainda se encontram reféns da tradição gramatical.
A autora, no primeiro capítulo, já questiona um mito no ensino de português,
pois muitos professores e leitores acham que para garantir a eficiência nas atividades de falar, de ler e de escrever, basta estudar gramática (na maioria dos casos,
nomenclatura gramatical) ou até mesmo o de não ensinar gramática.
*
Licenciado em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa e Língua Espanhola e suas respectivas
literaturas pelo UNILASALLE, de Canoas/RS. Pós-graduado em Gramática e Ensino de Língua Portuguesa pela UFRGS. Professor nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Tecnologia IPUC – FATIPUC –, de Canoas/RS. E-mail: <[email protected]>.
www.linguanostra.ipuc.edu.br – [email protected] – Canoas/RS, Volume 1, Número 1, janeiro / junho de 2013.
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Irandé menciona que a língua não pode ser vista apenas como uma questão
de certo ou errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem a uma determinada classe e que se juntam para formar frases. A língua é parte de nós mesmos,
de nossa identidade cultural, social e histórica, que é por meio dela que se socializa,
interage e desenvolve o sentimento de pertencimento a um grupo ou a uma comunidade.
A escritora esclarece que língua e gramática são coisas distintas e que a concepção ingênua que língua é constituída por um único elemento, a gramática, é falsa. Se for assim, saber uma língua é saber uma gramática ou saber a gramática é
dominar totalmente uma língua. Nessa concepção, analisando a frase: “A muié veio
onti.”, o falante que a pronunciou é taxado como alguém que não sabe falar, para
aqueles que equivalem língua e gramática. Nessa crença, consolida-se que o estudo
de uma língua é o estudo de sua gramática, quando na verdade são coisas distintas.
A língua é uma atividade interativa, direcionada para a comunicação social, por isso
se supõem outros componentes além da gramática.
Para a autora a língua é constituída por dois elementos: um léxico (o vocabulário da língua) e uma gramática (regras para construir palavras e sentenças da língua). Esses elementos estão em íntima relação e em permanente entrecruzamento,
tanto que o componente da gramática inclui regras que especificam a criação de novas unidades do léxico. O léxico é um conjunto extenso de palavras que constituem
as unidades-base dos nossos enunciados. A língua é, na verdade, um conjunto (léxico e gramática) materializado em textos, que permite a atividade significativa das
atuações verbais. Assim, não é pertinente considerar que a gramática é a língua, ou
que toda a língua é constituída apenas de gramática.
Assim sendo, equivoca-se o professor que somente trabalha com nomenclaturas e listas de exercícios centrados em definições, classificações e exercícios em
torno de classes de palavras. Afinal, língua e gramática não se equivalem e, por isso, o ensino não se constitui apenas de lições gramaticais, pois a gramática sozinha
não é capaz de preencher as necessidades interacionais de quem fala, escuta ou lê.
Ninguém fala, ouve, lê ou escreve sem a gramática, que sozinha é absolutamente insuficiente, porque a interação verbal requer o conhecimento do real ou do
mundo, o conhecimento das normas de textualização e o conhecimento das normas
sociais de uso da língua. Enfim, reafirmando, ser comunicativamente bem-sucedido
é mais que uma questão de saber gramática, de analisar frases e reconhecer as
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funções sintáticas de seus termos. Se fosse assim, segundo a autora, seria bem
mais fácil ampliar a competência das pessoas para atuarem comunicativamente.
Em termos gerais, estudar além da gramática leva a procurar explorar o conhecimento de outras áreas, de outros domínios e assumir a certeza de que ao lado
do conhecimento da gramática outros são necessários, imprescindíveis e pertinentes. Portanto, não tem fundamento científico a orientação de que “não é para ensinar
gramática”. Não se deve ensinar apenas gramática, que descontextualizada, voltada
apenas à análise e classificação de frases soltas, só leva a “decorebas inúteis”. Deve-se dar enfoque ao ensino que leve à percepção do fato gramatical, ao verdadeiro
ensino com significado.
Muitos professores acham que ensinar nomenclatura gramatical é ensinar
gramática, quando, na verdade, tal ensino vai muito além. Estudar gramática é necessário para que as pessoas atuem de forma eficaz nas diversas situações da vida
social: falando, lendo e escrevendo textos de diferentes gêneros textuais com o adequado nível de formalidade.
Estudar gramática é estudar suas regras, que são normas, são comandos,
são princípios que orientam ou disciplinam a realização de determinada atividade.
Nessa visão, os dogmas são as normas que especificam os usos da língua, que ditando como deve ser a constituição de suas várias unidades, em seus diferentes
estratos. Daí que as regras são naturalmente prescritivas, no sentido de estabelecer
as normas do como deve ser ou do como não deve ser o uso das diferentes unidades linguísticas.
Estudar nomenclaturas gramaticais é estudar os nomes das classes gramaticais. Dar nomes às coisas é uma relação que acompanha o homem e com a linguagem não é diferente. As nomenclaturas gramaticais, como o próprio nome indica,
dizem respeito aos nomes das unidades gramaticais. Funcionam como rótulos, como expressões de designação, para que leitor/estudante possa, quando necessário,
falar de todas chamando-as por seu nome, embora também expressem determinada
visão dos fatos que designam. Mas não são regras, não implicam competências para alguém falar e escrever melhor.
Os professores de Língua Portuguesa devem ir além do ensinar nomenclaturas ou ensinar a tradicional gramática normativa. Tem que ensinar além da gramática. Devem mostrar o fato gramatical aos seus alunos, levá-los a perceber a gramática e o porquê estudá-la.
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Enfim, tem-se que ensinar a gramática de maneira diferenciada, mas isso não
é sinônimo de levar em conta somente a norma culta, porque se deve valorizar a
demais variantes, pois faz parte da bagagem própria de cada aluno. Destaca-se que
o papel da escola é mostrar que existe uma norma que é tida como norma padrão
para certas formalidades.
A escola deve apreciar a diversidade linguística de seus discentes, mas não
deve desprestigiar a norma culta porque o aluno deve saber utilizar cada variante
linguística em diferentes situações. Isso seria o ideal para o idioma, adaptar a comunicação com cada situação. Esse seria o papel da escola. Ela deve respeitar as variantes, mas sempre mostrar o padrão, sem pregar o preconceito, pois a adequação
gramatical é essencial para a comunicação geral.
Na obra, a autora lista uma lista de equívocos no ensino da Língua Portuguesa, mas o diferencial, nesta obra, é que a autora faz críticas, apresentando sugestões coerentes para todos os equívocos ou críticas.
A escritora compara os equívocos no ensino de português a pedras no caminho como na poesia de Carlos Drumonnd de Andrade. Esses, em termos gerais,
resultam da falta de um conhecimento de base científica em relação a: a) o que é
uma língua; b) como funciona; c) que componentes apresenta; d) que implicações
sociais e políticas estão embutidas em seu uso. Essas constatações são mantidas
pela sociedade em geral, pois atribui à gramática uma função muito além daquela
que realmente lhe cabe.
A autora critica a forma de ensino da gramática nas escolas, apresentando
opções de como melhorar o seu aprendizado, mas, em nenhum momento, prega o
abandono da norma culta. Menciona que o objetivo da escola é promover o acesso
dos alunos ao uso da norma prestigiada – objeto do qual não se pode abrir mão –
também justifica a prática pedagógica de priorizar a dimensão interacional, discursiva e textual da língua, pois os bons textos, exemplares do uso culto da língua, somente estão disponíveis em textos, falados e escritos.
Tem-se que ensinar gramática, mas de uma maneira moderna e atrativa que
leve o aluno a ter prazer em aprender, deve-se levar o aluno a perceber a norma
culta, o fato gramatical, o porquê que está utilizando tal regra, o porquê utilizar a
norma culta e não a variante desprestigiada.
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O ensino voltado somente à classificação de frases soltas, ou calcado no ensino de nomenclaturas, é tempo perdido, que poderia ser preenchido com atividades
de análise, reflexão, produção e revisão dos mais diferentes gêneros textuais.
Irandé apresenta uma sugestão de programa para ensino de Língua Portuguesa, o qual prestigie a gramática e ajude o professor a avançar para além da gramática propriamente dita, já que ela é insuficiente para o exercício da atividade verbal.
Ressalta-se, novamente, que o diferencial desta obra é que a autora faz duras
críticas ao ensino gramatical atual, mas defende o ensino da gramática, não prega o
seu abandono.
A autora encerra sua obra trazendo novamente o diferencial entre língua e
gramática, que são coisas distintas e que não devem ser confundidas. A língua tem
mais acordes, mais vibrações, uma pauta maior, com mais notas e mais vibrações. A
língua nem cabe na gramática. A gramática é menor, mais curta, menos abrangente.
Tem menos lições. Portanto, as duas não rimam.
Língua e gramática também não rimam quando se confunde o estudo de nomenclatura com o estudo da gramática; quando não se vai além da nomenclatura,
para encontrar os sentidos que transparecem no uso real, concretizado, efetivado.
Uso geral. Todos. Não apenas aqueles que são reconhecidos como “cultos” ou
“prestigiados”. Todos têm sua validade e ninguém pode ser visto como menos dotado por não saber alinhar pela erudição e pela língua “bem-falada”.
Língua e gramática podem ser uma solução aprendendo a apreciar a recriação da língua cada vez que a gramática varia, cada vez que ela se submete às condições de uso e se deixa levar pelos propósitos de quem a usa; quer dizer, se não
deixar que a gramática assuma o comando absoluto de tudo e saia do lugar de adjuvante; de companheira, apenas, cuja presença é necessária, mas não, suficiente.
Língua e gramática podem ser uma solução se soubermos ir adiante, muito
além da gramática; muito além até mesmo da língua, para alcançar a nós mesmos e
aos vestígios mais sutis da cultura, da história, dos discursos todos que teceram e
tecem os versos de cada um. Teríamos cumprido a missão sonhada de fazer a travessia do ensino de línguas sem tantas pedras no caminho!
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